'Queremos ver Jesus'
Por Geraldo Barboza de Carvalho | 21/04/2009 | BíbliaQUEREMOS VER JESUS
Geraldo Barboza de Carvalho
O verbo "ver" (e "ouvir") perpassa toda a Bíblia. Deus está de olhos abertos e de ouvidos atentos, dia e noite, velando e provendo a criação inteira. Gratuitamente, sem merecimento por parte das criaturas. Só porque Ele é bom e quem é bom só faz o bem. Jesus convoca-nos a sermos imitadores da incomensurável gratuidade, da ilimitada misericórdia do Pai celestial. "Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem e maltratam; deste modo vos torna-reis filhos do vosso Pai que estás nos céus, porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos. Com efeito, se amais os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem também os publicanos a mesma coisa? E se saudais ape-nas o vossos irmãos (de sangue e de fé), que fazeis de mais? Não fazem também os gentios a mesma coisa? Portanto, sede perfeitos e misericordiosos como o vosso Pai celeste é perfeito e misericordioso" Lv 19,18; Mt 5,43-48//Lc 6,27-36. Deus uno e cada Pessoa da SS. Trinda-de vê e ouve a criação, cada criatura com olhos e ouvidos de misericórdia. "Eu vi, eu vi a mi-séria do meu povo que está no Egito; ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores; eu co-nheço as suas angústias. Não dorme nem cochila o Guarda de Israel, que dá o pão aos ama-do até enquanto dormem". Ama-os gratuitamente, incondicionalmente, sem exigir gratidão do beneficiário. "Sim, tu amas tudo o que criaste, e não te aborreces com nada do que fizeste; se alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito. Como poderia subsistir e conservar a exis-tência alguma coisa se não a tivesses querido e chamado? Todos perdoas, porque são teus, Senhor, amigo da vida. Meu Pai vos ama e eu vos amo também. Meu Pai trabalha sempre e eu também. Basta que olhes com teus olhos, para veres o salário dos ímpios. Não poderás ver a minha face, porque o homem não poderá ver-me e continuar vivendo. A fonte da vida está em ti e na tua luz vemos a luz. Eu sou a Luz do mundo: quem me segue não anda nas trevas, mas tem a luz da vida. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma luz, mas colocá-la em evidência para ser vista por todos. Assim, brilhe também diante dos homens vossa luz, para que, vendo vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos céus" Ex 3,7s; 33,20; 91(90),8; 121(120); 127(126),2; 36,10; Jo 5,17; 8,12; Mt 5,14; Sb 11,21-26. A fé é o olho de Deus em nós: nela vemos o mundo na ótica divina. Na luz natural vemos o mundo na ó-tica humana. Só os que têm o Espírito de Deus, os que têm fé, vêem o mundo como Deus vê. Seis dias antes da Páscoa, cinco dias antes da sua paixão e morte, Jesus vai a Betânia, é ungi-do por Maria, antecipando sua sepultura. No dia seguinte, a multidão que veio à festa da Pás-coa o aclamou rei de Israel. "Havia alguns gregos (judeus piedosos da Diáspora) entre os que haviam subido a Jerusalém para adorar no Templo, durante a Festa. Estes se aproximaram de Filipe e lhe disseram: Queremos ver Jesus. Filipe e André o dizem a Jesus". Noutra ocasião, alguns escribas e fariseus (judeus nativos), se aproximaram de Jesus, não para vê-lo, mas pa-ra que desse um espetáculo e pô-lo à prova: "Mestre, quiséramos ver-te fazer algum milagre. Jesus, porém, suspirando no seu coração, disse: esta geração adúltera e perversa pede um si-nal, mas jamais lhe será dado um sinal, a não ser o sinal do profeta Jonas. Assim como Jonas passou três dias e três noites no ventre do peixe, assim o Filho do Homem ficará três dias e três noites no seio da terra. Ainda um pouco de tempo e o mundo não me verá, mas vós me vereis, porque eu vivo e vós vivereis" Jo 12,20-21; 14,19; Mt 12,38-39. Jesus sabia que os gregos queriam vê-lo por curiosidade, não para segui-lo. Por isso, completa sua resposta di-zendo. "Quando eu for elevado da cruz, atrairei todos (os olhares) a mim: Olharão para aque-le que traspassaram" Jo 12, 20; Zc 12,10. Ora, os judeus olharam para o Crucificado, mas não viram nele o Filho de Deus. Zombando dele, cinicamente o desafiaram: "A outros sal-vou; salva-te a ti mesmo; desce da cruz agora, para que vejamos e creiamos" Mc 15,32. Ora, a fé vai além da visão natural, da luz dos olhos. "O Criador pôs sua luz em nossos cora-ções, para nos mostrar a grandeza de suas obras" Sb 13,1. A fé é, portanto, a presença da luz divina em nós, que nos capacita a ver coisas que os olhos carnais não enxergam. Que tipo de visão é essa? Trata-se da percepção afetiva, da intuição emocional, do 'intelecto d'a-more', do coração. "O coração tem razões que a razão desconhece" (Blaise Pascal). Equivale dizer: 'os olhos da alma vêem, intuem coisas que a visão natural não percebe'. "Só vemos bem com o coração", diz o Pequeno Príncipe à Raposa. A sensibilidade da alma é diferente da sensibilidade dos sentidos, que depende da presença física, espaço-temporal das coisas pa-ra se exercitar. Ora, existem realidades que os sentidos não percebem, mas a alma, mesmo não estando fisicamente presentes. A saber: as realidades ideais, os valores que só os olhos da alma percebem e a vontade livre executa. Quer dizer: a concretização dos valores se dará mediante intuição emocional ou percepção afetiva dos mesmos e sua atualização em bens culturais por decisão de quem os intui. Os místicos, os poetas, os amorosos são especialistas deste tipo de sensibilidade. Os valores tornam-se realidades palpáveis quando um poeta, um místico, um amoroso os intui e os realiza em poema, em canção, em oração, em compaixão e solidariedade na história humana. Sem percepção afetiva e realização de valores a história humana não evoluirá. "El amor non és amor si non és declarado; el poema non és poema si non és declamado; la canción non és canción si non és cantada; la oración non és oración si non és orada; la vida non és vida si non és vivida" (Raymundo Panikar). O amor é o valor, a realidade ideal mais elevada, que se torna palpável quando alguém sintoniza com ele e ama alguém de verdade. O mesmo vale para todos os valores. As pessoas que se atêm às coisas que os olhos vêem, os ouvidos ouvem, as mãos apalpam são incapazes de entender poetas e místicos, e ficam perturbadas quando confrontadas com o mundo ideal dos valores, com o qual eles convivem naturalmente. Poetas e místicos são loucos saudáveis, que salvam a hu-manidade das armadilhas da razão sem juízo. "O que é loucura para o mundo é sabedoria de Deus" 1 Cor 1,18ss. Os judeu-cristãos sabemos que a sensibilidade da alma vem da presença de Ruah no coração humano desde a geração. Ruah, Deus Mãe, o Espírito do Pai e do Filho transforma o coração de pedra (insensível, sem misericórdia) em coração de carne (sensível, compassivo, misericordioso). A presença de Ruah nos corações humanos aguça-nos a sensi-bilidade para ver as coisas de Deus que o coração de pedra não vê. "O que os olhos não vi-ram, os ouvidos não ouviram, o coração do homem não percebeu, Deus o revelou pelo Espí-rito para aqueles que o amam. Pois o Espírito sonda todas as coisas, até as profundidades de Deus. Quem, pois, dentre os homens conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, o que está em Deus ninguém o conhece senão o Espírito de Deus. Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, a fim de co-nhecermos os dons da graça de Deus. Desses dons não falamos segundo a linguagem ensina-da pela sabedoria humana, mas segundo aquela que o Espírito ensina, exprimindo realidades espirituais em termos espirituais. O homem psíquico (usando apenas os recursos da natureza) não aceita o que vem do Espírito de Deus" 1 Cor 2,9-14. Mas, a presença de Ruah em nossos corações é nosso potencial de fé, nossa capacidade de ver, intuir, conhecer as coisas do Alto. "Nossa capacidade vem de Deus. É Deus quem produz em nós tanto o querer como o fazer, conforme seu agrado" 2 Cor 3,5. Mas Ruah não move nosso querer e agir automaticamente, contrariando nossa liberdade, mas mediante nossa decisão livre de acionar o potencial de fé que habita em nós. Por isso Jesus sempre dizia aos doentes: "Que queres que eu faça? Tua fé te salvou". Sem a vida de Deus, sem a luz da fé em nós, somos cegos para as coisas de Deus. Mas, "com tua luz vemos a luz"; isto é, vemos as coisas, as obras de Deus, que é luz, vida. Em sânscrito, luz é 'div', de onde vem divino, relativo a Deus: 'divusàdiusàdeus. Por isso, Jesus, Deus humanado, diz de si: "Eu sou a luz do mundo. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens" Jo 8,12; 1,4.É a vida, a luz divina em nós que nos capacita a crer – a ser e agir, a ver, ouvir, sentir, tocar as coisas como Deus. Sem a luz de Deus em nós, sem "a fé operante pelo amor fraterno" Gl 5,6, é impossível nos relacionarmos com a Trindade Santa. Por isso, todo o trabalho de Jesus com os Doze, os 72 e conosco é nos educar para a fé. "Se crerdes, fareis tudo o que eu faço e até mais, porque vou para junto do Pai. Se creres, verás a glória de Deus. O Verbo se fez carne e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória que um Filho único recebeu do Pai antes que o mundo existisse" Jo 1,14; 11,40; 17,5. 'A glória é a manifestação da presença de Deus. Seu fulgor temível, que nenhum ser vivo podia contem-plar, estava velado outrora pela nuvem (sinal da visão confusa própria da fé) e, agora, pela humanidade do Verbo encarnado, ela transparece na transfiguração e nos milagres de Jesus, sinais que Deus permanece e age em Cristo'. "Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" Cl 2,9. No corpo do homem Jesus a SS. Trindade se fez palpável. Mediante a fé, podemos ver nele a glória de Deus sem morremos. Enquanto Deus, o Pai, Ruah e Jesus são consubstanciais – substancialmente idênticos. Ciente disto, Jesus diz a Tomé: "Quem me vê, vê o Pai"Jo 14,9-10. Poderia dizer igualmente: 'Tomé, quem me vê, vê o Pai e a Mãe Ruah. "Quando vier o Paráclito, Deus Mãe Consoladora, que vos enviarei de junto do Pai (em mis-são no mundo), ele vos ensinará a verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras. Ruah me glorificará porque receberá do que e meu e vos anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu" Jo 15,26; 16,13-15. A fé, a luz di-vina em nossos corações, comunicada por Ruah, gera em nós o olhar vigilante da SS. Trinda-de, que tudo penetra, tudo perscruta. Ver as coisas aos olhos de Deus é vê-las aos olhos da fé, à luz da fé. A fé nos faz ver na criação a obra de Deus, ver em todo ser humano um irmão de Jesus, ver no Crucificado o Filho de Deus como o centurião romano viu. Ao ver Jesus conde-nado inocente e ainda ter amor para dizer: "Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem", o pagão foi tocado no íntimo, despertou para a fé e exclamou: "Verdadeiramente, este homem é o Filho de Deus". Estava salvo, como o ladrão Dimas, que também reconheceu no Crucifi-cado o Filho de Deus: "Jesus, lembra-te de mim quando vieres com teu Reino. Jesus respon-deu: Em verdade eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso. Se creres em teu coração que Je-sus Cristo é o Senhor, obterás justiça, e se o confessares com tua boca, serás salvo. Quem ne-le crê não será confundido e quem invocar o nome do Senhor, será salvo" Lc 23,42-43. Rm 10,9-13. Portanto, para ser salvo, será preciso olhar com os olhos da fé, com o coração, Jesus Cristo elevado na cruz. Só a partir da cruz maldita, onde se encontra entregue e humilhado por amar-nos até o fim, Jesus revela ao mundo o tamanho do seu amor por nós. Se alguém duvida da veracidade do amor de Jesus por nós, olhe para a cruz e as dúvidas cessarão. "Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda era-mos pecadores. Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja le-vantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que nele crê, tenha a vida eterna". Ora, segundo o AT, "aquele que vê Deus, morre" Ex 33,20. Jesus assume a mesma fé do AT: para ver Deus é precisa morrer, sim; isto é: renunciar ao pecado, converter-se, "lavar as vestes, al-vejá-las no sangue do Cordeiro imolado", lavar as imundícies do coração nas águas do Espí-rito Santo, para nascer de novo do Pai e da Mãe Ruah. "Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus. Felizes os puros de coração, porqueverão Deus" Jo 3; Ap 7,14; Ez 36,25; Mt 18,3; 5,8. Foi nesta linha a conti-nuação da resposta de Jesus ao pedido dos judeus 'gregos'."É chegada a hora em que será glorificado o Filho do Homem", na cruz e junto ao Pai. A elevação de Jesus na cruz (a kéno-se do Servo Sofredor) é a outra face da sua ascensão em poder junto ao Pai pela ressurreição dos mortos, quando o Pai o sobreexaltou e constituiu Filho e Senhor do céu e da terra, Sumo Sacerdote, Intercessor permanente dos irmãos junto ao Pai (Cf. Rm 1,1-3; Fl 2,9; Hb 1-2). Vem daí a força da invocação do Nome (Pessoa) de Jesus. 'Se o grão de trigo que caiu na ter-ra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. Quem ama sua vida, perde-a, e quem odeia sua vida neste mundo, guardá-la-á para a vida eterna. Se alguém quer ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga, e onde eu estou, aí também estará o meu servo (na cruz e na glória). Visto que o mundo, por meio da sabedoria do mun-do, não reconheceu Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus, pela loucura da pregação (sabedoria de Deus, entendida pelos que crêem, não pelo mundo), salvar aqueles que crêem. Os judeus pedem sinais, os gregos andam em busca de sabedoria; nós, porém, anunciamos Jesus Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo e para os gentios, loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto gregos como judeus, é Cristo, poder e sabedoria de Deus. Pois, o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens. Por isso, eu me comprazo nas fraquezas, nos opróbrios, nas necessida-des, nas perseguições sofridas por amor de Cristo. Porque, quando eu sou fraco, aí é que sou for-te. Posso tudo naquele que me fortalece. "Se Deus é conosco, quem será contra nós"? Jo 12, 23-25.32; Mt 16,24; Jo 12,26; Rm 5,8;8,14; 1 Cor 1,21-25; 2 Cor 12,10; Fl 4,13.
Portanto, não obstante o temor veterotestamentário, o Pai enviou seu Filho ao mundo, nu-ma carne semelhante à nossa carne de pecado, em tudo semelhante a nós, menos no pecado, para que o Filho fosse visto, ouvido, tocado como ser humano. O menino que acaba de ser parido como todo ser humano, e está deitado na humilde manjedoura em Belém, é Deus em carne e osso – palpável, visível, audível. Deus com um corpo como o nosso; com forma, ana-tomia, fisiologia e necessidades como todo corpo humano; com sensibilidade, sentimentos, inteligências semelhantes às do ser humano mais comum. "Ninguém jamais viu Deus; o Fi-lho único, que é Deus e vive na intimidade do Pai, foi quem o deu a conhecer. O Verbo se fez carne e habitou entre nós e vimos a sua glória, glória que ele tinha junto ao Pai como Filho ú-nico, cheio de graça e de verdade. Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade.Ele é a Imagem do Deus invisível, um reflexo da luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus e uma imagem de sua bondade, o resplendor de sua glória e a expressão do seu ser.Ele tem a condição divina – o Filho é Deus –, mas não considerou o ser igual (em dignidade) a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo (abdicou da gló-ria e do respeito que tem enquanto Deus) e assumiu a condição de servo, tomando a seme-lhança humana" (sendo homem como nós, partilhando de todas as fraquezas da condição hu-mana, exceto o pecado). E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte e morte de cruz. Graças a essa vontade (decisão de entregar livremente seu corpo em sacrifício por nós – em nosso lugar e em nosso favor) é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas. Às gerações e aos homens do passado ele não foi dado a conhecer, como agora revelado aos seus santos e profetas, no Espírito: os gentios são co-herdeiros e membros do mesmo Corpo e co-participantes das promessas em Cristo Jesus, por meio do Evangelho. A mensagem de Jesus Cristo é um mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos, agora, porém, manifestado e, pelos escritos proféticos e por disposição do Deus eterno, dado a conhecer a todos os gentios, para levá-los à obediência da fé. O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu Nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse. Se permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente se-reis meus discípulos, e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. As palavras que vos anuncio não são minhas, mas do Pai que me enviou: nada faço por mim mesmo, mas falo a verdade que ouvi de Deus e como me ensinou o Pai" Fl2,6-8; Jo 1,2.14; 8,42.40; 14,26; Ef 3,5; Rm 16,26; Sb 7,26; Hb 1,3; 10,10; Cl 2,9. Pela encarnação, o Unigênito se aproxima de nós, é Deus-Conosco, deixa-se ver e tocar por nós. Aos amedrontados pastores, que não en-tendiam o que estava acontecendo no pasto onde eles vigiam as ovelhas à noite, disse o anjo: "Não temais! Eis que vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: Nasceu ho-je um Salvador, que é o Cristo Senhor, na cidade de Davi. Isto vos servirá de sinal: encontra-reis um recém-nascido envolto em faixas deitado numa manjedoura". Quando Maria e José foram ao Templo apresentar Jesus, "fora revelado a Simeão pelo Espírito Santo que não mor-reria antes de ver o Cristo do Senhor. Movido pelo Espírito Santo, ele veio ao Templo, e quando os pais trouxeram o Menino Jesus para cumprir as prescrições da Lei a seu respeito, Simeão tomou Jesus nos braços e bendisse a Deus, dizendo: Agora, Soberano Senhor, podes despedir o teu servo em paz, porque os meus olhos viram tua salvação, que preparaste em fa-ce de todos os povos, luz para iluminar as nações, e glória para iluminar o teu povo, Israel". Os reis magos também viram e adoraram Jesus. "Vimos sua estrela no seu surgir (Oriente) e viemos homenageá-lo. Ao entrarem na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe, e, pros-trando-se, o homenagearam. O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida vo-lo a-nunciamos, para que estejais também em comunhão conosco. À tarde do primeiro dia da se-mana, estando fechadas as portas onde se achavam os discípulos, por medo dos judeus, Jesus veio e, pondo-se de pé no meio deles, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, fi-caram cheios de alegria por verem o Senhor. Tomé não estava com eles quando veio Jesus. Os outros lhe disseram: Vimos o Senhor Jesus! Mas ele lhes disse: Se eu não vir o lugar dos cravos em suas mãos e não puser meu dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não crerei. Oito dias depois, achavam-se os discípulos, de novo, dentro da casa, por medo dos Judeus e Tomé com eles. Jesus veio, estando as portas fechadas, pôs-se no meio deles e disse: A paz este convosco. Disse depois a Tomé: Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Es-tende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê. Respondeu-lhe Tomé: Meu Senhor e meu Deus! Jesus lhe disse: Porque viste creste. Felizes os que não viram e creram". Os discípulos de Emaús, desesperançados por causa da morte de Jesus, voltavam para casa, caminhando lado a lado com Ele, conversando com ele sobre os últimos aconteci-mentos em Jerusalém, sem o reconhecerem. Só quando Jesus entrou na casa deles "e à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, depois partiu e o distribuiu a eles então seus olhos abri-ram-se e o reconheceram; ele porém ficou invisível diante deles (visível só pela fé). Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém" para darem a notícia aos outros, que já sabiam do ocorrido pela boca de Madalena e Pedro. "Falavam ainda, quando Jesus se pôs de pé (ressurreto; o Cordeiro imolado está deitado sobre a pedra móàmola) no meio deles e lhes disse: a paz esteja convosco. Tomados de espanto e temor, imaginaram ver um espírito (fantasma). Mas Jesus disse: por que estais perturbados, por que surgem tais dúvidas em vos-sos corações? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai e entendei que um espírito não tem carne nem ossos, como estais vendo que tenho. Dizendo isto, lhes mostrou as mãos e os pés. E como, por causa da alegria, não podiam acreditar ainda, ficaram surpresos, disse-lhes: Tendes o que comer? Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado.Tomou-o, então, e o co-meu diante deles". Os Onze pescavam na Mar da Galiléia depois da ressurreição sem nada conseguir. Jesus aproximou-se deles, mas eles só o reconheceram quando Jesus mandou lan-çassem a rede ao Mar. "Trabalhamos a noite toda e na conseguimos. Mas, como tu estás pe-dindo, lançaremos a rede outra vez. Lançaram então a rede e já não tinham força para puxá-la, por causa da quantidade de peixes. Aquele discípulo que Jesus amava disse então a Pedro: É o Senhor! Quando saltaram em terra, viram brasas acesas, tendo por cima peixe e pão. Dis-se-lhes Jesus: Vinde comer. Nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: 'Quem és tu' por-que sabiam que era o Senhor. Ele é a Imagem visível do Deus invisível, o esplendor do seu ser. Enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da mansão, longe do Senhor, pois cami-nhamos pela fé, não pela visão. Agora o vemos como em espelho, de maneira confusa (noi-te escura da fé), mas depois, o veremos face a face. Agora meu conhecimento é limitado, mas depois, conhecerei como sou conhecido" Jo 3, 14-15;1 Jo 1,1-3; Lc 2,10-12.22-32; Mt 2,2. 11; Jo 20.20; Jo 21,1-12; Lc 24,28-42; Hb 1,3; 1 Cor 13,12 .
