''AI QUE PREGUIÇA'' DO PÁRADOXO À PARÓDIA PÓS-MODERNA EM MACUNAIMA E LINDA HUTHEON

Por Abner Bueno Ribeiro | 17/03/2011 | Literatura

1. INTRODUÇÃO


"O sentido é o objeto da interpretação do texto; a significação é
o objeto da aplicação do texto."

Antoine Compagnon

Mário Raul de Morais Andrade, ou Mário de Andrade, conforme assina. Em suas obras, sempre marcadas pelo coloquial fácil e irreverente, como "O Clã do Jabuti" e "Amar, Verbo Intransitivo", publicadas no ano de (1927), aproximou-se mais, em suas obras, da fala, no ato da escrita, do que o fizeram autores anteriores culminando, por fim, na publicação de "Macunaíma" em (1928), cujo conteúdo, em resumo, trata-se de uma narrativa das peripécias de um herói, descrito por (LOPEZ 1974, p. 12) "[... um brasileiro bem caracterizado por sua incaracteristica, trazendo a baila o comportamento do povo...]" como uma personagem inusitada por sua indefinição cultural, cuja origem, geograficamente incerta, situa-se no fundo do mato virgem.
Filho da incerteza, pois não possuía filiação paterna ou definição quanto à raça já que sua mãe, a índia tapanhumas, originava-se segundo(TURINO 2005, p. 190) "[...de uma tribo inventada para designar negros vistos pelos povos da terra...]", após seis anos sem falar, pronuncia sua primeira frase, (ANDRADE 2000, p. 13) "[... "- Ai! Que preguiça!..."...]" para depois perder-se no mundo em aventuras mirabolantes.
Nessas aventuras, após perder a muiraquitã, presente ganhado da amazona Ci, ele se esforça na tentativa de recuperá-la, (ANDRADE 2000, p. 37) "[...Então Macunaíma contou o paradeiro da muiraquitã e disse pros manos que estava disposto a ir em São Paulo procurar esse tal Venceslau Pietro Pietra e retomar o tembetá roubado...]" enfrentando o perigoso vilão Piaimã.
O romance Macunaíma poderia ser resumido criticamente de muitas formas, mas esse trabalho há de abordá-lo segundo a visão do próprio autor que, em carta endereçada ao professor Sousa da Silveira, a ele se refere como,

"Um poema herói cômico, caçoando do ser psicológico brasileiro, fixado numa
figura de lenda, a maneira mística dos poemas tradicionais. O real e o fantástico
fundidos num plano. O símbolo, a sátira e a fantasia livre fundidos. A ausência
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de regionalismo pela fusão das características regionais. Um Brasil só, e um só.
(LOPEZ, 1974, P.8)

Um texto no qual se encontram reunidos alguns elementos constitutivos como problemas a serem abordados, a sátira, o símbolo, o nacionalismo e o regionalismo.
um problema se levanta então diante da inscrição da sátira como; segundo Telê (LOPEZ 1974, p. 8), "[...Problemas da estruturação da obra...]". o que, aparentemente, parece colocar Macunaíma, partindo-se do entendimento desse termo, como algo que, segundo (HUTHEON 1985, p. 74); "[...utiliza, com freqüência, a paródia como veiculo para ridicularizar os vícios ou loucuras da humanidade, tendo em vista sua correção...]" configura-se no desejo de materializar o caráter brasileiro como um modelo a ser restaurado.
Ocorre que tal desejo, caso comprovado, iria contra toda a fundamentação teórica do movimento da semana da arte moderna e também contra o próprio autor, Mário de Andrade. O que, segundo transcrição do trecho de uma carta:

Mas a verdade é que fracassei, se o livro é todo ele uma sátira, um conformismo
Revoltado sobre o que é, o que eu sinto e vejo que é para o povo brasileiro, o
Aspecto ?gozado? prevaleceu. É certo que eu fracassei. Porque não me satisfaz
botar a culpa nos Brasileiros, a culpa tem de ser minha, porque quem escreveu o
livro fui eu. Veja no livro a introdução a introdução com que me saudaram! Pra
esses moços, como para os modernistas da minha geração. "Macunaíma" é a
projeção lírica do sentimento brasileiro, é a alma do Brasil virgem e desconheci-
da! Que virgem nada! Que desconhecida nada! Virgem! Meu Deus! Será muito
menos que um cão nazista. (LOPEZ, 1974, P. 13)

Seria dedutível da confrontação entre seu pensamento e o pensamento da crítica quanto à sátira em seu texto.
Considerando-se então que a sátira, ao que tudo indica, pode não ter sido compreendida e considerando-se uma possível ligação entre sátira e paródia inferida da citação anterior de linda Hutcheon em cujas obra, "Uma Teoria da Paródia" e " poética do pós-modernismo" aborda essa questão. E considerando-se, ainda, que o senso comum vincula à paródia o plágio, afastando-a da criação literária, este trabalho buscará embasamento teórico em Compagnon na sua obra "Fundamentos da teoria literária" No que tange ao autor e sua relação com o leitor. Em Michel Foucault na "Estética: Literatura e Pintura Musica e Cinema" em sua abordagem sobre o que é um autor, e a instauração
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da discursividade. Em Linda Hutcheon, cuja obra já foi citada anteriormente, frisando que entre ela, "Macunaíma" e Mário de Andrade, através de Telê Porto em "Macunaíma a Margem e o Texto" há de centralizar-se os esforços dessa investigação, na tentativa de responder com que finalidade Mario de Andrade fez uso da paródia e o porque da afirmação de ter falhado ao se subtender-se, por alguns críticas, ser sua obra uma sátira.
Para tanto, o corpo desse trabalho há que se dividir em seis capítulos constituídos após a introdução, a saber, o primeiro; A Paródia na obra Macunaíma, no qual, rapidamente, se intentará descortina-la, teoricamente, como elemento constitutivo do texto. O segundo; O paradoxo da paródia; em que se intentará mostrar a inconsistência de conceitos quanto a suas aplicações na busca da sua compreensão teórica. O terceiro; a problemática da modernidade na paródia "ai que preguiça" de Mário de Andrade, em cujo conteúdo se buscará a compreensão do relacionamento entre autor e leitor por meio do código. O quarto; "a paródia como característica da literatura pós-moderna" cuja finalidade será tentar mostrar que a paródia personifica a face contestadora da pós modernidade quanto a desestruturalização do próprio conceito da realidade, para desaguarem-se todas essas postulações nas considerações finais.
Para que isso seja possível a obra será de importância crucial no entendimento da paródia em sua constituição por proporcionar uma inversão na relação entre autor e leitor quanto ao que se reportou na epígrafe inicial como sendo a significação e a aplicação dos sentidos presentes em um determinado texto, nesse caso, a paródia.









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2. A PARÓDIA NA OBRA MACUNAÍMA

"centenas de milhares de anos decorreram desde que a cauda nos caiu, mas ainda nos comunicamos mediante um instrumento desenvolvido para satisfazer as necessidades do homem arbóreo".
Ogden e Richards

Aqui não se intentará uma retomada histórica da paródia por entender-se que tal esforço nos afastaria por demais da obra a ser analisada, tão pouco haverá que se adentrar, demasiadamente, pelos caminhos da análise do discurso.
Esse trabalho, nesse primeiro momento, buscará um paralelo entre a conceituação da paródia e a obra de Mário de Andrade, "Macunaíma" na tentativa de delineá-la e delimita-la, para que, nos próximos capítulos, se possa apreender como a mesma se dá e o porque do escritor a ter escolhido, após o que se abordará a nova relação entre o autor e o leitor, instaurada por meio dessa "figura de linguagem".
A paródia confunde-se com o ser na personagem Macunaíma da mesma forma que Nietzsche, segundo (FERRAZ 2002, p. 103); "[...Delineia uma curiosa caricatura do europeu no final do século XIX e vincula essa caracterização a liberação do riso e da paródia que esse momento histórico, levado por suas ultimas conseqüências proporcionaria...]" mas foge da questão quanto à caricatura por possuir em si a ironia que transcende ao próprio texto no qual se firma para existir, tal confusão se dá pela preocupação de Nietzsche em investir o personagem de uma risibilidade aristofânica que traz em si o mito da criação a partir do ridículo, que no caso da paródia em Macunaíma não se aplica por não ser reducionista e sim dinâmica em seu perfil pragmático.
Os vestígios dessa idéia, segundo a qual, a criação se dá por intermédio do contraste entre o esteticamente aceito como normal e o anormal que, ao se confrontarem, liberam as forças divinas, podem ser encontradas entre os gregos da sociedade arcaica que acreditava na origem de toda a existência como algo relacionado a um acesso de riso incontrolável, como por exemplo; o de Deméter,a deusa da agricultura, provocado pela visão das partes intimas de Iambo que se despiu diante dela a fim de faze-la tomar o Kykeon,
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liquido regenerador capaz de devolver-lhe a alegria, a qual, perdera desde que sua filha Perséfone fora levada por Ades, o deus do inferno.
Nesse relato mítico é possível captar-se uma inversão de sentido que parece contradizer toda a teoria criacionista, segundo a qual, o que impulsionou a deflagração dos poderes divinos se deu por meio da verbalização da ação através da fala. O que sobrepõe o texto mítico dos gregos ao texto cristão da gênese divina pelo uso da gargalhada cósmica em lugar da verbo no sentido imperativo. Tal sobreposição pode até parecer simples e inconseqüente, mas assume grande importância ao levar-se em consideração o fato de que, diante da ação gera-se o riso, acontecendo uma analise comparativa em que o normal se contrapõe ao anormal a fim de constatar-se o ridículo, ou seja o entendimento da situação não se dá por meio da palavra dita e sim por meio do não dito mas subtendido da relação entre certo e o errado.
Da mesma forma que o que se apreende como sentido em um texto paródico no pós modernismo não se situa na limitação entre o texto de fundo, que no caso seria o referente verbal, e sim no que se pode levantar na problematização de ambos os textos por meio de uma analise que se estende para alem do dito e subtendido como certo e errado, tanto no momento da escrita do primeiro texto, quanto do segundo.
Essa sobreposição, entre o normal e o anormal, e o que se faz presente na imagem do herói andradiano no estabelecimento do ridículo contestador que se faz reconhecer por meio da ironia como sendo um herói irreverente, que não se aquieta em momento algum, uma criança traquinas que já nasceu grande, um adulto que nunca foi criança, um ser angustiado pela busca do inatingível, alguém que queria ser tudo, ser branco, ser bonito, ser imperador, ser feliz mesmo tendo nascido preto retinto como filho do medo e da incerteza. Busca essa que não se coloca na relação do ter e sim do ser, pois, não querendo se investir da roupagem européia,termina como o homem mistura sendo ao mesmo tempo o que intenta defender e o que renega.
Alguém que, segundo (FERRAZ 2002, p. 1004); "[...Totalmente desprovido do que o identifique propriamente, necessita, segundo Nietzsche, de fantasias de múltiplos disfarces para ocultar sua feiúra quanto para aplacar seu desespero, sua própria

