Por Que a Economia Era Ligada à Riqueza de Um País? De Que Forma Adam Smith Proclamou um Novo Começo Para as Economias Nacionais? Como John M. Keynes Discordava de Adam Smith?

 

 

 

Para os Gregos, “economia” significava governar uma casa ou uma cidade-estado e o manual medieval “A Política” de Aristóteles explicava que “a quantidade de bens domésticos que bastam para a vida boa não é ilimitada”. “Há um limite fixo para as necessidades de uma casa ou de um estado – e o nome dessa quantidade fixa era riqueza”.

 

Essa visão de bem-estar econômico trouxe consigo dogmas limitativos, pois o “preço justo” era fixado não pelo que o tráfico suportaria, mas pelo que o vendedor devia pedir. A “usura” (juro cobrado) era olhada de cenho franzido, visto que o dinheiro se considerar, por natureza, estéril. Na verdade, existia uma antipatia moral generalizada pela acumulação ilimitada de riqueza. Mas não havia economia no sentido moderno – nenhuma “ciência” de preços, de ofertas e procura, de rendimento ou de comércio internacional.

 

As obras de filosofia que diziam às pessoas como deviam comportar-se no mercado debatiam e recomendavam questões como os limites estreitos do “preço justo”. Esses modos de pensar regiam a Europa ocidental na idade dos descobrimentos. Ao mesmo tempo, o ouro e a prata pareciam ser a melhor medida universal de riqueza e tornaram-se engodos para arrojados navegadores.

 

As reservas de ouro e prata do Novo Mundo se revelaram limitadas, mas não a cobiça espanhola. Os metais preciosos que fluíram para a Europa ajudaram a desencadear uma inflação que os historiadores chamam “a revolução dos preços” e, no ano de 1600, os preços eram quatro vezes superiores ao que tinham sido cem anos antes. A inflação que alastrou pela Europa desestabilizou a economia da Espanha e acelerou o declínio do Império Espanhol.

 

Isso foi a alvorada do moderno Estado nacional. A rainha Isabel derrotou a Armada Espanhola em 1558 e mandou seus piratas se apoderarem da riqueza espanhola e as nações que viriam a dominar a história moderna estruturaram sua política em torno das ideias que confinaram o pensamento econômico desde o princípio da história: _ toda riqueza era limitada; o lucro de uma nação era prejuízo de outra; uma fatia maior para uma nação deixava fatias menores para outras. Essas presunções dominavam a Europa do século XV até o final do século XVIII e, com exércitos e armadas potentes, uma nação podia procurar se apoderar de um quinhão cada vez maior da riqueza mundial.

 

Enquanto as nações modernas da Europa se expandiam procurando colônias em pontos distantes, elas mantinham a sua visão estreita, numa procura míope de riqueza. Entretanto, quase não vislumbravam os maravilhosos benefícios de expandirem novas comunidades na América, Ásia, África e Oceania. Em 1760, após Wolfe tomar Quebec e todo Canadá ficar sob o controle inglês, Londres debateu os termos a impor aos Franceses.

 

As imensas extensões não colonizadas do Canadá pareciam inúteis comparadas com as ilhas de Guadalupe – ricas em açúcar – cujas reservas podiam ser exportadas para o Mundo a fim de melhorar a balança comercial britânica. Em 1760 Benjamim Franklin argumentou que – em longo prazo – o Canadá seria incomparavelmente mais valioso. A crescente população aumentaria o mercado para os produtos britânicos, fortaleceria a Marinha britânica com a procura de navios e acresceria a força e o bem-estar britânicos. Os Ingleses viriam a perder treze colônias americanas.

 

Por feliz coincidência, o ano da Declaração da Independência americana, em 1776 foi o da publicação do livro “A Riqueza das Nações” que, à sua maneira, também foi uma proclamação de emancipação. Assim como o documento de Jefferson proclamou um novo começo para a política, assim Adam Smith proclamou um novo começo, uma visão mais ampla, para as economias nacionais. Muitas ideias de Adam Smith – tal como as de Jefferson – tinham aparecido nos escritos de outros, durante o último século.

 

Com uma extraordinária previsão, Adam Smith propôs um esquema de união federal. Os colonos americanos deveriam ter representantes no Parlamento, “em proporção com o produto da tributação americana” e, tampouco, os Americanos teriam de recear que a sede do Governo continuasse do outro lado do Atlântico. “Tão rápido tem sido até agora o progresso daquele país em riqueza, população e melhoramento, que no curso de um século o produto da tributação americana possa exceder o da britânica. A sede do império deveria então transferir-se, naturalmente, para a parte dele que contribuísse mais para a defesa geral e o apoio do todo”.

