1908 - Morre Machado, Nasce Rosa

Por Rodrigo Novaes de Almeida | 29/05/2008 | Literatura

O pai da Academia Brasileira de Letras

Machado de Assis era de origem humilde, filho de um mulato com uma portuguesa. Nasceu no dia 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro, e morreu no dia 29 de setembro de 1908, também no Rio de Janeiro. Considerado pelo crítico Harold Bloom como "o maior escritor negro de todos os tempos", Joaquim Maria Machado de Assis foi um autodidata. Iniciou sua carreira trabalhando como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial, que tinha como diretor o romancista Manuel Antônio de Almeida.

Aos quinze anos, estreou na literatura com o poema Ela, publicado na revista Marmota Fluminense. Machado colaborou em diversos jornais como cronista, contista, poeta e crítico literário, e tornou-se amigo de José de Alencar, o mais proeminente escritor da época. E foi José de Alencar o escolhido por Machado como seu patrono na Academia Brasileira de Letras. Uma homenagem póstuma feita pelo fundador da cadeira número 23 para o amigo, morto vinte anos antes da criação da ABL, também chamada, posteriormente, Casa de Machado de Assis. Ele foi o seu primeiro presidente, cargo que ocupou por mais de dez anos.

A obra de Machado abrange, praticamente, todos os gêneros literários. "Ele escreveu desde crônicas, drama, novela, poesia, até os gêneros em que recebeu maior destaque, o romance e o conto. Além disso, o canhoto mestiço, criado no morro do Livramento, foi autodidata e trabalhou como jornalista, crítico e ensaísta. Entre 1881 e 1897, Machado publica crônicas no jornal Gazeta de Notícias. Estas são consideradas suas melhores. Em 1881 também, sua obra é cindida pela publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, romance que inaugura o realismo no Brasil. No entanto, Machado ultrapassa fronteiras limítrofes de escolas literárias por trabalhar com maestria as análises psicológicas e sociais forjadas em seu estilo reticente e sarcástico que alcança uma complexidade excepcional. A incessante interpelação do autor para com o leitor é digna do exímio jogador de xadrez que era", diz a escritora, especialista em Literatura Brasileira pela Uerj e mestranda em Letras pela UEL, Beatriz Bajo.

Com Memórias póstumas, Machado de Assis entrou na grande fase das obras-primas, que fogem a qualquer denominação de escola literária e que o tornaram o escritor maior das letras brasileiras e um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa.

O jornalista Juarez Bahia comenta em seu livro História da imprensa brasileira que até mesmo Machado enfrentou dificuldades com editoras. Naquele tempo, os livros eram impressos em Lisboa e no Porto ou em Paris. Os jornais de então é que faziam as vezes de publicar autores. Jornalismo e literatura viviam uma estreita ligação.

Jorge Alberto Dias Carvalho, professor de História e profissional do mercado editorial há 23 anos, revela um caso ocorrido 11 anos atrás: "Estávamos na Bienal do Livro do Rio quando eu soube. Alguém tinha enviado um livro do Machado como original para avaliação para as maiores editoras do país. Nenhuma reconheceu o texto e, pior, nenhuma aceitou o 'original'."

Jorge Alberto faz questão de registrar sua opinião sobre o ensino nas escolas do país. Para ele, há um anacronismo educacional no tratamento dispensado à literatura. "Penso que, de certa forma, é um crime fazer uma criança ler autores complexos como Machado. Nenhuma gosta, e assim acabam não adquirindo o prazer da leitura. É um modelo educacional condenado. Eu, por exemplo, fui redescobrir Machado aos vinte e tantos anos, já casado. Arrumava a estante, em casa, quando esbarrei e derrubei um livro. Era O alienista. Comecei a folhear o livro. Gostei. Desde então passei a ler os clássicos da nossa literatura e também os grandes autores estrangeiros. Esta redescoberta de Machado me ajudou a entender o pensamento e a história do século XIX, o Rio de Janeiro daqueles anos, e o que talvez seja o mais importante, me ajudou muito a usar a literatura no ensino de História".

O mágico das palavras e dos significados

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, interior de Minas, em 27 de junho de 1908 e morreu no Rio de Janeiro no dia 19 de novembro de 1967. "Médico e diplomata, ele foi eleito à Academia Brasileira de Letras por unanimidade na segunda candidatura, em 1963, mas tomou posse apenas em 1967, três dias antes de falecer", comenta Beatriz Bajo.