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ausência de "próprios"...]" refletindo assim a Macunaíma na tentativa conhecer o todo da cultura para conhecer-se a si mesmo construindo assim o seu "próprio".
Por isso o que em Nietzsche se apresenta como caricatura, exagerando o que já
existe, no caso a ?cultura européia?, em Macunaíma se apresenta por paródia por exagerar
uma cultura pretensamente brasileira, porém derivada da Europa, na intenção de projetar a proposta, possível de existir, ?a cultura brasileira?
Partindo então da compreensão de que a paródia se apresenta como um dos elementos constituintes do texto em Macunaíma é preciso encontra-la. Tarefa não muito difícil se tomarmos como ponto de referência uma de suas características mais perceptíveis como, segundo (HUTCHEON 1985, p. 48) "[...transconstextualização e inversão, repetição com diferença...]" o que pode ser mais facilmente entendido como o uso de um determinado texto por outro autor que dele se apossa diferenciado-o ao reescreve-lo.
É claro que os termos transcontetualização e inversão aprofundam mais a compreensão da paródia, mas a isso se retornará mais adiante, para o momento basta o que pode advir semanticamente destes dois termos; repetição e diferença. Tome-se por exemplo o primeiro parágrafo de Macunaíma, (ANDRADE 2000, p. 13) "[...No fundo do mato virgem nasceu Macunaíma...]" sobrepondo-o paralelamente ao texto de Iracema, Alencar "[...No meio da mata virgem nasceu Iracema...]" a mesma frase repetida com a diferença marcada nos dois termos, que se apresentam como um substantivo comum seguido de um adjetivo.
O que as projeta como um dos três tipos básicos da paródia, o que,segundo (SANT`ANA 2000, p. 12); "[...a) verbal- com a alteração de uma ou outra palavra do texto; b) formal- em que o estilo e os efeitos técnicos de um escritor são usados como forma de zombaria; c)- em que se faz a caricatura da forma e do espírito do autor...]"
projetaria essa paródia no contexto estrutural por marcar a diferenciação através de uma sobreposição. Observe-se porem que aqui se citou Shipley a fim de comprovar-se ser a paródia um elemento constituinte do texto na obra Macunaíma de Mário de Andrade. No entanto, apesar de existir a idéia de; conforme observação feita por Hutcheon (HUTCHEON, 1985, p. 29), "[...limitar a paródia a textos tão curtos como poemas, provérbios, trocadilhos e títulos, a paródia moderna não faz caso dessa limitação...]", deve-se atentar que tais
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proposições não se adequariam como base para uma pesquisa como esta cujo objeto se mostra como paródia moderna.

2.1. Instaurando a Discursividade

É possível o entendimento Da obra Macunaíma, descrito pelo próprio Mário de Andrade, nas transcrições de (LOPEZ, 1974, p. 87) "[...O que me interessou mais em Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos Brasileiros]", como uma tentativa de construir a identidade cultural pela mistura de ritmos proporcionada pelo embaralhar de lendas, folclores, crendices, costumes comidas, bichos e plantas de todas as regiões desse país.
Ocorre que nessa tentativa , por não especificar nenhuma das regiões das quais essas lendas se originavam, a obra adquiriu uma aparência de pastiche, considerado, segundo (SANT`ANA, 2000, p. 13), "[...um trabalho de ajuntar pedaços de diferentes partes de obra, de um ou vários artistas...]" o que, segundo o próprio autor:

Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e
flora geográficas. Assim desregionalizava o mais possível a criação ao mesmo
tempo que conseguia o mérito de conceber literariamente o Brasil como entidade
homogênea = um conceito étnico nacional e geográfico. (LOPEZ, 1974, p. 89).


Indicava bem a importância dada por ele à necessidade de empregar-se a fala brasileira em nível culto para consolidar as conquistas a advirem dessa desregionalização. Por essa citação pode-se entender sua idéia de que, ser brasileiro, seria atingir, pelas vias da unidade, proporcionada na quebra da idéia do homem limitado por fronteiras geográficas, uma personalidade universalizada através da língua falada, dos vulgarismos regionais, por meio dos quais, seria identificada por intermédio da linguagem literária Não a linguagem rebuscada da língua escrita que avança a passos de tartaruga, mas a da fala comum do dia a dia que é maleável e rica sendo, ao mesmo tempo de um e de todos.

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Conclui-se dai que ouve uma busca dessa unidade, partindo das partes para criar o todo, pelas lendas que se sucedem. Portanto, além de descrever os mitos, ele, em uma imensa ironia, os inventa como, por exemplo, quando se investe do poder divino da criação no mito da lenda do automóvel; Andrade (2000, p. 124) "[...-No tempo de Dante, moços, o automóvel não era máquina que nem hoje não, era onça parda. Se chamava Palauá...]", ou da origem do carrapato; Andrade; (2000, p. 121) "[...carrapato já foi gente que nem nós... uma feita...]".
Dessa forma, a partir de um comentário, feito por Mário de Andrade, em uma carta dirigida a Meyer:

"um poema herói cômico, caçoando do ser psicológico brasileiro, fixado numa
figura de lenda, à maneira mística dos poemas tradicionais. O real e o fantástico
fundidos num plano. O símbolo a sátira e a fantasia livre fundidos. A ausência
de regionalismo pela fusão das características regionais. Um Brasil só e um herói
só". (LOPEZ, 1974, p. 8).

torna-se possível apreender, como elementos principais dessa obra, a contribuição popular na elaboração de uma nova proposta de literatura erudita cujo conteúdo passa pela estruturação do símbolo, da sátira, e da quebra do regionalismo como elementos visíveis desde suas primeiras obras.
Por isso é possível perceber em Macunaíma um herói de romance que se nutre do folclore brasileiro, mas que se nutre também, segundo (LOPEZ 1974, p. 99); "[...O que me espanta e acho sublime de bondade, é os maldizentes se esquecerem de tudo quanto sabem, restringindo minha a cópia a de Koch-Grünberg, quando copiei todos...]" dos mitos de Koch-Grünberg, do qual o autor confessa, sem nenhum pudor, ter realmente copiado, mas não somente a ele como também a uma serie de outros escritores pesquisadores inclusive copiando da própria história quando escreveu a Carta para Icaminhabas, indo ainda mais além afirmou ter surrupiado frases inteiras de Mário Barreto e dos cronistas portugueses.
Nesse ponto em particular cumpre dizer que, diante tal afirmação, levanta-se perante o leitor toda a riqueza contida no texto através do dialogo intertextual, cuja ação apresenta-se como diferencial entre o ato de copiar e o ato da criação literária. É claro que
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qualquer texto literário, segundo (BLOOM,1995,p.18) "[...Literatura é sempre reescrever ou revisar, e baseia-se numa leitura que abre espaço para o eu, ou que atua de tal modo que reabre velhas obras a nossos novos sentimentos. Os originais não são os originais...]".
Contém em si a presença de outros textos cabendo ao autor a tarefa de passa-los adiante sob uma nova linguagem, assim qualquer poema, conto ou romance poderia ser um
ato de recontar o que já foi contado. Coisa que Mario de Andrade faz muito bem , pois realmente reabre diante do leitor, por meio da paródia, velhos textos, como por exemplo a maravilhosa história infantil de Joãozinho e Maria:

-Eu até que não sei balançar... Milhor você primeiro, que Macunaíma rosnou. -que
eu nada, herói! É fácil que-nem beber água! Assuba na japecanga, pronto: eu
balanço! ?Então aceito porém você vai primeiro, gigante. Piaimâ insistiu mas ele
sempre falando pro gigante balançar primeiro. (ANDRADE, 2000, p. 128).

Mas Macunaíma não fica apenas no reabrir de velhas obras, vai mais adiante e reabre a própria linguagem literária ampliando-a por meio da busca da oralidade nos causos, contos e lendas recontados sobre uma nova ótica, a ótica do incaracterístico caráter cultural brasileiro. Ler esta obra e escutar a fala do povo; é escutar a fala dos índios entremeada ao português do Brasil, fenômeno que revela:

Em uma só frase, duas culturas, dois idiomas, uma onomatopéia e um pleonasmo.
Ai, em tupi significa um estado de comportamento e também um animal: o bicho
Preguiça, o mamífero de hábitos lentos que tanto surpreendeu os primeiros
Europeus. (TURINO, 2005, p. 190/191).
Algo que acontece na mais conhecida fala do ante-herói; (ANDRADE, 2000, p. 13) "[...ai, que preguiça...]" cuja aparente simplicidade, para Célio Turino, esconde a presença de dois idiomas, O que pode ser subtendido pelo uso de palavras cujas pronuncias exigem do sistema fonador uma resposta diferenciada no uso da fala conjugada a expressão corporal no ato de estirar-se os músculos do corpo de um modo preguiçoso.
Em suma, postar-se diante de Macunaíma é escutar o diálogo entre realidades distintas que, acontecem através dos elementos intertextuais e interdiscursivos, presentes na

