TIPOLOGIA HISTÓRICA E JURÍDICA DAS ATIVIDADES MERCANTIS NO DIREITO COMERCIAL ROMANO.

Vanessa Massaro

01.Introdução:

O jurista Levin Goldschmidt, em sua obra denominada “Universalgeschichte des Handelsrechts”(1) afirmou que o direito comercial universal moderno tem suas raízes no antigo direito romano dos tráficos e nas relações comerciais entre os países do Mediterrâneo, e que o direito comercial, propriamente dito, seria um ramo distinto do direito antigo sendo uma obra do direito medieval romano.

Sobre estas bases consolidou-se na doutrina comercial, bem como, na doutrina jurídico-histórica o dogma da “especialidade” do direito comercial e sua origem no “ius mercatorum” dos séculos XII e XIII.

Porém, uma significativa revisão deste dogma registrou-se sobre a doutrina romana nos últimos dois decênios do século XX, porque inseriu-se nesta nova reflexão histórica e jurídica da disciplina romana da atividade comercial, a obra de Andrea di Porto chamada “Impresa collettiva e schiavo manager in Roma antica” (II sec. a.C.-II sec. d.C.), de 1984, em um convênio promovido e organizado pela “ Sociedade italiana e história do direito”, juntamente com o Centro de Cultura Científica Ettore Majorana nos dias 22 a 25 em novembro de 1988, onde fez-se alusão aos comentários do ilustre jurista citado, sobre uma “zona de sombra” - que seria o direito comercial romano – na historiografia romana e nas reflexões histórico comparativas dos estudiosos naquela época.(2)

Outra contribuição significativa do século XXI sobre os dogmas do direito comercial foi o “55o. Congresso Internacional da Sociedade Internacional para a História dos Direitos da Antiguidade” ocorrido em Rotterdam em setembro de 2001, onde destacou-se principalmente a realização, através dos juristas presentes naquele evento, uma análise histórica e comparatista sobre os aspectos e principais problemas do direito comercial no mundo antigo, originando a publicação do Volume n.48 da Revista Internacional dos Direitos da Antiguidade, que trouxe uma série de contribuições em relação, principalmente, a temas sobre os problemas técnicos e jurídicos encontrados nas experiências comerciais ocorridas na antiguidade e na vida civil romana.

Insta salientar, que o presente estudo tem como propósito inicial, pontuar de forma mais clara e precisa possível, a luz das experiências históricas, os correspondentes tipos de direitos comerciais que foram surgindo com o passar do tempos.

A variada disciplina histórico-jurídica da atividade comercial comprova que o “ius mercatorum” esta longe de ser a origem de um direito comercial abstratamente e unitariamente completo, mas representa apenas um dos tipos sobre os quais se articulou historicamente a categoria do direito comercial, sendo um tipo diverso dos modernos tipos permeados de especialidade e universalidade. Portanto, o que nos parece claro, é que as experiências econômico- jurídicas (3) que precederam o “ius mercatorum” não puderam ser consideradas como a pré-história do direito comercial, mas, ao contrário deste entendimento, pois, a história comercial do mundo antigo, e inclusive da vida civil romana, que compreendeu momentos entre estes tipos diferentes de direito comercial, conduziram a modelos ou tipos que podem ser proficuamente utilizados para analisar, pela lógica, as coincidências, afinidades e diferenças com os tipos e modelos da idade medieval com a idade moderna.

Nesta prospectiva assume uma importante relevância a comparação entre o tipo romano do exercitio negotiationum que afirmou-se no período compreendido entre a metade do III século a.c. até a metade do III século d.c. e o atual tipo do chamado modernamente “direito das empresas”.

02.Tipologia histórica e jurídica das atividades comerciais:

A disciplina da atividade comercial, compreendida num âmbito significativo de atividade econômica originada nas necessidades dos mercados em geral, que compreende tanto o comercio no sentido econômico das circulações de bens e serviços, quanto de outras atividades econômicas de intermediação, como nas atividades de produção direta de bens e serviços, atividades de transporte, e atividades bancárias, parece reconduzir, num contexto de uma história milenária de experiências jurídicas a dois fundamentais e distintos modelos: o primeiro seria a disciplina das relações comerciais que se concretiza numa configuração formal de um autônomo corpo normativo, mais ou menos em uma posição contrária ao sistema das normas do direito civil ( autonomia formal ), e, num segundo modelo, que seria a disciplina da atividade comercial composta de um complexo de normas, as quais, inervando-se no sistema geral do direito civil, assume uma consistente e inequívoca autonomia substancial, a luz da especialidade intrínseca necessária para regular o fenômeno econômico jurídico formado ( autonomia substancial).

