''Entre os muros da escola''

Por Marilene Schwinn | 03/10/2009 | Educação

O filme, nada moralista, mostra o dia-a-dia de uma escola francesa contemporânea, descrevendo problemas educacionais que vão além dessa realidade como importante painel de desafios aos educadores de hoje, pois trata da relação entre alunos e professor e tem por objetivo mostrar o fazer docente, seguindo de perto o cotidiano de um homem apaixonado por seu trabalho e que, mesmo com tantas dificuldades, conserva um afeto enorme por seus aprendizes, onde culturas diferentes se confrontam e o professor insiste em manter um ambiente de respeito e aplicação em sala de aula, mesmo vendo sua ética ser posta em teste, devido ao comportamento difícil dos estudantes que põem em risco o entusiasmo do mal remunerado professor. Diante dessa situação, um dos seus métodos para desafiar os alunos é ensinar um idioma diferente, em comparação ao falado diariamente. Apesar de retratar o microcosmo de um problema da escola francesa a denúncia feita em "Entre os Muros da Escola" pode ser transplantada para a realidade brasileira com os problemas estruturais do nosso sistema de ensino, principalmente no que diz respeito à qualidade e à natureza do ensino oferecido aos filhos das classes menos favorecidas. Os limites da escola pública brasileira sejam no sentido de ferramenta de superação de desigualdades sociais, ou na de formação da cidadania, devem ser percebidos em relação a outras esferas sociais que, por conta de sua imensa complexidade e desigualdade, produzem conflito. Perceber a dimensão conflituosa e contraditória da escola, na forma como é representada pelo filme, é de fundamental importância para se repensar o papel dessa instituição. Afinal, a tarefa de construção de uma escola democrática e, acima de tudo, socialmente relevante, demanda uma análise que deve se alicerçar em uma postura histórica e crítica da realidade em que se está inserido. Educar é uma tarefa árdua, principalmente educar a quem não recebe educação em casa, porém quem educa sempre aprende. Os professores aprendem que paciência é a palavra-chave para contornar todos os problemas pelos quais perpassam a educação moderna, incrivelmente pós-moderna, centrada nos direitos dos alunos, buscando assim concertar erros do passado, como a indisciplina, as práticas punitivas, posturas docentes mais humanas, uma melhor comunicação entre professor e aluno, conteúdos adequados a realidade, histórico familiar e principalmente o respeito às diferenças os quais privavam os discentes de voz dentro da sala de aula. Estes tópicos ficam bem claros no filme, onde equipe diretiva e professores não se preocupam com essas questões, mostrando uma educação como era no passado, onde muitas vezes o próprio professor se torna juiz dentro de sua sala de aula, apesar de tentar por sua garra, dedicação e entusiasmo mudar algo em seus alunos, acaba esbarrando no que muitos teóricos falam, em algumas dificuldades em nosso fazer pedagógico nos reportamos a nossa infância, alicerce para nossas duvidas, então agimos como nossos antepassados. Neste ponto acabamos deixando cair nossas máscaras de educadores que tentamos passar no nosso cotidiano escolar e mudar uma sociedade doente e que precisa de humanidade e justiça. Esse ponto fica bem claro no filme quando o professor acaba usando de ironia em situações que não está preparado para enfrentar. De uns anos pra cá, as novas teorias pedagógicas apontam que o ensino deve ser mais humano, ou seja, que o professor deve procurar compreender e estimular os seus alunos, facilitando o processo da aprendizagem, além de respeitar e lidar com as diferenças intelectuais, étnicas, culturais e socais de cada aluno. A voz do professor precisava diminuir para que a dos alunos começasse a ser escutada. Foi uma conquista e tanto dos estudantes, pois se antes temiam os castigos físicos e psicológicos que professores empregavam, agora já podem denunciar abusos de quais quer tipo, praticados pelos seus mestres, mas muitas vezes os professores não estão preparados para isso, como mostra um dos professores entrar na sala e desabafar aos gritos os problemas enfrentados na turma, por ser iniciante na profissão de educador com certeza teve realmente dificuldade de se adaptar ao novo. Apesar de Marim se apresentar como um professor dedicado que esbarra na resistência à cultura escolar por parte de seus alunos, bem como nos conflitos