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obra. O que faz aflorar a velha noção grega de mimese a fim de justificar-se a cópia, a qual o próprio autor inferiu-se, não como arremedo do real e sim como imitação do ato da criação divina do mundo já que, por meio da arte, todo artista investe-se de poderes demiurgicos.
Portanto , da mesma forma que um pintor, ao pintar uma rosa, não produz uma simples cópia, mas a recria de acordo com a imagem estampada em sua própria alma na
forma do que ele sente e não do ele vê, Mário de Andrade reabre obras e lendas resignificando-as de acordo com sua percepção de mundo, o que o afasta do termo cópia e suas significações dele redundante.
Deduzindo-se daí é possível compreender o porque de Macunaíma ter se tornado um dos principais pilares da literatura brasileira desafiando o modelo imposto pela Europa, postulando esse entendimento na formulação de algo que vai além da discursividade literária. Nesse sentido em Macunaíma deságuam as palavras de Foucaut, (FOUCAULT, 2002, p. 280); "[...Eu diria, finalmente, que esses autores encontraram uma posição "transdiscursiva"...]", segundo as quais, um autor, em suas obras, pode ir muito além do sentido restrito as páginas, além do texto, do livro em si e do próprio gênero. Tão longe quanto o foram Homero e Aristóteles, ou ainda Hipócrates no campo da teoria matemática. Um autor pode ir tão longe em seu trabalho literário a ponto de este passar a funcionar, como denominou algumas linhas mais adiante dessa citação; "fundadores de discursividade". Tão longe quanto o foi Macunaíma com suas andanças de norte a sul e leste a oeste do Brasil.
Nesse caso; embora o fenômeno da transdiscursividade, levantada por Foucault, não tenha uma pertinência direta a paródia, primando antes pelo papel do autor como um sentido mais amplo no que se refere a obra como produção criativa que, pode ou não, extrapolar a noção da arte enquanto parâmetro normatizador e delimitador do esforço criativo por meio da mimese possível distendida ao maximo, a paródia apresenta-se como ferramenta trandiscursiva por exelência por não se fixar diretamente sobre as imposições dos conceitos platônicos, segundo os quais, o poeta seria o pior dos imitadores por imitar o que já fora imitado antes, ou ainda pelos conceitos aristotélicos segundo o que, o ato de imitar é natural ao homem, a paródia, mesmo que não fuja totalmente da questão mimética, estabelece o ato criativo em seu movimento interno ao retomar um modelo pré-existente, sobre o qual se
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instala levantando suas convenções para, em seguida, desestrutura-las sem, no entanto, contesta-las em um paradoxo próprio da pós modernidade.
Dessa forma o ato criativo como uma prerrogativa própria do autor, que em Foucaulte, qualificaria o texto para além do comum situando-o como instaurador de discursividade na paródia não se situa na intenção do autor em representar o objeto que se apresenta a fim de ser representado e sim na intenção de questionar a já existente representação desse objeto problematizando-o como resultado de uma conjunção de situações conceituais de um determinado tempo e espaço que o metamorfoseia constantemente a cada vez que o mesmo se apresenta ao leitor.
E, de acordo com o que se inscreve nas laudas anteriores desse trabalho, Mário de Andrade caminhou por essa trilha estabelecendo, nessa obra em questão, uma nova possibilidade discursiva a partir trandiscursivo como resultado do texto paródico.

2.2. A Apreensão da Realidade Parodiada

observe-se, porém, que não se está aqui a afirmar-se ser Mário de Andrade o primeiro a fazer uso literário desse "aparente" simples efeito de linguagem que, segundo (Sant`Ana, 2000, p. 7) "[...existia na Grécia, em Roma e na idade média. Talvez o que tenha ocorrido modernamente seja não apenas uma intensificação do seu uso e, por isso, um interesse maior da critica, o que faz com que, de repente pareça que a paródia seja um traço de nossa época...]" remonta ao período da antiga Grécia, evoluindo através dos séculos posteriores para atingir o apogeu romano estendendo-se para além de sua decadência de forma a atingir a idade média e, indo ainda mais além, atingir o período moderno e a pós-modernidade, na qual, torna-se tão comum a ponto parecer algo natural, sem uma pertinência histórica de evolução através dos séculos.
A partir da era moderna, a literatura, antes reconhecida como a principal fonte de conhecimento pela facilidade advinda da invenção da prensa com seus recursos tipográficos, encontrou acirrada competição com outras formas de divulgação e difusão informativa que podiam ir muito além dos livros revistas e jornais que circulavam pelo mundo por entre e por fora das fronteiras nacionais e internacionais.
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O rádio e a televisão e o cinema diminuíram ainda mais as fronteiras entre as culturas possibilitando um acesso imediato à informação em tempo real, e como se não bastasse essa concorrência um oponente ainda mais duro surgiu a partir das ultimas décadas dessa atual conjuntura comunicativa no uso ilimitado dos computadores. Agora é possível
que qualquer pessoa tenha acesso a obras tanto em filmes como em documentos, bem como visitar a museus e contemplar obras de arte espalhadas pelo mundo inteiro, como resultado dessa enxurrada de informações houve uma banalização a literatura como meio de representar a realidade por meio da mimese criativa aos olhos da grande massa popular que, atualmente, parecem preferir um bom filme no DVD a forçar suas vistas lendo um romance.
Ao que tudo indica toda essa concorrência forçou uma transformação na literatura que, não podendo concorrer de igual para igual com os avanços tecnológicos da comunicação em massa, parece ter optado por um certo distanciamento da intenção de representar o objeto quanto a sua forma exterior para apresenta-lo a partir do seu interior conceitual.
Macunaíma pode ter sido a primeira tentativa de olhar o objeto a partir da analise do conceito quanto ao que a realidade representa como possibilidade de entendimento pelo fato de partir da problematização do regional, desconstruindo-o na busca do todo, na intenção de questionar a identidade do brasileiro. Nessa tentativa da literatura em reproduzir a vida, o caos da realidade se organiza em cosmos e a anarquia volve-se em ordem, dessa forma a realidade é filtrada para possibilitar, ao leitor, uma visão possível da parte em relação ao todo.
Assim, por exemplo; ao deparar-se com o texto da carta do descobrimento do Brasil o leitor verá não o todo da realidade do assunto ao qual a mesma se refere, mas ao que foi possível de ser delineado pelo olhar do escritor. Ocorre que, entendendo-se esse olhar como o próprio ser,

situado a meio caminho entre a cultura e a natureza, e delas participando, o homem
visa, em ultima estância, a conhecer-se, sucede, no entanto, que o conhecimento de
si também não pode ser "puro" pois participa da realidade natural pela dimensão
biológica e da realidade cultural pelos objetos de valor. (MOISÉS 1982, p. 12)


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compreende-se haver uma ligação direta entre o leitor e a realidade a ser apreendida através do texto metafórico. Então, levando-se em conta que a pluralidade das possibilidades de abstrações do real a partir de um mesmo objeto se deve a pluralidade de conceitos sobre esse mesmo objeto, e sabendo que esses conceitos multiplicam-se e transformam-se a medida que o tempo passa, fica difícil presumir que aja uma verdade absoluta sobre esse objeto, ou que esse objeto, mesmo sendo registrado pela literatura, possua uma forma pura pela qual possa ser conceituado definitivamente.
Tome-se por exemplo uma texto qualquer em cujo conteúdo apareça a seguinte frase; "ele é um homem velho" e a seguir outros textos nos quais a mesma frase venha com o adjetivo "velho" substituído por adjetivos como "idoso" e "ancião" de modo que fique patente a presença de três frases, aparentemente iguais, a não ser pela diferença nos adjetivos.
Seria essa diferença algo resultante da livre escolha de quem escreveu sem nenhuma coação do meio sócio cultural no qual o texto foi escrito, ou tal escolha de vocábulo poderia indicar justamente uma imposição do meio na caracterização da realidade apresentada no texto?
Basta parar um pouco e pensar na evolução desses termos através do tempo e se descobrirá que o termo velho possui o sentido pejorativo de algo que já não nos serve mais, enquanto que idoso indica uma tentativa de reformular a questão emprestando uma certa dignidade a alguém que envelheceu valorizando-o como ser humano, ao passo que ancião
termo mais arcaico indica respeito a alguém que possui autoridade pela sua vasta experiência de vida.
Dessa forma, caso um texto escrito, em cujo conteúdo apareça essa frase com o uso do adjetivo velho em forma pejorativa na sua conceituação histórica, seja lido por alguém em cuja formação cultural esse uso pejorativo tenha sido banido do uso, a leitura sofrerá uma mudança interpretativa configurando a realidade abstraída como algo diferente da proposta enunciativa pela qual foi elaborada.
No jogo paródico a construção dos sentidos foge a centralização do texto sobre o qual ela se estrutura retomando suas formas estéticas para depois transgredi-la sem, no entanto reduzi-la. Isso acontece por meio da ressifignificação do texto de fundo postulando-o como algo passível de interpretação a partir da posição de quem escreve e de quem lê. Ou
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seja, a intenção da paródia e transportar a realidade histórica do passado, presente no texto de fundo, para o texto presente da modernidade, como se deu em Macunaíma, ou para a pós modernidade na qual se faz uso do mesmo princípio paródico, porém com maior autoridade.
Exemplo disso é a carta de descobrimento do Brasil, na qual, o discurso oficial, inscrito como, segundo (BOSI, 2004, p. 14); "[...um gênero copiosamente representado durante o século XV em Portugal e Espanha: a literatura de viagem...]" é paródicamente transgredido na carta para Icamiabas em Macunaíma de Mário de Andrade.
----A fim de constatar esse movimento transgressor da discursividade atente-se para o trecho transcrito da carta oficial, no qual se faz a apresentação dos nativos:

A feição deles é serem pardos maneiras d`avermelhados de rostos e bons narizes
bem feitos. Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa
cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como
tem de mostrar o rosto. (BOSI,2004, p. 14).

Salientando as descrições físicas dos indígenas e seu comportamento naquele momento, para em seguida confronta-lo com o trecho da carta a Icamiabas, no qual os moradores de São Paulo são descritos:

Por estas paragens mui civis, os guerreiros chamam-se polícias, grilos, guardas-
civicas,, boxistas, legalistas, mazorqueiros, etc.; sendo que alguns desses termos
são neologismos absurdos ? bagaço nefando com que os desleixados e petimetres
conspurcam o bom falar lusitano. (ANDRADE,2000, p. 71).