Muitas pessoas se aproximam de Jesus para pedir-lhe que faça alguma coisa por ela, mas não lhe pedem o principal, que Jesus deseja dar-lhes sem medida: a fé. A fé nos equipa com o poder e olhar de Deus, que nos fazem ver e fazer as coisas na ótica de Deus. Mas as pesso- as, sem fé, tratam Jesus como curativo para curá-las, sem fazerem o que está ao seu alcance para se libertarem dos males que as atormentam. Estão doentes porque se alimentam mal e têm pensamentos negativos. Estão subempregadas porque não se atualizaram para ser com-petitivas no mercado de trabalho. Em vez de fazerem por si o que podem, vivem pedindo a Jesus que melhore a situação delas, querendo que Jesus as substitua no que é da responsabi-lidade delas. Não temos o direito de pedir que Jesus faça por nós o que nós podemos fazer. Jesus não é esparadrapo nem muleta para nós nem veio nos substituir no trabalho, dispensan-do-nos de lutar pela vida. Ele nos capacitou de dons para nos realizarmos como seres huma-nos e cumprirmos a missão para a qual viemos ao mundo. É através do exercício dos dons que Deus realiza as obras em nosso favor e das outras pessoas, sem necessidade de milagres. Evidentemente, milagres acontecem, mas não a toda hora nem sob encomenda. Mas, antes de apelarmos para milagres, precisamos desenvolver nossa capacidade natural, que são as mar-cas da presença de Deus em nós. "Nossa capacidade vem de Deus. É Ele quem opera em nós o querer e o operar; é ele mesmo quem exorta por nosso intermédio" 2 Cor 3,5; 5,20; Fl 2, 13. Se não desenvolvermos nossas capacidades, nos instalaremos na incompetência, que da-mos como desculpa para ficarmos paralisados e nos apresentarmos diante de Jesus como pa-ralíticos, pedindo que faça milagres para nos curar, quando, na verdade, somos parasitas, re-ligiosos, mas sem fé. Pedimos que Jesus mude nossa vida por milagre. Mas é impossível, se interiormente não temos fé nem queremos mudar. E se não desejamos mudar, Jesus não nos mudará. Jesus não faz milagre por nós sem a participação da nossa fé. Satanás e os fariseus não acreditavam em Jesus, mas queriam vê-lo fazer milagre para se divertirem. Jesus negou-se a atendê-los, porque milagre feito sem fé mágica. Ora, Jesus não é mágico, mas depositá-rio do poder de Deus para fazer o bem, gerar vida. Moisés, pela fé no poder de Javé, fez seu cajado se transformar em cobra diante do faraó. Os mágicos ilusionistas do faraó também fi-zeram bastões se transformarem em cobras. Como eram sem fé, a cobra de Moisés engoliu as dos mágicos do faraó. É que Moisés estava imbuído da missão de dobrar o faraó por meio da palavra ou de sinais para que deixasse o povo sair do Egito. Ora, os ilusionistas do faraó ti-nham por missão divertir o faraó. O que não era o caso de Moisés. Tampouco era o caso de Jesus, que foi enviado ao mundo pelo Pai com a missão de salvar os pobres, primeiramenteda baixa auto-estima, provocada pelo culpa patológica inoculada neles pelas autoridades de Jerusalém. Fazia milagres, não para dar demonstração de poder, mas para sinalizar a presen-ça do Reino de Deus entre o povo e despertá-lo para a fé neles mesmos e em Deus, elevando sua auto-estima, capacitando-o a lutar de novo. Ora, Satanás e os fariseus não estavam inte-ressados no Reino de Deus, mas em espetáculo. Por isso Jesus não os atendeu, mas colocou as coisas no lugar. Disse-lhes Jesus: "Não só do pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Não vereis outro sinal (milagre) senão o do profeta Jonas: vereis aquele que traspassastes". Por isso, quando curava alguém Jesus exigia a fé da pessoa em si, depoisem Deus. "Que queres que eu faça por ti? Queres ser curado? Vai, tua fé, o poder de Deus em ti te curou, não eu. Levanta-te e anda, tua fé te curou". Sem participação do fiel, Jesus na-da poderá fazer por ele nem converterá o coração dele. Quando Jesus multiplicou os pães e os peixes, contou com a colaboração dos portadores dos pães e peixes. Quando transformou água em vinho em Caná da Galiléia, contou com a colaboração dos servos que encheram as talhas de água e levaram o vinho para os convivas. Em todos os milagres feitos por Jesus há participação da fé do interessado. Diante da persistência da mulher das migalhas, da confian-ça nele demonstrada pelo centurião romano, do esforço dos que levavam o paralítico na maca e o fizeram descer pelo teto da casa e o colocaram diante de Jesus, este respondeu: "Nunca vi tanta fé em Israel. Vai, tua fé te salvou". Por isso, antes de pedirmos que Jesus faça milagres, peçamos-lhe que aumente a nossa fé. Tendo fé, tudo nos será favorável, até as coisas desfa-voráveis. O maior milagre que Jesus nos pode fazer é dar-nos a fé, que é a presença do Rei-no, do poder de Deus em nós. Tendo fé, tudo poderemos e começaremos a ver os sinais de Jesus em nossa vida e no mundo. "Procurai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo". Quer estejamos sadios ou doentes, acolhidos ou perse-guidos, alegres ou tristes: tendo fé, tudo é a nosso favor. "Se Deus é por mim (fé), quem será contra mim? Posso tudo naquele que me fortalece. Se vos tenho nesta terra, que mais posso eu desejar. De que adianta o ser humano ganhar o mundo se vier a perder sua vida"?
Todas vezes que empregamos o verbo "ver" no contexto acima, o fizemos no sentido da fé. É que olhando Jesus com olhos carnais jamais reconhecermos nele o Filho de Deus. Muitos assim o viram e o mataram como falsário, por não verem nele o Filho de Deus. Só aos olhos da fé veremos quem Jesus é realmente. Por isso, sendo ainda fracas na fé, as pessoas benefi-ciárias dos milagres de Jesus, Ele as proibia de divulgá-los, porque não viam neles a ação do Espírito do Reino do Pai entre nós, porém mágicas de um homem extraordinário, fascinante. De fato, Jesus conviveu e ensinou por três anos no meio do povo judeu, mas quase ninguém viu nele o Enviado do Pai. Fora Simão Pedro, que reconheceu em Jesus o Filho de Deus por revelação do Pai, (Cf. Mt 16,17), só o centurião romano, um pagão, teve a sensibilidade de ver em Jesus o Filho de Deus, ao presenciar o drama dele na cruz: "O centurião e os que com ele guardavam Jesus na cruz, ao verem o terremoto e tudo o mais que estava acontecendo, fi-caram a amedrontados e disseram: "De fato, este era Filho de Deus" Mc 15,39. Durante a vi-da pública de Jesus, o Pai mesmo revelará, pouco a pouco, que Jesus é Filho de Deus, envia-do para o meio de nós no poder de Ruah. O Abbá, Pai é o "xodó" de Jesus e está presente na vida dele antes da encarnação do Filho: "No Princípio (antes do tempo existir, de toda eter-nidade) era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus (Pai) e a Palavra era Deus (Filho). Ela existe no Princípio junto de Deus (Ruah). Ela existe antes de todas as coisas e nela foram cri-adas todas as coisas, no céu e na terra, e nela todas as coisas têm consistência. Pai, tu me a-maste antes da fundação do mundo. Eu te glorifiquei na terra, concluí a obra que me encarre-gaste de realizar. E agora, glorifica-me junto de ti, Pai, com a glória que eu tinha junto de tiantes que o mundo existisse. Saí do Pai e vim ao mundo; de novo deixo o mundo e volto para o Pai. Não quiseste sacrifício e oferenda. Porém, Tu me formaste um corpo. Por isso, eu di-go: Eis-me aqui, ó Deus, eu vim para fazer tua vontade: salvar a criação inteira. E graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas" na plenitude do tempo Jo 17,4-5.24; Hb 10,5.7.10; 1 Tm 2,4.
