“1. DA ADOLESCÊNCIA (CONCÓRDIA/SC) COM ROGÉRIO KOPPE DE MENEZES; 2. AO (DES)ENCONTRO COM O GENERAL EDNARDO D'ÁVILA MELLO NAS MEMÓRIAS DO PIC/PE-BRASÍLIA-1974/1975; 3. AO CASO CÉSARE BATISTI”.
Por Felipe Genovez | 16/01/2019 | História1º Ato: Do crepúsculo da Adolescência em Concórdia (Santa Catarina), a Família Koppe Menezes e o porvir:
Corriam os últimos meses do ano de 1973. Nessa época residia com minha família na cidade de Concórdia (Estado de Santa Catarina), na Rua D. Pedro II. Meu pai era o Delegado (substituiu o 1o Tenente Deniz de Oliveira Filho, entrando para história como a primeira autoridade policial de carreira da comarca, reivindicação de Atilio Fontana dono do Grupo Sadia), também professor e minha mãe lecionava no Colégio São José, o mais tradicional da região, em cujo estabelecimento conheci meu grande amigo, o saudoso Rogério Koppe de Menezes (filho do dentista Ayrton Menezes).
Concórdia, permeada por forte influência da colonização italiana, emergia como uma promessa econômica. Aquele verão quente, a visão provocada por nuvens de "poeiras barrentas" nas estradas centrais e o trânsito os caminhões frigoríficos pesados sobre os paralelepípedos, não destoava em nada de outros tempos que vivenciei naquela mesma cidade onde nos fixamos desde o final de 1968, quando lá chegamos vindos de São Francisco do Sul.
Respirávamos ritmos de “rock’n roll”, ouvíamos a “Rádio Rural – AM”, mas o forte era sorvermos os acordes contemporâneos dos Beatles, Joe Cooker, Franck Zappa, King Crimson, Weather Report..., líamos sobre nossos ídolos, assistíamos “Woodstock”... e nos deslumbrávamos com Peter Gabriel (ainda integrante do “Genesis” com seu "Selling England By The Pound") Cyd Barret (ainda no Pink Floyd com seu Umaguma...). À noite eu e meu inseparável amigo nos reuníamos no consultório do seu pai e nos alternavamos ouvindo discos na “vitrola” moderna ainda quente depois de um dia conectada na Rádio Guaíba (Porto Alegre-RS) e após tocar sem parar os discos de vinil que anestesiavam ouvidos "pacientes". Por meio do jovial Ayrton conheci instrumentistas como Franck Pourcel, “Vincent Bell” (estiloso em cordas), como também James Last, Ray Coniff... e o introduzi a roqueiros “cool” como David Gates... (Bread), dos quais ficou fã de carteirinha e comprou vários discos.
Para passar o tempo durante nossas férias escolares jogávamos xadrez, tênis de mesa e gastávamos nossas energias com longas conversas sentados no banco da praça, de frente para as Lojas Pittol (vizinha da residência dos pais de “Guéio”, apelido carinhoso que foi dado por sua genitora, a queridíssima Dona Lucila que fazia nossos cafés ao cair das tardes, acompanhado de panetones...), para ver as “donzelas do Serafim (Pittol)”, um senhor de idade avançada (para época), chinelão de couro típico dos italianos agricultores, altura mediana, beirando os sessenta e poucos anos, barriga bastante saliente, calça de tergal escura com frisos, camisa branca, chapel de palha, calvice acentuada e cabelos brancos (comandando suas filhas e as vendedoras de sapatos mais formosas da cidade).