Em relação ao primeiro modelo citado é possível isolar, no contexto da complexa e variada história das experiências jurídicas ocorridas, tipos distintos, com base nas fontes e modalidades de autonomia formal do sistema comercial, os quais podem ser esquematizados da seguinte forma:

01. A autonomia formal que pode concentrar-se em um complexo de normas de origem especificamente consuetudinária criado pela classe dos comerciantes e sem intervenção alguma dos legisladores, como por exemplo os direitos profissionais de classes, os quais, foram constituídos pelo ius mercatorum na época da Idade Média e também num contexto referente a civilidade comum dos séculos XII e XIII.

Assim o ius mercatorum representava um tipo subjetivo, por três fundamentais motivos: o primeiro porque era originário dos mesmos mercadores, ou seja a disciplina das relações comerciais ( lex mercatoria ), era originário dos costumes mercantis, pois, era recebido nos estatutos das corporações através de uma subjetividade baseada nas suas fontes de produção, e em segundo lugar porque se aplicava somente às relações econômicas e jurídicas daqueles que eram inscritos na matricula mercatorum, fato este, que caracterizava uma subjetividade com base nos destinatários, e finalmente em terceiro lugar, porque as eventuais controvérsias entres os mercadores, eram resolvidas pela jurisdição especial dos responsáveis pelas corporações, tratando-se de uma subjetividade com base nas jurisdições.

O caráter originário subjetivo do ius mercatorum permanece inalterado durante todo o período medieval, mesmo havendo uma extensão progressiva da jurisdição consular das controvérsias intercorrentes existentes entre os inscritos e os não inscritos na matricula mercatorum referente aos negócios originados nas relações de natureza comercial, concebidas no exercício das atividades mercantis, principalmente, de trocas de bens e serviços.

02.Em relação a um segundo tipo, a chamada autonomia formal se concretiza em um complexo de normas de exclusiva produção estatal, destinada a regular as relações comerciais através de um dúplice aspecto, o subjetivo e o objetivo. Com relação a este segundo tipo, que podemos denominar como direito estatal de classe levando em conta que a prospectiva subjetiva estava relacionada com os destinatários e a jurisdição de uma especial normativa estatal, e que se estendia também a natureza comercial do atos e a uma gama de sistemas comerciais que delinearam-se no curso da idade moderna, das ordenações do Colbert sobre os comércios por vias terrestres de 1673, do comércio marítimo de 1681 e também em certos códigos comerciais do século XIX, como o código napoleônico de 1807, o código prussiano de 1861, o código de comércio italiano de 1865, o código de comércio espanhol de 1885, o código alemão de comércio de 1900, os quais, eram de sistemas distintos entre si, mas com a mesma matriz estatal-legislativa e com resíduos classitas relevantes.

03.Com relação a um terceiro tipo, a autonomia formal se concretiza em uma específica e separada disciplina legislativa de todos os atos de comércio objetivamente considerados, em princípios gerais próprios de relações comerciais, se trata, por exemplo, de um sistema representado pelo Código Comercial italiano de 1882 que podemos denominar como “diritto degli affari” ou ius mercaturae que resulta caracterizado de um virtual superamento substancial e processual, com a extinção dos chamados tribunais de comércio pela Lei n. 5.174 de 25 de janeiro de 1888, mas com resíduos de uma originária prospectiva classista através do fato de serem considerados comerciais os atos de trocas e intermediações advindos dos comerciantes.