Mais por sua fala, distanciada da forma culta por ele denominada como o bom falar lusitano, que por seus atributos físicos, o que desloca o uso da linguagem, que no texto de fundo está isento de problemáticas por representar a forma pela qual a prática discursiva delimitava o discurso, para a relação entre as palavras e as coisas no tocante a seus referentes conceituais, ou seja, estabelece-se novas possibilidades de constituição de sentido pelo uso da linguagem associada a uma nova ordem dos objetos no texto parodiado.
No texto Macunaíma os elementos tem os papéis invertidos na constituição do texto de modo a promover-se uma ressifiguinificação. Tome-se, por exemplo; a subversão patente na composição da carta, quem escreve? em Caminhas a carta é escrita por um súdito

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do rei, mas em Macunaíma é o próprio rei quem o faz, invertendo assim relação de poder sobre a qual todo o texto se estrutura.
Mas a subversão continua, o tom de subserviência usado na missiva por parte de caminhas, indica o respeito que se deve dar a quem detém em sua mão poder suficiente para recompensar ou castigar seus súditos, e que por isso deve ser obedecido sem questionamentos, ao passo que em Macunaíma é o rei quem pede um favor aos súditos ao solicitar-lhes, no final da carta, que elas o socorram com pecúlio financeiro, (ANDRADE, 2000, P. 81); "[...e bem poderíeis enviar de antemão as alvíçaras que enunciamos atrás. Por pouco o vosso abstémio imperador se contenta; si não puderdes enviar duzentas igaras cheias de bagos de babaçu, mandai, cem, ou mesmo cinqüenta...]" em uma ação que reflete bem a idéia do governo democrático no qual todo poder, inclusive o dinheiro, emana do povo.
Desloca-se assim do passado do primeiro autor para o passado do segundo escritor finalizando o movimento nas mãos do leitor, onde se concluirá a ressifignificação por meio da ironia ao promover-se o entendimento do texto por meio de uma conjugação de elementos do primeiro e segundo texto com pistas a serem recolhidas pelo leitor a fim de produzir-se o efeito irônico.
De onde se pode concluir que a paródia postula-se como uma forma de chegar em acordo com os textos do passado, desde o mais recente ao mais remoto.











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3. O PARADOXO NA PARÓDIA

3.1. A Duplicidade do Tempo na Constituição Paródica

Quando sinto a impulsão lírica escrevo se pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir como para justificar o que eu escrevi
Mário de Andrade

A paródia possui a prerrogativa de invocar o tempo através do conhecimento epistemológico usado no momento de sua recodificação, sobreposta a códigos pré-existentes, no pano de fundo sobre o qual ela se estrutura. Assim pode-se entender a paródia, representada pelo o "homem mistura" de Nietzsche:

Homem das misturas, proteiforme, multicor, é capaz de rir de si e de repetir,
histriônica e irreverentemente, todos os artigos de fé, tudo o que, até então, se
tomou por sério sobre a terra. Tanto por seu caráter não sério quanto por seu
aspecto misturado, multicor, enfeitado, metamorfoseante. (FERRAZ,2003, p. 108).

Como a evidência de uma característica invocada pelo uso do termo repetir a partir do resgate mnemônico exigido para que o ato de recordar se realize. Ato esse aparentemente simples , porém, complexo por situar em uma mesma ação o passado, a ser resgatado, e o presente, situado na pessoa no qual o processo se realiza.
Esse homem das misturas pode muito bem se postar diante da modernidade como proposta de modelo para o esforço criativo que deva levar em consideração a intenção do autor elevada a alta potência, na pressuposição do leitor, como ponto chave para a realização paródica.
Porém , diferenciando-se do riso redutor na personagem de Nietzsche cuja ação pretende superar a pequeneza do ser diante da grandiosidade convencional da sociedade, a obra Macunaíma age pelo viés da ironia. Mas o irônico, no caso da paródia, afasta-se de sua forma básica no campo sintagmático para permear sua constituição no campo pragmático das inter-relações entre dois textos a partir da intenção inscrita no ato da recodificação. Entretanto, faz-se necessário, relembrar aqui que na paródia moderna, e mais
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ainda a pós-moderna, parece estar implícita uma distância entre o texto de fundo, a ser parodiado, o e o novo texto que a partir dele se estrutura.
Segundo HUTCHEON:

Devemos considerar todo o acto da énonciation, a produção e recepção contextu-
alização de textos se queremos compreender o que constitui a paródia. Devemos,
portanto, ultrapassar estes modelos de intertextualidade texto / leitor, levando-os
a incluir a intencionalidade codificada e depois inferida e a competência semiótica.
Nessa mesma direcção, devemos também tentar expandir a visão orientada para o
Receptor da interação comunicativa paródica. (1985, p. 75).

Compreender o movimento da paródia seria entender esse Processo como ação que ocorre em via dupla, pois se no ato da recodificação, o autor faz uso mnemônico do conhecimento quanto ao texto de fundo, por necessitar a paródia de um código primeiro ao qual se sobrepõe o segundo, no ato da descodificação o leitor exercitará o ato mnemônico na busca dos sentidos possíveis ao texto a partir da releitura, caso seja capaz de perceber a presença do pano de fundo, ou então o ato da leitura, se não for capaz de perceber a presença do texto sobre o qual se estrutura o segundo texto.
Em Macunaíma as percepções de tempo e espaço entrecruzam-se a todo o instante através dos objetos revestidos sob roupagem popular quanto a suas definições conceituais. Por isso o leitor topa, a todo o momento, com reinvenções como a do automóvel, do futebol e tantas outras explicações fantasiosas. Isso poderia desnortear o leitor levando-o a entender o texto como algo sem importância, uma brincadeira inconseqüente.
Porém, tal possibilidade, apesar de possível ocorrência, quando o leitor não transcende da leitura para a releitura, é afastada pela característica de subversão da ordem instalada pelo texto paródico que subverte tudo, até mesmo a história arrancando-a do seu pedestal da objetividade cujo olhar situa-se na intenção de uma máxima fidelidade aos fatos registrados por meio de documentos verossímeis.
Ocorre que é justamente nesse consenso de veracidade que a ficção de Mário de Andrade encontra o calcanhar de Aquiles do sistema fechado nas formas herméticas dos
gêneros literários, pois em Macunaíma o recontar e o reinventar levantam a questão da história, tida como oficial, ser apenas uma das formas pelas quais o fato poderia ser relatado
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já que a realidade histórica conservadora raciocina sob o estigma do conhecimento empírico, segundo o qual, a história é considerada incompatível com a literatura em sua procura pela verdade.
Exemplo disso é o fato da história dar pouca relevância as mulheres, e não poderia ser diferente já que toda a sociedade, até bem pouco tempo, erigia-se totalmente sobre a autoridade masculina. Mas, imagine-se então, uma história contada pelas mulheres, e talvez seja possível descobrir que os documentos históricos, sobre os quais se baseia a, pretensa, veracidade histórica, pode, na verdade, se mostrar apenas como uma outra possibilidade de enxergar e interpretar o fato histórico. O que poderia determinar o autor, querendo ele ou não, como um corpo ancorado a uma determinada forma de pensar o mundo no momento em que inscreve a realidade por meio da linguagem literária,
Portanto não seria difícil concluir-se daí que, em Macunaíma, a história não pode ser considerada como mais ou menos realista pelo ato da reinvenção, pois o que acontece não é simplesmente uma reinvenção e sim a postulação do mesmo objeto de modo a ser retratado historicamente por olhares diferenciados, culturas diferenciadas.
Tome-se por exemplo o que se poderia apreender do posicionamento do autor no momento da produção literária do trecho, em Macunaíma, no qual o herói revela a Maanape o desejo de ir atrás de Piaimã, o gigante comedor de gente:

Venceslau Pietro Pietra n morava num tejupar maravilhoso rodeado de mato no
Fim da rua maranhão olhando para Noruega do Pacaenbu. Macunaíma falou pra
Maanape que ia dar uma olhadinha até lá por amor de conhecer Venceslau Pietro
Pietra. Maanape fez um discurso mostrando a inconveniência de ir lá porque o
regatão andava com o calcanhar pra frente de si Deus o assinalou alguma lhe
achou. (ANDRADE, 2000. p. 44).

E se perceberá ser possível a prática de duas ou mais leituras do mesmo texto pelo fato de que, se, por um lado, o autor pode escolher o tipo de linguagem que melhor lhe convier para o estabelecimento do sentido desejado, por outro lado, o leitor, no qual tal linguagem desaguará, a receberá a partir de sua própria realidade lingüística produzindo-se assim, uma interpretação da realidade a partir do encontro entre as duas formas mais ou menos distintas de se pensar a realidade.

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No entanto esse processo, pelo uso da paródia, parece reduzir-se a duas possibilidades únicas, considerando-se, não obstante, o fato de que a leitura comportaria um alto grau de pluralidade interpretativa, a releitura, na qual os leitores, segundo Hutcheon (HUTHEON, 1985, p. 118); "[...Devem também, evidentemente, conhecer o texto ou as convenções que estão a ser parodiadas, para que a história seja lida como outra coisa que não seja qualquer peça de literatura ? isto é, qualquer peça não paródica...]" sofreria, mesmo que de forma não totalizada, uma forte limitação pela alta carga de intencionalidade inferida pela meta-linguagem comum à paródia exigindo assim um certo nível de competência, por parte do leitor, para identificar a intencionalidade do autor.
O que possibilitaria deduzir, a partir dessas considerações que a leitura, de uma forma ou de outra, deverá acontecer, enquanto que a releitura, por sua vez, talvez não ocorra por exigir-se para tal, uma certa especialização no ato da recepção. O que levantaria a questão da elitização do leitor, apesar de não pretender-se nesse trabalho focar o olhar sob esse prisma, ao menos de forma direta.
Veja-se o caso do substantivo regatão, usado para definir a personagem Piaimã; que, contendo em si um apelo mnemônico ao leitor na intenção de força-lo a interagir com o texto na busca de sua significação, o conduz, ao mesmo tempo, tanto em direção ao mito
taulipang, que é um constitutivo do texto usado como pano de fundo, quanto ao contexto do recodificador que, por sua carga semântica:

É o negociante da Amazônia, aquele que regateia, que transforma em mercadoria
cada coisa ou pessoa que encontra [...] mercado. Para quem não está acostumado a
observar além das notícias, mercado é o ente abstrato, onipresente, onisciente,
aquele que quer decidir tudo, do dinheiro que sai da saúde e das escolas ao
dinheiro que inflados juros; aquele que quer controlar tudo. (TURINO, 2005, P.
195)

Representaria o lado psico-sintomático de uma sociedade cujas estruturas apóiam-se em convenções originárias de um sistema extremamente capitalista, Nesse recorte da literatura em questão, o leitor precisa, entre outras coisas, identificar o texto usado como pano de fundo pela segunda voz, o que nem sempre é fácil.
Aqui, por exemplo, a não ser que o leitor já tenha tido contato com a literatura de Koch Grünberg, faz-se necessário ir a procura do mesmo através de outra literatura, o que, no
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caso, se dá na abordagem de Turino (TURINO, 2005, p. 195), para quem ele "[...é o comedor de gente da mitologia taulipang, estudada por Koch Grünberg, o mesmo que apresentou Maku Ima...]". Mas isso pode não ser o bastante, pois outras pistas podem estar ocultas no interior do texto de forma a possibilitar a paródia como ação que vai além do texto de fundo, ou ainda mais além da própria intenção do autor, na constatação do receptor como parte integrante, e necessária, para o estabelecimento do sentido pelo viés paródico da obra.
Portanto, para (HUTCHEON, 1985, p. 36);

Existe, obviamente, um novo interesse pelo <<contextualismo>> hoje, e qualquer
teoria da paródia moderna deve partir igualmente do pressuposto de que <<os
textos>> só podem ser entendidos quando situados contra o cenário de convenções
de onde emergem.