À noite, vendo a dança das águas vindas dos chafarizes multicoloridos localizados no centro da Praça da Bandeira, nos entretínhamos com acordes no meu violão, colocavamos o papo em dia, aguardava“Guéio” passar os olhos pelo jornal Correio do Povo ou via ele ensaiar seus primeiros poemas articulados durante o longo tempo que permanecia no balheiro localizado no andar térreo do aconchegante lar, desenvolvendo toda a sua sensibilidade e inteligência singular, digna de um visionário e pensador. Nossas conversas transitavam entre música, política, notícias da cidade, projetos pessoais..... “Guéio”, irmão de Fabiano Koppe Menezes (mais tarde também dentista na cidade), apesar de uma vida tranquila na adolescência, já demonstrava forte tendência para as doutrinas socialistas e comunistas. Enquanto residiu e estudou em Curitiba cursou “Engenharia Eletrônica” e, depois, “Jornalismo” em Porto Alegre, mas acabou desistindo das duas faculdades, optando por retornar para Concórdia, sem esperar muito da vida, apenas quis lecionar para crianças na rede pública e fazer a sua “revolução”, bem ao seu jeito e de modo pacifista. Ainda nos seus tempos de faculdade realizou viagens à Cuba e Nicarágua para participar de congressos da esquerda.
Num final de semana, tarde da noite, quando ficávamos sentados nos degraus da escada existente na varanda da recepção do consultório do seu pai (anexo à residência) prosseguimos com nossas “tratativas” sobre uma pretensa viagem que pretendíamos fazer para o Estado do Amazonas na condição de “mochileiros”. Nessa ocasião brinquei com “Guéio” (que fez sinal avisando que seus pais mais uma vez poderiam estar ouvindo nossas conversas atrás da porta de entrada da recepção do consultório) dizendo que uma das formas de minimizarmos os custos dessa nossa empreitada seria procurar pessoas conhecidas para pernoitar, como no caso de Florianópolis (brincadeira porque minha avó residia na Capital-SC, em Curitiba tinha seus avós, em São Paulo meus parentes...). Cheguei a citar o caso o colunista social “Celsinho Pamplona” que segundo comentavam costumava receber adolescentes em seu apartamento na Rua Felipe Schmidt (ao lado das Lojas Americanas), inclusive dava bebidas e dinheiro... Na verdade, fiz aquela provocação pois imaginei que realmente Ayrton e Lucila poderiam estar ouvindo nossas conversas (já conheciam as cogitações que pensavam ser irreversíveis pois, segundo seu filho, eram comentadas recorrentemente no âmbito familiar). E não deu outra, Ayrton e Lucila se desesperaram com nosso “plano impossível” que estava sendo urdido como uma espécie de despedida prevista para os primeiros meses de 1974, já que no ano seguinte ele iria estudar em Curitiba e se preparar para o vestibular e eu tinha como destino certo o serviço militar na Polícia do Exército - PE, em Brasília.
Os dias que se seguiram na residência dos “Koppe Menezes” foram de apreensão porque nossa "meta" estava sendo levada a sério (e eu procurava alimentar aquele clima...), o que resultou em conflitos familiares e até vias de fato (Dona Lucila acabou dando umas chineladas em “Guéio” em razão do seu radicalismo em reafirmar que iria cumprir seu desiderato: "Aos confins do Brasil!!!"). Depois compreendi que “Guéio”, apesar da sua adolescência já era um "emancipado precoce", se posicionava com certa independência em relação a seus pais, o que fez com que sua volição despertasse aflições (depois me arrependi dessa brincadeira, até porque não imaginava que meu amigo estivesse levando tudo tão a sério, afinal de contas, não tínhamos dinheiro, autorização dos pais...).
“Registre-se que Guéio” recebia cuidados especiais por parte de seus genitores, considerando talvez a fragilidade de sua saúde (sempre foi muito obeso e sedentario) e era tratado ainda como se fosse uma “grande criança grande” (e ele era “grande em tudo!”).
Ayrton Menezes faleceu prematura e primeiramente (1982), vítima de um infarto fulminante, na cidade de Curitiba (no ano de 1976 voltei a residir na minha cidade natal -Florianópolis), em cuja ocasião “Guéio” me ligou comunicando o fato, senti que ele estava muito abalado e que apreciaria minha presença naquela “despedida”. Como estava tudo em cima da hora e minha agenda preenchida, não pude me fazer presente para confortar meu amigo e seus familiares queridos, apenas lamentei e orei em silêncio.
