1º De Abril De 1964 ? O Dia Da Mentira

Por Diego Costa | 16/09/2008 | História

Introdução:

Em 1º de abril de 1964, a junta militar comandada pelo general Humberto Castelo Branco assumia a chefia do Executivo brasileiro, iniciando um período discricionário, conhecido como regime militar,que duraria exatas vinte e um anos (1964-1985).

O golpe pode ser visto como a culminância de um processo político iniciado ao fim do chamado "Estado Novo",regime político de inspiração fascista, e cujo o amadurecimento se deu durante a vigência de práticas populistas no cenário político nacional.

Mas, em que sentido podemos interpretar o movimento político de 1964?Para Manuel Correia de Andrade, em sua obra 1964 e o Nordeste: Golpe, Revolução ou Contra-Revolução,... Em 1964 houve um golpe de Estado,quando as forças armadas,apoiadas por setores da classe média e pela classe alta,destituíram um governo legalmente constituído e impedido de realizar as reformas de base,que pregava,por não contar com a maioria do parlamento (in ANDRADE,Manuel Correia de.1964 e o Nordeste,p.13).

Então, seria tão simples a intervenção do 1º de abril de 1964?Pelas fontes consultadas, não há dúvida sobre o caráter político do movimento político em questão: golpista. Porém, qual foi a motivação política para o golpe?,Ou ainda, que ambiente ideológico permitiu o nascimento do golpe?

A resposta pode ser buscada num sentimento amplamente conhecido: o medo. O medo que uniu a classe média e os militares contra a insegurança política do Estado, para Dreifuss; O medo da "Guerra Fria" e da revolução socialista que levou norte-americana em assuntos políticos internos do Brasil, para Joseph A. Page; A junção de tudo isso somada a inabilidade das lideranças partidárias de esquerda, para Manuel Correia de Andrade.

Tal sentimento, o "medo", seria um dos mais fortes componentes que influenciariam a conturbada política externa, mas não o único.

Visando o estudo da problemática proposta, o autor nesse artigo analisa a perspectiva ideológica da época referida e suas conseqüências na política brasileira.

O Populismo

Até a década de 30, o cenário político nacional foi dominado por uma oligarquia agro-comercial, na qual participavam plantadores de café do Sudeste, canavieiros do Nordeste e os interesses comerciais dos exportadores.

Para Dreifuss, na obra 1964: A Conquista do Estado, a formação dos blocos de interesse agrário está no cerne da formação industrial brasileira, pois,... Foi sob a tutela política e ideológica desse bloco de poder oligárquico (...) que se formou a burguesia industrial (in DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado, p.21).

O impacto de tal tutela pode ser verificada no domínio dos "coronéis", verdadeiro "cartel" político formado pelos grandes latifundiários que, a nível municipal, em conjunto com as autoridades em escala estadual e nacional, exerciam seu poder político de forma autoritária e personalista.

Em busca de uma legitimação dessa estrutura social e contestando o pensamento liberal, como aponta Manuel Correia de Andrade, surgira uma série de pensadores conservadores tais como Oliveira Viana, Alberto Torres, Francisco de Campos, Plínio Salgado e outros[1].

A urbanização e o desenvolvimento industrial, porém, a partir da década de 20, exerceriam efeitos desorganizadores na "velha" estrutura oligárquica: a crise de corrente do desmoronamento dessa forma de poder levou a um desenvolvimento de novos centros econômicos regionais, o que permitiu uma pressão cada vez maior por parte do crescente bloco industrial, composto inclusive com elementos da antiga ordem social, apoiada pela ascendente classe média.

Essa mudança abriu caminho para o surgimento de novas figuras políticas como Getúlio Vargas, João Pessoa, Oswaldo Aranha, Evaldo Lódi e outro[2].

Com a crise econômica decorrente da "quebra" da bolsa de Nova York em 1929[3],a situação política dos grandes produtores agro-comerciais se complica enormemente: Com os grandes mercados consumidores do exterior atingidos pela crise, muitos produtores são forçados a buscar ajuda estatal, amparados pela política "café com leite", sem sucesso. Muitos produtores que conseguiram escapar da crise, porém, investiram ainda mais o seu capital na industrialização.