Poderia-se ir além do que está implícito pela sobreposição dos códigos. Sendo assim para que se possa ter a consciência de que o texto, em Macunaíma, constituiu uma paródia faz-se necessário encontrar nele pistas que possam induzir o leitor a uma apreensão do momento presente no qual Mário de Andrade, como recodificador, posicionou-se ao inserir no texto sua intencionalidade.
Isso seria possível através do contraste temporal entre o seu presente; revelado pelas convenções incorporadas ao texto como frutos do contexto; o que se poderia entender , nas palavras de (HUTCHEON, 1985, p. 48), por "[...transcontextualização e inversão, repetição com diferença...]" como um distanciamento crítico entre o texto de fundo, e a nova obra caracterizada pelo recodificar e descodificar.
Por isso seria possível entender paródia como algo que, segundo (HUTCHEON, 1985, p. 50); "[...É igualmente um gênero sofisticado nas exigências que faz aos seus praticantes e interpretes. O codificador e, depois o descodificador, tem de efetuar uma sobreposição estrutural de textos que incorpóreo antigo ao novo...]" sendo então um paradoxo entre o passado e o presente ao ocuparem, ao mesmo tempo o mesmo espaço constitutivo no texto.
O que, por si só; apesar de toda a obra em si ser uma contradição à própria estética por retomar aspectos do romantismo para depois desestrutura-los sem, no entanto,

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nega-los, como por exemplo, ao apresentar Macunaíma como herói, mas investi-lo das fraquezas humanas na caracterização do ante herói, justificaria o uso desse termo pelo prefixo "para" contrário seguido de "doxa" idéia no sentido de afirmações e postulações que se afirmam e se contradizem ao mesmo tempo.

3.2. A Paródia Como Texto Duplamente Autorizado.

Recapitulando o que se abordou até agora, a paródia pode ser compreendida como forma pela qual o ser pode observar o mundo a partir do que já se constituiu como arte, posicionando esse entendimento como algo que se obtém a partir do posicionamento e reposicionamento dos textos sob a condicionalidade imposta pelo autor a ser percebida pelo leitor, ou seja a realidade de um determinado objeto dependerá da posição do ser que o observa. Portanto, o autor paródico, diante do texto sobre o qual o outro texto se erguerá, se equipara ao autor diante da realidade a ser representada por meio da linguagem.
Norteada por essa possibilidade, a paródia seria uma realidade a se erguer das relações entre o código do primeiro texto, que se estrutura no campo sintagmático das relações intertextuais, elevadas ao transtextual, no código que se ergue pela metalinguagem ao se estruturar no campo pragmático funcional entre o texto primeiro, o texto segundo e o leitor.
No entanto, apesar da confusão que se instaura quando se está diante de citações como a que encontramos em (SANT`ANA, 2000, p. 32), no qual; "[...a paródia é parricida. Ela mata o texto em busca da diferença. É o gesto inaugural da autoria e da individualidade...]" na qual se compara a paródia à paráfrase pelo sentido contrário de sua ação, de modo que a instauração da paródia incide sobre a destruição do texto sobre o qual ela se ergue enquanto que a paráfrase posiciona-se na reformulação do mesmo de modo a confirmá-lo ou exaltá-lo.
Tal comparação, por posicionar a paródia na instauração de oposição total entre um texto e outro, deixa de considerar o fato de que, quando a paródia, segundo (SANT`ANA, 2000, p. 29); "[...foge ao jogo de espelhos denunciando o próprio jogo e colocando as coisas fora do seu lugar...]" torna possível identificar em sua estrutura o
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objetivo metalingüístico pelo fato de, ao denunciar, ser obrigada a fazê-lo a partir de uma determinada posição possibilitando um olhar comparativo pelo qual as intenções de ambos são avaliadas, o que a caracterizaria como meta-ficção ao usar, paralelamente, noções de realidade que, segundo Hutcheon,"[...combinam-se dialogicamente...]" não anulando-se uma a outra por estarem ambas interligados pelo que denomina-se como, segundo (HUTHEON, 1985, p. 95); "[...especificidade de tempo e lugar...]" por suas raízes históricas.
No entanto, deve-se atentar para o sentido em que tais especificidades de tempo e lugar são postuladas teoricamente já que elas também parecem existir em todas os gêneros literários, a diferença, no caso paródico, registra-se pela noção de continuidade, pela qual, não existe uma separação hermética entre um gênero e outro, a não ser as que se produzem pela natureza pertinente ao momento e espaço histórico.
Esclarecendo que por natureza, nessa postulação, é possível entender-se a sua idéia como base de todo trabalho literário, idéia essa que se metamorfoseia absorvendo os aspectos da sociedade na qual incide, por exemplo; a natureza grega, como um organismo inteligente; "razão", a natureza renascentista, pensada como uma máquina na qual somos as engrenagens ou ainda a natureza modernista em que é vista como um segundo mundo cuja característica primaria pela não repetição das coisas e sim por sua evolução e pelo surgimento de coisas novas. Sendo que tais formas de natureza constituiriam limites entre si estabelecidos na sua forma estética referente a cada tempo e espaço, no que se poderia entender como contigüidade.
No caso da paródia pós-moderna a contigüidade se desfaz pela contemporaneidade a se projetar, pelo uso da metalinguagem, que sempre situa o ponto de partida da busca do entendimento a partir da realidade de quem problematiza, atentando-se para o pormenor intrigante, que é; estar a problematização não na procura do sentido e sim na forma como o sentido se estabelece, pois a continuidade insere o raciocínio de que, se o tempo e o espaço são medidas exatas, e por isso não podem ser mudados, a história, por sua vez, sendo compreendida como um problema de representação da linguagem, não seria contida mas, ao contrário disso, se metamorfosearia de acordo com cada cultura.

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Ocorre que, se cada pessoa e cada cultura tem um passado próprio que independe do passado coletivo, embora não totalmente, o sentido a ser apreendido por meio da paródia,
sempre será uma incógnita a desafiar o passado como algo indefinido, e o futuro como uma incerteza rompendo assim com a idéia autorizada pela forma hermética do cientificismo quanto a uma história imutável, para a forma autorizada pela paródia pós-moderna em sua teoria da história descontinua e fragmentada.
Veja-se, por exemplo; o que se reporta sobre a infância de Macunaíma:

Houve um momento em que o silencio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia, essa criança é que chamaram Macunaíma. Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a fala exclamava: -Ai! Que preguiça! (ANDRADE, 2000, p. 13).

E se perceberá ser possível, por analogia, entender o nascimento do Brasil quando aqui aportaram as primeiras naus portuguesas. Mas o Brasil de 1500 era o Brasil da civilização européia representada pelos lusitanos aqui recém chegados. De lá até o século XX, quando se deu o movimento modernista, quase seis séculos; mais ou menos o período da infância silenciosa de Macunaíma representada pelo numero seis, passaram pela ponte do tempo nas águas caudalosas da história.
Não há como negar ter existido um fluxo histórico durante esse período, no entanto o silencio do herói, seria a indicação de que a mesma não possuía significação própria para os brasileiros resultantes da miscigenação das raças, representadas em Macunaíma, o preto, que como já se viu anteriormente pode ser deduzido do termo tapanhumas, o índio, pela linguagem repleta de termos e lendas indígenas, e até mesmo os europeus pela mistura das raças claramente indicada no desejo de Macunaíma em ser bonito, coisa que ele consegue ao banhar-se nas águas que recobriam as pegadas de Sumé um profeta que há muito tempo pregará o evangelho aos índios, emergindo branco como a neve.
Entretanto a história oficial não poderia representar algo de significativo para todos os brasileiros por representar a realidade como entendimento transcrito para os livros segundo a linguagem do europeu. Assim subtende-se que o Brasil não teve infância, não teve

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história própria contada e aferida por brasileiros, pois não os havia posto que não existia como cultura própria e sim como idéia de cultura impingida pelos dominadores. O que Mário de Andrade parece dizer é que a verdadeira história do Brasil deveria ser escrita pelos próprios brasileiros a partir de uma retomada a nossas origens para tentar apreender nelas o que é culturalmente nosso como caráter, coisa que só seria possível a partir do momento em se reconhece não haver, ainda, um caráter próprio que possa definir o brasileiro.E é justamente nisso que Andrade se pega para tentar definir o indefinível, a falta de caráter, e pronto, defini-se caráter brasileiro como incaracteristico.
Todo esse movimento trangresivo no qual a história parece ser objeto de trabalho do parodiador exige, segundo(HUTCEON, 1985, p. 95); "[...um certo reconhecimento da ordem do mundo que inverte e, em certo sentido incorpora...]". Comparando-a a seguir a carta a Icamiabas na qual Macunaíma comunica sua chegada a São Paulo:

"[...Não pouco vos surpreenderá, por certo o endereço e a literatura dessa missiva. Cumpre-nos, entretanto, iniciar estas linhas de saudade e muito amor, com desagradável nova. E bem verdade que a cidade de São Paulo, a maior do universo...]" (ANDRADE,2000, p. 71).