Com relação ao segundo modelo citado anteriormente, é importante salientar que a sua afirmação pressupõe, não somente o superamento da diferenciação da disciplina jurídica das relações comerciais com base em meras qualificações subjetivas, mas também, um correlato processo de comercialização de todo o direito privado produzido gradualmente no contexto histórico dos unitários complexos de experiências comerciais ocorridas, em consequência, e para efeito de algumas relevantes transformações econômico-sociais das riquezas dinâmicas, como o capital e as atividades especulativas e das riquezas estáticas, como as de propriedades e as hereditárias, bem como, a progressiva dissolução da sociedade patriarcal.

Numa estreita correlação com a transformações econômico e sociais citas anteriormente, o processo de comercialização das relações econômicas, tanto com relação a produção, troca e usufrutos de bens, se realiza através de uma dúplice norma: primeiro pela extensão dos institutos desenvolvidos no âmbito comercial, como as figuras de contratos e os títulos de crédito, para fora da matéria comercial. E segundo, na atribuição de valores gerais a princípios próprios das relações comercias, como por exemplo, o princípio romano da boa- fé.

O gradual processo de comercialização das relações privadas no âmbito econômico formou uma unificação da disciplina jurídica das relações civis e comerciais, e a história das experiências jurídicas nesta área registra a imersão de um conjunto de relações e institutos que são comercialmente caracterizados pelo fato de estarem interiorizados em objetivos e funções econômico-jurídicas das empresas comerciais, entendida como atividades econômicas organizadas para o fim da produção e circulação de bens e serviços e como um aspecto de especialização das atividades humanas.

O último tipo de disciplina da atividade comercial mais moderno podemos definir como o “direito da empresa”, ao qual iremos nos referir mais adiante.

Já o sistema das negotiationes romanas fora delineado entre a segunda metade do III século a.c., e os primeiros decênios do III século d.c. paralelamente à comercialização do ius civile, em consequência da supressão neste sentido do ius gentium, que era considerado como o direito das relações comerciais.

03.O direito comercial romano à luz da doutrina comercial e romanista.

A variada tipologia histórico-jurídica (4) da disciplina da atividade comercial como já citado anteriormente, como os dos direitos profissionais de classe (5), do direito estatal de classe, direito das empresas, se revela amplamente através de uma falta de fidelidade no pressuposto aceito comumente revelando-se como um dogma, segundo o qual, o direito comercial haveria surgido na Idade Média com o ius mercatorum.

Porém, o ius mercatorum consiste apenas em um arquétipo real do modelo tipológico caracterizado pela autonomia formal do sistema normativo, modelo que é notóriamente diferente do modelo tipológico do direito das empresas e se refere a uma especialidade intrínseca do fenômeno econômico-jurídico regulado num contexto de sistema normativo unitário.

Levando-se em consideração os aspectos levantados anteriormente, tais, nos impõe uma breve reflexão sobre o tema da configuração de um direito comercial no contexto histórico de uma secular experiência jurídica da civilização romana, desde a sua fundação na metade do VIII século a.C. até a morte do Imperador Justiniano em 565 d.C.

Nesta perspectiva é necessário ressaltar que uma definição não pré-concebida sobre o tema em questão pode aspirar um grau suficiente de confiabilidade, a menos que, venha conduzida com uma referência específica às diferentes estruturas socioeconômicas e aos diversos sistemas jurídicos que se sucederam ao longo de mais de 13 séculos de história romana.

Na verdade, o termo direito comercial romano é como uma abstração convencional que aparece de forma evidente nas transformações radicais no âmbito econômico, social, político, institucional e jurídico na Roma antiga ao longo de sua história centenária, de pequena comunidade pastoral localizada no Monte Palatino, para uma comunidade mundial e multiétnica que se estendia desde o estreito de Gibraltar, com início nas chamadas Colunas de Hércules até os rios Tigre e Eufrates no Oriente Médio, a partir da Grã-Bretânia e do Mar do Norte até a África Setentrional.

É preferível falar, mais que de um direito comercial romano mas da história de uma disciplina romana de comércio no âmbito de individuar e isolar períodos entre eles, mais ou menos diferenciados, seja mais em relação aos fatos econômicos e sociais, que aos sistemas jurídicos correlatos às diversas estruturas político institucionais romanas.