Porém, a nova burguesia emergente não destruiu as antigas classes dominantes para ascender sua presença ao Estado, pelo contrário: Aceitou em grande parte os valores da elite rural. Para Dreifuss,... A burguesia industrial conseguiu identidade política face ao bloco oligárquico e, ao mesmo tempo, estabeleceu um novo 'compromisso de classe' no poder com os interesses agrários, particularmente com os setores agro-exportadores[4].

Esse "compromisso de classe" seria assinado no chamado "Estado Novo", que derrubaria a "República Velha", e levantaria ao posto mais alto do poder o nome do gaúcho de São Borja, Getúlio Vargas.

Para entendermos a "Era Vargas", é importante observar três pontos: a propagação das idéias anarquistas e socialistas, os levantes político-militares e a ascensão do fascismo ao cenário político.

Sob o primeiro ponto, a propagação das idéias socialistas e anarquistas chegou acompanhada pela recente industrialização das grandes capitais no início do século XX, a onde foram divulgadas, sobretudo no meio operário de São Paulo e Rio de Janeiro, mediante as mãos dos imigrantes, notadamente os italianos.

Alguns desses imigrantes tentaram, ainda no século XIX, fundar comunidades "anarquistas" no interior de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pará, mas, sem êxito. Foi no meio urbano, entretanto, que os movimentos sociais encontrariam o seu ideal para sobreviver.

As péssimas condições de trabalho nas indústrias e a formação de uma classe operária permitiram a organização de sindicatos, ainda que sob perseguição policial, e a realização de numerosas greves, tendo algumas alcançado certas expressão política, ao fim dos anos 20.

Lideranças operárias tomaram frente nas reivindicações e participaram de organizações de luta.Destacam-se os nomes de Joaquim Pimenta, professor da Faculdade de Direito do Recife, que atuou como líder operárioe do bacharel em direito Cristiano Cordeiro, único nordestino a participar do grupo que fundouo Partido Comunista do Brasil e atuante na política pernambucana dos anos 30[5].

Os ideários do movimento social exerceriam forte influência sob o segundo aspecto a ser analisados, os levantes político-militares.

Durante as décadas de 20 e 30, grupos de jovens oficiais se sublevaram contra o regime político dominante, em movimentos que visavam derrubar o governo e moralizar, os costumes, destacando-se as insurreições de 1922 e 1924.

Segundo Manuel Correia de Andrade, tais, movimentos não apresentavam um ideário, nem faziam uma reflexão sobre a questão nacional, admitindo que com atitudes superficiais, como a punição dos corruptos, a implantação do voto secreto e a criação de uma justiça eleitoral que se colocasse acima das facções políticas poderiam transformar[6].

O fracasso dos revolucionários de 1924, que chegaram a ocupar a capital do estado de São Paulo, provocou a retirada das forças do general Izidoro Dias Lopes para o interior e sua união com as tropas do capitão Luís Carlos Prestes, que se sublevaram em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul.Estava formada a "Coluna Prestes", que duraria três anos.

A Coluna Prestes dividiria os militares: muitos manifestaram apoio aos insurrectos, e, posteriormente, chegariam a aderir ao marxismo.Porém, outros muitos se afastariam do socialismo, e pelos mesmos motivos da Coluna, tomariam posições de defesa intransigente dos interesses nacionais, aderindo ao fascismo.

O fascismo surge na Itália pelas mãos de Benito Mussolini, ex-membro do partido comunista italiano, que cria uma ideologia inspirada no socialismo soviético de Stalin, de cunho nacionalista, populista e militarista. A classe média de diversos países, temerária do socialismo operário e descrente do capitalismo liberal, irá aderirão novo movimento político criando os "Estados Novos" na Itália, Portugal, Espanha, Alemanha e Japão.

A soma desses elementos levaria a subida ao poder de Vargas. A sucessão de Washington Luís foi traumática, em vista do conflito da política "café com leite".Vargas, governador do Rio Grande do Sul, apoiado pelo seu colega de Minas Gerais, candidata-se à presidência tendo como vice o governador da Paraíba, João Pessoa.

O governador de São Paulo, Júlio Prestes, ganha a eleição, porém, o assassinato de João pessoa em Recife, faz eclodir a revolta levando ao poder o candidato derrotado nas urnas, Getúlio Vargas.

A "República Velha" desmoronava: grupos políticos pleiteavam a volta do país à constitucionalidade, como o da Revolta Constitucionalista de São Paulo em 1932.

