UMA REFLEXÃO SOBRE O CONCEITO DE CRIATIVIDADE E O ENSINO DA ARTE NO AMBIENTE ESCOLAR.
Por Maria Lúcia Wochler Pelaes | 16/04/2009 | EducaçãoMaria Lúcia Wochler Pelaes[1]
RESUMO
O artigo apresenta como é concebido o conceito de criatividade, de forma a configurar uma pedagogia aplicada à arte, desenvolvendo uma breve análise da origem do termo criatividade e seus principais conceitos.
Entre os conceitos apresentados, tem especial relevância a origem da expressão "criatividade" associada à imaginação criadora e a capacidade de fantasiar a realidade, enquanto fontes do processo criador.
O estudo é complementado por diferentes definições acerca da criatividade, tais como as concepções relativas aos processos produtivos relacionados ao pensamento divergente, inferindo que há uma bipolaridade: primeiro entre imaginação e pensamento, depois entre pensamento divergente e convergente, afirmando a relação dicotômica por que perpassam os conceitos.
Palavras-chave: Criatividade, Arte, Educação, Imaginação.
INTRODUÇÃO
O tema "criatividade" tem sido abordado em diferentes áreas,caracterizando a natureza dialética e interdisciplinar do conceito, que se estabelece como um valorcontemporâneo, ajustado aos objetivos mais diversos.
O desenvolvimento da criatividade tem se caracterizado como um dos objetivos educacionais no planejamento dos currículos, gerando diferentes questionamentos sobre a natureza do pensamento criativo e de que maneira ele pode ser estimulado.
Percebe-se que o estímulo à criatividade acontece nas mais diferentes áreas do ensino escolarizado, sendo que, principalmente nas áreas ligadas à criação artística, esse fato se manifesta como uma constante. Tal questão transforma a área de Arte num importante campo para se desenvolver um estudo sobre o tema proposto.
As questões que embasam o presente artigo são: Qual a origem do termo criatividade? Como pode ser definida a criatividade? Qual a relação entre a criatividade e o ensino de arte?
Os objetivos do estudo sobre a criatividade, consistem em: apresentar a origem do termo criatividade; desenvolver uma análise sobre os conceitos de criatividade, verificando a relação entre a criatividade e o ensino de arte.
Este estudo encontra a justificativa quanto a sua relevância considerando a importância do tema para a comunidade acadêmica – educacional, assim como a necessidade de estudos que elucidem as concepções atuais sobre o conceito de criatividade, enfatizando a área de Arte.
O termo criatividade apresenta-se como o objeto do presente estudo, configurando-se como termo-chave na relação natureza/cultura, sensibilidade /inteligência, inato/adquirido. Ligada ao estudo das estruturas e dos modos de conhecimento, a criatividade entra como elemento constitutivo e operativo, manifestando-se, na arte, como atividade criadora, revelando concepções que encontram sua origem em estudos estéticos ligados aos conceitos de belo, gosto e sensibilidade, submetida aos processos da imaginação/invenção, encontrando a sua origemna estética romântica do século XVIII.
1.1ORIGEM DO TERMO CRIATIVIDADE
Os conceitos de criatividade, originalidade e imaginação são conceitos solidários que constituem o núcleo da estética romântica que se formou no século XVIII.
O conceito de criatividade, remontando à Antigüidade, estava também associado à loucura, pela sua natureza de irracionalidade, principalmente relacionado ao gênio na criação artística.
A concepção de que o artista cria em estado de loucura, real ou potencial, permanece ao longo do tempo. Durante o século XIX a ligação entre o gênio ea loucura torna-se foco de estudo da Psicologia, que estabelecia uma estreita associação entre a criação artística e o estado psicótico.
Uma outra concepção que encontra sua origem no pensamento do século XVIII, consiste na de associar a capacidade criativa à imaginação. Esta seria a livre associação de idéias obtida por inspiração e dom, que favorecia os "gênios", indivíduos de mente criativa,capazes de criar numa condição diferenciada dos demais indivíduos.