Na impossibilidade de revisar, no contexto da secular história jurídica de Roma, um sistema unitário de direito comercial que não preclui através dos usos convencionais, se entende o chamado direito comercial romano em sede de uma reconstrução histórica dos diversos períodos ou modelos da disciplina romana das relações comerciais da época.

As principais objeções levantadas contra o emprego da disciplina comercial romanista tem suas raízes em dois entendimentos:

01.No pressuposto que a lei comercial surgiu apenas na Idade Média com o ius mercatorum;

02.E, na difusa ideia da estranheza (6), pelo fato da relação história jurídica de Roma ser um direito especial de comércio, ou seja, de uma correlata e autônoma reflexão científica sobre a estraneidade do direito romano, motivada pela estrutura potestativa da família romana e com a circunstância de que o sistema jurídico romano teria sido fundado para a conservação das riquezas e não para a acumulação das mesmas.

Bem, a primeira questão levantada é infundada porque não leva em conta as várias tipologias histórico-jurídicas existentes para disciplinar das atividades comerciais.

E a segunda ideia, também nos parece infundada porque implica e subtende a identificação da especialidade(7) com a autonomia formal, não observando que a especialidade e a conexa autonomia possam em algum momento descender uma da outra, assim, como na codificação romana, por exemplo, exclusivamente em relação a substancial especialidade do fenômeno econômico.O que já é percebido muito antes do Código Italiano de 1942 nas lições do romanista Carlo Fadda denominada “Institutos Comercais de direito romano” realizadas em Nápoles em 1902, que escreveu: “Nós acreditamos, que somos capazes de afirmar que os romanos tinham um conceito substancialmente exato da especialidade do direito comercial, considerando as suas regras como disciplinas especiais das particulares relações do direito privado em geral. A característica especial destas relações esta na índole das especulações a que se referem, notadamente distinta da relações comercias comuns.” e o mesmo afirmou, pelo evidente condicionamento histórico do Código Comercial italiano de 1882 em vigor naquele tempo, que : “o que faltava no direito romano como de resto a muitas legislações modernas era a reunião de todas a disciplinas especiais em um corpo único de leis, com princípios e normas peculiares”

O jurista italiano Carlo Fadda (8) observava e valorizada certos pontos jurisprudenciais (9) de conceitualização e de análise da fenomenologia dos negócios, das práticas comerciais e das regras comerciais.Os pontos mais significativos se referiam aos editos de exercitoria actione, de institoria actione, de tributoria actione e o edito de argentariis rationibus edendis.

Mas não poderiam ser esquecidas algumas tendências acorridas entra a idade dos antoninos de 138 a 192 d.C. e na idade dos severos de 193 a 235 d.C. Na primeira, através do tratamento específico do Direito Comercial Marítimo pela obra de Velusio Meciano, na controversa opereta em língua grega “ex legge” de Rhodia (10) e na tentativa das primeiras atentas análises econômicas e jurídicas da objetividade e da subjetividade das atividades comercias efetuada por Callistrato nos livros “ De cognitionibus”, no contexto e na ótica de uma sistematização por gêneros.

04.O Corpus juris Civilis e o Direito Comercial Brasileiro.

Bem sabemos, que o Corpus Juris Civilis é o código do direito romano surgido em Constantinopla por iniciativa do Imperador Justiniano, o qual, tinha seu poderio no Império Romano do Oriente.

O povo romano consistiu numa extraordinária civilização de uma cultura muito rica, pois criaram inclusive, dentre muitas outras coisas importantes, o direito, o qual, fora elaborado de forma acurada e com um grau de perfeição bastante elevado, uma vez que, disciplinava muitos aspectos da vida romana, sendo inclusive, o maior legado deixado pelos romanos aos povos conquistados pelo seu Império.

O Império Romano durou aproximadamente doze séculos, mas quando seu fim começou a aproximar-se, sentiu-se uma enorme necessidade de propiciar maior segurança às conquistas feitas até aquele momento. Assim, o Imperador Teodósio dividiu-o em dois, porém, o Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla, foi o que mais prosperou.

Então, quando os bárbaros foram invadindo algumas cidades menores, muitos romanos se viram obrigados a fugir para Constantinopla levando consigo os pergaminhos que continham as leis, os estudos, a jurisprudência e outros documentos jurídicos importantíssimos, salvando-se assim o Direito Romano. Todavia, insta salientar, que a queda de Roma representou apenas o fim do Império Romano do Ocidente, mas não representou a queda do Império como um todo.