“Guéio” faleceu aos trinta e dois anos de idade, também vítima de infarto do miocárdio, isso quando lecionava xadrez para crianças numa escola pública de Concórdia (agosto de 1990). Pouco antes disso, no mês de março, estive na sua residência (morava com a mãe no mesmo endereço - Concórdia) e acertamos uma viagem até Foz do Iguaçu prevista para a segunda quinzena do mês de julho daquele ano, quando ambos estaríamos de férias. Antes disso, no mês de maio, pela manhã bem cedo, estive de passagem por Concórdia e Dona Lucila me avisou que seu filho estava participando dos “jogos abertos” do oeste, cujo evento estaria ocorrendo na cidade de Maravilha. Como também teria que passar à tarde por aquela cidade, logo que cheguei me dirigi até o ginásio de esportes e lá encontrei “Guéio” concentrado disputando uma das partidas de xadrez. Como havia um cordão de isomento em volta da sua mesa, me posicionei atrás dele, sem que pudesse notar minha presença (com certeza isso lhe tiraria a atenção), me misturado a outros expectadores. A seguir pedi para que um amigo que me acompanhava tirasse uma foto nossa para que posteriormente pudesse lhe fazer uma surpresa. Foi a última foto dele vivo (depois de alguns anos dei de presente para Dona Lucila). Logo que fui avisado por Fabiano fui ao enterro de “Guéio” (juntamente com o amigo Arno Vieira) que ocorreu em Concórdia. Encontrei Dona Lucila ao lado do caixão aos prantos quando percebeu minha aproximacao para o abraço. Logo foi me dizendo que naqueles últimos meses seu filho estava muito ansioso, contava os dias e só falava na nossa viagem para Foz do Iguaçu, fazendo planos, não vendo a hora de eu chegar... Foi então que relatei a história da sua última foto.
Seu enterro foi simples, um caixão sem qualquer ornamento ou requinte. Muitas crianças tristes, ex-alunos já adultos se faziam presentes, além de amigos que foram deixar o "aDeus".. Também, encontrei algumas pessoas conhecidas da minha época, como "Pecus", ex-jogador de vôlei da seleção de Concórdia.
Meu inesquecível amigo virou cidadão concordience honorário, nome de rua e personalidade da cidade.
De escrito, deixou seus poemas.
2º Ato: “A PASSAGEM PELO PIC/PE-BRASÍLIA”:
- Do “Cassino dos Oficiais” ao “PIC” e o encontro com a filha do General Ednardo D’Ávila Mello:
No início do mês de maio cheguei em Brasília para me apresentar na “Polícia do Exército”. Logo que o ônibus fretado estacionou meus longos cabeços foram cortados pelos "veteranos" que aguardam os calouros e suas vítimas mais preferidas.
Depois de um período de adaptação, acabei sendo designado para trabalhar no “Cassino dos Oficiais”, sob direção do Major Kleber. Aproveitava todo o tempo livre para estudar e depois de algum tempo fui convidado para assumir a responsabilidade pelo “Depósito” do “Cassino”, quando tive que conviver com alguns poucos Oficiais mal acostumados, ou seja, visitavam o depósito e carregavam o porta-malas de seus carros com presuntos, pernis suínos e outros alimentos... (eram apenas dois Oficiais que procediam eventualmente daquela maneira, mas que incomodava...). No “Cassino” e no depósito conheci o Major Othon que comandava o “PIC” (Pelotão de Investigações Criminais) que fazia a carceragem do “Presídio”, localizado dentro do Batalhão da PE e com fama de ser um lugar misterioso. Na época o Major Othon às vezes me surpreendia estudando no depósito e acho que passou a simpatizar comigo, chegando a me convidar para trabalhar no ““PIC”.Argumentei que era o responsavel pelo “Depósito” e auxiliava o Cabo Beça no “Cassino”, mas que se ele conversasse com o Major Kleber e me assegurasse que puderia pelo menos continuar a auxiliar no restaurante eu aceitaria seu convite. Por volta do mês de outubro de 1974 passei a trabalhar no PIC/PE-Brasilia. Lá encontrei o Soldado Paludo (também de Concórdia e que estudou comigo, era motorista) e mais dois soldados de Santa Catarina, um de Florianópolis e outro de Criciúma (fã de Raul Seixas) estes dois fotógrafos (tenho fotos com um deles).
