''BOM É SER MARGINAL OU PROSTITUTA''

Por Solineide Maria Oliveira | 12/04/2011 | Crônicas

Uma novela anda exibindo cenas de uma (personagem) marginal ao som de uma música muito alegre. Toda vez que tal personagem apronta uma das suas (e a menor delas tem sido o envolvimento com uma mulher mais velha do que ele, na intenção de roubá-la) sua música tema, toca solene ao fundo. Talvez alguns pensem que seja bobagem falar sobre isso, já que faz tempo que a TV anda aprontando, trazendo-nos a todos e todas, jovens, adultos, sobretudo, crianças, personagens que, ao cabo de suas repugnâncias se dão muito bem.
No entanto, é necessário falar sobre isso, uma vez que somos responsáveis por nossas crianças e jovens em formação (ou não somos?), deveríamos, no mínimo exibir novelas onde se refletisse na questão: será que nesse horário as crianças estão acordadas? No caso de a resposta ser positiva, não seria interessante carregar menos na cor do desvario?
Uma estudante do Curso de Rádio e TV, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/ USP), Andréa Carla Falchi Ferreira Santos em seu trabalho de conclusão, pesquisou sobre a influência da TV na vida de crianças e jovens. Concluiu que nos lares, a televisão adquire papel central, sobretudo na vida das crianças e jovens. Sugere que a TV seria um cardápio de modelos a seguir, o que antes era função da família fundar. Preocupante também (e mais) é ter percebido que muitas vezes, os pais estão diante da TV com os filhos e filhas e não se inquietam em ponderar sobre o conteúdo dos programas. Isso demonstra o quanto estamos entorpecidos diante de coisas muito sérias e de que é necessário começar a selecionar o que os nossos filhos estão acessando, quer seja na TV ou em outra mídia.
Não é difícil entender o motivo de um menino jovem (treze anos em média) exteriorizar outro dia no ponto de ônibus (onde me encontrava) esperando o tão demorado ônibus que me levaria até em casa, onde minha filha de treze anos me esperava voltar da universidade ? certamente com a TV ligada... O adolescente, empolgadamente disse "se amarrar na música do marginal irado". Continuando em sua análise, disse que "o cara é demais, velho! Apronta cada uma" ? e sorria amplamente com seu colega também muito jovem. Não bastasse isso, concluiu que "bom é ser marginal ou prostituta". Pasmei fixa enquanto os meninos tomavam o ônibus de seus destinos.
Já havia flagrado uma dessas cenas, quando de volta do Curso noturno (de uma universidade pública ? graças a Deus) na sala de casa, onde minha filha cochilava no sofá esperando meu retorno. Parecidíssima com a cena de qualquer desses violentos filmes, onde um protagonista do bem incendeia carros e caminhões e armas, donde as labaredas altíssimas e "a música irada toca ao fundo", para "enfeitar" ainda mais o drama. Confesso que o ator (da trama novelística) é mesmo convincente e que a cena ficou até boa. Confesso que o fogo estava altíssimo e irreverente feito a personagem, mas consternei.
Entristeci porque os meninos e meninas ainda muito imaturos, não sabem discernir que aquela cena pode ser (até) irada, mas que o cara é do mal, apesar de se dar sempre bem e ter enviando uma inocente para a cadeia (que ao fim sugere que irá passar a ser má).
Como se não bastasse, outra personagem embroma as meninas. Ela passa a imagem de mulher bonita, jovem, "gostosa", saradona e com intenção fixa de ser famosa para sempre. Para isso, conta com a ajuda de um amigo promoter que consegue todos os convites em festas mais Vips para que consiga alçar seu vôo. Nada demais até aí, mas a moça se envolve com um homem casado ? mau caráter ? mas casado. Daí em diante, os dois não saem do quarto de um hotel chique que ele paga para ela o esperar - "prontinha" - todas as tardes. Não saem do quarto (nem da cama). A mãe da jovem faxina o dia todo, enquanto ela serve de lata de lixo para um canalha. Agora está decidida a ficar com o marido da "outra" (como ela se refere à esposa do cafajeste).
Num artigo que li na internet do sexólogo Marcos Ribeiro, havia uma espécie de manual de dicas para as mães e pais sobre como lidar com o estabelecimento de horários para seus filhos e filhas. Antes disso, ele declara que

"Por um lado, sabemos que a exposição precoce da criança a cenas de sexo e violência, de forma degradante, pornográfica e sem nenhum critério, pode interferir no seu desenvolvimento emocional. A criança armazena todo tipo de informação que recebe. Por isso, devemos ter qualidade nessa informação. Ninguém quer seu filhinho de 5 anos com cenas de sexo e violência "armazenadas" em sua cabeça, não é?" http://www.pailegal.net/ser-pai/424

Concorda-se com o sexólogo, e note-se que esse homem além de sexólogo, é Consultor em Sexualidade para o Ministério da Saúde, Fundação Roberto Marinho e outras instituições públicas e privadas. Coordenador Geral da ONG Centro de Orientação e Educação Sexual (CORES). Ribeiro é, ainda, autor de livros de educação sexual, entre eles, o mais recente, lançado pela Editora Planeta, SEXO: como orientar seu filho, um guia que todo pai e mãe não podem deixar de ler. Se este homem, que apesar de trabalhar para aquela Fundação produtora de várias novelas parecidas com a que avalio neste, tem tal consciência, penso que nós pais e mães devemos possuí-la do mesmo modo. Porque enquanto isso segue cenas dos próximos capítulos e tudo indica que na trama, essa jovem ficará mesmo com o marido da outra e que o bandido vá aprontar mais uma (assassinar a namorada madura e roubar tudo dela) e sairá ouvindo a música irada (os telespectadores infantes, jovens, adultos e terceira idade também ouvirão).
Tudo indica que a impudica ninfeta conseguirá enriquecer (sem trabalho decente) e que a moça inocente ? aquela que o marginal protagonista enrolou transforma-se num monstro em personalidade. Tudo indica que os meninos e meninas entendam que bom (mesmo) é ser ou marginal ou prostituta.

Referências
http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio07.htm (consultado em 08-04-2011 às 12h36min).
http://www.pailegal.net/ser-pai/424 (consultado em 08-04-2011 às 12h55min).