Como citado anteriormente, surgiu no Império Romano do Oriente o notável imperador Justiniano, e dentre as muitas realizações desse nobre soberano, o que o tornou famoso realmente foi iniciativa de codificação do direito romano que encontrava-se muito disperso, apesar de terem havido alguns códigos neste período, como o Código Teodosiano, o Código Hermogeniano e o Código Gregoriano.

Desta reunificação surgiu o mais famoso e tradicional código do mundo, conhecido como “Corpus Juris Civilis” ou Código Justinianeu, como era também conhecido, o qual, era constituído de quatro partes: Digesto, Código, Institutas e Novelas.

05.O direito comercial na Idade Média.

O direito comercial surge de certa forma na Idade Média, com o desenvolvimento mercantil da época e nas relações mercantis das civilizações antigas, compostas de regras rudimentares, porém, mesmo na avançada Roma não houve um direito especializado para regular as atividades mercantis como afirmamos anteriormente, uma vez que a sua organização social era estruturada em propriedades e atividades rurais, mas surge o direito comercial especializado, a partir do século XII, com as chamadas corporações de ofício.

No período das corporações de ofício, o Direito Comercial seria aplicável aos integrantes de uma específica corporação, qual seja, a dos comerciantes. Assim, adota-se um critério subjetivo para definir seu campo de incidência, como exemplo, no caso das letras de cambio, seguros, atividades bancárias, como afirmamos anteriormente.

Na época do surgimento das sociedades anônimas na França e Inglaterra, ocorreu a uniformização das normas jurídicas sobre as atividades econômicas desenvolvidas, pois, as sociedades anônimas mostraram-se mais adequadas aos empreendimentos mercantis, a fim de proporcionar uma maior expansão colonial, porque, tais expansões, apesar de serem muito interessantes comercialmente, demandavam um aporte financeiro muito grande.

Com a codificação napoleônica, através do Código Civil de 1804 e do Código Mercantil napoleônico chamado Code de Commerce de 1808, e, por consequência a especialização do Direito Comercial, pois o mesmo, transforma-se em uma disciplina jurídica aplicável a determinados atos de comércio que em princípio poderiam ser praticados por qualquer pessoa e não por determinadas pessoas, ficou estabelecido, o principio da igualdade dos cidadãos e o fortalecimento do Estado ante as organizações corporativas, pois, desta forma, qualquer cidadão passaria a poder exercer atividades mercantis e não somente determinadas associações de classes profissionais, como as corporações de oficio dos comerciantes.

Neste período ocorreu a abolição do corporativismo, na forma como era considerada até então, e os citados códigos exerceram uma grande influência, principalmente, nos países de língua latina, consolidando a chamada “Teoria dos atos de comércio”.

06.O Direito Comercial Brasileiro.

As ordenações filipinas portuguesas pautavam as relações comerciais na época do Brasil Colônia, bem como, havia uma grande influência do direito canônico.

Segundo o entendimento dos historiadores e estudiosos, o direito comercial brasileiro teve seu início com abertura dos portos às nações amigas através da chamada Lei de Abertura dos Portos no ano de 1808.

Ocorreu que no ano de 1850 devido as necessidades de se disciplinar as relações comerciais o Imperador D. Pedro II aprovou o Código Comercial brasileiro, que teve como base o “Code de Commerce” francês, o qual, agregou o sistema francês ao sistema jurídico comercial brasileiro, a fim de disciplinar as atividades comerciais através da teoria dos atos de comércio.

Mesmo sendo extinto os Tribunais do Comércio, em 1875, continuou o direito brasileiro a disciplinar as atividades econômicas pela teoria dos atos comerciais, contemplando dois diferentes regimes, o civil e comercial, e assim, para as atividades comerciais passou-se a admitir normas específicas.

07.A importância do Código Civil Italiano de 1942 para o Direito Comercial Brasileiro.