A direção operacional do “PIC” estava a cargo do 1º Tenente Kurtz. Lembro que logo no início, num certo dia, tive que ir até o Gabinete do Major Othon, próximo do Comandante-Geral para levar um documento (Cel. Puglia) e o que me chamou a atenção um painel na parede (atrás da sua mesa) contendo um mapa detalhado da região norte do Estado de Goiás, onde apareciam nomes indicando núcleos de guerrilhas no Araguaia, locais como Xambioá, Marabá..., referências a guerrilheiros... Mas o que significaria tudo aquilo para um jovem soldado de dezoito anos? Foi quando entendi que estava trabalhando num dos cárceres (de suporte) de presos políticos e militares do Exército.
O Major Othon e o Tenente Kurtz nunca acessavam o Presídio que ficava sob direção operacional do Sargento Nogueira, Cabo Carlos, dentre outros (tenho fotos da época).
Uma das funções que exerciamos na época era a de segurança de Generais em visitas protocolares à Brasília, também, participação de eventos para acompanhar autoridades militares de alta patente e, ainda, durante visitas de delegações militares estrangeiras, além dos plantões carcerários.
Recordo que numa determinada data, isso em pleno verão de 2005, fui destacado para me infiltrar numa festa no Hotel de Trânsito de Oficiais de Brasília, em razão da presença do General Ednardo D’Ávila Mello (Comandante do II Exército) que visualizei sentado numa mesa maior, tendo a sua volta seus pares e vários Oficiais Superiores. Durante certa hora da madrugada uma moça que aparentava ter a minha idade se aproximou e começou a conversar espontâneamente comigo. Logo de início achei-a muito atraente e bastante comunicativa. No meio de pessoas de idade (todos Oficiais) talvez eu me destacasse especialmente pela juventude e ela pareceu muito interessada. Depois de jogarmos algumas conversas fora acabamos dançando. No curso da nossa aproximação ela me perguntou se eu era militar e onde trabalhava. Procurei não ser muito objetivo, respondi indiretamente, mas ela insistiu querendo saber qual era a minha patente e onde eu atuava no Exército. Não estava preparado para aquela pergunta e sem saber o que dizer, além de pretender manter em segredo a minha “missão”, argumentei que era Tenente R/2 e que trabalhava no “QG” de Brasília. Percebi um brilho nos olhos da minha doce companhia que segurou minha mão com firm eza e quase que me arrastou ao mesmo tempo que verberava: “Vem comigo, meu pai vai ficar feliz de te conhecer!” Em seguida ela às pressas foi me conduzindo em direção a mesa dos Generais. Fiquei assustado, passei a suar frio, segurei-a aos trancos a poucos metros da mesa dos generais e gaguejando indaguei: “Mas ‘q’, ‘q’ quem-ééé o ‘t’‘t’teu pai?” Ela respondeu parecendo ainda mais solta e alegre: “É o Comandante do II Exército, tu conheces ele, é o General Ednardo!”. Mantive meu corpo estático enquanto ela continuava tentando me tirar daquela posição, ao mesmo tempo que a poucos metros seu pai gesticulava e mantinha a conversação com seus pares que formavam um círculo a sua volta. Senti seu olhar nos observando, dando a impressão que economizava sua curiosidade com a visão de sua filha reluzente de mãos dadas com um estranho jovem que estava prestes a ser introduzido... Contendo meu estado de choque, de supetão consegui me desvencilhar da sua mão, dei meia volta e abandonei-a no mesmo lugar, batendo em retirada pelo salão sem olhar para trás, ouvindo ainda a voz grave do General ecoar num misto de monólogo para os atentos ouvintes, sem que não perdesse a sua curiosidade e observação ao presenciar a cena desconcertante envolvendo sua filha.