A palavra imaginação foi empregada inicialmente, no século XVIII, como um termo que compreendia a totalidade dos processos mentais. Porém, em função da influência de valores clássicos, perpetuando oposições tradicionais, principalmente entre juízo e imaginação, o termo imaginação manteve a correspondência com a faculdade formadora de imagens.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (1997,p.41):
"A imaginação criadora permite ao ser humano conceber situações, fatos, idéias e sentimentos que se realizam como imagens internas [...]. É a capacidade de formar imagens que torna possível a evolução do homem e o desenvolvimento da criança; visualizar situações que não existem mas que podem vir a existir abre o acesso a possibilidades que estão alémda experiência imediata."
Segundo Dobránszky (1992,p.88), autora do livro No Tear de Palas, obra que apresenta um estudo introdutório sobre as concepções de gênio e imaginação presentes no século XVIII:
"A imaginação, tal como o século XVIII em geral a concebeu, principalmente sobre as formulações loskianas, é uma faculdade produtora de imagens espetaculares. Por outro lado, [...], essas imagens só produzem prazer quando são intensificadas pela emoção que lhes acrescenta o artista. Esse sentimento deriva, portanto, não apenas da comparação, da semelhança com o objeto descrito, mas da atividade da mente posta em jogo pelas associações de idéias.[...]"
Neste sentido a imaginação é colocada na base da criação artística, como mediadora entre o real e o sonho, a fantasia. Ela permite estabelecer relações entre o mundo dos sentidos e a obra de arte.Este universo imaginário, obedece a "ilusão" que, por sua natureza irracional, se filia a loucura.
A idéia de imaginação concebida inicialmente como uma faculdade produtora de imagens à semelhança do real é questionada a partir doséculo XVIII, estabelecendo-se um novo paradigma: ao da imaginação numa condição oposta a razão. Se a imaginação é uma faculdade errante, filha da espontaneidade e da inspiração, está ligada mais a emoção que a razão, numa perspectiva cartesiana.
Como aponta Vygotsky (1982,p.31-32), a imaginação criadora é motivada pela capacidade de fantasiar a realidade:
"A imaginação criadora é resultante da capacidade de fantasiar situações. O indivíduo irá criar segundo a sua capacidade de imaginar e fantasiar com basenuma série de fatores, entre eles, a experiência acumulada, enquanto um produto de sua época e seu ambiente[2]."
Percebe-se a forte influência que a imaginação e a fantasia exercem sobre a atividade criadora, que irá ser desenvolvida a partir dos conhecimentos construídos individualmente e socialmente, de forma tal que os estímulos do meio ambiente atuam imperativamente sobre a capacidade imaginativa e criativa de cada um.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (1997,p.41):
A emoção é movimento, a imaginação dá forma e densidade à experiência de perceber, sentir e pensar, criando imagens internas que se combinam para representar essa experiência. A faculdade imaginativa está na raiz de qualquer processo de conhecimento, seja científico, artístico ou técnico.
A imaginação criadora é a fonte originária da criatividade e se dá segundo fatores internos e externos ao indivíduo. A criatividade é entendida enquanto campo interdisciplinar e que sugere a existência de novos fenômenos, através da capacidade de investigar possibilidades e não apenas reproduzir relações conhecidas.
1.2 CRIATIVIDADE E SEUS PRINCIPAIS CONCEITOS
Criar então, seria o ato de estabelecer uma nova existência, comprometida com a originalidade do fenômeno. E criador torna-se o ser capaz de gerar o novo, o autor, que produz a forma, institui, inventa, faz nascer o novo.
É desses conceitos que provém o "mito da criação" como algo sobrenatural, que foge a expectativa cotidiana da repetição.
"Criatividade", "criador", "criativo", "criar", tratam-se de palavras que traduzem um discurso freqüente, quando se fala em educação através de arte, porém o fazem dentro de uma premissa tão genérica, que é difícil isolar e definir o conceito.