Como aconteceu a chegada do Filho Unigênito ao mundo? Pela encarnação em Maria, pe-la qual assumiu, resgatou, soergueu, ressuscitou em sua Pessoa a condição humana e toda a criação, tornando-se Ele mesmo o Primogênito de toda criatura, desde a concepção. "Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, nascido de uma mulher, para remir os que jaziam nas trevas do pecado, a fim que recebêssemos a adoção filial. Disse Gabriel a Ma-ria: 'Conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele libertará seu povo de seus pecados. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo (o Pai). O Espírito Santo (Mãe Ruah) virá sobre ti e o poder do Altíssimo (o Pai) te cobrirá com sua sombra. Por isso, o Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus (o Pai). E o Verbo se fez carne e habitou entre nós; e vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade" Quando Jesus nasceu em Belém, "uma multidão do exército ce-leste disse: "Glória a Deus (Pai) no mais alto dos céus e paz na terra aos seres humanos que ele ama. O Pai mesmo vos ama porque me amaste e creste que vim do Pai. Quem me ama, guardará minha palavra, será amado por meu Pai, a ele viremos e nele faremos nossa mora-da" Mt 1,21; Lc 1,31-35; 2,14; Jo 1,14; 14,16.21-22.27-28;16,27. Aos doze anos, quando se tornou adulto, Jesus ficou escondido dos pais em Jerusalém, sendo achado três dias depois discutindo com os doutores da Lei. Para surpresa dos pais, Jesus lhes revela que estava cui-dando das coisas do Pai. "Ao vê-lo, ficaram surpresos e sua mãe lhe disse: Meu filho, porque agiste assim conosco? Olha que teu pai (José) e eu, aflitos, te procurávamos. Respondeu Je-sus: 'Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa do meu Pai"? Lc 2,48-49. Morando com José e Maria na humilde casa de Nazaré, exercendo o ofício de carpinteiro, Je-sus silencia durante dezoito anos sobre o Pai. Ninguém suspeitava que era o Filho de Deus, tinha um Pai e uma Mãe celestiais além do pai e da mãe terrenos, tamanha era sua humilda-de, seu escondimento, sua kénose. Aos trinta anos, Jesus surge como um relâmpago às mar-gens do Rio Jordão para ser batizado por João Batista, jejuar por quarenta dias antes de co-meçar sua missão e vida pública, e revelar sua verdadeira identidade. No batismo de penitên-cia a que se submete vicariamente, fazendo-se penitente por nós, no nosso lugar, o Pai e a Mãe de Jesus (Ruah) se revelam pessoalmente: "Batizado, Jesus subiu imediatamente das á-guas e viu o Espírito de Deus vindo sobre ele em forma de pomba e do céu ouviu-se a voz: 'Este é o meu Filho amado em que me comprazo; ouvi-o. Quem vos ouve, me ouve; que me ouve, ouve o Pai que me enviou" Mt 3, 16-17; Jo 13,20; Lc 10,16. Depois do batismo, a Mãe Ruah o conduziu ao deserto para ser posto à prova, em preparação para a dura missão de "evangelizar os pobres, libertar os cativos e anunciar o ano da graça do Senhor". Depois de jejuar por quarenta dias, Jesus teve fome, foi tentado pelo Diabo, mas venceu as três tenta-ções. Vitorioso sobre o Maligno, "Jesus voltou então para a Galiléia, com a força do Espíri-to" para iniciar sua missão. O Pai e Reino de Deus estão no centro da pregação e milagres de Jesus, filho de José e Mariae Filho eterno de Deus Pai e da Mãe Ruah. "Paulo, servo de Jesus Cristo, nascida da estirpe de Davi segundo a carne, estabelecido Filho de Deus com poder por sua ressurreição dos mortos, segundo o Espírito de santidade" Lc 4,14; Rm 1,1-4.
Foi, portanto, pela Galiléia, onde "o Verbo se fez carne em Maria e habitou entre nós", que Jesus começou sua missão. Depois de ensinar nas sinagogas e ser aplaudido pelo povo em várias cidades, "Jesus foi a Nazaré, onde foi criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; abrindo-o, encontrou o lugar onde está escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos, a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para pro-clamar o ano de graça do Senhor" Lc 4,18-19. Este texto resume a missão régia, sacerdotal e profética do Enviado do Pai entre nós. Ora, os ouvintes da sinagoga, embora admirassem "as palavras de graça que saiam da boca de Jesus", não reconheceram nele o Filho de Deus, mas o filho de José (v.22). Nem mesmo Maria e José sabiam que Jesus era o Filho de Deus, con-forme seqüência do relato de Jesus com os doutores da Lei: "Eles não compreenderam as pa-lavras que ele lhes dissera. Mas, sua mãe conservava todos esses fatos em seu coração"Lc 2, 50-51. Noutra ocasião, uma mulher gritou da multidão: "Felizes as entranhas que te trouxe-ram e os peitos que te amamentaram". Mas Jesus fez o povo entender que o pai e a mãe que importavam não eram José e Maria, mas o Pai celestial, "respondendo: 'Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a observam. Avisaram-no: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora querendo te ver. Mas ele respondeu: Aqui estão a minha mãe e meus irmãos, porque aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos Céus, este é meu irmão, minha irmã, minha mãe" Lc 11,27-28; 8,21. Impressiona as pessoas não saberem que o homem Jesus é o Filho de Deus, mas os demônios, sim: "Sei quem tu és: Jesus de Nazaré, o Santo de Deus, o Filho de Deus" Lc 4,34.41. Porém, Jesus impôs silêncio aos demônios, pois não lhes caberia anun-ciar o Reino de Deus nem proclamar o Nome de Jesus, mas aos Doze e a seus sucessores – todo o povo de Deus, profetas da Nova Aliança – que receberam o mandato diretamente de Jesus: "Ide, anunciai a boa nova a toda criatura, a todas as nações" Mc 16,15; Mt 28,19.
Depois de realizar curas na Galiléia, como a multidão o quisesse deter, Jesus foge para a Judéia, "para anunciar a outras cidades a boa nova do Reino de Deus: Arrependei-vos e crede no Evangelho, porque está próximo o Reino de Deus (Pai)" Lc 4,43; Mt 4,17; Mc 1,15. As-sim como o Pai revelou o Filho no Batismo e na transfiguração, sem demora Jesus revelará o Pai ao mundo, através de seus sermões e parábolas. "Brilhe vossa luz diante dos homens, pa-ra que, vendo as vossas boas obras, dêem glória ao Pai que está nos céus. Amai os vossos ini-migos, e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre os maus e bons e cair a chuva so-bre justos e injustos, sobre os maus e ingratos. Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso. Sede santos, porque o Senhor vosso Deus é santo. Quando deres esmola e orares, não precisas fazer alarde, porque o Pai sabe do que tens necessidade antes de lho pe-dires: Ele vê no segredo e te recompensará" Mt 5,16.44-45.48; Lc 6,35; Mt 6,6; Lv 19,2. Os pobres se maravilhavam ao ouvirem Jesus dizer que o Pai ama preferencialmente os pecado-res, os perdidos, os excluídos, os desamparados, os órfãos, viúvas, forasteiros, e lhes revela o seu Reino, escondendo-o dos orgulhosos, sábios e entendidos do mundo. Exemplo da miseri-córdia do Pai é a parábola do filho pródigo (Lc 15). Entre os pobres estavam os discípulos e discípulas, os setenta e dois e os Doze. Um dia, voltaram felizes da missão porque os demô-nios se lhes submetiam em Nome de Jesus. "Naquele momento, Jesus exultou de alegria sob a ação da Mãe Ruah e disse: Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e nin-guém conhece o Pai senão o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar"Lc 10,17-22.
Depois das cansativas jornadas, Jesus costumava ficar a sós com o Pai, em lugares deser-tos, longe das multidões. Os discípulos ficavam maravilhados vendo-o orar ao querido Pai. Um dia, não se contiveram e lhe pediram para ensiná-los a orar ao Pai amado. "Estando Jesus num lugar deserto, orando, ao terminar, um dos seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a orar como João ensinou a seus discípulos. Ele respondeu-lhes: Quando orardes, não fazei como os pagãos que multiplicam palavras vazias, mas dizei: Pai nosso que estás no céu, san-tificado seja o teu Nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. E perdoa-nos as nossas dívidas, como nós perdoa-mos aos nossos devedores. E não nos exponhas à tentação, mas livra-nos do mal". Por fim, Jesus revela aos Doze que o Pai resolveu lhes dar o seu Reino. Mas, apesar de o ouvirem fa-lar tantas vezes do Pai, os Doze ainda não sabiam quem era o Pai. Por isso, Filipe um dia lhe disse: "Senhor, mostra-nos o Pai e isto nos basta. Disse-lhe Jesus: Há tanto tempo estou con-vosco e não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? Quem crê em mim não é em mim que crê, mas no Pai que me enviou, e quem me vê, vê aquele que me enviou. Quem vos ouve me ouve, e quem me ouve ouvem o Pai que me enviou. Quem vos despreza me despreza; e quem me despreza, despreza o Pai que me enviou. Eu e o Pai somos um. Nada faço por mim mesmo, senão o que vejo o Pai fazer" Lc 10,16;11,1-2; Mt 6,9-13;Jo 14,8-10;12,43-44. Podemos ver o Pai no que Jesus diz e faz.