Depois de algum tempo ela (cujo nome esqueci) veio novamente falar comigo. Tive que dar uma desculpa esfarrapada e me perguntou com a mesma espontaneidade anterior onde meu carro estava estacionado porque queria conversar comigo num local mais tranquilo, sem barulho. Argumentei que tinha vindo com um amigo e estava de carona, a seguir a deixei quase que falando sozinha em clima de decepção, enquanto contava as horas para concluir minha “missão”, permanecendo o mais anônimo possível.
- Uma diligência no Conjunto “Venâncio I”, no centro de Brasília:
Naqueles tempos, lembro que o Sargento Nogueira (um militar veterano experiente, com características nordestinas, corpulento, altura mediana, bigode mexicano com fios grossos que contornavam a boca, meia idade, apresentava acentuada calvice) me convocou para uma “missão” no conjunto Venâncio I, na praça de alimentação (centro de Brasília), em cujo local havia denúncias de militares estarem envolvidos com pederastia. Devido ao calor do verão, Nogueira estava trajando uma camisa colorida, calça branca meio apertada e uma sapatilha sem meia.
Como se tratava de uma "missão", o Sargento Nogueira trazia consigo uma pistola camuflada por dentro da camisa, enquanto eu vim desarmado. Depois de umas voltas, encontramos um bar e numa das mesas havia uns oito ou dez militares alegres, a paisana, que bebiam cerveja e falavam alto parecendo se distrair... Como o local era bastante conhecido e frequentado por militares, resolvemos nos acomodar ao lado da mesa desse pessoal.
Passado algum tempo, observamos que os nossos vizinhos começaram a nos fitar diretamente, conversando entre si e dando risadas. Procurei estabelecer uma conversação com Nogueira que estava mais para meu pai, só que ele começou a se mostrar incomodado com a conduta dos “rapazes” e me lançou uma pergunta: “Tu não achas que esse pessoal está nos ‘secando’ demais? O que eles estão pensando, heim?” Não tinha prestado muito a atenção, até porque nosso objetivo era identificar possíveis envolvimentos de militares de outros batalhões (especialmente BGP e Cavalaria) com condutas ilícitas, só que a impressão era que nós tínhamos passado a ser o foco das atenções. Nogueira parecia cada vez mais irritado e sismatico e me reperguntou sobre o que eu achava que estava ocorrendo. Caí na besteira de dizer: “Bom, o que eu acho é que eles estão achando que você é ‘bixa’ e que eu tô de caso contigo”. Imediatamente Nogueira replicou: “O que tu tá me dizendo? Como é que é? Tu tá me dizendo que esses caras tão achando que eu sou ‘bixa’? Vamos ali agora, vamos matar todos eles, vamos acabar com raça deles agora...”. Nunca poderia imaginar aquela reação tresloucada do sargento e tentei pedir calma, minimizar o que tinha dito, mas não adiantava, ele já estava com a mão na pistola pronta para fazer uma besteira. Eu segurei instintivamente seu braço para pedir calma e ao mesmo tempo argumentei que era melhor nós deixarmos imediatamente o local, enquanto ele se contorcia em sinal negativo, rangia os dentes, resmungava impropérios, mirava os jovens risonhos com o olhar felino... Para concluir, argumentei ligeiramente, na tentativa de obstar seus pensamentos e considerando meus presságios: “Eu me enganei Nogueira, eu acho que eles estão pensando que nós dois somos ‘bixa’, nós dois, vamos cair fora agora daqui, vamos embora, tô indo...”. E com muito custo consegui deixar o local e nunca mais quis participar de missão alguma com o tal Sargento Nogueira.
- Certos acontecimentos dentro do Presídio do PIC:
Lembro do irmão de um General que estava preso, era um intelectual que me lembrava “Guéio”. Era alto, corpulento (não mais gordo), barba negra comprida, cabelos nos ombros, meia idade... vivia na cela lendo. Seu irmão às vezes vinha visitá-lo. Ficava isolado o tempo todo na cela. Mantive muito pouco contato com ele que vivia em silêncio e quase nada falava.