O período mais importante para o Direito Comercial Brasileiro iniciou-se com a edição do Código Civil Italiano em 1942, o qual, reuniu em uma única lei as normas de direito privado, pois, passou a disciplinar tanto as matérias de direito civil como as matérias de direito comercial.

O Código Civil italiano de 1942 deixa de ter como base os atos de comércio, porque entendia que a empresa seria o ente mais importante para o desenvolvimento das atividades comerciais, passando a utilizar a Teoria da Empresa, que seria uma teoria substitutiva àquela que estava sendo utilizada até então, deixando de focar no gênero da atividade econômica e passando a considerar como mais importante a empresa.

O sistema italiano superou o francês, pois, a partir do século XX, as legislações sobre o direito comercial não dividiam mais os empreendimentos em duas categorias, ou seja, em civis e comerciais, mas criou-se um regime geral para a disciplinar as atividades econômicas.

O direito brasileiro iniciou a sua aproximação ao sistema italiano de disciplina privada das atividades econômicas a partir de 1960, e inclusive, a lista das atividades estabelecidas pelo Regulamento nº 737 que servia de referência doutrinária para definir com maior clareza o campo de atuação do direito comercial brasileiro diminuiu muito de importância.

Ocorreu que, com a promulgação do Código Civil brasileiro de 2002, fora concluída a transição do sistema francês para o sistema italiano, pois, o nosso atual código inspira-se no Código Civil italiano, e adota a Teoria da Empresa.

05.Conclusão:

O que podemos concluir com o presente estudo é que os jurisconsultos romanos nunca pensaram em separar doutrinariamente o direito comercial do resto do direito privado, pois, não existia nem mesmo um termo técnico que designasse o comércio, porque o "Negotiatio" significa o comércio por atacado ou apenas uma operação isolada; e o vocábulo "mercatura" referia-se tão somente ao comércio de mercadorias em sentido estrito.

Observamos que muito ao contrário do que ocorreu na Idade Média, em tempo algum, se falava entre os romanos, no "Jus Mercatorum", pois, eles não distinguiam o ato de comércio do ato jurídico em si.

O direito grego, por exemplo, mesmo sendo muito próximo ao direito romano, porque exercia sobre este uma grande influência, já distinguia o direito comercial do direito civil de forma muito mais nítida do que os romanos (11).

As linhas fundamentais do Direito Comercial moderno são encontrados, historicamente no Corpus Juris Civilis e na sabedoria acumulada pela civilização romana. Sobre este tema podemos citar os comentários do ilustre jurista Huvelin, que conclui: “tal direito apresenta, em germe, em estado imperfeito e incompleto, os caracteres desenvolvidos pelas legislações comerciais modernas , sobretudo as legislações alemã e italiana, mais adiantadas que a francesa. Impelida pelas necessidades da vida, pode a prática romana ter obscuramente sentido a necessidade de dar às instituições comerciais privadas certos traços particulares, jamais, entretanto, elevados, pelos jurisconsultos romanos, à categoria de princípios teóricos”.

Certamente, podemos afirmar que o direito comercial romano teria sem dúvida se separado do direito civil, caso continuasse a desenvolver-se em condições iguais ao de seu início, ou seja, como um direito internacional de comércio, porém, isto não cocorreu porque o direito que regulava as relações de comércio tornou-se um direito privado apenas interno devido ao grande desenvolvimento político e econômico de Roma, uma vez que, a expansão do comércio romano e a conquista de muitos povos com os quais Roma também comerciava, coincidiram, e as chamadas convenções modificaram o próprio sentido de “commercium”, pois, todo o império que compreendia os povos conquistados tinham igualdade de direitos, não havendo para os romanos sentido falar-se em especificidades nas relações comerciais.

O direito comercial especializado, somente poderia existir quando pudesse se desenvolver como um direito internacional, o que ocorreu nas civilizações modernas na medida que diminuiu o abismo existente entre o direito civil e o direito comercial, pelo fato de aumentar-se o caráter internacional das relações comerciais, na medida que progrediram muito as ideias de uma comunhão de interesses econômicos.

Portanto, concluímos que não existia em Roma um ramo jurídico próprio das instituições comerciais, mas existiam instituições de direito privado utilizadas tendencialmente a disciplinar as necessidades interiores das transações comerciais.