Onde vemos Jesus, Imagem visível do Pai? Jesus Cristo não é só uma pessoa, mas uma fi-gura corporativa, representativa da humanidade, que ele incorporou pela encarnação. Assu-mindo a natureza humana, Jesus nos fez "partícipes da natureza divina". Cada um de nós tem parte no Verbo encarnado: como Ele, somos humano-divinos, teândricos, e formamos o Cor-po Místico de Cristo, a Igreja, que não são só as igrejas cristãs confessionais, mas inclui a to-talidade dos seres humanos, tenham ou não fé explícita, e os outros seres criados do céu e da terra, todos resgatados pelo sangue do Cordeiro imolado. "Ele é o Primogênito de toda cria-tura, pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue de sua cruz" Cl 1,18-20. A nova criação em conjunto forma o Corpo Místico de Cristo, a Igreja. "Vós sois o Cor-po de Cristo e sois os seus membros, cada um por sua parte. Pois, assim como num corpo te-mos muitos membros e os membros não têm todos a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo. Completo em minha carne o que falta à paixão de Cristo por seu Corpo, que é a Igreja. Fomos todos batizados num só Espírito para sermos um só corpo, judeus e gregos, escravos e livres, e todos bebemos de um só Espírito" Rm 12,4-5; 1 Cor 12,13.27; Cl 2,24. Em virtude dessa realidade mística, no Juízo Final Je-sus dirá aos benditos do Pai, cristãos confessionais ou cristãos anônimos: "Eu tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estava preso e me fostes visitar. Pois, tudo o que fizestes ao menor dos meus irmãos, foi a mim que o fizeste"; depois dirá aos malditos (os sem fé): "Eu tive fome e não me destes de comer; estava nu e não me vestistes; estava sem teto e não me abrigastes. Pois, todas as vezes que deixastes de fazer essas coisas aos pe-queninos, foi a mim que o deixastes de fazer". Na estrada de Damasco, Jesus disse o mesmo a Saulo: "Saulo, Saulo, porque me persegues? Quem és tu, Senhor?, perguntou ele. Eu sou Jesus que tu estás perseguindo. Quem vos rejeita, me rejeita; quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou. Trago em meu corpo as marcas de Jesus" At 9,4-5; Gl 6,17.
Portanto, quem ama Jesus e quer vê-lo, aproxime-se dos irmãos e os sirva. "De que me adi-anta dizer que amo Deus, se odeio os irmãos? Como posso amar Deus que não vejo, se não a-mo os irmãos que vejo? Quem, pois, amar Deus, ame também os irmãos. Se alguém, possu-indo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como perma-necerá nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e de verdade" 1 Jo 4,20; 3,17. Pela fé, vejo Jesus em cada pessoa que cruza meu caminho, quer me agrade ou não; quer me seja útil, ou nada faça por mim; vejo-o também na criação. Mas os insensatos (os sem-fé) "não foram capazes de conhecer Aquele que é, nem, considerando as obras, reconhecer o Artífice. O Criador pôs sua luz em nossos corações para nos mostrar a grandeza de suas obras. Porque, o que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles, pois Deus o revelou. Sua realidade invisível – seu eterno poder e sua divindade – tornou-se inteligível desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa" Sb 13,1; Eclo 17,8; Rm 1,19-20. Vejo Jesus ainda nos muitos lugares teologais – solidariedade, partilha, justiça, misericórdia, perdão, amor, paz –, que, quando a-tualizados, realizam o Reino de Deus. Os discípulos de Emaús reconheceram Jesus no partir do pão. "Deus é amor; quem ama está em Deus e Deus está nele" 1 Jo 4,1; Lc 24,30-31.41-42. Por analogia: Deus é justiça e paz; quem é justo e pacífico está em Deus e Deus nele. Deus é misericordioso e perdoa; quem é misericordioso e perdoa está em Deus e Deus nele. Vejo Jesus ainda na comunidade litúrgica. "Onde estiverem dois ou mais reunidos em meu Nome (na fé), eu estarei no meio deles". Vejo Jesus nas espécies sacramentais do pão e do vinho, sinais sensíveis da Sua presença real no meio de nós. Mas, pela fé sabemos que Jesus está, desde o início da celebração, presente na comunidade que celebra os sinais da fé, e po-demos adorá-lo antes da consagração. Ele é o agente principal de toda celebração sacramen-tal; particularmente da eucaristia. Jesus está presente na comunidade, celebra a eucaristia com o povo de fé, comunica-nos a Palavra de Deus e pronuncia, pela boca do presidente da celebração e em nome da assembléia litúrgica, as palavras consecratórias sobre o pão e o vi-nho: "Isto é meu corpo entregue por vós; tomai e comei. Este é o sangue da nova e eterna ali-ança, derramado por vós; tomai e bebei" – e nos alimenta com seu corpo e seu sangue, com sua humanidade e divindade. Toda palavra e todo gesto da comunidade e do presidente da celebração, inclusive as palavras consecratórias e demais formas sacramentais, é Jesus quem as pronuncia e realiza pela boca e mãos da comunidade celebrante. Tratando-se de realidades espirituais, vemos Jesus nos irmãos, reunidos no Seu Corpo Místico, e nos sinais sacramen-tais do pão e do vinho e demais sacramentos, com olhos de fé, não com os carnais. A euca-ristia é sinal vivo da presença de Jesus entre nós. Mas Jesus precisa estar presente do começo ao fim da celebração para legitimar os sinais de sua presença. Sinal é sinal de al-go real. No caso dos sacramentos, os sinais são símbolos e têm o mesmo valor, produzem o mesmo efeito salvífico que Jesus em Pessoa. Com os sentidos vemos, tocamos, degustamos pão e vinho, sinais sensíveis da presença de Jesus. Pela fé, vemos Jesus que está no meio de nós desde o início da celebração, não apenas no momento da consagração, falando-nos e nos alimentando com o seu corpo e sangue, e podemos adorá-lo em espírito e verdade antes da consagração. A consagração do pão e do vinho serve para sinalizar a presença de Jesus entre nós, tal como ele estava com os Doze na última ceia da antiga aliança, primeira e única da nova aliança, e os alimentou com o pão e o vinho por ele consagrados, assegurando-lhes: "Is-to é o meu corpo entregue por vós: tomai e comei; este cálice é o meu sangue derramado por vós: tomai e bebei". Na celebração eucarística Jesus também nos alimenta com o seu corpo e seu sangue, sob as espécies de pão e vinho, assegurando-nos: "Este pão consagrado é o meu corpo entregue por vós: Tomai e comei. Este santo é o sangue derramado por vós: Tomai e bebei". Por isso, quando celebramos a eucaristia e qualquer outro sacramento, não esqueça-mos: Jesus precisa estar presente entre nós para que haja validade sacramental, para que haja consagração e comunhão no seu corpo e sangue, cujo sinal são pão e vinho tran-substanciados. O alimento da terra nutre nosso corpo mortal; o pão do céu alimenta nosso corpo destinado à ressurreição. "Moisés deu a vossos pais o maná no deserto e eles morre-ram. Mas, meu Pai vos dá o pão descido do céu: a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue não morrerá, mas viverá eternamente". Pela fé, pois, vemos Jesus além dos sinais sacramentais do pão e vinho, símbolos da eucaristia única instituída por Jesus na primeira e única ceia da nova aliança, que acabou com a ceia da antiga aliança, e é atualizada liturgicamente pela comuni-dade de fé, com o mesmo valor que a Pessoa viva de Jesus, em virtude da palavra autoritativa dele: "Isto é o meu corpo; este é o meu sangue". É na palavra de Jesus que se baseia a fé do povo de Deus na eucaristia. Só nessas condições e neste sentido existe identidade entre Jesus Cristo e o pão e vinho consagrados. Mas, a identificação substancial do pão e vinho consa-grados com Jesus não dispensa a presença dele entre nós. Sem a presença de Jesus atuando por seu Espírito na celebração, o símbolo eucarístico não será o corpo vivo de Jesus Cristo, por faltar a autoridade de Jesus para ratificar as palavras da primeira e única ceia eucarística da nova aliança. O pão e vinho consagrados só são o corpo e sangue de Cristo porque Jesus está presente na comunidade e nos garante: "Este pão é o meu corpo; este vinho é o meu san-gue; quem comer deste pão e beber deste vinho, come e a minha carne e bebe o meu sangue", alimenta-se da minha vida, da vida do Pai e da Mãe Ruah, participa da vida da SS.Trindade. Esquecer que Jesus está no meio de nós desde o início da celebração e podemos adorá-lo em espírito e verdade, e achar que só depois da consagração podemos vê-lo e adorá-lo na hóstia consagrada, pode ser uma espécie de idolatria da hóstia consagrada, pois adoramos, não a Pessoa de Jesus, Deus e homem, mas um pedaço de pão e um pouco de vinho. O olhar da fé não pode parar nos sinais visíveis e tangíeis do pão e vinho, mas ir além e entrar em comu-nhão com a Pessoa viva de Jesus presente entre nós. Sem esse pulo da fé, seremos como To-mé, que condicionou sua fé à visão das marcas do Crucificado no Ressuscitado. Jesus o per-mitiu por causa da fraca fé dos Apóstolos, mas repreendeu Tomé: "Porque viste, creste. Feli-zes os que creram sem ter visto". Jesus toca no cerne da fé: a fé se fundamenta na Palavra fidedigna de Jesus, dispensando provas e a presença palpável de Jesus. É pegar ou largar, conforme julgue que a Palavra de Jesus merece fé ou não. O centurião romano era homem de fé. Um dia seu criado adoeceu e ele foi até Jesus pedir-lhe a cura do seu servo. "Jesus lhe dis-se: eu irei curá-lo. Mas