Vezes por outra presos encapuzados eram trazidos e colocados lnuma das celas. O Sargento Nogueira e o Cabo Carlos quase sempre estavam a frente das “tratativas” com esses reclusos que eram trazidos em segredo e mantidos inacessíveis. Só eles tinham acesso (e alguns soldados mais próximos) e o que ocorria era na sequência era deprimente... Esses presos políticos geralmente ficavam pouco tempo no “PIC”, logo eram remanejados para outros locais, ou estavam apenas de passagem.
- O caso do Soldado Colombo e o hino “Eu Te Amo Meu Brasil”:
Havia uma cela coletiva onde foram acomodados dezenas de militares presos, todos envolvidos com ilícitos (pederastia, furtos...), geralmente, soldados. Dentre eles reconheci o Soldado Colombo da CCS – 1ª Cia da PE, que havia sido preso por envolvimento com "p...". Conheci Colombo porque ele era de Criciúma e acabamos tendo um pouco de contato no início, só que como eu tive outro destino, acabamos não estabelecendo muita amizade, já que eu era o Soldado 1443 da 4ª Cia, comandada pelo Capitão Espirito Santo (por ironia do destino, quando cursei a Faculdade de Direito na UFSC – Florianópolis - pelos idos de 1978 - ele era o aluno e Coronel Espirito Santo R/1 reformado/aposentado - que foi meu colega em uma ou alguma duas s disciplinas).
Algumas vezes assisti militares mais graduados (praças) reunirem esses presos em ordem unida e dentro da cela coletiva e mandavam eles se despirem, fazerem exercícios, saltarem, concomitantemente tinham que se masturbar e cantar a música que estava nas paradas, cujo estribilho era “Eu Te Amo Meu Brasil”. E aí daqueles que não mantivessem o pênis ereto e não cantassem a canção...
Sempre que vi aquela cena ficava estático e me negava a participar daqueles rituais sórdidos, abjetos, repugnantes e que afrontavam a minha formação moral, religiosa, cívica, ética, educação e cultura.
Pois bem, no ano de 1986, quando fui candidato a Deputado Federal Constituinte por Santa Catarina, estive na cidade de Tubarão e quando entrei num restaurante para almoçar me deparei numa mesa com o ex-Soldado Colombo (expulso do Exército), seus irmãos, amigos e familiares. Procurei ser discreto, sentei numa mesa e passei almoçar calmamente quando fui surpreendido por ele, seu pai e mais dois irmãos grandalhões que pediram licença para conversar. Colombo meio emocionado me chamando pelo meu nome de “guerra”: “Genovez se não fosse você tu podes ter certeza que eu e minha família iríamos te quebrar de pau... Você era o único que eu poderia encontrar e que não teria coragem de encostar a mão, você foi único que sempre nos respeitou, que não nos humilhou...”. Argumentei que nunca aprovei o que faziam com eles na cela coletiva e procurei abreviar o máxima a minha presença porque senti o peso da ação, os ânimos, a exaltação, a emoção...
3º Ato: “O Caso Cesare Batisti: Julgamento pelo STF, decretação da prisão e deportação”:
No dia 12 de janeiro de 2019, por volta das quinze horas, estava com meu primo (Hipólito de Medeiros Filho) na praia de Cachoeira do Bom Jesus – Florianópolis – SC, quando passamos a conversar sobre o caso “Cesare Batisti”.
Meu primo queria saber qual era a minha opinião, ou seja se a Bolívia deveria deportar Batisti para o Brasil ou se poderia devolvê-lo diretamente para a Itália. Respondi sem titubear que a devolução seria direta, não precisava Batisti vir para o Brasil, a não ser que isso fosse uma decisão do governo boliviano.