Apesar de surgirem em Roma institutos como o Tractatus de Commerciis et Cambio editado por Sigismondo Sccacia, em 1618, que segundo alguns autores fora a primeira manifestação de direito comercial autônomo separado do direito civil, ocorreu que os jurisconsultos romanos não tinham interesse na separação do direito civil com o direito comercial que é definido pelo autor João Eunápio Borges (12), citando o jurista francês Huvelin, nos seguintes termos: “O direito romano clássico não conheceu um direito comercial diferente do direito civil. Jamais cuidaram os jurisconsultos romanos de separar doutrinariamente o direito comercial do civil. Falta-lhes até uma palavra técnica para designar o comércio, sendo que ‘negotiatio’ é empregada para caracterizar o grande comércio, exclusivamente, ou então um operação isolada, e ‘mercatura’, no sentido compreende unicamente o comércio de mercadorias, no sentido restrito desta palavra.” Mostra ainda Huvelin: “que os caracteres do direito comercial moderno - presunção de solidariedade, onerosidade, materialização das obrigações, simplificação do processo, redução do formalismo - encontram-se, embora em embrião e imperfeitamente, no direito comercial romano”.

Portanto, verificamos que é enorme a importância do direito romano na história do direito comercial, mesmo não havendo por parte dos jurisconsultos da época muito interesse em uma especificidade jurisprudencial para regular as relações comerciais, pois, seguramente, os seus fundamentos serviram de base para o direito comercial atual e moderno

Notas:

(1) L. GOLDSCHMIDT, "Universalgeschichte des Handelsrechts", Publicado em Stuttgart, em 1891, e traduzido em italiano por V. Pouchain e A. Scialoja, em Turim, no ano de 1913, pág. 03.

(2) A. DI PORTO, "Il diritto commerciale romano". Una «zona d’ombra» nella storiografia romanistica e nelle riflessioni storico-comparative dei commercialisti, in Nozione, formazione e interpretazione del diritto dall’età romana alle esperienze moderne. Pesquisa dedicada ao Prof. F. Gallo, Napoli, 1997, pág. 413 e seguintes. Com uma referência a problemática do processo formativo e da tipologia da organização comercial romana ver particularmente, F. SERRAO, na obra “Impresa e responsabilità a Roma nell’età commerciale,” Pisa, 1989; A. DI PORTO, "Impresa collettiva e schiavo manager in Roma ântica” (II sec. a.C.-II sec. d.C.)", Milano, 1984; A. PETRUCCI, "Mensam exercere. Studi sull’impresa finanziaria romana (II. sec. a.C.-metà del III sec. d.C.)", Nápoles, 1991.

(3)Sobra as questões econômica e jurídica da atividade comercial e financeira romana consultar. M.J. GARCÍA GARRIDO, "El comercio, los negocios y las finanzas en el Mundo Romano", Madrid, 2001.

(4)Sobre a vexata quaestio, ou seja sobre a “especialidade” do direito comercial no que se refere aos orientações da doutrina comercial histórico-jurídica, consultar a obra de F. GALLO, “Negotiatio e mutamenti giuridici nel mondo romano,” págs. 138 e segs., republicada em “Opuscula selecta”, em Padova, no ano de 1999, pág. 823 e seguintes.