Sua obra é ambientada quase inteiramente no sertão brasileiro. Ele próprio, em carta para o amigo João Condé, apresentaria a razão dessa escolha ao escrever que num dado momento tinha que decidir "o terreno onde localizar as minhas histórias. Podia ser Barbacena, Belo Horizonte, o Rio, a China, o arquipélago de Neo-Baratária, o espaço astral, ou mesmo, o pedaço de Minas Gerais que era mais meu. E foi o que preferi. Porque tinha muitas saudades de lá. Porque conhecia um pouco melhor a terra, a gente, bichos, árvores. Porque o povo do interior – sem convenções, 'poses' – dá melhores personagens de parábolas: lá se vêem bem as reações humanas e a ação do destino: lá se vê bem um rio cair na cachoeira ou contornar a montanha, e as grandes árvores estalarem sob o raio, e cada talo do capim humano rebrotar com a chuva ou se estorricar com a seca".

Era "o local universalizado". Desse local, o sertão brasileiro, para o universal, o mundo. "Assim – diz a escritora Beatriz Bajo – o sertão brasileiro dos contos e romances de Rosa é o mundo todo. Com uma erudição assombrosa, Rosa destacou-se como um experimentador da língua, sua amante, como ele dizia, porque acreditava que a renovação do mundo só poderia ser feita por meio da renovação da língua. A constatação da impossibilidade de deter o sofrimento humano o fez abandonar a área médica".

As peculiaridades de dois gênios

O jornalista e escritor José Castello, em seu artigo A mão e a cabeça, publicado no suplemento Prosa & Verso, do jornal O Globo, do dia 15 de março de 2008, escreveu sobre um Machado quase desconhecido para a maior parte dos leitores, o Machado poeta. Diz Costello: "Escrever versos, medíocres, circunstanciais, de sedução ou desabafo, quase todos, em algum momento da vida, escrevemos. Mas Machado não foi um poeta de juventude, ou um poeta bissexto. Ao longo de 35 anos, publicou quatro livros de poemas (Crisálidas, de 1864; Falenas, de 1870; Americanas, de 1875 e Poesias completas, de 1901). Este último inclui seu livro mais importante, Ocidentais". E continua: "Cultivou uma técnica sofisticada (foi precursor do parnasianismo). Permitiu-se guinadas de risco (do romantismo ao realismo, da poesia narrativa à filosófica) [...] Pelo menos dois Machados se deixam entrever. O poeta meticuloso, artífice sutil das palavras que, precursor dos parnasianos, se destaca pela técnica e pela habilidade – o poeta ouvires, que privilegia a mão. E um segundo poeta que, sem superar a vocação de fabulador, escreve uma poesia dilatada e narrativa – o poeta da prosa, da lábia, da cabeça".

Guimarães Rosa percorreu caminhos até então inéditos na literatura. Renovou o romance brasileiro com os seus experimentos lingüísticos e, quando morreu, aos 59 anos, era cogitado, por iniciativa dos seus editores franceses, italianos e alemães, para o Nobel de Literatura. Sua obra-prima Grande sertão: veredas, de 1956, foi traduzida para várias línguas e se compara, na literatura universal, a obras paradigmáticas como Ilíada, de Homero, a Divina comédia, de Dante, Dom Quixote, de Cervantes, e Fausto, de Goethe. De forma similar, pode-se comparar o Machado de Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro ao Dostoiévski de Crime e castigo, O idiota e Os irmãos Karamazov.

"Grande sertão é um romance estupendo que inaugurou, na literatura brasileira, uma nova maneira, mais visceral e menos utilitária, de encarar a linguagem literária", revela o jornalista e escritor José Castello. O "dialeto rosiano" é uma extravagância estilística que valoriza mais o literário que o literal, e expõe a língua portuguesa como campo experimental, assim definiria o professor e coordenador de estudos brasileiros na Universidade da Flórida, Charles A. Perrone. Fascinado pela simplicidade do homem comum, Guimarães Rosa, nesta sua obra singular, escreve: "A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada".

As principais obras de Machado e Rosa

Em Machado de Assis, dividimos suas obras em duas fases, a chamada primeira fase de sua carreira, de caráter romântico, marcada pelas obras: Ressurreição (1872), A Mão e a luva (1874), Helena (1876), e Iaiá Garcia (1878), as coletâneas de contos Contos fluminenses (1870), Histórias da meia-noite (1873), as coletâneas de poesias Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1875), e as peças Os deuses de casaca (1866), O protocolo (1863), Queda que as mulheres têm para os tolos (1864) e Quase ministro (1864). Na segunda fase, suas principais obras são: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1892), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904), Memorial de Aires (1908), as coletâneas de contos Papéis avulsos (1882), Várias histórias (1896), Páginas recolhidas (1906), Relíquias da casa velha (1906), e a coletânea de poesias Ocidentais.

As principais obras de Guimarães Rosa são: Magma (1936), Sagarana (1947), Corpo de baile (1956), Grande sertão: veredas (1962), Primeiras estórias (1962), Noites do sertão (1965), Tutaméia – terceiras estórias (1969), e, postumamente, Estas estórias (1969) e Ave, palavra (1970).