UM VINHO ARTESANAL

Um sommellerie torce o nariz quando ouve alguém falar em um bom vinho caseiro. Dizem que são vinhos não amadurecidos, sem personalidade, sem aromas e de sabor sofrível.  Eu tive minha experiência com um vinho tipicamente artesanal, fabricado na velha Mooca, reduto da colônia italiana. Por sugestão de minha mulher, fomos visitar um tio-avô dela,  originário de Vêneto, que fabricava seu próprio vinho nos fundos de um velho sobrado.

A visita coincidiu com o esmagamento das uvas que ele trazia do interior. Sobre uma tina larga, ele pisava as uvas cantando a Tarantela. Muito simpático ele pediu que tirássemos os sapatos e entrássemos na dança, mas não topamos a parada por motivos óbvios, mas ficamos observando o ritual milenar trazido da velha Itália, pelos imigrantes.  

Infelizmente, São Paulo não deu boas uvas viníferas, talvez por causa do clima subtropical, às vezes muito úmido ou muito quente. Outros explicam que as terras paulistas não se prestam a bons vinhos, como as do Rio Grande do Sul. As primeiras experiências dos imigrantes italianos foram na região de São Roque, mas com o tempo a produção foi abandonada, pois não se conseguiu vinhos de qualidade.  E era de lá que o  Luigi  Matarelli trazia as suas uvas para fazer o seu próprio vinho. Mas com o desenvolvimento de novas técnicas de plantio muitos mitos foram abandonados. Hoje, em regiões como no Nordeste são produzidos vinhos interessantes. Provei um Riesling produzido no Vale do São Francisco que não faz vergonha diante dos tradicionais alemães.

O simpático tio nos ofereceu uma garrafa de sua produção do ano anterior, que ele cuidadosamente desenterrou do quintal. Devo confessar que fiquei ansioso para provar do vinho, que ele disse se tratar de uma iguaria. “Não é como essas porcarias que vendem por ai”, explicou com o seu sotaque tipicamente italiano. Naquela época entendia muito pouco da bebida de Baco, mas já havia feito um cursinho rápido de degustação e provado um ou outro vinho de boa origem. Não me refiro, é óbvio, ao Capelinha ou ao Sangue de Boi, bebidas que deixavam como lembrança, inesquecíveis enxaquecas no dia seguinte.

Mas voltando ao vinho do vecchio Matarelli, devo confessar, muito confidencialmente, que era sofrível. Nunca entendi como ele conseguia tomar aquela bebida. Ainda bem que ele já não pertence ao mundo dos vivos, pois caso contrário poderia me chamar de “mal agradecido”, que não merecia a garrafa de vinho e tampouco se casar com sua sobrinha. Arrivederci Baco.