(5)Com relação ao esquema do direito profissional de classe (direito comercial subjetivo) pode ser reconduzido também a “Law Merchant”, notadamente distinta da “Common Law”. Também a “Law Merchant” que se refere a características promulgadas pelas companhias de comércio que se aplicavam somente aos mercadores e as controvérsias surgidas entre os mercadores que eram decididas pela “Court of Admiralty”.Para um estudo mais aprofundado sobre o tema consular os comentários de J.H. BAKER, "The Law Merchant and the Common Law" before 1700, publicado no "The Cambridge Law Journal", de número 38, em 1979, págs. 295 e seguintes e também a obra de P. STEIN, "I fondamenti del diritto europeo", traduzido em italiano, publicado em Milão no ano de 1987, págs. 275 e seguintes. Ao chamado tipo de direito profissional de classe nos reconduz ao chamado antigo direito helênico da sociedades mercantis, que reconduz também a três tipos de subjetividade: a que era originária da sociedade dos comerciantes e não se identificava com o direito de alguma classe em particular ; se aplicava aos comerciantes e era utilizado para disciplinar os mesmos com especificas ações comerciais e perante tribunais comerciais específicos (tribunali dei tesmoteti). Para um aprofundamento maior consultar a obra de C.FADDA “Istituti commerciali del diritto romano. Nota de leitura de L. Bove”, publicado na “ Antiqua” de número 47, na cidade de Nápoles, em 1987, págs. 99 e segs. Outro significativo exemplo pode ser visto na imersão de uma nova lex mercatoria, com relação as práticas dos mercados internacionais na obra de F. GALGANO, Diritto Commerciale, em Digesto IV, publicada em Turim, no ano de 1989, págs. 362 e seguintes, e sobre a questão do direito mercantil na vida civil comum das pessoas consultar U. SANTARELLI, na obra denominada “ Mercanti e società tra mercanti”, publicada em Turim, no ano de 1998, págs.35 e seguintes.

(6)Sobre a pretensa estraneidade a experiência jurídica romana de um direito especial de comércio, consultar, F. GALGANO, “Storia del Diritto Commerciale”, Bolonha, publicado em 1976, pág. 40 e seguintes.

(7)Sobre o problema da especialidade e sobre os diversos modos de entende-la consultar : A. GUARINO, "Relazione di sintesi - Convegno di Erice, in Imprenditorialità e diritto", citação n. 313, “l’angusta idea che di diritto commerciale non si possa ancora parlare in ordine all’età romana, è basata su «preconcetti formalistici coniugati con una certa disinformazione storiografica romanistica». Consultar também, DI PORTO, "Il diritto commerciale romano. Una zona d’ombra nella storiografia romanistica", pág. 415 e seguintes.; M. BIANCHINI," Attività commerciali fra privato e pubblico in età imperiale", em "Fides Humanitas Ius. Studi in onore di L. Labruna,n. 1, Nápoles, 2007, pág. 423 e seguintes.; M. D’ORTA, "Dalla morfogenesi alla struttura del diritto commerciale: imprenditorialità e diritto. L’esperienza di Roma antica", em "Fides Humanitas Ius", citação n. 3, pág. 1593 e seguintes.

(8)FADDA, "Istituti commerciali del diritto romano.", pág. 60 e seguintes.

(9)BIANCHINI, pág.328. Sobre a elaboração jurisprudencial da fenomenologia de empreendedores, consultar também DI PORTO, "Impresa collettiva e schiavo «manager» in Roma antica", pág. 63 e seguintes, "Il diritto commerciale romano", pág. 432 e seguintes.

(10)G. PURPURA, "Il regolamento doganale di Cauno e la lex Rhodia". (D. 14.2.9), em AUPA, n.38, publicado em 1985, pág. 302 e seguintes, republicado em "Studi romanistici" in tema di diritto commerciale marittimo, Soveria Mannelli”, no ano de 1996, pág. 60 e seguintes.

(11) U. PAOLI. "L'Autonomia dei Diritto Comerciale nella Grécia Clássica", em "Revista dei Diritto Commerciale", de 1935, vol. XXXIII, pág. 36.

(12)João Eunápio Borges, pág. 30 e seguintes: Nos primeiros tempos, porém, no período compreendido entre a fundação de Roma e a primeira guerra púnica, na época do primitivo ‘jus quiritium’ a palavra ‘commercium’ tanto em Roma, como nas cidades estrangeiras, compreendia, segundo Huvelin, o direito do mercado, a faculdade de participar em atos jurídicos internacionais, geralmente de caráter mercantil, desprovidos das solenidades do ‘jus civile’..Os autores latinos, lembra Huvelin, apresentam o “commercium” sob um aspecto unilateral, como um direito dos estrangeiros em Roma, como exemplo de Ulpiano, que se refere aos ‘peregrini, quibus commercium datum est’. Mas o “commercium” é recíproco, sendo concedido aos romanos nas cidades estrangeiras, à base de reciprocidade. (Curso de Direito Comercial Terrestre, Forense, vol. I).

BIBLIOGRAFIA:

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