A princípio torna-se necessário compreender que essa postulação da paródia como subversora por natureza, parece originar-se em Bakhtin quando o mesmo a cita, segundo (HUTCHEON 1985, P. 96) "[...uma afirmação teológica do século XV que admite que permitimos a loucura em certos dias para que possamos mais tarde voltar com maior zelo ao serviço de Deus...]" como suspensão temporária, cuja função situaria-se no âmbito da
destruição autorizada do texto parodiado a fim de restaurar-se a ordem convencional do que foi posto, momentaneamente, em desordem.
Para explicar essa transgressão autorizada Bakhtin parece ter vinculado a paródia à intenção satírica, cuja natureza, segundo Hutcheon (1985, p.83); "[...emprega a paródia como veiculo para chegar a seu fim satírico ou corretivo...]".
No entanto, apesar de tal teoria não condizer, com o texto de Icamiabas em sua proposta modernista de destruir convenções, seria possível entender, a partir dela, a paródia
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moderna como algo a se constituir, segundo Hutcheon (1985, p. 96); "[...dentro dos limites ditados pela reconhecibilidade...]".
Na prática, para constituir-se em paródia a transgressão só pode distanciar-se do texto transgredido até a fronteira do reconhecimento em si mesmo do outro. Por exemplo; Quando o leitor se põe diante do texto da carta para Icamiabas, de imediato reconhece nele as características intrínsecas da carta de descobrimento do Brasil no qual se instaurou.
Essa literatura informativa ou documental, segundo Kothe (2002, p. 17); "[...fazia parte de um processo de exaltação da terra, enquanto possibilidade de vida e enriquecimento, mas dentro da perspectiva de dominação portuguesa...]" consiste-se em um documento epistolar sendo uma literatura informativa endereçada as camadas dominantes possuindo em seu corpo discursivo a exaltação da mesma.
Poderia-se dizer então que qualquer paródia, a constituir-se sobre o texto da carta de descobrimento do Brasil, deveria, em princípio, refletir o gênero textual do pano de fundo.
O que redundaria em apreender-se da paródia, ao mesmo tempo, uma natureza pragmática e uma natureza normativa.
Assim o paradoxo da transgressão autorizada na paródia está no fato de que , segundo Hutcheon (1985, p. 98); "[...A paródia é normativa na sua identificação com o outro, mas é contestaria na sua necessidade edipiana de distinguir-se do outro interior...]" sendo que o próprio ato de parodiar equivaleria a uma troca em que cambia-se normas literárias por transgressões autorizadas pelo uso das mesmas.









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4. A PROBLEMÁTICA DA MODERNIDADE NA PARÓDIA "AI! QUE PREGUIÇA" DE MARIO DE ANDRADE

"é precisamente a multiplicidade dos
conceitos de realidade que produz a
multiplicidade de nossos pensamentos,"

Massaude Moisés


4.1 Macunaíma a preguiça "pós-moderna"

Após esse curto avanço pelos meandros da complexidade paródica, tropeçando em duplos aspectos da compreensão apreendida, ao mesmo tempo, pelo sintagma normativo, convocado a fim de possibilitar sua transgressão, e pela pragmática relação entre os signos semanticamente compreendidos como algo que transcende ao texto e contexto na sua característica transtextual. Tentar-se-á aqui, demonstrar, através de um paralelo entre a convenção do trabalho, como fonte transformadoras e condicionadoras das energias sociais e a teoria do ócio produtivo aferida da frase "Ai, que preguiça", como se dá a problematização através da paródia, sem, no entanto, enveredar-se para o confronto dialético.
A arte pós-moderna, que em sua forma geral, parece ser intensamente reflexiva e paródica, encontra na história uma importante fonte discursiva a ser problematizada, o que se faz por meio da ironia ao resgatar, da forma bruta na qual o passado foi congelado, novas formas de entende-la. Desse modo posiciona-se a paródia na base de uma recusa periclitante em resolver as contradições por ela mesma levantadas, na qual o que, nas palavras de (HUTCHEON, 1988, P. 13) "[...se evidencia é o processo de negociação das contradições pós modernas, e não um produto satisfatoriamente concluído e fechado que resulte de sua resolução.]"
Ao que parece pode ter sido exatamente isso que Mário de Andrade faz ao posicionar o termo preguiça logo na primeira página de seu romance, (ANDRADE, 2000, P. 13) ; "[...-Ai! Que preguiça!... e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca,
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trepado no jirau de paxiuba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem...]". de modo que pudesse ficar evidente a oposição entre a idéia do trabalho que, em sua concepção capitalista, contrapõe-se a idéia dos índios segundo a qual o trabalho tinha como função resolver algum determinado problema momentâneo, como a moradia, a roça, ou a caça e pesca. Sem, no entanto, pretender-se prover, por essas ações, a constituição de alguma reserva para os dias futuros.
O que estranhou e escandalizou aos portugueses que primeiro aqui aportaram, não foram as parcas vestimentas dos indígenas, cocares e enfeites de plumas coloridas, mas perceber que eles não tinham necessidade de trabalhar, ou de sujeitar-se a alguma lei tirânica
do estado. Estabelecendo-se assim um comportamento, em cujo sentido, compreendia a vida como algo a ser plena pelo lazer e pela busca do significado das coisas e não pela busca e acúmulo de riquezas. Essa foi a diferença encontrada pelos portugueses em relação aos índios quando aqui chegaram em 1500.
Uma diferença centrada no âmago do europeu a ferro e fogo, o ferro das conquistas bélicas, e o fogo das conquistas religiosas segundo as quais, de acordo com o livro bíblico de gênesis, 3: 17; "[...Maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimentos dele se nutrirás todos os dias da sua vida, com o suor do teu rosto comerás o teu pão...]" o acumulo de riquezas deve ser precedido de muito esforço diligência.
entretanto, levando-se em consideração que essa visão não poderia ser compreendida como algo geral já que, nesse período, era patente o confronto dialético entre a florescente burguesia e o antigo clero apoiado pela nobreza nas antagônicas posições do direito divino nas questões do sangue contra os direitos inerentes a todo homem, nobre ou não, de construir riqueza com seu próprio esforço, era gritante o confronto ideológico quanto à forma da apropriação da riqueza.
Agora, partindo do pressuposto histórico da forma de produção e divisão das riquezas inerentes aos séculos XIX, XX e XXI, segundo a qual a sociedade capitalista condena uma grande maioria de seres humanos ao degredo financeiro dos que não podem se adequar às exigências de qualificação de mão de obra, gerando assim um exercito de sub-

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assalariados, é pertinente ao sistema uma serie de convenções, como por exemplo a que maximiniza o trabalho como a única fonte de riqueza aceitável.
Nesse sentido Macunaíma é o próprio paradoxo, por negar, de início, a importância do trabalho estritamente manual, valorizando o uso dos sentidos através do estudo empírico que predispõe o uso das energias transformadoras como algo condicionado ao experimento cientifico cuja primeira regra é a observação, no que foi até elogiado pelo rei Nagô que, (ANDRADE, 2000,p.13); "[...fez um discurso e avisou que o herói era inteligente...]" para depois, alguns capítulos adiante ,(ANDRADE, 2000, p. 42); "...[A inteligência do herói, estava muito perturbada...]" indicando que o excesso de informação advindo da velocidade das mudanças, as quais o indivíduo se vê submetido, pela dinâmica do dia a dia moderno e pós-moderno, induz a uma percepção da realidade de modo multifasce- lado, na qual o observar termina por conduzi-lo a uma indefinição do próprio ser em relação a seu papel social.
Indefinição essa que pode ser sentida no ato de Maanape que, (ANDRADE, 2000, p. 43) "[...roubou a chave do sacrário e deu pra Macunaíma chupar...]" na intenção de cura-lo, o que parece indicar uma mistura religiosa que indetermina sua posição atual como não sendo índio, negro, ou branco, mas uma mistura dos três.
Por isso, seria por demais inconseqüência postular o entendimento dessa preguiça somente a partir da retomada de um ponto de vista, seja ele o ponto de vista do texto de fundo, do texto paródico quanto à intencionalidade do autor, ou do ponto de vista do leitor, na qual a paródia pode ou não se realizar.

4.5. As imagens alusivas presentes na metáfora dos seis dias

Em todo texto escrito estão presentes imagens abstraídas de uma realidade, sendo ele o momento capturado pelo todo dos sentidos operantes no sujeito, na forma da visão, audição, tato e etc.
Essas imagens podem ser compreendidas como arquétipos abstraídos de uma determinada realidade que evolui com o próprio homem. Assim o que foi contado a milhares

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de anos na forma de lendas; contos ou histórias de rodas de fogueiras encontra hoje, por meio da escrita que as registrou, o inconsciente coletivo da própria época na qual se dê a leitura. Na metáfora ocorre algo parecido , pois a imagem apresentada em seu bojo
contém duas possibilidades dentro da realidade na qual ela é formulada, vejamos, por exemplo, que nos diz Moisés sobre a dualidade da metáfora:

A própria metáfora, núcleo da linguagem literária, assinala, na sua radical dico-
tomia, as duas dimensões simultâneas que enformam as representações. Mas,
advirta-se, as posições se trocam: o que era antes material se torna imaterial e
vice-versa: o corpo físico da metáfora é agora a coisa material, e a referência, ou
o estrado apontando para a realidade concreta, volve-se imaterial. A opacidade
inerente ao ser da metáfora traduz a coisificação. A metáfora é uma realidade
material: a transparência, imaterialidade: a metáfora é também realidade imaterial.
(1982, p. 6).


Duas realidades distintas dentro de uma mesma realidade, no caso formas que nos remetem ao mundo interior da psique humana, no caso da metáfora; imagens constituídas a partir de um fato narrado que são apresentadas pelo autor ao leitor com propósito de leva-lo a apreensão de uma verdade, ou realidade, que vai, no caso da paródia pós-moderna, para além do que foi relatado em si e que está, propositalmente, disfarçado requerendo do leitor uma bagagem literária ampla para que o mesmo possa descodifica-la.
Por isso requer-se dos acadêmicos que pretendam possuir uma visão apurada para fatos literários uma maior percepção da história:

Uma das razões, portanto, porque os jovens de todas as culturas são levados a
estudar história e a literatura de seus próprios grupos lingüísticos ou nacionais,
é a de eles adquirirem por seu intermédio a capacidade de compreender as co-
municações do grupo e compartilha-las[...] O estudo da história e da literatura,
literatura, portanto, não significa simplesmente aquisição de um verniz social.
Segundo crêem os homens práticos, mas um recurso necessário para aumentar a
eficácia das nossas comunicações. (AYAKAWA, 1972, p. 101).