A questão do estímulo à criatividade e de como esse conceito é visualizado, estabelece uma problemática que vai além de pressupostos pedagógicos, gerando questionamentos que indagam a natureza da própria concepção de criatividade, como condição inerente de uma vocação ou uma habilidade, que depende de características que são discriminadas como inatas ou como adquiridas, gerando a concepção de um conceito que reflete a dicotomia estabelecida na sua própria origem.
No ensino de Arte, o termo criatividade foi utilizado inadequadamente, se distanciando também da idéia inicial, a da "livre expressão", passando a ser utilizado para qualificar qualquer tipo de trabalho, mesmo que este nada tivesse a ver com a idéia que se tinha de criatividade.
Conforme Saunders (1984,p.19):
"Por conseguinte, criar livremente não significa poder fazer tudo e qualquer coisa a qualquer momento, em quaisquer circunstâncias e de qualquer maneira. Vemos o ser livre como uma condição estruturada e altamente seletiva, como condição sempre vinculada a uma intencionalidade presente, embora talvez inconsciente, e a valores a um tempo individuais e sociais. Ao se criar, defini-se algo até então desconhecido. Interligam-se aspectos múltiplos e talvez divergentes entre si que a uma nova síntese se integram".
É possível inferir, que a criatividade, segundo a observação de Saunders (1984), se consolida através de um processo de múltiplas conexões, que difere do sentido do termo criatividade, o qual foi levado a extremos, buscando-se aderir ao espontaneismo e a total liberdade de criação.
Conforme Barbosa (1998), a idéia de "livre expressão" foi interpretada, na ação pedagógica, sugerindo a atividade livre e a criação espontânea como uma reação aos modelos rígidos do ensino de arte do final do século XIX e início do século XX. Nesse sentido, qualquer atividade mais "tradicional", por exemplo, utilizando modelos, repercutia como atitude descontextualizada dos novos moldes educacionais influenciados pelo movimento do escolanovismo.
Desde o começo do século e, principalmente, a partir da década de 50, muitos estudiosos têm-se dedicado ao problema da criatividade humana, observando-a de diferentes pontos de vista, como, por exemplo, o que a relaciona com a personalidade ou a abordagem cognitiva ou, ainda, o que vê criatividade como solução de problemas.
Associados à livre expressão, foram formulados os primeiros conceitos que permearam o ensino de arte, a partir da interpretação de autores como Herbert Read e principalmente Viktor Lowenfeld, os principais responsáveis pelas idéias mais significativas que fundamentaram os primeiros programas que visavam o processo de criação artística dos alunos, em detrimento ao produto final dos trabalhos realizados, principalmente, através da Educação Artística.
Herbert Read apresenta, em seus estudos sobre a educação através da arte, concepções sobre o pensamento criativo e a imaginação infantil. É uma constante em seus estudos, a defesa da idéia de espontaneidade e livre-expressão na atividade artística infantil, como é possível verificar na citação a seguir.
Segundo Read (1986,p.29):
"[...] precisamos tomar muito cuidado para não atribuir valor terapêutico demasiado a essas formas de expressão livre que desejamos incentivar como parte de nossos métodos educacionais.[...] À parte qualquer outro aspecto da questão, os desenhos de uma criança, produzidos como uma atividade espontânea, são evidências diretas de sua disposição fisiológica e psicológica [...]"
Entre as concepções que Read apresenta, duas merecem um destaque especial: a que se refere ao significado da imaginação na formulação do pensamento, através das percepções do mundo externo e, uma outra concepção, a que se refere ao estudo do pensamento criativo associado ao pensamento científico, como pode ser verificado na citação a seguir.
Conforme Read (1986,p.27):
"Quando passamos a investigar a natureza do pensamento científico quanto a ser este uma atividade inventiva ou criativa, [...] descobrimos que ele também se liga as imagens".
O pensamento imaginativo, para Read, compõe a base dos processos de pensamento, não ocupando um lugar oposto ao da racionalidade. Segundo a teoria da Gestalt, como afirma Read, a percepção capta, através dos sentidos, as imagens e sensações, que promovem o pensamento e a imaginação. Tal qual a auto-expressão, que provoca o "auto-desenvolvimento", através do estímulo às atividades criativas, na criança.
