'ESTOU VOLTANDO...'
Por Agamenon Troyan | 12/03/2009 | ContosUm
jovem angolano caminhava solitário pela praia. Parou por
alguns instantes para agradecer aos deuses por aquele momento
milagroso: o deslumbramento de sua terra natal. O silêncio o
fez adormecer em seu âmago, despertando inesperadamente com o
bater das ondas sobre as pedras. De repente, surgiram das matas homens
estranhos e pálidos que o agarraram e o acorrentaram. Sua
coragem e o medo travaram naquele momento uma longa batalha... Ele
chamou pelos seus pais e clamou pelo seu Deus. Mas ninguém o
ouviu. Subitamente mais e mais rostos estranhos e pálidos se
uniram para rirem de sua humilhação. Vendo que
não havia saída, o jovem angolano atacou um
deles, mas foi impedido por um golpe. Tudo se transformou em trevas.
Um
balanço interminável o fez despertar dentro do
estômago de uma criatura. Ainda zonzo, ele notou a
presença de guerreiros de outras tribos. Todos se
demonstraram incrédulos sobre o que estava acontecendo. Seus
olhos cheios de medo indagavam. Passos e risos de seus algozes foram
ouvidos acima. Durante a viagem muitos guerreiros morreram, sendo seus
corpos lançados ao mar. Dias depois, já em terra
firme, ele é tratado e vendido como um animal. Com o
coração cheio de “banzo” ele
e outros negros foram levados para um engenho bem longe dali. Foram
recebidos pelo proprietário e pelo feitor que, com o estalar
do seu chicote não precisou expressar uma só
palavra. Um dia, em meio ao trabalho, o jovem angolano fugiu. Mas
não foi muito longe; foi capturado por um capitão
do mato. Como castigo foi levado ao tronco onde recebeu não
duas, mas cinqüenta chibatadas. Seu sangue se uniu ao solo
bastardo que não o viu nascer.
Os anos se passaram, mas
a sua sede por liberdade era insaciável. Várias
vezes foi testemunha dos maus tratos que o senhor aplicava sobre as
negras, obrigando-as a se entregarem. Quando uma recusava era
imediatamente açoitada pelo seu atrevimento. A
Sinhá, desonrada, vingava-se sobre uma delas, mandando que
lhe cortassem os mamilos para que não pudesse aleitar. O
jovem angolano não suportando mais aquilo fugiu novamente.
No meio do caminho encontrou outros negros fugidos que o conduziram ao
topo de uma colina onde uma aldeia fortificada – um quilombo
– estava sendo mantida e protegida por escravos.
Ali ele
aprendeu a manejar armas e, principalmente a ensinar as
crianças o valor da cultura africana. Também foi
ali que conheceu a sua esposa, a mãe de seu filho. Com o
menino nos braços, ele o ergue diante as estrelas
mostrando-o a Olorum, o deus supremo... Surgem novos rostos, estranhos
e pálidos, mas de coração puro, os
abolicionistas. Eram pessoas que há anos vinham lutando pelo
fim do cativeiro. Suas pressões surtiram efeito. Leis
começaram a vigorar, embora lentamente, para o fim da
escravatura: A Lei Eusébio de Queiroz; a do Ventre-Livre, a
do Sexagenário e, finalmente, a Lei Áurea. A
juventude se foi. O velho angolano agora observa seus netos correndo
livremente pelos campos. Aprenderam com o pai a zelarem pelas velhas
tradições e andarem de cabeça erguida.
Um dia o velho ouviu o clamor do seu coração: com
dificuldade caminhou solitário até a praia. Olhou
compenetrado para o horizonte. Agora podia ouvir as vozes de seus pais
sendo trazidas pelas ondas do mar.
A noite caiu cobrindo o velho
angolano com o seu manto... Os tambores se calaram... No
coração do silêncio suas palavras
lentamente ecoaram: “Estou voltando... Estou
voltando...”
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* AGAMENON TROYAN
Obs: Este conto é parte integrante do meu livro (O ANJO E A TEMPESTADE): Editora Insanno ( www.editorainsanno.com )
Contatos com oautor: machadocultural@gmail.com