o centurião respondeu-lhe: Senhor, não sou digno de receber-te sob o meu teto; basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são (palavras ditas até hoje na comunhão eucarística). Ouvindo isto, Jesus ficou admirado e disse aos que o seguiam: Não a-chei ninguém que tivesse tal fé. E disse ao centurião: Vai, como creste, assim será feito. Na mesma hora o criado ficou curado" Mt 8,5-8. Portanto, a fé na eucaristia não é no pão e vi-nho que vemos, comemos e bebemos, mas na Pessoa de Jesus que não vemos nem toca-mos, mas está presente em corpo, alma e divindade entre nós e em cuja palavra acreditamos. É para a Pessoa de Jesus que se dirige a atenção, o olhar da nossa fé, superando os sentidos. "Deus de amor nós te adoramos neste sacramento/Corpo e sangue que fizeste nosso alimento /És o Deus escondido, vivo e vencedor/No Calvário se escondia tua divindade, mas aqui tam-bém se esconde a tua humanidade/Venha a fé por suplemento aos sentidos completar/Ó Jesus que nesta vida pela fé eu vejo/Realiza meu desejo/Ver-te enfim face a face". Este Jesus invi-sível, oculto aos olhos carnais, mas vivo e agindo conosco mediante a fé, os judeus e Tomé não viram, mas nós vemos e é nele que comungamos. O pão e o vinho consagrados são os sinais da Presença de Jesus vivo e atuante entre nós, comunicando-nos a vida divina, oculta, mas real, nas espécies eucarísticas, tornadas corpo e sangue de Jesus pela ação do Espírito do Pai e do Filho, mediante a fé do povo de Deus. Se Jesus não estivesse presente na comunida-de litúrgica, os sinais sacramentais não teriam valor: não haveria consagração ou comunhão, ainda que o celebrante e a comunidade dissessem corretamente as palavras consecratórias sobre o pão e vinho. É Jesus presente entre nós quem consagra o pão e o vinho pela ação li-túrgica do povo de fé presidida pelo presbítero. Só houve uma eucaristia, única realizada cru-entamente uma vez por todas por Jesus na encarnação, vida pública, paixão, morte de cruz e ressurreição, cujo memorial ele nos deixou, ao instituir a eucaristia horas antes do seu sacrifí-cio salvífico. Aliás, a eucaristia foi instituída no mesmo dia do sacrifício cruento de Jesus, pois a última ceia da antiga aliança, durante a qual Jesus instituiu a ceia da eterna e nova ali-ança – autorizando seus seguidores a perpetuá-la, simbolicamente, sacramentalmente pelas gerações futuras –ocorreu após as 18 horas da Quinta-Feira, quando começa a Sexta-Feira no calendário judaico. A última ceia da antiga aliança, durante a qual Jesus instituiu a primeira e única Ceia da nova e eterna aliança aconteceu, portanto, na Sexta-Feira, quando a antiga ali-ança em sangue de animais foi substituída uma vez por todas pela nova e eterna aliança, sela-da no sangue do Cordeiro de Deus e deixada como memorial do sacrifício salvífico de Jesus, o Filho de Deus e da mãe Maria, nosso irmão e Goel (redentor). É o memorial, o sacramento da ceia única da nova aliança selada no corpo e sangue do Cordeiro de Deus, que a comuni-dade celebra em Nome de Jesus. O memorial da ceia da nova aliança tem o mesmo valor da ceia paradigmática da Quinta-Feira (calendário gregoriano) ou Sexta-Feira (calendário lunar judaico, pelo qual dos dias começam depois do pôr-do-sol). Ignorando o mistério do sacra-mento ou símbolo eucarístico, pessoas mal informadas nas coisas da fé acham que Jesus só está entre nós e só pode ser adorado depois da consagração, desaparecendo após a comunhão, quando voltamos para casa. Povo fraco na fé! Primeiro, não vemos Jesus na hóstia consagra-da, mas o sinal da sua presença entre nós, cuja certeza nos é dada pela fé na Palavra dele: "Onde dois ou mais estiverem reunidos, eu estarei no meio deles. Este pão e vinho consagra-do são meu corpo entregue e meu sangue derramado por vós". Segundo, a eucaristia não ter-mina, Jesus deixa de estar conosco quando a missa termina, mas se prolonga depois da missa e Jesus nos acompanha na missão de curar as feridas dos irmãos, tirar o pecado do mundo em seu Nome, doando-nos aos irmãos, quais hóstias vivas a alimentar a esperança dos pobres, mediante a partilha dos dons do Espírito comunicados pelo Ressuscitado, e dos bens materi-ais, dando de comer a quem tem fome, vestindo os nus, visitando os doentes e prisioneiros, na missão de evangelizar os pobres, que Jesus nos confiou, cujo momento alto é a eucaristia. Quando Jesus diz "Fazei isto em memória de mim", mais que uma ordem para celebrar o sa-cramento da eucaristia, é uma convocação a doarmos a vida pelos outros como ele deu, até o extremo do amor: o dom de si, nosso ou de Jesus, é o verdadeiro símbolo, sacramento vivo da eucaristia. "Exorto-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus a oferecerdes vossos cor-pos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual" Rm 12,1. Doar-se aos outros é maior sinal, o sacramento vivo da eucaristia.
Esse discurso sobre o pão da vida Jesus o fez na seqüência à multiplicação dos pães e pei-xes (Jo 6), que alimentou "cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. Vendo o sinal que ele fizera, eles exclamaram: 'Esse é, verdadeiramente, o profeta que deve vir ao mundo". Diziam isso, não porque vissem em Jesus o Filho do Deus, mas porque viam nele um jeito fácil de conseguir alimento. Por isso, "Jesus, sabendo que o viriam buscar para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho, na montanha". Mas a multidão não desistiu, procu-rou Jesus até o encontrá-lo no dia seguinte, ávida por mais espetáculo e comida. Jesus não gostou do imediatismo parasita da multidão e aproveitou para fazê-la entender que "o homem não vive só de pão, mas das palavras que procede da boca de Deus". Ele abre horizontes ex-istenciais que vão além do horizonte do mundo, do imediatismo do circo e pão, e conferem a liberdade e a dignidade que o mundo roubou. Jesus veio dizer ao seu povo e a nós que papel do Salvador não é dispensar as pessoas de trabalhar nem substituí-las nas atividades produti-vas, mas libertá-las da paralisia psicológica e espiritual, da baixa auto-estima, do complexo de inferioridade, que as impedem de ser livres e criativas, e terem lugar na sociedade. Jesus veio principalmente libertar a multidão paralisada pela ignorância, mantida de propósito pe-los poderosos, pela desesperança, pelo medo, pela dor, impressos na alma dos pobres como um estigma indelével, como uma sina irrevogável, resultantes da opressão imposta pelos po-derosos e cujo nome é "pecado do mundo", pecado sofrido, não praticado; é para tirar o pe-cado do mundo incrustado e endurecido na alma, no coração do povo sofrido, gerador de cul-pa patológica paralisante e resignante, que Jesus veio em primeiro lugar. A culpabilidade pa-tológica não tem rosto, nem nome, nem autor conhecido. Os autores dos pecados que viti-mam o povo se escondem por trás dos biombos do poder e da violência, e não assumem res-ponsabilidade pelo mal praticado. O povo tampouco assume a responsabilidade de pecados que não praticou, embora, qual inconsciente bode expiatório, carregue na alma a culpa, que é dos poderosos, que não a assumem, mas a impingem ao povo e a usam como arma de domi-nação. O pior é que o fazem em nome de Deus. E o povo, com medo de sofrer, com medo do inferno não reage, resigna-se, submete-se passivamente aos poderosos, dando-lhes a sensação e a certeza que o povo é culpado pelos males que o atingem, que precisam ouvir mais as au- toridades, cristalizando-se o pecado do mundo em opressão e baixa auto-estima. Tudo em no-me de Deus, usado em vão pelos poderosos, que contraiam frontalmente o mandamento de Javé: "Não pronunciarás em vão o nome de Javé, porque Javé não deixará impune aquele que pronunciar em vão o seu nome" Ex 20,7 . O Cordeiro de Deus, carregando no corpo inocente toda essa carga pecaminosa sem nome e sem rosto, veio ao mundo com a missão de libertar o povo dessa canga interior e capacitá-lo a assumir o próprio destino, com os riscos inerentes à liberdade. Só a partir de então terá condições de assumir a culpa pessoal e libertar-se dela pe-lo arrependimento e o perdão gracioso do Pai. Sem liberdade não há imputabilidade. Quando Jesus diz: "Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem", Ele está se referindo ao pecado do mundo que anquilosa a alma do povo judeu, inclusive das autoridades religiosas, e de ou-tros povos, vítimas de pecados que não cometeram, mas que os incapacita de se libertarem da culpa patológica por conta própria. O pecado do mundo esclerosou a alma deles e os tornou incapazes de perceber o mal que os mata. Ao perdoar o pecado impessoal, que é como uma segunda natureza maléfica, um câncer, uma chaga purulenta, uma pústula incurável, Jesus li-berta a humanidade da culpa patológica, capacita-a para ir à luta e construir livremente o pró-prio destino e a história juntamente com os outros, responsáveis por seus atos, assumindo as reais culpas por reais erros cometidos, recomeçando a caminhada histórica sem falsa culpa, com liberdade. "Se permanecerdes na minha palavra, serreis verdadeiramente meus discípu-los, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Eu sou a verdade. Quem comete o peca-do é escravo do pecado. Ora, o escravo não permanece na casa, mas o filho aí