A metáfora obviamente não contém elementos que possam caracterizar-se co-
mo arquétipos, mas isso somente no que diz respeito à capacidade de remeter-nos ao subconsciente coletivo interiorizado nas ações de um personagem de forma perceptível apenas ao leitor que possua acesso a seu contexto histórico. Contudo a função das imagens
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nela presentes remetem-nos, também, a algo que esta oculto no texto. Algo que foi oculto propositalmente com a finalidade de fazer o leitor pensar, como por exemplo, no trecho em que Mario de Andrade encerra as aventuras do herói:

Então Pauí Pódole teve pena dó de macunaíma. Fez uma feitiçaria. Agarrou três pauzinhos jogou pro auto fez encruzilhada e virou Macunaíma com todo o estenderete dele, galo galinha gaiola revolver relógio, numa constelação nova. É a constelação da ursa maior. (ANDRADE, 2000, p. 159).

De modo inusitado, se esse fosse um romance do tipo alencariano, seria de se esperar um final apoteótico com Cí encontrando Macunaíma em um céu estrelado, entretanto esse esplendor do romance romântico não caberia em uma literatura que prima pelo duplo sentido das coisas em sua relação com as palavras.
Para encontrar um sentido que possa ser inferido a essa alusão quanto ao mito de Hercules ao transformar-se em uma brilhante constelação, após a conclusão de seus doze trabalhos, o leitor se vê obrigado a retomar, mentalmente, todo o texto a fim de descodificar o que se recodificou sobre o código primeiro, ou seja, terá ele de adentrar pelas fronteiras da metáfora primeira, (a lenda da metamorfose de Hercules) para a lenda que se regue sobre ela
na constituição de outra metáfora que, apesar de originar-se da primeira, dela se diferencia por invocar uma inversão paródica.
Se isso acontecer, se o leitor perceber as pistas deixadas pelo autor no momento da recodificação, talvez possa entender que subir ao céu e virar uma estrela é a saída mitológica universal para uma literatura páródica que usa e abusa das metáforas do texto de fundo para resolver o problema da não resolução das problemáticas levantadas pelo texto em seu todo.
Desse modo Mário de Andrade não soluciona a questão principal da incaracteristica face da cultura brasileira, o que a torna não o problema em si, mas apenas o reflexo do problema constatado pela incapacidade de sua resolução, o que se poderia entender como conseqüência de que, caso houve-se tal solução, haveria uma quebra na força crítica da obra, cuja principal característica seria problematizar e não propor resoluções para essa problematização, motivo este pelo qual transcende, de sua forma moderna, para o pós-
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modernismo. por desconhecimento de nomenclaturas especificas para denominar esses elementos, que no texto metafórico fariam o papel de arquétipos, por remeterem o leitor à interioridade do autor com a finalidade de compreender suas possíveis sombras da realidade, optar-se-á por nomenclatura o termo "imagem alusiva".
4.6. A imagem alusiva do trabalho

Quando Cabral chegou ao Brasil, "terra de Vera cruz" ou "terra de santa cruz" como a chamaram nossos primeiros imigrantes, aqui encontraram uma civilização composta
por indígenas a quem caracterizaram logo de inicio como sendo um povo folgado, o que nos remete de imediato para o substantivo preguiça e o adjetivo, dele derivado, preguiçoso; (TURINO 2005, p. 25) "[...]além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. [...]".
Mário de Andrade, segundo Turino:

Nesses matos se cria um animal mui estranho, a que os índios chamam ai, e os
portugueses preguiça, nome certo mui acomodado a esse animal, pois não há
fome, calma, frio, água, fogo, nem outro perigo que veja adiante, que o faça
mover uma hora mais que outra. (2005, p. 191).

Sabia das implicações históricas que o termo preguiça provocaria quando resolveu usa-las, Tanto sabia que associou a ele, propositalmente, a fim de conseguir um efeito semântico, uma palavra de origem indígena, "ai".
O efeito conseguido ao justapor-se uma diante da outra lembra o som de bocejo que fazemos ao " espreguiçarmos" estirando os braços aspirando o ar pela boca calma e lentamente, ou o som que produzimos tanto ao deitar quanto ao levantar.
Mário de Andrade deixou em sua obra algumas pistas que podem passar despercebidas ao leitor que não se aprofundar na relação texto contexto da produção do discurso dentro de cada enunciado. Mas alguém imbuído do ardor investigativo, por certo não excitará em levantar questionamentos. E já que não se pode ser indiferentes a esse ardor postulam-se aqui algumas questões, sendo a primeira delas; com que propósito Mário de Andrade produziu em sua obra o encontro de dois termos etimologicamente tão distantes
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distantes em sua ortografia, mas tão próximos em seu significado, sendo que preguiça nos remete a idéia de uma ação lenta com o mínimo gasto de energia, que se personifica como oposição à idéia do trabalho nos moldes europeus, ajustando-se tal raciocínio a imagem do animal representando pelo vocábulo indígena "ai", mas, aparentemente, há uma diferença entre esses tempos , pois, enquanto o tempo gasto na produção de energias no Brasil fica delimitado por algarismos, o tempo gasto para isso na Alemanha fica em aberto.
Essa abertura tem por finalidade demonstrar que as energias conjuradas e congregadas no ato da produção da obra alemã situam-se, na forma de sua movimentação,
como um intermediário entre o ócio grego, que buscava o progresso pelo uso da razão, e o
ócio indígena, que só é abandonado durante o tempo necessário para a produção de alimen-
tos necessários à sobrevivência momentânea, não havendo acumulo de riquezas.
Faça-se então, algumas comparações, entre a descrição do momento produtivo de Grunberg e o comportamento indígena; a descrição do local; fogueiras acesas, canoas bomboleantes, tranqüilos trechos fluviais, pedras nas quais as ondas arrebentam.
Postulando-as a algumas das descrições de Caminha do momento do descobri-
mento do Brasil:

Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros,
sem se tocarem pelas mãos, e faziam-no bem. Passou-se então além rio, Diogo
dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou
consigo um gaiteiro nosso com gaita, depois de dançarem, fez-lhes ali , andando
no chão, muitas voltas ligeiras, e salto real, de que eles muito se espantavam e
ram e folgavam muito. (TURINO, 2005, p. 25).

"Dançando; folgando; passou-se além rio". Ambas as descrições remetem o lei-
tor à contemplação do belo na natureza e como resultante dessa contemplação apresenta-se um produto; no caso a importância da comparação não está no produto em si, e sim no fato de haver um produto comum que aproximou, naquele momento, a ambos os povos. De um lado os indígenas com sua filosofia de ócio que se aproxima dos gregos
pela desvalorização do trabalho como produtor de riquezas, pois enquanto gregos acumu- riquezas pelo trabalho escravo creditando, no entanto, essa riqueza a capacidade adminis-
trativa proporcionada pelo uso da razão. Os indigenas afasta-se deles pela não existência do conceito de riqueza, ou mesmo de posse de algo como propriedade privada.
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Em Macunaíma a evolução histórica da preguiça parece encontrar uma reformulação contrária na modernidade cujo aprimoramento se introduz nos conceitos descentralizados da pós-modernidade segundo a qual a preguiça nele representada constituísse como uma das faces do incaracteristico caráter nacional. Uma preguiça criativa, malandra que foge ao controle do tempo e do espaço que na aventura do herói sem caráter é livre. Uma preguiça ociosa que intenta fugir ao pejorativo; elevado a nível patológico
da pressuposta "doença indígena", já que historicamente o índio recebeu a alcunha de preguiçoso, e também estendido à própria imagem do brasileiro matuto e preguiçoso, inscrito dessa forma na literatura por Monteiro Lobato em seu texto "O jeca tatu", reformulando-o como ócio criativo em sua forma libertária e transformadoras das energias sociais.
Toda essa revolução se mostra na simples, mas polêmica frase; Ai! Que preguiça!



















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5- A PARÓDIA COMO CA RACTERISTICA DA LITERATURA
PÒS- MODERNA

A única coisa que um autor tem de verdadeiramente seu é o corpo; o seu texto talvez não passe de paródias entrelaçadas, acumuladas, expandidas ou superpostas
Autran Dourado

5.1- A Desconstrução da Hermética forma Literária

até este ponto se tem caminhado pelas trilhas da paródia na tentativa de mostrar que ela não se conforma como uma novidade, pois sua existência retroage a antiga Grécia, mas, exatamente por essa particularidade histórica, pode representar, em suas características atuais, a forma mais apropriada de representar a realidade desde o século XX.
Isso se dá por sua qualidade em adaptar-se a conjuntura presente no momento em que dela se faz uso sendo assim sempre atual e moderna. Por isso sua aplicação variou desde sua forma redutora nas comparações laterais capitaneadas pelo riso e pela zombaria da antiguidade, ao uso exclusivo nos poemas e novelas do séculoXIX para chegar a seu ápice como problematizadora da forma hermética herdada das escolas anteriores ao movimento pós-moderno.
Isso se pode deduzir das produções literárias e demais representações da arte que, segundo (Hutcheon, 1985, p. 11) "[...têm mostrado cada vez mais que desconfiam da crítica exterior, ao ponto de procurarem incorporar o comentário critico dentro de si...]" como por exemplo no trabalho de Magritte, no qual se vê a presença da paródia nas palavras, Ceci n`este pas une pipe, isto não é um cachimbo, em uma referência a forma emblemática, evocada na captura da imagem retransmitida ao observador, que se posiciona a partir de um determinado ponto, que não será o mesmo ponto no qual se deu a execução do trabalho.
A paródia proporciona a própria obra em si, a possibilidade de dobrar-se sobre si mesma, desafiando conceitos e modalidades, nos quais, ela se fez presente no momento de sua codificação através da cores e das palavras. Para, em seguida, ser recodificada na

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reabertura de seu conteúdo a possibilidades infindas em seu trajeto de dupla recodificação, sendo a primeira feita pelo autor que da forma já codificada se apropria para recodificá-la,
em uma proposta a ser complementada pelo leitor que, ao descodificá-la em ultima instância, permite que se cumpra ou não o propósito metaficcional para o qual foi recriado.
Isso evidencia a presença de um segundo discurso sobrepondo-se ao discurso primeiro sobre o qual se erigiu a obra, o que possibilita uma provável analogia ao comparar-se os discursos científicos da atualidade presentes nos artigos e revistas próprios de cada área, que, em sua grande maioria, se fazem acompanhar de discursos aferidos no sentido de validar-se o que se afirmou por meio dessa ou daquela teoria.
Entretanto a intenção da paródia pós-moderna não é validar ou invalidar um primeiro ou segundo discurso, posto que não é reducionista ou contestadora em seu uso, mas sim problematizadora ao tornar possível observar-se o objeto parodiado por outra ótica que não seja aquela da qual foi observada e registrada na primeira vez.
Tome-se por exemplo a confusão de Macunaíma quando (Andrade 2000, p. 42) o herói se mostra com a "[...inteligência bastante perturbada...]" diante do choque cultural da passagem de uma realidade natural primitivista duradoura para uma realidade artificial progressista propensa a continuas metamorfoses culturais nas quais o ser perde-se diante da modernidade.
Macunaíma havia adquirido em suas primeiras aventuras a experiência própria do homem que se deixa guiar pelo senso comum, para ele a realidade era algo sólido e palpável a cada manhã em que despertava tendo sob seus pés a terra primitiva com suas lendas e causos, mas tal certeza, sólida e inquestionável, se desfaz no ar ao se oporem a elas novas e sólidas certezas, que por sua vez se desfarão também no momento em que findar sua jornada na forma de uma constelação medíocre.
Nesse ponto tem-se a constatação de uma certa alienação constante do ser, pois a certeza de algo só se dá por se recusar outra certeza que se tende a ignorar. Assim sempre se será um alienado. Mas não se pode ser um alienado de todo já que a realidade se erige sob as bases sólidas do que só é sólido para quem imagina essa solidez.