Outros grupos se dirigiram para a esquerda, formando a Aliança Nacional Libertadora e ainda existiu um grupo ligado ao fascismo, como a Ação Integralista Brasileira.

Vargas soube manobrar todos os grupos a seu favor: Derrota a Revolução de São Paulo; Desbarata os movimentos de esquerda, que tentaram uma rebelião em 1935; e através de uma intensa campanha anti-socialista, deu um novo golpe em 1937, inaugurando o "Estado Novo", de modelo fascista e coloca os integralistas na ilegalidade.

É nesse momento que um novo personagem entra nesse artigo: a política externa, e com ela, os Estados Unidos.

Os Estados Unidos

Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),os Estados Unidos passam a ter uma influência cada vez maior na vida política brasileira.Vejamos o por que disso.

A História Brasileira tem um curioso laço de união com a História Americana: O país foi um dos primeiros a reconhecer a nossa independência e diversas revoltas durante o período colonial e pós-independência tiveram inspiração norte-americana.

Apesar disso, até os anos 1950, a influência do país em assuntos internos era praticamente nula.

Durante a II Grande Guerra, a situação começa a modificar-se: as tropas Aliadas, lideradas pelos Estados Unidos, necessitam de bases para suas operações no Atlântico e no norte da África.

Assim, Getúlio Vargas utiliza o seu poder de barganha (ele manteve-se durante muito tempo "simpático" aos países do Eixo) junto aos americanos para conseguir financiamento para a implantação de grandes projetos, como a Usina de Volta Redonda e a Companhia do Vale do Rio Doce, em troca da instalação de bases logísticas no Nordeste brasileiro.

Os Estados Unidos construíram uma grande base aérea perto de Natal, no Rio Grande do Norte, bem como instalações no Recife em outros locais ao longo da costa.

Segundo Joseph A. Page, os dólares gastos pelas tropas americanas deram um novo estímulo a economia regional. Também fora montados postos de saúde e feitas algumas tentativas para expandir a produção alimentícia.Foram realizadas pesquisas sobre os recursos naturais do país, principalmente na bacia amazônica.

Ao fim do conflito, as terras da base aérea e diversas construções foram doadas ao país[7].

Entre os compromissos assumidos pelo governo brasileiro, estava o de enviar tropas para combater na Itália, país originário do fascismo, regime político que inspirou a criação do "Estado Novo" brasileiro.

Para Manuel Correia de Andrade, (...) convivendo com os americanos no campo de batalha, os oficiais brasileiros compreenderam a contradição de combater os fascistas e sustentar no Brasil um regime corporativo. Ao regressarem (...) estavam imbuídos das idéias de renovação dos quadros políticos, através de eleições, e de uma verdadeira alergia ao comunismo e aos sistemas sociais mais avançados[8].

Como as novas idéias adquiridas pelos militares influenciaram os rumos dos acontecimentos até a realização do golpe? E a "alergia" política diagnosticada por Andrade, que função teria?

A resposta, antecipadamente, está na ideologia da defesa nacional, desenvolvida pela Escola Superior de Guerra, e no "espectro" da Guerra Fria.

O fato é que após o conflito, a situação política do Estado Novo torna-se cada vez mais difícil: Com o apoio da embaixada americana, a oposição brasileira passou a organizar-se para exigir eleições gerais, lançando a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, o último sobrevivente do levante de Copacabana.

Getúlio, inicialmente, apoiou a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, porém, passou a defender uma "Constituinte com Vargas". Dutra, por meio de alianças políticas, derruba Vargas, garante as eleições gerais, e, realizadas estas, é declarado vencedor.

Guerra Fria, política quente...

O fim da II Guerra prepara o mundo para um novo conflito, dessa vez entra a URSS, líder dos países do bloco socialista, e os Estados Unidos, ocupante da respectiva posição nos países capitalistas.

O embate era anterior ao conflito, porém, com a ascensão do nazi-fascismo e o estouro da Grande Guerra, temporariamente, foi esquecido.

No Brasil, os efeitos do confronto ideológico não demorariam a aparecer: o presidente Dutra corta as relações diplomáticas com a URSS e mantém na ilegalidade o Partido Comunista.

Os Estados Unidos passam a desenvolver uma intensa propaganda anti-soviética e anti-comunista, doutrinando lideranças civis e militares para uma política de confronto.