permanece pa-ra sempre", livre da opressão do pecado do mundo, produtivo, construindo o Reino de Deus. Jesus é a morada da SS. Trindade por antonomásia. Permanecer na sua palavra é crer nele e no Pai e viver mediante a fé a liberdade dos filhos de Deus, feliz na casa do Pai que o enviou. "Se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres. É para a liberdade que Jesus nos liber-tou. Libertados do pecado, vos tornastes servos (servidores, não escravos) da justiça" Jo 8, 31-36; Rm 6,17; Gl 5,1. A liberdade que Jesus nos conquistou nos torna servidores dos ou-tros, não escravos. Servidores, operários da vinha do Senhor, produtivos, responsáveis por nossos atos e destino. O trabalho é mandato do Criador, que confere dignidade ao homem e à mulher, criados à imagem e semelhança da SS. Trindade, com capacidade criativa, produtiva semelhante à do Criador, que quer seus filhos cooperando na continuidade e conservação da criação: "Javé Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Deus os abençoou e lhes disse: 'Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra; dominai sobre os peixes do mar e as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra. Eu vos dou todas as ervas que dão sêmen-te, que estão sobre toda a superfície da terra e todas as árvores que dão frutos com sementes: todo isso será vosso alimento. Com o suor do teu rosto comerás teu pão" Gn 1,27-29; 3,18. Jesus se identifica com Deus operário, ao dizer: "Meu Pai trabalha até agora e eu também tra-balho. Não dorme nem cochila o Guarda de Israel, cuidando dos filhos até enquanto dor-mem". Trabalhar para transformar o mundo natural em cultura e história é, pois, obra do ho-mem e da mulher. A preguiça, o parasitismo, a ociosidade desumaniza e é um dos sete peca-dos capitais (todas as espécies de pecado), que ofendem gravemente o Criador e as criaturas, não menos que a corvéia (Gn 3,7s). Por isso, os milagres de Jesus não eram exibições levia-nas de poder, espetáculos mirabolantes repetíveis sob encomenda para divertir o mundo, à guisa das manipulações que Satanás queria impor ao Salvador depois dos quarenta dias de je-jum. (Mt 4,1-11), mas sinais, sacramentos, símbolos da presença atuante da Mãe Ruah, o Es-pírito de santidade do Pai e do Filho, em trabalho de restauração da criação corrompida pelo pecado. "Disse-lhes Jesus: em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais (da ação salvífica do Pai e de Ruah na multiplicação dos peixes e pães), mas porque comestes dos pães e vos saciastes (E vieste buscar mais). Trabalhai, não pelo alimen-to que se perde, mas pelo alimento que permanece para a vida eterna, alimento que o Filho do Homem vos dará, pois o Pai o marcou com o seu selo" (ungindo-o com Espírito de santi-dade e enviando-o para libertar as pessoas da opressão e acomodação omissiva, da paralisia, sobretudo do espírito, causa de outras paralisias, e torná-las aptas a assumir seu papel na so-ciedade, usando a capacidade criativa e produtiva, os dons, os carismas que a Mãe Ruah lhes deu, não para incentivá-las á ociosidade, à preguiça, ao parasitismo improdutivo, mas para construírem a história de corações unidos e mãos dadas. "Quem não trabalha, também não come", diz Paulo. A seguir, Jesus explica à multidão que "o alimento que permanece para a vida eterna", que dará força libertadora aos que crêem nele, é o seu corpo e o seu sangue. "Eu sou o pão da vida eterna. Quem vê o Filho (além da sua aparência humana) e nele crê tem a vida eterna. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no Último Dia. Pois a minha carne é verda-deiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida. Quem como a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Os judeus discutiam entre si, dizen-do: Como este homem pode dar-nos a sua carne a comer? Muitos dos seus discípulos, ouvin-do-o, disseram: Essa palavra é dura! Quem a pode escutar? A partir dali, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com Jesus. Então Jesus disse aos Doze: Não quereis tam-bém vós partir? Simão Pedro respondeu-lhe: Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vi-da eterna; nós cremos e reconhecemos que tu és o santo de Deus". Querendo saber se o po-vo, particularmente os Doze, haviam percebido de verdade que o homem de carne, nervos, vísceras, sangue, ossos, Jesus de Nazaré, era o Filho de Deus, Jesus, antes do primeiro anún-cio da paixão, "chegando ao território de Cesaréia de Filipe pergunta aos Doze: Quem dizem os homens ser o Filho do Homem? Disseram: 'Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas'. Então lhes perguntou: 'E vós, quem dizeis que eu sou'? Simão Pedro respondeu e disse: 'Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo'. Jesus respondeu: 'Feliz és tu, Simão filho de Jonas, porque não foi carne nem sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e o poder do mal não prevalecerá sobre ela". A pedra é a fé de Pedro em Jesus, a verdadeira Rocha: "Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo a pedra angular" (a rocha que sustenta todo o edifício, o templo de Deus inteiro, cujas pedras vivas somos os que cremos em Jesus, o novo templo de Deus) Ef 2,20. A seguir, Jesus põe à prova a fé de Pedro e dos outros, quando "começou a mostrar que era-lhe neces-sário ir a Jerusaléme sofrer muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e escri-bas, ser morto e ressurgir ao terceiro dia. Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: 'Deus não o permita, Senhor! Isto jamais te acontecerá'! Ele, porém, voltando-se para Pedro, diz: 'Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço (impedes-me de cumprir minha missão) porque não pensas as coisas de Deus, mas dos homens" Mt 16,13-18. 21-23. Pedro, há pouco a rocha firme da fé, ante o escândalo da cruz fraqueja na fé e fala agora como areia movediça, movido pela carne e pelo sangue, pela amizade visceral que ti-nha por Jesus, e tenta afastá-lo do caminho da cruz que nos salvará. A amizade de Pedro por Jesus era maior que sua fé. Ainda não havia entendido o que Jesus ensinou: "Se amardes (com amor de entranhas, próprio do amor familiar) pai e mãe, irmãos e irmãs mais do que a mim, não sereis dignos de mim". Era demais para o coração e a cabeça de Simão. Nem as du-ras palavras de Jesus o convenceram que tanta desgraça se abateria sobre seu melhor amigo. Como ficar sem a pessoa que mais amava, que era seu sonho realizado de felicidade? Pedro não conseguiu desvencilhar-se do amor visceral por Jesus nem no dia da paixão, quando via cumprir-se tudo que Jesus predissera. Por isso, passou a andar armado para defender Jesus. Quando ele foi preso no Horto das Oliveiras na noite da Sexta-Feira da Paixão, depois da ins-tituição da eucaristia, Pedro tomou da espada que trazia na cintura e cortou a orelha de Mal-co, o servo do Sumo Sacerdote. Jesus repreendeu Pedro e o fez lembrar o que disse em Cesa-réia de Filipe. "Disse Jesus a Pedro: embainha a tua espada. Deixarei de beber o cálice que o Pai me deu? Ou pensas tu que eu não poderia apelar para o meu Pai, para que pusesse à mi-nha disposição, agora mesmo, mais de doze legiões de anjos? Se meu reino fosse deste mun-do, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu rei-no não é deste mundo.Tudo isto, porém, aconteceu para se cumprirem os escritos dos profe-tas. Então todos os discípulos, abandonando-o, fugiram". Logo depois do discurso sobre o pão da vida, Jesus já advertira os Doze sobre a traição deles, não obstante Pedro ter visto em Jesus Filho de Deus. Disse-lhes Jesus: "Não vos escolhi, eu, os Doze? No entanto, um de vós é um diabo". Após a instituição da eucaristia, "depois de terem cantado o hino (os salmos do pequeno Hallel, 112 (113)-117 (118)], saíram para o Monte das Oliveiras. Jesus disse-lhes, então: Eis que chega a hora – e ela chegou – em que vos dispersareis, cada um para o seu la-do, e me deixareis sozinho. Mas eu não estou só, porque o Pai está comigo. Esta noite todos vós vos escandalizareis por minha causa, pois está escrito: Ferirei o pastor e as ovelhas do re-banho se dispersarão. Mas depois que eu ressurgir, vos precederei na Galiléia. Pedro, toman-do a palavra disse: Ainda que todos se escandalizem por tua causa, eu jamais me escandaliza-rei. Jesus declarou: em verdade te digo que esta noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes. Ao que Pedro disse: Mesmo que eu tiver de morrer contigo, eu não te negarei. O mes-mo disseram todos os discípulos" Mt 14,20; Dt 8,3; Jo 6,70; 16,28. 32; 18,36; Mt 26, 30-35.53.56. Dito e feito: não só Pedro e Judas traíram Jesus, mas os Doze. Na hora do aperto, todos, inclusive os amigos mais íntimos, Pedro, Tiago e João, abandonaram Jesus, que teve de enfrentar só as mais duras horas de sua vida terrena, quando precisava mais do apoio dos amigos. Os Doze, não menos que as multidões, eram fracos na fé e não viam em Jesus o Fi-lho de Deus, como também não viram os ouvintes da Sinagoga de Nazaré, onde Jesus publi-cou seu programa missionário (Lc 4,14 ss). Embora admirassem suas palavras, apenas viam nele o filho do carpinteiro, não o Filho de Deus. Razão porque Jesus impunha silêncio, para que não o confundissem com o que ele não é – um milagreiro espetaculoso, um mágico.