Conforme Read (1986,p.29) referindo-se às atividades criativas:
"Sabemos que uma criança absorvida num desenho ou em outra atividade criativa qualquer é uma criança feliz. Sabemos, pela simples experiência diária, que auto-expressão é auto-desenvolvimento. Por essa razão é nosso deverreivindicar uma grande parcela do tempo da criança para as atividades artísticas[...]".
Um outro conceito sobre a criatividade, famoso por ser bastante difundido, caracterizou-se por associar o objetivo da arte, na escola, com o desenvolvimento da potencialidade criativa da criança, excluindo das demais "matérias" a responsabilidade pelo ato criativo intencional.
Segundo Lowenfeld (1970,p.61), um dos estudiosos que contribuíram para a difusão da idéia da criatividade, no contexto da Arte-Educação:
"A arte e capacidade criadora sempre estiveram intimamente ligadas. Durante anos, o programa artístico nas escolas públicas, tem sido o baluarte da criatividade e, com freqüência, as experiências de arte e a atividade criadora significam a mesma coisa. Entretanto, com o interesse crescente na criatividade e o grande número de pesquisas, nessa área, tornou-se muito claro que é possível ter um programa artístico nas escolas, o qual não seja, automaticamente de natureza criadora. A criatividade está se tornando uma preocupação vital para muitas pessoas: precisamos compreender o processo que envolve a evolução da capacidade do pensamento criador das crianças".
Com efeito, o termo "criatividade" passou a ser difundido no sistema escolar, principalmente associado à produção artística, contudo não devemos dissociar a capacidade criadora da evolução do pensamento criador do indivíduo, enquanto agente social, que produz experiências criativas no universo concreto das diferentes áreas do conhecimento.
Dentro do universo do conhecimento, o conceito de criatividade caracteriza a expressão de um processo cognitivo, que transforma a realidade e produz o "novo", rompendo com as barreiras do conhecido, estabelecendo novas relações.
Para Lowenfeld (1970,p.62):
"A definição de criatividade depende de quem a exponha. Com freqüência, os pesquisadores são algo limitados em suas explanações, enunciando que a criatividade significa flexibilidade do raciocínio ou fluência de idéias; ou também pode ser a capacidade de transmitir novas idéias ou de ver as coisas em novas relações; em alguns casos a criatividade é definida como a capacidade de pensarde forma diferente das outras pessoas".
As definições encontradas, segundo a citação anterior, refletem a constante associação do conceito de criatividade com a capacidade de inovação, que, na verdade, são um tanto redutoras, refletindo apenas parte do que consiste o processo criador, o qual envolve um desenvolvimento mais elaborado dos processos do pensamento.
Segundo os estudos realizados por Novaes (1977,p.18-29), propondo uma análise sobre algumas das concepçõesmais significativas para a definição do conceito sobre criatividade, a autora apresenta os seguintes conceitos (1977,p.18):
"Torrance registra: Criatividade é um processo que torna alguém sensível aos problemas, deficiências, hiatos ou lacunas nos conhecimentos, e o leva a identificar dificuldades, procurar soluções, fazer especulações ou formular hipóteses, testar e retestar essas hipóteses, possivelmente modificando-as, e a comunicar os resultados".
Segundo Novaes, Torrance propõe o conceito de criatividade associado à solução de problemas, a partir do levantamento de hipóteses e de sua investigação, o que caracteriza o processo criativo que tem função cognitiva e que está intimamente ligado ao pensamento reflexivo.
Ainda sobre as concepções de Torrance sobre criatividade, cabe salientar que o mesmo fundamentou seus estudos através de medidas , testes e avaliações sobre o potencial criativo, analisando testesde QI[3], estabelecendo algumas diferenças entre a capacidade criativa e o nível de inteligência de algumas crianças.