Em 1950, Getúlio Vargas retorna ao poder após uma bem sucedida campanha eleitoral. Desenvolve um programa político populista, oscilando ora para a esquerda ora para a direita, apesar de, como assinala Manuel Correia de Andrade, manter (...) acordos com os Estados Unidos danosos a soberania nacional[9].

A posição dúbia de Vargas tornaria insustentável o seu governo, o que seria agravado com o atentado da rua Tonelheiros, na cidade do Rio de Janeiro, contra o político de oposição Carlos Lacerda, notório adversário político do getulismo. Em 1954, próximo às eleições, Vargas comete suicídio.

O que levou Vargas ao suicídio? Essa pergunta até hoje é alvo de controvérsias, o que se sabe é que o legado político do populismo sobreviveria por muitos anos...

Em 1955, Juscelino Kubitschek vence as eleições. Ele enfrenta dificuldades no inicio de seu mandato, mas, realiza um governo desenvolvimentista e dinâmico.

Na disputa seguinte, o candidato apoiado por "JK", perde para Jânio Quadros, que inicia um conturbado governo.

O governo de Jânio foi curto e conturbado, e seu temperamento explosivo o levou, numa atitude inesperada, a renúncia em apenas um ano de governo. Seu vice-presidente, João Goulart, conhecido como Jango, do qual Jânio não devotava as maiores simpatias, e que se encontrava nesse momento em viagem diplomática a China (para o "horror" da direita), assume a presidência interinamente. Seriam dias conturbados os da gestão Goulart...

Questão Agrária e Intervenção estrangeira

Em 23 de outubro de 1961, a equipe do economista Merwin L. Bohan, funcionário do Departamento de Estado americano, desembarcou no Aeroporto Internacional dos Guararapes, no Recife, capital do estado de Pernambuco.

A visita passaria despercebida, se não fosse o motivo: A série de reportagens do jornal americano The New York Times, realizadas pelo correspondente internacional Tad Szulc, sobre a região Nordeste.

As notícias não eram das melhores, na verdade, eram "aterrorizantes" para um público que mal havia se recuperado da revolução cubana, de 1959: Descrevia a região Nordeste em cores fortes.

Nas reportagens, o Nordeste era descrito como um "inferno" na terra: o histórico de revoltas políticas regionais; a extrema miséria do campo; os violentos conflitos rurais; a atuação dos movimentos campesinos, principalmente, das Ligas Camponesas, do advogado pernambucano e deputado estadual, Francisco Julião; e as seguidas vitórias eleitorais dos partidos de esquerda nas eleições.

O medo da Guerra Fria mais uma vez acometia o mundo capitalista, que enxergou na região mais pobre do hemisfério sul, a futura "sucursal" de Cuba...

Trabalhando rapidamente, por exigência da presidência dos Estados Unidos, recomenda com urgência um comprometimento substancial da ajuda americana. É a partir do estudo produzido por Bohan e sua equipe, que será conhecido como "Relatório Bohan", ocorreria mudanças substanciais na atuação americana em solo brasileiro.

Como já foi dito anteriormente nesse artigo, até a década de 1950, a atuação americana,com exceção durante o período da Grande Guerra, era muito reduzida: Consistia em uma pequena ajuda financeira, enquadrada num programa de desenvolvimento da América Latina e na atuação de algumas entidades norte-americanas.O Nordeste era praticamente ignorado.

A Região era tratada com certo desinteresse pelo governo brasileiro: diversas tentativas foram feitas durante quase um século, para enfrentamento das freqüentes Secas e levar o desenvolvimento econômico, sem sucesso. Segundo Albert O.Hirschmann, as ações para o desenvolvimento regional era orientadas da seguinte maneira:

1.Um ano de forte incidência de seca sacode a nível governamental de sua letargia com a região para um novo esforço de maior envergadura no sentido de minorar os efeitos da natureza e suas conseqüências sociais.

2.A presença de um representante regional numa posição de influencia nas decisões governamentais e sua utilidade no sentido de promover uma ação vigorosa[10].

Combinando uma forte seca nos anos 50 e a presença de um nordestino no governo em posição de destaque, o economista cearense Celso Furtado, a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, a SUDENE, parece confirmar a opinião de Hirschmann. A partir de um documento produzido pela equipe de Furtado para o presidente Juscelino Kubitschek, conhecido como "Relatório Furtado", será feita a base para a criação do novo órgão governamental em 1959.

