'As 100 Maiores Descobertas de Todos os Tempos': Ainda Precisa de Muitos Ajustes
Por Robson Fernando | 17/11/2008 | ResumosUm livro em fase beta e que ainda precisa de muitas correções e retoques. Assim eu considero a atual edição de "As 100 maiores descobertas científicas de todos os tempos", do escritor americano Kendall Haven. Como a maioria dos livros de curiosidades científicas, dele podemos tirar muitas lições e noções que não conhecíamos sobre algo que desejávamos conhecer. Embora com muitos erros que quase prejudicam sua confiabilidade e uma visão euro-américo-cêntrica que pode irritar alguns leitores, podemos aprender da obra diversos aspectos muito interessantes do passado da ciência no Hemisfério Norte.
Nas primeiras grandes descobertas científicas, percebemos o caráter de vilão da Igreja Católica, configurada como "guardiã sagrada" da ignorância e do obscurantismo e reprimia severamente aqueles cientistas que ousavam refutar seus dogmas que tentavam impor à humanidade ocidental um pensamento eternamente infantil no assunto "compreensão do mundo e da natureza". Depois de haver passado o pior das nuvens negras da "era da perseguição", a qual obrigou Nicolau Copérnico a ordenar que publicassem sua descoberta (de que a Terra não era o centro do universo) apenas depois de sua morte e condenou Galileu Galilei à prisão domiciliar perpétua, as descobertas posteriores escancararam o estado de "retardo mental" em que a ciência européia estava mergulhado. Durante absurdos 1500 a 2000 anos, os avanços científicos tinham sido irrelevantes, se não inexistentes, naquele continente. A proto-astronomia geocêntrica ptolomaica e as noções protocientíficas especulativas de antigos estudiosos como Aristóteles e Galeno ainda prevaleciam tanto tempo depois. Felizmente a infância da ciência européia foi se tornando adolescência, com a derrubada de uma após outra das antigas idéias especuladas e até então tratadas como verdades absolutas, como a variabilidade da velocidade gravitacional e a anatomia humana.
A ciência foi então crescendo e aparecendo nos séculos seguintes, mas a maioria dos cientistas dava demonstrações de que a maturidade ainda não havia chegado. Um pseudoceticismo de desdéns profundos e até ridicularizações marcava a atitude de muitos dos mais respeitados doutores entre os séculos 17 e 20, para quem descobertas que "virassem de cabeça para baixo" as certezas correntes não deveriam ser levadas em consideração. Esse comportamento arrogante também levaria duros golpes, ainda que décadas depois de cada achado. Aferições tratadas como "falsas" e "desprezíveis de tão ridículas" terminaram sendo as guias das gerações seguintes de cientistas.
Foi uma pena, no entanto, que um instrumento científico de elevada crueldade não foi questionado pelo autor: a vivissecção, ou experimentação animal. Cruéis maneiras de exame anatômico, como operações de animais vivos e cortes de veias e nervos dos mesmos, foram tratados por Haven com uma inaceitável naturalidade, em vez de por sua característica mais verdadeira ostentada naquelas épocas, a de "procedimentos muito violentos embora ainda necessários e desprovidos de alternativas".
Percebemos também um verdadeiro entusiasmo de Haven por armas de destruição em massa. Insistentemente ele pôs as bombas atômicas como invenção de grande importância -- ele deixou a entender que a considerou positiva -- desencadeadas por descobertas como a radioatividade e a fissão nuclear e deixa entender que sua opinião sobre a famigerada bomba de hidrogênio, oriunda do advento da fusão nuclear, também é de que foi algo imprescindível e notável. Se queria ser neutro ao citar simultaneamente a energia nuclear e tais armas como grandes inventos, conseguiu mostrar o contrário e demonstrou ser um implicitamente desvairado entusiasta de armamentos atômicos, meio que ao estilo de Edward Teller, o "pai da bomba H".
Deu para aprender muito com as cem descobertas descritas, mas o livro deixou muito a desejar pela grande quantidade de erros e imperfeições. Incorreções cronológicas (como dizer que o ônibus espacial Columbia explodiu em 2004 e que o relatório do Projeto Genoma veio em 1993, dez anos da verdadeira data); falhas como escrever indevidamente "ºK" (quando a norma fala em pôr apenas K em temperaturas absolutas, como em 273K) e ditar o zero absoluto como -269ºC (em vez de -273,15ºC); confusões de nomes, como logo na introdução ter trocado "arqueólogos" por "antropólogos" (ainda que de certa forma haja atualmente a inclusão dos arqueólogos na categoria de auxiliares da Antropologia, tal confusão de nomes atrapalha muito o leitor mais leigo) e chamar o fungo da levedura de bactéria; ausência de conversão às medidas brasileiras de muitos valores importantes, como a velocidade da luz, expressa apenas em milhas; informações reduzidas, como a afirmação de que o nome científico se aplica apenas a animais e vegetais em vez de a todos os seres vivos com célula; e vários outros erros denunciam que o livro ainda está em "fase beta" e carece de acabamento. Nota-se também que as descobertas não foram escritas na ordem capitular do livro e não foram readequadas para a mesma, uma vez que, por exemplo, a explicação do Efeito Doppler da luz é repetida pelo menos três vezes na obra. E o erro que considerei o mais comprometedor do livro foi intitular a segunda descoberta da seqüência como "O Sol é o centro do universo" em vez de "A Terra não é o centro do universo", já que há muito sabe-se que o Sol é apenas uma entre as mais de 10³³ estrelas espalhadas pelas bilhões de galáxias no espaço e extremamente longe de ser o centro universal.
Que me desculpe a editora Ediouro, mas minha constatação sobre "As 100 maiores descobertas científicas de todos os tempos" é que o leitor ainda deve aguardar uma nova edição, com todos esses erros corrigidos, antes de querer matar sua curiosidade em saber quais foram os achados da ciência mais importantes da História. Só então é que poderá mergulhar de cabeça com segurança nas histórias fascinantes escritas pela vida dos cientistas que mudaram a forma da Humanidade de enxergar a Natureza e a própria posição da primeira dentro da última, histórias essas que, falhas à parte, são ótimas.