Conforme Torrance (1976,p.22):
"Nós diferenciamos as crianças altamente criativas (identificadas por nossos testes de pensamento criativo) das altamente inteligentes (identificadas pelo Stanford-Binet, um teste aplicado individualmente). O grupo altamente criativo classificou-se nos 20 por cento superiores quanto a pensamento criativo, mas não quanto a inteligência. O grupo altamente inteligente classificou-se nos 20 por cento superiores quanto a inteligência, mas não quanto a criatividade".
Analisando os estudos de Torrance, pode-se crer que as "competências" exigidas pela criatividade não são as mesmas ou da mesma maneira que as exigidas pela inteligência, no sentido do padrão de pensamento racional e formal.
A criatividade parece habitar o cenário do imaginativo, da busca de alternativas não convencionais, enquanto a inteligência formal habita o cenário das inferências prontas ou previstas. É a constatação da relação dicotômica entre o que é da razão e o que é da sensibilidade. Entre razão e imaginação.
Sobre outras definições relacionadas ao conceito de criatividade, entre os estudiosos que Novaes comenta, encontra-se Guilford. Para Novaes (1977,p.19):
"Guilford afirma, simplesmente, que criatividade, num sentido restrito, diz respeito às habilidades, que são características dos indivíduos criadores, como fluência, flexibilidade, originalidade e pensamento divergente, relacionando o processo aos fatores e variáveis isoladas e avaliadas".
As habilidades a que Guilford se refere, caracterizam atributos especiais "que são características dos indivíduos criadores". Tal concepção gera uma constante no discurso sobre criatividade: a de que a mesma, assim como é compreendida, é um atributo especial de alguns indivíduos que apresentem determinada aptidão. Numa relação dicotômica, encontramos sua definição calcada na idéia que a criatividade é uma característica do pensamento e imaginação humana, porém existe a noção de diferenciação que supõe graus ou níveis de criatividade, subentendendo maior ou menor aptidão para algo proposto inicialmente como inato.
Segundo Novaes (1977,p.19-20):
"Carl Rogers define a criatividade como a emergência de um produto relacional novo, resultante, por um lado, da unicidade do indivíduo e, por outro, dos materiais dos eventos de outros indivíduos e das circunstâncias da sua vida".
Na perspectiva de Rogers, uma pessoa é criativa dentro da sua individualidade e na relação com outros indivíduos e circunstâncias de vida. Com essa proposta há a inclusão do contexto, como participante do processo criador, migrando a concepção do ambiente anteriormente citado, o universo inatista das aptidões, para um processo criador que é influenciado pelas correlações estabelecidas com o meio, em que o indivíduo, potencialmente criativo está inserido.
Segundo Novaes (1977,p.24), Rogers proporcionou uma grande contribuição para o campo da criatividade:
"[...] reforçando a tese da auto-realização, motivada pela premência do indivíduo de se realizar, de exprimir [...]. Assim, para Rogers, uma pessoa é criativana medida em que realiza suas potencialidades como ser humano".
George Kneller (1973), importante estudioso da criatividade que, como Novaes, fundamentou seus estudos em pesquisadores da Psicologia, afirma que Rogers apresenta duas possibilidades de conceituação para a criatividade. Uma delas se refere a um certo tipo de comportamento, caracterizado pela intuição e pela espontaneidade. A segunda, pela auto-realização, sendo, neste sentido, criativa a pessoa que realiza suas potencialidades como ser humano.
Conforme Kneller, sobre o conceito de criatividade para Rogers, (1973,p.51):
"Criatividade, declara Rogers, é auto-realização, motivada pela premência do indivíduo em realizar-se.[...]A criatividade, diz Rogers, tem certas condições interiores. Uma delas é, repetimos, 'a abertura a experiência' ou a capacidade de responder a coisas, tais como são elas, em vez de o fazer mediante as categorias convencionais. Isso implica flexibilidadenas crenças da pessoa e em suas percepções, bem como tolerância em face da ambigüidade, sem forçar interpretações".