Segundo Vandeck Santiago, o Relatório Bohan se assemelhava ao Relatório Furtado, em outros ampliava o foco para questões não previstas pelo último, como a educação, saúde e saneamento básico[11].

Assim, os dois relatórios concordavam entre si, e as duas equipes, a da SUDENE e a de Bohan também se entendiam. Um acordo, assinado entre Celso Furtado e o presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy, em 1962, conhecido como "Acordo do Nordeste" ou Northeast Agreement[12], garantia a liberação de US$ 400 milhões[13] para projetos de infra-estrutura na região.Era a primeira vez que o governo de um país estrangeiro assinava esse tipo de convênio com uma região específica de um país.

Tudo parecia andar as mil maravilhas, porém, problemas não demoraram a surgir. Se havia uma relação tão boa, o que aconteceu para que ela mudasse?

A resposta se encontra nos fatores políticos que alterariam os rumos do projeto e as relações entrem a SUDENE e a missão norte-americana. Como já foi dito anteriormente, Jânio Quadros, numa manobra ousada, renuncia,em 25 de abril de 1961,assumindo o seu vice-presidente João Goulart, do PTB,que suplantando uma tentativa de golpe preventivo, assume o poder. A preocupação em Washington aumentou quando o presidente empossado passou a demonstrar algo parecido com tendências esquerdistas (a mesma tática de manobra utilizada por Getúlio Vargas).Ao mesmo tempo,as forças de apoio a Miguel Arraes iniciaram a campanha vitoriosa ao governo do Estado de Pernambuco,e Francisco Julião, líder e porta-voz das Ligas Camponesas, falava cada vez mais em revolução.

A situação doméstica americana não era das melhores: Kennedy acabara de sofrer o fiasco da Baía dos Porcos, em Cuba,e a revolução cubana se deslocava para uma linha abertamente marxista-leninista.As acusações de que a atual gestão "perdera" Cuba da mesma maneira que a China, quinze anos antes, eram inadmissíveis.

Antes mesmo que a missão americana chegasse ao Brasil, a embaixada americana no Rio de Janeiro,preocupada com a ameaça política do Nordeste brasileiro,realiza um estudo que chega a seguinte conclusão: Forças radicais no Nordeste representavam, de fato,uma séria ameaça, que precisava se enfrentada de modo efetivo e rápido[14] .

A despeito do seu nacionalismo, Celso Furtado concordou em trabalhar com a equipe americana se essa se submetesse às diretrizes do órgão.Ele acreditava que a missão tinha apenas uma função de fornecer capital aos projetos de fomento da entidade, objetivo original designado pelo próprio Bohan. Ledo engano...

Agir em assuntos internos do Brasil significaria ingerência em assuntos domésticos do Nordeste, o que a embaixada não se esquivou[15]. E o veículo mais conveniente para essa política intervencionista, foi um programa desenvolvido pelo governo norte-americano para o desenvolvimento sócio-econômico da América Latina: "A Aliança para o Progresso".

Assim, a embaixada decidiu utilizar o programa de assistência americana no Nordeste para fins políticos imediatos. Isto resultaria em rejeição imediata da possibilidade política de um trabalho efetivo com a SUDENE. A autarquia federal comandada por Celso Furtado tinha se comprometido com um projeto de desenvolvimento econômico em longo prazo, cujo sucesso, dependia, em grande parte, da sua abstenção dos conflitos políticos regionais.Tal posição era defendida pelo próprio Merwin L.Bohan, cujo plano seguia de perto as diretrizes do plano diretor da Superintendência em assuntos de longo prazo[16], e que, como demonstra outro consenso entre os autores trabalhados, se opôs afirmativamente a "politização" do programa que havia desenvolvido. Enquanto Celso Furtado e equipe lutavam para manobrar a sua atuação fora das políticas partidárias que destruíramos programas antecessores ao seu[17], os americanos estavam planejando mergulhar o seu programa de assistência cada vez mais na areia movediça das politicagens regionais. E assim o fizeram...

