15 de Outubro, Dia do Professor

Por Léa Mattar Leister | 14/10/2010 | Crônicas

15 de Outubro, Dia do Professor

Tarde ensolarada acompanhada de uma brisa fresca que balançava suavemente os galhos das árvores da Praça Fernando Amaro em "Pasárgada".
Sentada em um banco da praça estava uma mulher. Ela tinha pele clara, olhos asiáticos e cabelos afros. Trazia uma ansiedade em seu semblante. Ao seu lado, sobre o banco, podia-se ver uma sacola com alguns livros e sobre o encosto do banco, repousava um guarda-pó branco. Com certeza era uma professora.
Em outro banco, um homem sentado a observava. Ele era baixo e os cabelos que ainda lhe restavam eram brancos e chegavam à altura do pescoço e, para aumentar o seu ar desleixado também tinha barba comprida, usava óculos e fumava tranquilamente um cigarro de papel. De repente, ele levantou-se abriu os braços e com um sorriso no rosto exclamou - Que bons ventos o trazem de sua terra tão distante meu caro Michel? Depois de um abraço fraterno o cavalheiro respondeu ? Meu caro Paulo, sei de seu hábito em freqüentar essa praça, por isso, vim ter contigo.
Michel era um homem completamente careca, usava óculos, tinha um sorriso simpático e sotaque estrangeiro. Os dois sentaram-se. Michel acendeu um cachimbo deu algumas baforadas e quando iam começar a falar, os dois levantaram-se, pois avistaram outro cavalheiro que se aproximava. Michel foi quem manifestou um apreço maior pela chegada do amigo. ? Ulalá, isso parece um encontro marcado, seja bem vindo meu caro Darcy! Sua chegada foi providencial.
Darcy tinha uma vasta cabeleira branca que combinavam harmoniosamente com seu também vasto bigode, e usava óculos com aros de metal.
Depois dos abraços e cumprimentos fraternais os três cavalheiros sentaram-se e puseram-se a conversar.
Paulo continuava a observar a mulher solitária no banco logo à frente.
Darcy percebendo a insistência do olhar de Paulo comentou ? aquela mulher deve estar remoendo algo de difícil solução, pois o olhar dela parece-me longínquo e inquisidor. Paulo sentindo-se constrangido pela tirada de Darcy apressou-se em explicações. ? Acho que é uma professora e, todos os professores dedicados, sempre estão aparentando cansaço, pois gastam muito de seus horários preparando aulas e estudando, pois, acredito que "Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha".
Olhe meu caro Paulo, diante as dificuldades "Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca."
Caro Darcy, disse Paulo, isso todos nós sabemos, não se exalte, relaxe e aproveitemos essa tarde adorável. O caso é que quando vejo um professor com semblante tão ansioso, em estado de expectativa, eu estremeço. Porque a "verdade da profissão de professor ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho".
Michel suspirou fundo e disse ? "todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo."
Por isso meus caros: existe sempre a dúvida constante entre o que se tem que fazer e o que se quer fazer. "Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir."
A mulher do outro lado abriu a sacola, pegou um livro e começou a folhear.
Darcy chamou a atenção dos dois outros para o ocorrido e acrescentou "livros a-mãos-cheias, a todo o povo. O livro, bem sabemos, é o tijolo com que se constrói o espírito. Fazê-lo acessível é multiplicar tanto os herdeiros quanto os enriquecedores do patrimônio literário, científico e humanístico, que é, talvez, o bem maior da cultura humana."
De repente, a mulher esquecendo-se por alguns minutos que estava em público leu em voz alta
[...]
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Os três cavalheiros se olharam e sorriram saborosamente.
Que maravilha! Exclamou Paulo. Era tudo o que precisávamos ouvir para tirar as dúvidas. Ela é uma professora de Literatura. Nada como ouvir Bandeira para sentir o quanto o povo brasileiro é especial.
Então, Darcy emocionado falou ? "Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros..."
Nesse momento encaminhavam-se em direção à professora três jovens. Um deles, pelo visto, o mais extrovertido, de longe bradou ? Querida professora Cecília, que bom que a senhora veio. Desculpe o atraso.
A professora levantou-se, recebeu abraços e cumprimentos por aquele dia tão especial. Logo após, encaminharam-se ao Café Mário Lago, localizado numa das esquinas da Praça Fernando Amaro.
No banco à frente, os cavalheiros apreciaram aquela cena tão tocante.
Disse Paulo ? É meus caros, infelizmente, mesmo sendo professores nos esquecemos que hoje também é nosso dia ... será que estamos envelhecendo?
Michel levantou-se, olhou para o céu, pensou um pouco e disse "É preciso cavar para mostrar como as coisas foram historicamente contingentes, por tal ou qual razão inteligíveis, mas não necessárias. É preciso fazer aparecer o inteligível sob o fundo da vacuidade e negar uma necessidade; e pensar o que existe está longe de preencher todos os espaços possíveis. Fazer um verdadeiro desafio inevitável da questão: o que se pode jogar e como inventar um jogo?"
Depois de risos e de alguns abraços, Paulo concluiu "A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem "águias" e não apenas "galinhas". Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda."
Depois desse desfecho maravilhoso, os três cavalheiros foram tomar chá num lugar muito especial, pois, lá em "Pasárgada", todos são amigos do rei e de Drummond também.