A questão da flexibilidade como característica do comportamento criativo relaciona-se, como pode ser verificado, aos estudos tanto de Guilford como de Rogers. Além da flexibilidade, outras características são comumente empregadas para identificar o comportamento criativo, tais como a fluência, a elaboração e a originalidade.
Esta introdução à estrutura da capacidade do pensamento e como ele é dividido, caracteriza uma análise da criatividade voltada para o estudo da inteligência humana, onde a categoria das capacidades produtivas seria a responsável pelo pensamento convergente e divergente.
1.3PENSAMENTO CONVERGENTE E DIVERGENTE
Segundo Kneller (1973,p.53), Guilford apresenta uma teoria da psicologia da criatividade que se difere das demais, pois divide as capacidades do pensamento em categorias que formam duas classes fundamentais: a capacidade da memória e a capacidade do pensamento. Esta última se subdivide em três categorias de capacidades cognitivas, dentre elas a capacidade produtiva, a qual seria responsável pelo pensamento convergente e pelo divergente.
Segundo Guilford (Apud KNELLER, 1973,p. 53):
"[…] as capacidades produtivas são de duas espécies, convergentes e divergentes. A primeira é acionada pelo pensamento que se move empós de uma resposta determinada ou convencional. A segunda, pelo pensamento que se move em várias direções em busca de uma dada resposta. Podemos concluir, pois, queo pensamento convergente ocorre onde se oferece o problema, onde há um método padrão para resolvê-lo, conhecido do pensador, e onde se pode garantir uma solução dentro de um número finito de passos. O pensamento divergente tende a ocorrer onde o problema ainda está por descobrir e onde não existe ainda meio assentado de resolvê-lo. O pensamento convergente implica uma única solução correta, ao passo queo divergente pode produzir uma gama de soluções apropriadas".
Tal questão baseia-se nos estudos de Guilford, apresentados na citação acima, aprofundando-se nas capacidades produtivas, categorizadas em dois tipos de pensamento, o convergente e o divergente.
O pensamento convergente é apresentado como aquele utilizado quando "implica uma única solução correta" para o problema e o pensamento divergente, como aquele capaz de produzir "uma gama de soluções apropriadas". O pensamento divergente seria responsável pelas soluções, "onde o problema está por ser descoberto e onde, ainda, não existe meio conhecido de resolvê-lo". Tal pensamento estaria associado ao levantamento de hipóteses, buscando mais de uma solução para os problemas, isto é, "quantas soluções diferentes podemos imaginar para o problema".
Uma pessoa criativa tem sempresensibilidade para captar problemas, isto é, habilidade para identificar problemas em potencial antes que eles se concretizem.
A idéia da sensibilidade como meio para a criatividade e a proposta do pensamento divergente como categoria responsável pelo pensamento criativo, permite perceber que o pensamento criadorhabita a esfera dos processos mentais relacionados ao novo, a descoberta, colocando o conceito numa condição oposta à racionalidade, a razão e ao pré-estabelecido.
Numa posição de discussão sobre a polarização em torno da noção de razão e sensibilidade, no que se refere à natureza da capacidade criativa, Bronowski (1983,p.34) pondera:
"Muitas pessoas pensam que o raciocínio, e, por conseguinte, a ciência é uma atividade diferente da imaginação. Mas trata-se de uma falácia e temos de a afastar do espírito. A criança que, cerca de dez anos, descobre que pode construir imagens e manobrá-las em sua mente transpôs o limiartanto da imaginação como do raciocínio. O raciocínio,tal como a poesia, constrói-se com imagens móveis. [...] Não existe qualquer diferença entre o emprego de palavras como 'beleza' e 'verdade' no poema, e de símbolos como 'energia' e 'massa' na equação. Fazemos muito mal às crianças quando, no ensino, as habituamos a separarem o raciocínio da imaginação, apenas por conveniência do currículo escolar, porque a imaginação não se reduza explosões esporádicas de fantasia. A imaginação é a manipulação no espírito de coisas ausentes, utilizando em seu lugar imagens,palavras ou outros símbolos".