Um indício do futuro envolvimento político americano na região, foi o crescente número de funcionários ligados de algum modo a Casa Branca, em solo Nordestino: Recife, por exemplo, chegou a ter 14 cônsules em seu consulado![18] Celso Furtado, posteriormente, admitiu que um programa de ajuda desse tipo (o Aliança para o Progresso) exigiria uma presença americana, modesta, no Nordeste, algo previsto pelo Relatório Bohan. O que Celso Furtado não compreendeu foi que os funcionários americanos estavam encarando a região como um importante problema de segurança. Se o objetivo foi ser discreto, convenhamos, a presença americana fracassou incrivelmente[19]...

Celso Furtado foi adiante com seu plano diretor, e a Usaid[20] começou a montar no Recife o que se tornaria uma missão de grandes proporções. Enquanto a Aliança para o Progresso era utilizada para deter o crescente movimento político de Miguel Arraes, a Agência Central de Inteligência (CIA) observava atentamente o interior, planejando secretamente sua própria estratégia para deter o movimento de Francisco Julião e de outros "revolucionários".

Estava preparado o cenário futuro para o golpe militar...

Os dias que abalaram o país...

A subida ao poder de Jango não foi fácil: Os ministros militares, segundo Manuel Correia de Andrade, profundamente comprometidos com as posições conservadoras, se opuseram a posse do novo presidente. Houve uma reação em cadeia nacional, quando o Rio Grande do Sul, sob a liderança civil de Leonel Brizola e militar do comandante do III Exército, general Machado Lopes, levantou-se apoiando a legalidade. Mauro Borges, governador de Goiás, também apoiou o caminho da legalidade. Diante do impasse foi feita conciliação com o sistema parlamentarista que reduzia drasticamente os poderes do Executivo.

Jango se via como herdeiro político de Vargas, e como tal, confiou em sua habilidade política e procurou fazer um jogo que agradasse a gregos e troianos. Sua primeira meta foi restabelecer o presidencialismo na ordem do dia.Manobrou de diversas formas, tendendo para direita e esquerda como o seu antecessor no cargo, enquanto montava um esquema militar de sustentação política. Esperava contar com o apoio popular e operário.

A certa altura, resolveu apoiar as chamadas "reformas de base", que previa uma sistemática modernização do país, tentando manter parte da estrutural rural oligárquica e permitindo um crescimento urbano-industrial.Encontrou uma forte resistência no Congresso e enfrentou uma intensa campanha que o acusava de querer prorrogar o seu mandato, e de instaurar uma república sindical.

No Nordeste, Miguel Arraes realizava um governo inovador, e ao mesmo tempo, enfrentava pressão de todos os lados: Dos partidos políticos locais, das classes sociais mais diversas, do governo americano e até da própria presidência da República!João Goulart mal escondia o seu ciúme político em relação a Arraes e Carlos Lacerda, governado da Guanabara, a ponto de ter designado o general Justino Alves Basto para fiscalizar o governador pernambucano.

O presidente não tinha apoio nos grandes estados: Adhemar de Barros, governador de São Paulo, era profundamente conservador e acusado de corrupção; Lacerda, no extinto estado da Guanabara, movimentava uma agitada campanha contra o governo federal, a qual acusava de corrupto e comunista; Magalhães Pinto, governado de Minas Gerais, futuro chefe civil do movimento de 64, conspirava contra o governo ao mesmo tempo em que mantinha uma relação cordial com a presidência. Os únicos que apoiavam as reformas eram Seixas Dória, governador de Sergipe, que também teve até o fim uma ligação de amizade com o governador de Minas Gerais, e por mais paradoxal que possa parecer, Miguel Arraes, governador de Pernambuco.

Lacerda e Arraes eram os maiores líderes da direita e esquerda do país na época, além de serem muito populares e conhecidos no país todo, sendo potenciais adversários políticos nas urnas para a campanha presidencial. Segundo Manuel Correia de Andrade, Jango chegou a instituir o Estado de Sítio, pensando em descartar do baralho os dois políticos.

Mas Jango não era Vargas, e os tempos eram outros. Nas forças armadas, crescia a influência do marechal Humberto Castelo Branco, chefe do Estado Maior do Exército, controlador de grande parte da tropa nacional. Era ligada diretamente a Escola Superior de Guerra, defensora de uma política nacionalista e conservadora de segurança nacional, e, articulava com boa parte da oficialidade, o desenvolvimento do golpe militar.Ele desenvolvera uma estratégia que dominava o movimento das tropas nas áreas básicas para o controle do país. Em Pernambuco, por exemplo, encontrava-se ligado diretamente aos coronéis que controlavam a infantaria, a artilharia, a cavalaria mecanizada e o setor de informações, prescindindo do apoio dos comandantes da 7ªRegião e do IV Exército, caso estes fossem contrários. A estratégia se revelaria ousada e vencedora.