Contudo, continua de pé o desejo dos gregos e nosso também: "Queremos ver Jesus". On-de encontrá-lo, então? Alguns dias antes da paixão, no discurso escatológico sobre o Juízo Final, Jesus ensina onde e como encontrá-lo sem falha: nos famintos e sedentos de justiça, de liberdade, de respeito, de amor; nos doentes e prisioneiros, nos desabrigados e desamparados de toda espécie – nos pobres. Para surpresa dos "benditos do meu Pai e os malditos", Jesus se identifica especialmente com cada pessoa dessas categorias de marginalizados, excluídos, infelizes, ao ponto tal que, quem tocar num deles, para o bem ou para o mal, é em Jesus mes-mo que tocará. Pois, tudo o que fizermos ou deixarmos de fazer a um desses pequeninos que crêem em Jesus, é a ele que o fazemos ou deixamos de fazer. Os que reconhecerem e virem Jesus nos pobres e os tratarem como ao próprio Jesus terão ingresso garantido no Reino de Deus. Mas os que desprezaram os pobres e lhes negaram as coisas necessárias à sua vida te-rão barrado o acesso ao Reino de Deus desde aqui e serão relegados ao desprezo, à eterna so-lidão depois da morte (Cf. Mt 25,31-46). "Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não foi em tu nome que profetizamos e em teu nome que expulsamos demônios e em teu nome que fizemos muitos milagres. Então lhes declararei: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim vós que praticais a iniqüidade" Mt 7,22-23. O manso e humilde Jesus é muito duro com os felizes do mundo, insensíveis ao sofrimento dos pobres, membros sofredores do Corpo tortu-rado do Salvador: "Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação! Ai de vós, que ago-ra estais saciados, porque tereis fome! Ai de vós, que agora rides, porque conhecereis o luto e as lágrimas! Ai de vós, quando todos vos bendisserem, pois do mesmo modo seus pais trata-vam os falsos profetas". Por outro lado, Ele toma partido pelos desprezados, infelizes, prosti-tutas, toda espécie de miseráveis da terra, acolhendo-os, elevando-lhes a auto-estima, perdo-ando-lhes a culpa patológica imposta pelas autoridades do Templo de Jerusalém por eles não cumprirem os 625 preceitos da Lei mosaica; culpa patológica que lhes corrói a alma, humilha e condena a sentirem-se perdidos para sempre. Jesus dá um basta à opressão religiosa com a-parência de santidade e garante aos pobres que o pecado social que o Templo lhes impingiu e eles introjetaram na alma está perdoado, pois não são mais pecadores que os doutores da Lei e os sacerdotes, que o Reino do Pai, preparado para eles desde antes da fundação do mundo, lhes é destinado desde já: "Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Felizes os mansos, porque herdarão a terra. Felizes os aflitos, porque serão consolados. Feli-zes os que têm fome a sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, por-que alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão Deus. Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. (Felizes) os que ensinam a muitos a justiça, (porque) hão de resplendecer como as estrelas, por toda a eternidade. Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus. Felizes sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que trataram os profetas que vieram antes de vós" Lc 6,24-26; Mt 5,3-12; Dn 12,3. Todos essas categorias de infelizes do mundo são lugares teologais, pontos de encontro com Jesus para quem deseja vê-lo pela fé. Desde o AT, os pobres e pecadores são lugares teolo-gais privilegiados, assim como o deserto, a esterilidade, o sofrimento, a luta por libertação. Jesus crucificado é o paradigma supremo da teofania. Pois, o momento da maior desgraça da vida de Jesus – sua humilhação e morte de cruz –é, contraditoriamente, o maior lugar te-ologal, lugar modelar da revelação do Pai ao mundo, na Pessoa de Jesus, a mais brilhante te-ofania da face da terra."Quando eu for elevado da terra, atrairei todos (os olhares) a mim e verão aquele que traspassaram. Sim, esta é a vontade do Pai: quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna"Jo 12,32; 6,40. Nenhum judeu viu em Jesus o Unigênito do Pai, sequer nos es-tertores da cruz. Mas o centurião romano, um pagão, sensibilizado com a valentia daquele homem humilhado, não teve dúvida e afirmou: "Verdadeiramente este homem é o Filho de Deus" Mc 15,39. O coração endurecido dos insensatos zombadores via no Crucificado um ser desprezível, um verme esmagado. O coração de carne do oficial romano discerniu fulgu-rante teofania no drama de Jesus crucificado: na cruz da humilhação brilhava a glória do Fi-lho de Deus. "Pai, chegou a hora: glorifica o teu Filho com a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse, para que o teu Filho te glorifique. Eu te glorifiquei na terra, con-cluí a obra que me encarregaste de realizar. Saí de Ti e vim ao mundo; de novo deixo o mun-do e volto para Ti, Pai. Já não estou no mundo: volto para junto de Ti" Jo 16,28; 17,11.13.
Portanto, se queremos ver Jesus, não com olhos carnais como queriam os gregos e Tomé, mas com os olhos da fé, precisamos olhar para o Crucificado e os sofredores do mundo, lu-gares teologais privilegiados para todo aquele que crê em Jesus e ama os irmãos. Pela fé, ve-jo na cruz o Filho de Deus, injustamente crucificado, por eleger pobres e pecadores como al-vos prioritários de sua pregação e cuidados, e por ousar desafiar as autoridades religiosas de Jerusalém que oprimiam os pobres em nome da Lei. Pela fé, também vejo Jesus maltratado nos membros preferenciais do seu Corpo Místico – os pobres e pecadores. A partir do teste-munho do Servo Sofredor, entregue à morte por nós, e da angústia dos seus irmãos menores, toda nossa vida humana e cristã se iluminará e terá sentido. Para isso, precisamos ouvir a voz do Precursor da Luz, que Jesus seguirá no início da vida pública: "Cumpriu-se o tempo. Ar-rependei-vos, porque o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na boa nova: Per-doarei tua culpa e não mais me lembrarei do teu pecado; dar-te-ei um coração novo, porei no teu íntimo um espírito novo" Mt 3,2; Mc 1,5; Jr 31,34; Ez 36,26. Eis a notícia revoluciona-ria jamais ouvida: em Jesus, Deus se aproximou de nós, fez-se íntimo nosso e nos capacitou pela fé realizar "as boas obras que já antes tinha preparado para que nelas andássemos. Se crerdes em mim, fareis tudo que eu faço, até mais, porque vou para junto do Pai" ser o Medi-ador permanente da vossa fé. Fé que nos aproxima de Jesus, nos faz vê-lo e ver seu Reino en-tre nós. A distância entre o Reino e nós é nossa fé: fé viva, Reino próximo; fé fraca, Reino longe. A fé vem pelo anúncio e escuta da Palavra, que leva à conversão, à mudança de men-talidade, que nos faz voltar o olhar para Jesus no meio de nós nas pessoas dos irmãos que nos manda amar, e com eles viver a boa nova no seguimento de Jesus e anunciá-la ao mundo em seu Nome. "Como o Pai me enviou, envio-vos também. Quem vos recebe, me recebe, quem me recebe, recebe o Pai que me enviou. Quem vos ouve, me ouve, que me ouve, ouve o Pai que me enviou. Envio-vos como cordeiros entre lobos. No mundo tereis tribulações. O servo não é maior que seu senhor. Quem vos despreza, despreza-me; quem me despreza, despreza o Pai que me enviou. Se me perseguiram, também vos perseguirão. Se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. Mas farão tudo isso contra vós por causa do meu Nome, porque não conheceram quem me enviou. Por causa de mim sereis levados à presença de go-vernadores e de reis, para dar testemunho perante eles e as nações. Virá o dia em que, quem vos matar, julgará prestar serviço a Deus. Mas, coragem! Eu venci o mundo e vós o vencereis também. Vossa vitória sobre o mundo é vossa fé. Permanecei no meu amor. E eu estou con-vosco todos os dias até o fim dos séculos. Eles saíram a pregar por toda parte, agindo o Se-nhor com eles, confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam. Ninguém me arrebatará este título de glória! Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é antes uma necessidade que se me impõe. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo. A língua-gem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salva, para nós, é poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus e mais forte do que os homens. Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraqueza no mundo, Deus o es-colheu para confundir os forte; e o que no mundo é vil e desprezível, o que não é, Deus esco-lheu para reduzir a nada o que é, a fim de que nenhuma criatura possa gloriar-se diante de Deus. Por conseguinte, com todo o ânimo prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que pouse sobre mim a força de Cristo. Por isso, eu me comprazo nas fraquezas, nos opróbrios, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por causa de Cristo. Pois, quando eu sou fraco, então é que sou forte. Julgo que Deus nos expôs, a nós, apóstolos, em último lugar, co-mo condenados à morte: fomos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens. So-mos loucos por causa de Cristo. Somos amaldiçoados e bendizemos; somos perseguidos e su-portamos; somos caluniados e consolamos. Até o presente somos considerados como o lixo do mundo, a escória do universo. Mas eu sei em quem coloquei minha esperança" Jo 20,21; Mt 10,16; 28,20; Mc 16,20; 1 Cor 1, 17-18.24-25.27-29; 9,16-18; 2 Cor 12,9-10.