A partir das concepções apresentadas, referindo-se a criatividade, nas quais existe a predominância de idéias que relacionam a capacidade criativa a uma aptidão em especial ou que estabelecem uma bipolaridade entre criatividade e pensamento/inteligência, concluí-se que o ato criador é mais do que uma busca pela inovação associada à genialidade, podendo ser concebido como inerente à condição humana, consistindo numa capacidade que está subjacente a qualquer setor da atividade humana. Portanto, dentro do universo escolar, o ensino criativo não deve ser responsabilidade exclusiva da Educação Artística, ou nos termos atuais, do ensino de Arte.
Podemos afirmar, então, que na escola o ensino criativo não deve ser responsabilidade somente da Educação Artística. Todos os componentes curriculares devem ter esta preocupação. Em outras palavras, a criatividade deve ser preocupação geral da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve por objetivo analisar os conceitos sobre a criatividade. Verificou-se que os conceitos sobre a "criatividade" estabelecem diferentes concepções, configurando a sua natureza interdisciplinar. Para tanto, o conceito de criatividade apresenta diferentes definições que são seus constitutivos, como o conceito de aptidão e de habilidade.
Constatou-se também que a concepção de criatividade se estabelece numa bipolaridade: primeiro entre imaginação e pensamento, depois entre pensamento divergente e convergente, afirmando a relação dicotômica por que perpassa o conceito, dispondo, em posições transitoriamente opostas, os processos de criação e os processos da inteligência, enquanto pensamento lógico formal.
Os diferentes conceitos analisados refletem as concepções presentes, relativos ao papel da educação através da arte e do desenvolvimento da criatividade como um dos objetivos do ensino de arte.
É possível concluir que criar e ser criativo depende do desenvolvimento e do estímulo, de maneira a possibilitar a estruturação de um conhecimento que habilite a produzir sua própria representação artística, nas mais diferentes linguagens.
A educação através da arte constitui um importante meio para o desenvolvimento da criatividade e do cultivo do conhecimento estético, através do conhecimento da produção artística consagrada e da elaboração de uma expressão estética pessoal.
ReferênciasBibliográficas
BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Arte-educação no Brasil: das origens ao modernismo. São Paulo: Perspectiva: Secretaria da Cultura, Ciências e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1998.
BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Vol. 6 (1ª a 4ª série). Brasília: MEC/SEF, 1997. 130 p.
BRONOWSKI, Jacob. Arte e conhecimento: ver, imaginar, criar. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
DOBRÁNSZKY, Enid Abreu. No tear de palas. Imaginação e gênio no século XVIII: uma introdução. Campinas, SP: Papirus, 1992.
KNELLER, George F. Arte e ciência da criatividade. São Paulo: IBRASA, 1973.
LOWENFELD, Viktor. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
NOVAES, Maria Helena. Psicologia da criatividade. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1977.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 3. ed. e 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1983 e 1986.
READ, Herbert. A redenção do robô: meu encontro com a educação através da arte. São Paulo: Summus, 1986.
SAUNDERS, Robert. A educação criadora nas artes. São Paulo: AR'TE, 1984. V.3, n. 10, p.18-23.
TORRANCE, Ellis Paul. Criatividade: medidas, testes e avaliações. São Paulo: IBRASA, 1976.
VYGOTSKY, L.S. Imaginación y el arte en la infancia. Madri: Hispanicas, 1982.
[1]Este artigo é obra científica resultante de pesquisa realizada pela autora durante o curso de Mestrado em Educação.A autora é docente do ensino superior, cursos de graduação e pós-graduação, Mestre em Educação pela USF, Licenciada em Pedagogia e Licenciada em Artes Plásticas pela FAAP.
[2] Tradução feita pela a autora deste estudo.
[3] Sobre os testes de QI, Maria Helena Pato apresenta estudos que abordam a questão sob o ponto de vista da função e apropriação questionável de tais testes, que refletem análises bastante parciais, colocadas como padrões de referência generalizantes, os quais definem a "inteligência" segundo estatísticas.