VÍRGULAS

Por Isabel C. S. Vargas | 23/02/2010 | Crônicas

 A vida é um grande e complexo texto que precisa de muitas vírgulas para ser escrito, ainda que essas vírgulas assumam em alguns momentos o formato de lágrimas.

 Augusto Cury

 

 

Manhã de muito calor. Paradouro de estrada. Meus familiares entram para lanchar. Escolho uma mesa na área externa e acomodo-me à sombra. Providencio água e comida para meu cachorro que viaja conosco. Chega uma moto com duas pessoas, quase simultaneamente. Ao tirarem os respectivos capacetes e se acomodarem à mesa em frente à que me encontro constato que se trata de um homem jovem e uma senhora idosa. Ela permanece ali. Sorri para mim e ele entra no estabelecimento. Retorna com refrigerante gelado para ambos. Trocam algumas palavras, viram-se para mim, como à espera que eu participe da conversa. Faço algum comentário sobre o calor. É o sinal para que a conversa se estabeleça.
O rapaz conta-me que se dirigem par uma localidade próxima, no interior do município, percorrendo uma estrada de terra. Mostra-se otimista com as notícias de jornal que informam ter sido disponibilizada verba pelo governo para asfaltar aquela região. Está na última semana de férias e como não gosta de ficar parado está indo prestar ajuda aos cunhados na colheita do fumo. A sua mulher que não pode tirar férias do trabalho na mesma época permanecera em casa com o filho de 14 anos.
A senhora, pequenina, franzina, de cabelos brancos bem curtinhos, sogra do rapaz, conta-me que também pretende ajudar os filhos em suas tarefas. Fala-me de suas manias, seus gostos e preferências, entre elas a de que deseja permanecer morando sozinha enquanto sua saúde assim o permitir. A cada coisa que fala enfatiza que o genro é sua testemunha.
Até então, falávamos de amenidades, como em uma ante-sala de conhecimento. Quando ela começou a discorrer sobre coisas mais profundas é que fiquei a pensar na sua força interior, na sua tenacidade, gosto pela vida, na enorme capacidade de resiliência, inimaginável para quem se detém só nas aparências. Havia perdido um filho em um acidente de moto anos atrás. Uma perda desta natureza abate qualquer pessoa. Em se tratando de uma mãe, não existe, certamente, dor maior que esta. Difícil aceitação, recuperação e superação Quem permanece vivo, muitas vezes parece moribundo, tentando equilibrar-se entre a dor, a vontade de resistir ou deixar-se abater, procurando sublimar a dor para poder sobreviver. Mas não era só isto não. Só?  Não é possível, pelo menos para mim, referir-se a algo tão intenso de maneira tão desproporcional ao seu impacto emocional. Tinha mais e isto ela contou para meu marido, quando ele veio trocar de lugar comigo: Havia perdido outro filho entre o Natal e o Ano Novo. Fiquei horrorizada ao saber do fato. Dissera ela que a morte é inevitável. Cada um tem sua hora e que nada podemos fazer.

Ao saber disso não pude deixar de lembrar o livro que lia, sobre Inteligência Multifocal de Augusto Cury que diz que só é grande quem consegue desvendar os caminhos internos, o seu eu e desenvolver o gosto e o encanto pela vida, apesar das dores mais profundas.
Vi naquela pequena grande mulher, um pouco do Vendedor de Sonhos do mesmo autor, que oferece vírgulas para cada um continuar sua história, enriquecer sua existência e encantar a todos.
Os pontos são definitivos, egoístas, encerram-se em si mesmo, não partilham histórias, tempo, experiências e encantamento.
Eles me pareceram exímios em colocar vírgulas nas suas vidas, estabelecer pontes por onde passam cortesia, amabilidade, generosidade (ao me ver sem uma bebida, apesar do calor, ao chegarem, ofereceram para dividir a sua comigo), sabedoria e resiliência que é a capacidade de se recompor a cada pressão sofrida.
Suas palavras para mim, antes de partir foram:
-É isto que gosto, que acredito importante: conhecer pessoas, conversar, trocar idéias, experiências. O resto não levamos conosco.