"Não dá nada"
Por Léa Mattar Leister | 24/09/2010 | CrônicasLéa Mattar Leister
Professora novata, sem experiência na área de educação, passa em concurso público para professor do Estado e, resolve colocar em prática seu aprendizado.
Cheia de ideias e planos, começa sua primeira semana num colégio de periferia. Acreditava que, ainda como em seu tempo, os alunos respeitavam o professor e viam no estudo uma forma de vencer na vida e conquistar um lugar de destaque e primazia na sociedade.
Porém, para sua decepção, nada mais é como antigamente. Os alunos não se sentem estimulados com relação aos estudos, já que os jogadores de futebol ganham rios de dinheiro e não precisam de alta escolaridade para isso. Os cantores de Pagode e de Funk (neste comentário não há preconceito, mas uma constatação de que os jovens sempre tentam se espelhar em seus ídolos) também não necessitam de nenhuma formação acadêmica. Além disso, os traficantes e políticos corruptos aparecem constantemente na mídia exibindo suas mansões, seus carrões e servindo como maus exemplos à sociedade que cada vez mais sem um parâmetro de boa moral e de bons costumes se deixam influenciar, pela cultura "não dá nada" que está cada vez mais difundida nesse país.
A professora trabalhou o gênero Contrato Social. Por ser um assunto de difícil entendimento, exigia dos alunos participação e colaboração. Quando eles não correspondiam sua expectativa ela os alertava sobre os riscos das notas baixas, mas a única coisa que ouvia era algo que não conseguia entender: "Não dá nada" professora.
Desenvolveu uma atividade que valeria a metade da nota do bimestre. Para isso, eles deveriam elaborar um contrato de casamento, onde, eles respeitariam alguns requisitos próprios desse gênero. E, as cláusulas seriam desenvolvidas de forma livre, de acordo com a vontade dos alunos (noivos).
Com a intenção de conquistar a atenção deles para sua disciplina que era Língua Portuguesa, resolveu terminar aquele conteúdo em alto estilo. Escolheria a melhor produção textual (contrato de casamento) e, então seria realizada uma encenação desse casamento. Para isso, a turma escolheria um casal de noivos, um juiz de paz, as testemunhas, os pais do noivo e da noiva.
O resultado foi muito bom, os alunos foram criativos e produziram textos bem divertidos. Deixando de lado os erros ortográficos e os erros de concordâncias, tudo teria sido perfeito se não fosse a cultura "não dá nada".
Os alunos prepararam um altar, os noivos foram vestidos a caráter, a noiva estava primorosa, o juiz de paz posicionou-se de forma elegante, os pais dos noivos vestiram roupas sóbrias e fizeram maquiagens que os envelheceram.
Tinha bolos, refrigerantes, decoração da sala de aula, enfim, tudo indicava um final feliz, se não fosse a cultura "não dá nada".
Após a encenação que foi muito bonita pela participação de todos e ao mesmo tempo divertida pela leitura das cláusulas do documento, e, enquanto a professora tirava fotos, um aluno que não quis participar de nada, nem tampouco colaborou com as despesas, achou que tinha direito aos comes e bebes antes de qualquer um. Porém, uma das alunas achou injusto que ele comesse algo, já que não havia contribuído. Ele insistiu e resolveu tirar uma fatia do bolo. A aluna apressou-se em tirar a faca da mesa. Mas, ele resolveu tirar um pedaço do bolo com as mãos. Ela o avisou – “Não toque no bolo senão te furo”. Ele não deu atenção a ela, e insistiu, levando uma das mãos ao bolo. A aluna, rapidamente o acertou com a faca. O sangue jorrou longe. O menino queria tomar-lhe a faca para revidar e começou um corre-corre em sala de aula.
Quando a professora viu tudo aquilo entrou em desespero. A festa acabou com a presença da Guarda Escolar, Boletim de Ocorrência e duas suspensões.
Dias depois, conversando com a turma, a professora questionou os alunos sobre a atitude dos dois colegas. Para sua surpresa, a maioria achava que a menina estava correta. Já que o aluno não havia colaborado, não tinha o direito nem de estar ali naquele momento, quanto mais comer alguma coisa.
A professora argumentou com a turma, dizendo que "violência gera violência", e que atitudes impensadas como aquela iria denegrir ainda mais a imagem da escola que já não era lá tão boa.
Só assim foi que a professora entendeu a cultura "não dá nada”, pois, um deles lhe disse - "Não dá nada fessora. A gente apronta, os bobo dos zome vêm aqui, leva a gente, fala um monte de coisa e depois solta nóis, viu? Não dá nada”.
Assim caminha essa nova sociedade. Pequenos delitos são aceitos e perdoados. Já os "profissionais dos delitos" estão cada vez mais ousados e especializados, pois eles sabem que "não dá nada".