 

À Adam Smith é concedido um lugar no panteão dos pensadores econômicos como o defensor daquilo a que ele chamava de “liberdade perfeita”; ou seja, uma economia livremente competitiva. Ele viu o bem-estar econômico não como a posse de riquezas, mas como um processo. Assim como Copérnico e Galileu ajudaram o homem a erguer-se acima do fato baseado no senso comum de que o Sol circulava a Terra, Adam Smith ajudou a sua geração a erguer-se acima da proposição de que a riqueza de uma nação consistia no seu ouro e prata. E como Copérnico e Galileu, Adam Smith viu o Mundo todo e toda a sociedade em movimento constante.

 

Adam Smith tornou-se o 1º guia moderno das políticas econômicas de estadistas e homens de negócios do planeta. Nascido em 1723, foi filho único de um casal abastado e, seu pai, um cobrador aduaneiro, morreu meses antes de ele nascer e Adam Smith ficou junto da mãe durante toda a vida desta. Numa das maiores escolas da Escócia, teve quatro anos de estudo dos clássicos e em 1737 entrou para a Glasgow College, onde aperfeiçoou o latim e o grego.

 

A Universidade de Oxford – onde Adam Smith entrou como bolsista em 1740 – estava impregnada de preconceito, pois muitos professores generosamente pagos, recebiam seus honorários de um fundo independente do êxito e da sua reputação nas respectivas profissões. Ele dizia que a maior parte dos professores abandonou a simulação de ensinar. Mas, deram-lhe uma lição que jamais esquecera: _ a sorte de qualquer instituição não dependia da boa vontade dos seus clientes.

 

No entanto, ele teve tempo para refletir e abandonou seu interesse pela matemática, a fim de voltar aos clássicos gregos e latinos que dominavam sua biblioteca. Em 1750 deu um curso sobre economia, matéria ainda nunca ouvida nos salões de Oxford e, o êxito dessas lições, valeu-lhe uma cátedra na Universidade de Glasgow, primeiro como professor de Lógica e depois como professor de Ética.

 

Depois da união com a Inglaterra em 1707, Glasgow aproveitou do comércio com

a América e fundou um Clube de Economia Política, quando Adam Smith chegou como professor. Os homens de negócios de Glasgow – localmente conhecidos como “lordes do tabaco” – tinham prosperado graças ao levantamento das restrições do seu comércio com as colônias e agitavam-se agora contra os direitos de importação sobre o ferro americano que abastecia a siderúrgica de Glasgow.

 

Adam Smith juntou-se aos membros do seu clube “para investigarem a natureza do comércio em todos os seus ramos e para comunicarem conhecimento sobre o assunto uns aos outros”. A primeira obre de Adam Smith já revelava a sua queda para a explicação simples de complexos problemas, descrevendo o sentimento moral com uma simples figura de expressão, como um “homem interior”, um espectador imparcial existente dentro de cada um de nós e que julga tudo quanto fazemos do ponto de vista das outras pessoas.

 

O médico de Luís XV – o brilhante François Quesnay – atraiu Adam Smith para a sua versão francesa de um clube de economia política. Aos 60 anos, Quesnay começou a escrever a respeito de economia, assunto que o tornaria o sábio de soberano. O livro de Quesnay, que pretendia realizar para as forças sociais o que Newton realizara para as forças físicas, inventou todo o vocabulário para a nova ciência. Ele criou o conceito de classes econômicas, cada uma com o seu fluxo de produtos e receitas, propôs a ideia do equilíbrio econômico e semeou ideias a respeito de capital, poupança e investimentos.

 

Os discípulos de Quesnay se tornaram famosos como fisiocratas e ofereceram o 1º padrão moderno da economia. As suas ideias eram muito simples; ou seja, uma lei similar à que governava o mundo físico governava o crescimento e o fluxo da riqueza. A riqueza de uma sociedade não consistia na sua reserva de ouro e prata e sim no seu fundo total de mercadorias, e a melhor maneira de aumentar esse fundo era permitir o fluxo livre de produtos no mercado, sem monopólios nem restrições tarifárias. Esses economistas estavam apavorados com a pobreza dos campesinos franceses, em profundo contraste com o luxo dos nobres, dos cobradores de rendas e de outros monopolistas. Se Luís XV o tivesse escutado, talvez tivesse poupado muito sofrimento à França e salvado o próprio neto da guilhotina.