No início de 1964, o governo estava com seus dias contados: Jango começou a movimentar-se para o confronto, confiando no esquema militar do general Assis Brasil, chefe da Casa Militar, e no comando do Exército, no general Jair Dantas.Resolveu enfrentar um Congresso, mobilizando o povo e os sindicatos, que terminaria no famoso discurso da Central do Brasil, em 13 de março do mesmo ano.

Surgiram manifestações contrárias ao governo pela Igreja, políticos de direita e os militares. O governo norte-americano há muito andava insatisfeito com a postura de Jango, e a atuação dos políticos de esquerda, como Arraes e Dória. Tudo estava preparado.

A embaixada americana no Rio de Janeiro há muito tempo se articulava com diversos setores da sociedade brasileira, planejando o golpe, o resultado disso foi à chamada operação Brother son, da marinha norte-americana. Houve também apoio financeiro e técnico prestada por instituições norte-americanas e organizações sediadas no Brasil como o IBAD - Instituto Brasileiro de Ações Democráticas - atuantes no período eleitoral, e o IPES – Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais – que planejou uma série de medidas de estruturação do Estado após o golpe.

A 31 de março de 1964, as tropas federais, comandadas pelo general Mourão, o mesmo do Plano Cohen[21], puseram-se em marcha em direção ao Rio de Janeiro, com o apoio do general Luís Guedes, de Belo Horizonte, e do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto.

Jango, no Rio de Janeiro, tentou garantir o apoio do comandante do II Exército, general Amaury Kruel, seu amigo particular, mas este exigiu que se tomassem medidas contra os sindicatos e reprimisse os movimentos de esquerda, que compunham a base de sustentação do governo. Diante da negativa, Kruel aderiu ao golpe. Ele ainda tentou mobilizar a população em cadeia nacional de rádio, mas, fracassou e as oposições governamentais caíram como castelos de areia.

Temendo um derramamento de sangue, Jango não permitiu que as forças ligadas a legalidade atuassem, indo em exílio para o Uruguai.Os governadores de Pernambuco e Sergipe, os únicos a comparecer no comício da Central do Brasil, ao lado dos ministros militares, foram presos e levados a Fernando de Noronha. Em 1º de Abril de 1964, o Brasil acordaria em um novo regime político, do qual só se livraria 21 anos depois...

Considerações Finais

Em 1º de Abril se comemora no folclore popular o dia da mentira. No primeiro de Abril de 1964,ocorre a culminância de uma série de dilemas, verdadeiros ou não, que levaram ao golpe militar.

Durante 21 anos, o Brasil conviveu com uma "mentira" democrática: Instituições republicanas sem representatividade popular, censura prévia de opinião e cultura, exílios, perseguições políticas em defesa da nação brasileira,planos de desenvolvimento econômico, eleições indiretas, ufanismo exacerbado, o "Ame ou deixei"...

Interessante notar que,mesmo perante evidências tão claras de um regime discricionário, o governo militar sempre vendeu a idéia de defender os interesses democráticos. E não seria diferente, visto que os próprios militares acreditavam nisso. Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade, como diria Joseph Goebbels, responsável pela propaganda nazista.

Nesse artigo, foi feita uma tentativa resumida de considerar os pontos que confluíram na realização do golpe,e seu reflexo também na política externa. Estudamos aqui o populismo,a Guerra Fria, a frágil democracia que assentava os ditames políticos,as doutrinas que envolviam toda uma época. Isolar um fator determiná-lo como o principal é impossível, e não corresponde a própria hermenêutica histórica, por isso todos esses pontos são participantes em igual dos acontecimentos . É evidente que nem todos os aspectos foram tratados, e talvez nem poderiam sê-lo, pois, a História sempre é resignificada toda vez que a interpretamos a partir do tempo presente. São as nossas interpretações de hoje, que fazem a existência do passado, tal como defende Nietzsche e Foucault.