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O que remete este trabalho de volta a paródia em sua intenção descentralizadora da hermeticidade das formas. A literatura em suas variadas possibilidades de gêneros isola-se
em propostas estéticas que limitam a significação do que se lê. Não se pode, por exemplo, ler um romance romântico como se lê um romance realista. Por conseguinte não se é possível
escrever um romance de cavalaria como se escreve um romance naturalista, ou um poema parnasiano como um poema moderno. Cada escritor tende a obedecer ao código ao qual se filia sendo suas obrtas, segundo Foucault:
Objetos de apropriação(...)os textos, os livros, os discursos começaram a ter realmente autores (diferentes dos personagens míticos, diferentes das grandes figuras sacralizadas e sacralizantes) na medida em que os discursos podiam ser transgredidos. (1994, p. 275).

Mas no caso da paródia pós-moderna a única coisa que se aproveitaria dessa citação seria o ato da transgreção, já que essa e uma das suas características. É como seo paródiador intenta-se preencher as lacunas deixadas pela ficção comum, na qual o fato narrado se desenvolve conforme é contado, não se exigindo nada de muito mais trabalhoso, por parte do leitor, que o acompanhar de cada passo do autor em sua intenção codificadora.
Não obstante esse contar ignora possíveis contradições em algumas obscuridades do texto que, não podendo explorar todas as facetas da realidade a ser representada, realiza um crivo no caos na objetividade de constituir-se um entendimento a partir do qual se alinhará o que se tenta transmitir.
Ocorre que os sentidos humanos provoca o pensar de uma realidade metamórfica em que cada lado a ser abordado reapresentaria também um crivo no mesmo caos. A partir disso pode-se entender a escolha do autor, tanto quanto a compreensão do leitor como uma dentre as varias possibilidades de abordar-se o objeto a ser representado.
Tal limitação proporcionada pelas formas herméticas da extilística poderia ser interpretada como uma doença a limitar a agilidade de pensamento e ação do homem pós moderno que é tudo e todos ao mesmo tempo.
Isso culmina em uma grande angústia para o homem pós-moderno devido a sua inconstância de ser fragmentado que passa a personificar a própria evolução, mas não a evolução lenta e arrastada da história limitada pelo contexto e sim a prodigiosa evolução da

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razão estilhaçada por constantes bombardeios culturais oferecidos de bandeja pela mídia da imprensa escrita, falada, e televisiva.
Desse modo pode-se apreender, das palavras de Nietzsche em (FERRAZ, 2002, p. 105) " [...o paradoxo de uma originalidade da cópia, de uma retomada parodística em que o "mesmo" entra em movimento irreversível de variação sobre si para tornar-se os outros...]" a intenção da paródia pós-moderna em desvincular-se radicalmente do que se possa entender como ponto de partida único e aceitável para compreender-se a realidade. Estabelecendo-se assim uma noção de continuidade e não de contigüidade.
Tudo o que se disse nesse tópico pode ser resumido em uma única síntese; descentralizar é uma das qualidades da paródia.



















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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura é arte. Quanto a isso não se têm dúvidas, mas há que se notar uma de suas particularidades como fazer originado de um conjunto de normas e atos a determinarem o modo pelo qual a matéria deva ser trabalhada a fim de se produzir o efeito desejado.
Nessa concepção, qualquer atividade humana que se dê, tendo como princípio um determinado modelo a regular os esforços produtivos do individuo, poderia ser concebida como arte. Quanto a isso tem-se a definição de arte como "[....Movimento que arranca o ser do não ser, a forma do amorfo, o ato da potência, o cosmos do caos...]" pressupondo residir essa transformação no objeto ou forma resultante do esforço produtivo.(BOSI, 2004, P. 15)
Curiosamente, no entanto, em Macunaíma acontece um fenômeno digno de ser registrado, que parece mostrar ser esse romance a abertura para algo a mais no mundo da literatura brasileira, algo que desrespeita os limites da forma no que tange a sua representação pela arte em suas variadas formas, algo que parece postular o sentido do jogo para esferas curiosamente ainda mais subjetivas embora investida de uma tendência fortemente metalingüística em suas inferências históricas, denominadas por (Hutcheon,
1988, P. 21), como "[... metaficção historiográfica...]" por sua qualidade de ser auto reflexiva embora constituída por incursões apropriativa no âmbito da história.
Hoje em dia Macunaíma está inscrito como uma das principais referências do movimento Pau Brasil na antropofagia. Mas há que se interrogar; será que foi essa uma intenção de Mário de Andrade? Ao que parece o autor não concordava com esse entendimento, pois em carta escrita em 1928, segundo (LOPEZ,1974, p. 19) , "[...Mário explica ao amigo Alceu de Amoroso Lima sua não identificação com o Pau Brasil e a Antropofagia...]" lamentando essa coincidência da forma literária em seus discursos com as idéias manifestas no manifesto Pau Brasil.
Essa aparente contradição apresenta-se como um efeito do ato de parodiar, referente a sua capacidade de combinar, ao mesmo tempo, a pragmática; em sua forma de estabelecer sentido pelo diálogo entre os símbolos e seus efeitos na descrição dos enunciados do texto ao contexto por meio da ironia, e o formalmente textual. Ou seja, para que melhor se possa ter uma visão de Macunaíma, seria preciso, antes de tudo, desapegar-se do que se tem
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como historicamente aceito como correto, pois o que se pré estabeleceu como verdade não é nada mais que uma das formas de se abordar o assunto tratado, seja ele qual for.
A paródia pós-moderna possibilitaria. por exemplo, que se interrogasse a humanidade quanto ao todo da realidade histórica no momento em que se dá a leitura do mesmo. Interrogações como; se a história do Brasil fosse escrita pelos índios seria a que temos hoje? Despertariam as atenções dos leitores quanto à inconsistência do que se tem como consistente sobre os pés do individuo, pois comprovariam que o que se tem como concreto e sólido se desmancha no ar das variadas possibilidades de abordar-se um mesmo objeto.
O que possibilitaria entender que Macunaíma constituísse em uma negação da verdade como algo imutável, tornando possível a insinuação de que o entendimento sobre um determinado assunto dependerá do posicionamento da pessoa que aborda esse assunto. Ou seja, Macunaíma em sua linguagem paródica retoma o sentido estabelecido por meio da literatura no texto de fundo, para promover, sobre o mesmo uma ampliação dos ângulos possíveis à visão do observador.
Por isso Macunaíma é tão dinâmico e maleável em sua forma a ponto de escapar a própria posse do escritor, quanto ao que dele se pode entender como romance constituindo-se
em uma espécie de caleidoscópio em que as cores se misturam para formar novos prismas de realidades possíveis de serem estabelecidas.
Por fim chega-se a um ponto no qual a definição de pós-modernidade passaria pela conclusão de que o sentido das coisas ao nosso redor não é mais do que uma das possibilidades quanto a o que nos cerca. Ocorre que sendo o homem o resultado de uma confluência entre o presente e o passado na concretização do ser, e sendo esse passado apenas o registro de uma realidade possível, o que se tem como concreto seria na verdade sua própria concrequitude.
Portanto, seria bastante ilógico que Mario de Andrade pudesse determinar o que seria sua própria literatura, limitando assim as abordagens possíveis pelo diálogo entre presente e passado, ao contrário do que realmente acontece, que é a reabertura do fato parodiado a uma infinidade de entendimentos nos quais verdades e mentiras são uma coisa só.
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Por fim, seria possível pensar que "talvez" o próprio Mário de Andrade não tenha tido uma visão completa, se é que isso é possível, quanto a sua própria obra, pois se assim o fosse teria entendido que quando os críticos a chamaram de sátira, ou a entenderam como antropófaga, embora ele mesmo assim não a tenha considerado, não estavam fazendo mais do que reconhecer uma das principais qualidades do que seria conhecido, tempos depois, como uma das características da pós-modernidade, a saber, a inconsistência das formas e a sua não essência .
O que significaria que, nas próprias palavras de (Hutcheon, 1988, p. 24), "[...a habitual separação entre arte e vida (ou a imaginação e ordem humanas versos caos e desordem) já não é válida...]" a paródia no pós-modernismo retoma essa noção de ordem em detrimento do caos, ao constituir-se sobre um texto de fundo, já estabelecido anteriormente como concreto, para a seguir subjetivá-lo através da pragmática conduzida pelo diálogo entre leitor e autor na ironia provocada pelo primeiro e captada pelo segundo quando a paródia realmente acontece.
De onde se pode concluir que a paródia moderna está no romance de Macunaíma como uma proposta que só se torna presente quando o diálogo acontece nos moldes propostos pelo autor, o que se apresenta como um paradoxo nessas relações pois, se intentaria construir a idéia na não essência pelo estabelecimento de um entendimento de liberdade vigiada. Mas pós modernismo não poderia ser entendida dessa forma; propostas de paradoxos?


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