 

Engraçadinhos de salão troçavam dos cálculos dos fisiocratas, mas Adam Smith se sentia à vontade com eles. Ele próprio era um livre-pensador econômico que pregava muitos dos mesmos conceitos em Glasgow e já começara a escrever seu manual sobre liberdade econômica durante as horas ociosas em Toulouse. Nada atraído pelos encantos dos salões, das casas de diversões e da agitada companhia que rodeava Quesnay em Versalhes, Adam Smith ansiava por voltar para velhos amigos da Escócia.

 

Demorou-se pouco tempo em Londres e foi viver com a mãe no retiro familiar da sua cidade natal, lá passando os seis anos seguintes a escrever “A Riqueza das Nações”. Na Primavera de 1773, foi a Londres com o que julgava seu um manuscrito quase completo. Mas verificou-se que o estava menos do que imaginava, pois os 3 anos seguintes proporcionaram-lhe uma enxurrada de fatos e ideias novas.

 

A grande questão do momento era a rebelião americana e isso foi providencial para Adam Smith, o qual estava convencido de que a América era uma espécie de laboratório para a natureza e causas da riqueza das nações. A rebelião americana dramatizou a causa que Adam Smith defendera durante treze anos em Glasgow, entre negociantes que comercializavam com a América e os plantadores que tinham regressado. Para “A Riqueza das Nações” as colônias americanas – o seu povoamento, sua luta e suas promessas – foram uma fonte de intermináveis exemplos. O Novo Mundo oferecia uma oportunidade única de pôr à prova as virtudes da liberdade econômica.

 

Fruto de 12 anos de escrita, “A Riqueza das Nações” foi finalmente publicada em março de 1776. Os críticos quase não deram por ele, mas os amigos de Adam Smith elogiaram-no em particular e sem restrições. Quando um crítico invejoso arengou que o livro não podia se4r bom porque Smith nunca estivera “nos negócios”, o Dr. Johnson replicou que “não há nada que mais se exija ser exemplificado pela filosofia do que o negócio, pois um homem de negócios raramente pensa noutra coisa além do seu próprio negócio. Para escrever um livro a esse respeito, um homem tem que ter vistas largas”.

 

Essa ciência moderna floresceu, abrindo-se caminhos a partir de todas as outras ciências para uma ciência de riqueza e bem-estar econômico. Mas, como seria de se prever, a perspectiva de Adam Smith para explorar a riqueza das nações se tornou um guia da ortodoxia. Sua descrição do corpo econômico tinha muita da atração que Galeno exerceu em séculos anteriores ao descrever o corpo humano. Intérpretes brilhantes (como David Ricardo, por exemplo) adornaram as ideias de Smith e ofereceram-nas como verdades estabelecidas.

 

A economia clássica proporcionou uma estrutura e um vocabulário até mesmo aos críticos da sociedade que ela pretendia descrever. O próprio Karl Marx – que era simultaneamente “muito mais (e muito menos) do que um economista” – é firmemente classificado pelos historiadores de economias na tradição clássica. E, durante o apogeu da economia clássica, muitos dos principais escritores não eram economistas profissionais em tempo inteiro, mas eram homens de negócios (como David Ricardo ou Engels), funcionário público (como J. S. Mill) ou jornalista como o próprio Karl Marx.

 

A palavra correspondente a “economia” (em lugar de “economia política”) para descrever a matéria de uma nova profissão só entrou na língua inglesa no século XIX e as primeiras associações profissionais a aparecer foram a Associação dos Economistas Americanos (1885) e a British Economic Association (1890). Em meados do século XX a economia clássica passou a descrever uma doutrina econômica do passado. Pois também houve uma revolução econômica e o principal responsável foi um dos mais extraordinários fenômenos intelectuais dos tempos modernos e, proporcionalmente, um dos menos famosos: _ John Maynard Keynes era filho de um professor de Ética e Economia, administrador da Universidade de Cambridge que dificilmente poderia ter os antecedentes sociais de um revolucionário.

 

No exame de acesso ao funcionalismo público, Keynes ficou em 2º lugar no país e, após dois anos no Índia Office, regressou a Cambridge, onde foi admitido como membro do King’s College. Seus gostos liberais no tocante a arte e ideias agitaram a mexeriques de Cambridge, especialmente quando ele se casou com a bailarina que dançava “cancan”. Seu casamento foi longo e feliz. Assim como o cenário colonial da idade da Revolução Americana despertou Adam Smith para uma nova era de pensamento sobre a riqueza das nações, também o trágico cenário europeu após a Guerra despertou as reflexões de Keynes.