É sobre essa perspectiva que a temática trabalhada nesse artigo não se esgota e nem se encerra em si mesma, visto que as conseqüências do golpe em nossa História recente ainda perpetuam-se em nossa sociedade.

É esse talvez o maior legado da História, como diria Walter Benjamin, trazer a voz dos que morreram ante a glória para falar de a experiência social de todo um povo.

Bibliografia:

-ANDRADE, Manuel Correia de. 1964 e o Nordeste: Golpe, Revolução ou Contra-Revolução?.Coleção REPENSANDO A HISTÓRIA. Pinsky, Jaime; Miceli, Paulo (coord.). São Paulo: Editora Contexto, 1989.

-DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Tradução pelo Laboratório da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por:Vieira,Else Pires Ribeiro (supervisora),Dreifuss,René Armand (revisão técnica) et all.Editora Vozes,Petrópolis,Rio de Janeiro,1981.

-HIRSCHMAN, Albert O. Política Econômica na América Latina.COLEÇÃO PERSPECTIVAS DO NOSSO TEMPO.Moura,de Mário (coord.).Brasil-Portugal:Editora Fundo de Cultura,Rio de Janeiro,1965.

-PAGE, Joseph. A Revolução que Não Houve:O Nordeste Brasileiro (1955-1964).Tradução por Suassuna,Ariano.Editora Record,Brasil,Rio de Janeiro,1971.

-SANTIAGO, Vandeck. O Plano de Kennedy Para Desenvolver o Nordeste:A surpreendente História de como,quando,e por que a nação mais poderosa do planeta interveio na região mais pobre do Hemisfério.in Diário de Pernambuco,Pernambuco.Recife,quarta-feira,30 de agosto de 2006.



[1] Cf.ANDRADE, Manuel Correia de.1964 e o Nordeste:Golpe, Revolução ou Contra-Revolução?,pp.11 e 12.

[2] Cf.DREIFUSS, 1964: A Conquista do Estado, p.21.

[3] "Crash da Bolsa de Nova York" (nota do autor).

[4] Cf. DREIFUSS, Idem, p.22.

[5] Cf. ANDRADE, Manuel Correia de. 1964: Golpe, Revolução ou Contra-Revolução,pp.27 e 28.

[6] Idem, ibidem, p.14.

[7] Cf. PAGE, Joseph A. A Revolução que Nunca Houve, p.37.

[8] ANDRADE, Manuel Correia de.1964 e o Nordeste:Golpe, Revolução ou Contra-Revolução?,p.16.

[9] Op.cit, p.18.

[10] HIRSCHMANN, Albert O. Política Econômica na América Latina, pp.30-31. vide a cronologia das grandes Secas de 1877-1955,na página 31.

[11] SANTIAGO, Vandeck.O Plano de Kennedy para desenvolver o Nordeste: A surpreendendete História de como, quando, e por que a nação mais poderosa do planeta interveio na região mais pobre do Hemisfério in Diário de Pernambuco, Pernambuco.Recife, quarta-feira, 30 de agosto de 2006.

[12] Idem. Cf. também Joseph A. Page, op.cit.

[13] US$: Dólares americanos, valores atualizados.Por "coincidência", Celso Furtado tinha ido a Washington recolher essa quantia com bancos americanos para projetos da SUDENE (nota do autor).

[14] ANDRADE, op.cit, p.63.

[15] Vide PAGE. Em toda obra, a uma enorme lista, tanto dos conflitos rurais, quanto da atuação americana em solo sul-americano, op.cit.

[16] Uma descrição pormenorizada do plano de Bohan é obtido na reportagem realizada pela equipe do Diário de Pernambuco, op.cit.

[17] Em Hirschmann, existe um extenso relato das políticas abordadas para esse fim, o desenvolvimento econômico do Nordeste, e a destinação que tiveram, op.cit.

[18] Vide PAGE, op.cit.

[19] Nesse pormenor, recomenda-se a leitura de Joseph A. Page, pois, além dos detalhes políticos, retrata com riqueza de detalhes a vida tumultuada dos americanos no Nordeste, op.cit.

[20]Usaid: United States Agency for International Development apud PAGE, op.cit.

[21] Plano Cohen: Plano feito pela forças getulistas que buscava incriminar os comunistas de crimes que não cometeram, e foi responsável pela deflagração do golpe de 10 de novembro de 1937,que instituiu o Estado Novo (nota do autor).