presentes em uma turma, em sua maioria, por alunos oriundos de famílias imigrantes, esses conflitos e resistências aparecem, continuamente, na sala de aula, envolvendo o professor, seus alunos e entre os próprios alunos, como racismo, sexualidade, disputa entre identidades nacionais e preconceito de classe, porém também não consegue lidar com certas situações dentro de sua sala de aula, gerando alguns conflitos como o que aconteceu em sua sala de aula, a violência com a briga quando ele usou de palavras não muito adequadas a postura de um educador ao referir-se a uma aluna. Atualmente os professores estão enfrentando uma crise de identidade, pois o papel do professor, dentro da modernidade, sempre foi o de vanguarda em termos de cultura e civilidade. Este foi o encargo que a burguesia deu ao professor. Seu papel era trazer o camponês para a vida urbana. Era ensinar os rudimentos de uma sociedade capitalista, nacionalista e burguesa ação esta que não poderia ser realizada somente no lar, mas, ultimamente os professores reclamam que os alunos não são civilizados o suficiente para estar na escola. Esse filme "Entre os muros da Escola" é um retrato claro desta confusão de mente que se tem instalado na cabeça da grande maioria dos professores, pois eles precisam perceber que as diferenças existem para que nossos desafios como educadores possam ser levados mais à sério por toda a sociedade. Pode-se pensar como você reagiríamos diante de alunos, com diversos problemas pessoais e familiares completamente desinteressados em aprender, diante de manifestações claras de indisciplina e agressividade, déficits de atenção, hiperatividade e que a melhor solução seria ensinar esses alunos a pensar por si próprios, dando subsídios de humanidade e valorização do eu. De acordo com o que muitos pensam a visão da educação nos países de primeiro mundo é a mais idealizada possível, onde se possui acesso gratuito e ensino de qualidade, professores bem remunerados e preparados para lecionar e alunos felizes e interessados em aprender, mas ao assistir a produção "Entre os Muros da Escola", temos a plena consciência que os problemas educacionais podem ir muito além das queixas de dificuldade de acesso ao ensino, falta de opções ou qualificações e nos mostra uma emocionante aula de reflexão sobre as práticas pedagógicas e as diferentes maneiras de se lidar com os problemas do nosso dia a dia como educadores. Como educadora, percebo que a escola nunca foi um romance. Sei o que posso fazer, e até onde posso ir e de minhas limitações. Nunca romantizei a relação aluno e professor. "Entre os muros da escola" retrata a escola nua, quase visceral, onde o professor Marin claramente tem problemas em lidar com os adolescentes que encara todos os dias. Talvez, esta seja a maior mágica do filme, mostrando um professor que tem dificuldades, não se mostra competente no que faz e está longe de ser brilhante, articulado, ou mesmo, esperto, mas seus alunos são o retrato da juventude, com todas as características desta fase, as roupas, celulares, o sexo, a revolta, o preconceito e ao mesmo tempo por não possuírem identidade são identificáveis em toda parte, é um filme sobre a realidade de uma escola qualquer, de um professor qualquer, e de um aluno qualquer. Não existem heróis. Não existem bandidos. O que existem são apenas conflitos, suas ideologias, e, porque não, sua beleza, que confirmam as desigualdades sociais e de como o ensino formal deve lidar com os diferentes grupos sociais, que valores a escola deve definir como fundamentais na formação do sujeito, quais são os limites dessa educação escolar, dados os outros elementos constitutivos desse mesmo sujeito e que precisam da escola para crescer tanto intelectualmente quanto como seres humanos. Na cena final do filme, quando o professor Marin, no último dia de aula, pergunta aos seus alunos o que aprenderam durante o ano. A resposta de uma das alunas chama atenção. Quando perguntada se gostava dos livros que lia no colégio respondeu que achava todos inúteis, que preferia escolher por conta própria. Então o professor pergunta: e qual livro que você leu e gostou? "A República, de Platão", responde a aluna. A resposta não poderia ser mais surpreendente. Sinal que nem tudo está perdido. Com essa afirmação, podemos perceber que como educadores devemos dar espaço e oportunidade para nossos alunos para que possam construir sua própria identidade.