 

Ele escreveu as suas “Economic Consequences of the Peace” que o tornaram famoso em toda Europa e América. Os leitores ficaram encantados com as suas inesquecíveis caricaturas. O ímpeto da sua eloquência visava demonstrar que a economia de toda Europa – e do Mundo – era uma e inseparável. O legado de um tratado de Versalhes vingativo seria uma epidemia de tumultos, revoluções e ditaduras.

 

As amargas previsões de Keynes não tardariam a cumprir-se. Entretanto, ele regressou a Cambridge, onde durante algum tempo continuou a ser o discípulo brilhante de Alfred Marshall. Mas sua grande força era seu sentido de história, sua capacidade profética “de ver o mundo com olhos novos”. E, qual o capitão Cook do mundo da economia, Keynes também experimentou o fervor da descoberta negativa. Enquanto Adam Smith se concentrava na “riqueza” e nas suas causas no “mercado”, ganhou forma todo um novo fenômeno social, um fenômeno mais negativo no mundo dos teóricos orientados para a riqueza. O seu nome era “desemprego”, o qual se tornou o centro do interesse de Keynes.

 

A Grande Depressão – assinalada pela estrondosa derrota de Herbert Hoover e a eleição do bem-humorado Franklin D. Roosevelt – teve início na década de 1930 e foi um fenômeno mundial. Em 1932, só nos EUA, havia mais de 10 milhões de desempregados e, aos olhos de Keynes, a Depressão foi caracterizada menos pelo mal antigo da pobreza do que por esse mal moderno, o desemprego. Em 1936, Keynes elaborou uma teoria para a sua nova perspectiva.

 

Considerando seu temperamento humanista, é extraordinário que tenha escrito um livro ininteligível para o grande público. O livro de Adam Smith foi escrito para o leitor literato, pois a profissão de economista ainda não existia. Por contraste, a “Teoria do Emprego e do Juro” de Keynes foi escrita apenas para especialistas da nova ciência, e sua argumentação não pode ser sumariada apenas em um parágrafo.

 

A palavra “desemprego” só entrou em uso comum na língua inglesa cerca de 1895 e, decorridos 40 anos, Keynes foi o 1º a transformar o problema no centro de toda a teoria econômica. Seu livro foi “fundamentalmente uma análise, em termos do princípio econômico fundamental das causas do desemprego”. A conclusão de Keynes foi a de que bastava a intervenção oportuna do Estado, com obras públicas ou outros expedientes, para preservar uma sociedade de mercado substancialmente livre e assegurar o pleno emprego contínuo.

 

Ele foi levado a essa conclusão por duas proposições simples, ambas revisões radicais do dogma do “laissez-faire”. Não havia salário tão baixo que fosse capaz de conduzir ao pleno emprego e, pelo contrário, as reduções contínuas dos salários aumentariam o desemprego. Em lugar da procura individual no mercado, ele ofereceu o conceito crucial de “procura agregada”, a qual era o produto não só de consumidores individuais, mas também do gasto por todos os investidores privados e agências governamentais.

 

Em outras palavras, o processo do mercado não era tão automático nem tão benignamente auto regularizador como os economistas clássicos tinham imaginado. Para manter uma comunidade capitalista plenamente empregada, a “mão invisível” tem de tornar-se visível e um governo deve controlar o fluxo do investimento, aumentando o investimento em obras públicas, para garantir que a procura agregada proporcione pleno emprego.

 

Nos Estados Unidos, as ideias de Keynes guiaram o New Deal de Franklin D. Roosevelt, moldaram a Employment Act de 1946, que exigiu ao Governo Federal a tomada de providências para manter o emprego e o presidente John F. Kennedy adotou políticas keynesianas. A capacidade despertadora de Keynes não se confinou aos que compreendiam suas doutrinas. O seu conceito de procura agregada e as suas propostas de intervenção governamental na economia conduziram à obtenção de estatísticas mais exatas sobre rendimento nacional, na Inglaterra e noutros lugares. Mas o mais importante foi o fato de a sua mente esclarecida e inquieta e a sua percepção do papel humano no mundo econômico terem salvo a nova ciência da economia da sua própria ortodoxia.

 

 

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