Na sequência Hipólito, um “Bolsonariano” convicto, festejou a prisão de Batisti e que se tratava de um criminoso comum, um bandido que teria que pagar por seus crimes. Diante dessa assertiva lancei uma pergunta: “Tá, então me diga o que é um crime político, por favor?” Essa nossa discussão já havia se iniciado no sábado, quando houve a notícia da prisão de Batisti e eu prometi que iria estudar um pouco sobre a vida desse personagem internacional. Hipólito não respondeu a minha indagaçãoe eu me obriguei a fazer um relato sobre a história de vida de Batisti, desde a tenra idade, quando seu pai, um comunista roxo, discípulo de Stalin, fazia lavagem cerebral nos seis filhos... Hipólito lamentou e disse que desconhecia esses fatos. Prossegui: “Pois então, não se pode nivelar preso político que luta por uma causa ideológica, como mudar um regime de governo corrupto, que instala a barbárie... de presos comuns, certo?” Na sequência, argumentei: “Veja, por cinco votos a quatro os Ministros do STF não decidiram pela extradição. O que se viu lá foi que eles deixaram para o Presidente Lula decidir, o resultado todo mundo conhece. O mesmo ocorreu na França com Mitterrand na década de oitenta, só que quando a direita assumiu o poder...”. Hipólito argumentou que não foi bem assim, e que os Ministros do STF tinham votado pela extradição, mas que caberia ao Presidente Lula a última palavra. Argumentei que se o STF tivesse decidido pela extradição o Presidente Lula ficaria vinculado. Perguntei a ele: “E se a decisão do STF fosse durante o governo Bolsonaro, qual seria o placar, qual seria o conteúdo da decisão dos Ministros?” Meu primo respondeu: “Ah, claro, hoje os Ministros votariam a favor da extradição, né!” Retomei a palavra: “Pois é, na época do Lula foi assim, como os Ministros sabiam que ele era contra, não quiseram decidir, não foi? Então, o Presidente Lula era uma quase unanimidade no Brasil, como hoje é o Bolsonaro, nosso Presidente”. Hipólito se calou e eu continuei: “Hipólito, veja, no passado nós tivemos vários brasileiros envolvidos em guerrilhas, práticas de sequestros, mortes... e estão todos eles aí soltos, anistiados, levando a vida normalmente... Aliás, se você pegar o Fernando Henrique Cardoso, o Lula a Dilma, Serra, Gabeira, Miriam Leitão..., e tantos outros vai ver que todos de certa forma estiveram envolvidos direta ou indiretamente em práticas de crimes políticos na defesa de uma ideologia política para mudar o Brasil, para restaurar o governo civil... E o Batisti na Itália não estaria lutando por uma causa em defesa de suas convicções políticas e contra excessos de um governo autoritário e corrupto? Será que também não fez o mesmo por lá? E os crimes praticados pelos militares, as torturas, os excessos..., tudo silenciado, sem processos, sem testemunhas, sob o manto da impunidade? Nesse caso do Batisti a diferença é que os nossos brasileiros, civis e militares foram todos perdoados, anistiados, elegeram-se Presidente do Brasil, Governadores, Senadores, Deputados... Já o Batisti não é nascido em território brasileiro, o caso dele é com a Itália. Então, é por isso que eu vou dar meu voto de confiança ao Ministro Sérgio Moro que foi favorável à extradição, já que se constitui no segundo homem da nação em termos de credibilidade. Mas meu voto seria favorável desde que o Brasil “sugerisse” que o governo italiano criasse um fórum para discutir o caso “Batisti”, inclusive, que no Brasil todos os “revolucionários” (de direita e esquerda) estão soltos, foram anistiados..., que por meio de um plebiscito os italianos deveriam decidir se o mesmo deveria cumprir prisão perpétua ou não. Se Chirac mudou a decisão de Miterrand na França que é primeiro mundo, tudo bem, então que Bosonaro pudesse rever também a decisão de Lula, mas, é o povo italiano que deveria dar a última palavra, só que o problema é o momento. Mas acredito que estaria aí um bom momento para se discutir uma instância internacional superior como corte de apelação independente, já que os povos podem votar de acordo com as classe afluentes que se instalam ou se alternam no poder.