Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada

Por Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho | 28/10/2008 | Direito

TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA
"The fruit of the poisonous tree"

Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho (Advogado e Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Introdução


A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada tem origem norte-americana. Foi criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que entende que os vícios da “planta são transmitidos aos seus frutos”. Em outras palavras, os vícios de uma determinada prova contaminam os demais meios probatórios que dela se originaram.

Constituição Federal e os meios de prova


O artigo 5º, inciso LVI, da Carta Magna de 1988, estabelece:

“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Depreende-se, pois, que as provas ilícitas não podem ser produzidas pelas partes do processo, devendo, na hipótese de sua produção, serem excluídas do feito. O desentranhamento, portanto, faz-se necessário - sem que isso redunde, obrigatoriamente, no insucesso de quem as produziu, pois os demais meios probatórios poderão comprovar a veracidade dos fatos alegados.

Como se vê, o vigente ordenamento constitucional repele a produção de provas ilícitas, o que denota que a liberdade de provar não é absoluta no Brasil.

Na procura da verdade, tanto no processo judicial, quanto no processo administrativo, não há guarida constitucional quanto à produção de provas ilícitas, as quais, diferentemente das provas ilegítimas, afrontam o direito material.

Registre-se, a norma processual veda a produção de prova ilegítima; já a norma de natureza material obsta a produção de prova ilícita.

Segundo entendimento doutrinário, determinada prova será considerada ilegítima quando a ofensa for ao direito processual, e será reputada ilícita quando a afronta ocorrer em relação ao direito material.

Tanto a prova ilícita quanto a prova ilegítima são ilegais, ou seja, ambas são espécies do gênero prova ilegal, e, segundo o legislador, são inadmissíveis no processo. Se admitidas, não devem ser valoradas pela autoridade judiciária - sob pena de nulidade da decisão exarada.

Entende-se, por sua vez, que não obstante a autoridade judiciária tenha que dar a cada um o que é seu, há limites à liberdade da prova. Em outras palavras, o direito não pode ser realizado a qualquer preço.

Enfim, na busca da verdade dos fatos não pode haver ofensa a direitos e garantias fundamentais, que certamente seriam afrontados se o Direito pátrio permitisse a obtenção de provas por meios ilícitos, como é o caso de uma confissão auferida através de tortura ou coação física ou psíquica.

Provas ilícitas por derivação


O inciso XII, do art. 5º, do texto magno, admite expressamente a possibilidade de interceptação telefônica, dês que autorizada judicialmente, e nas hipóteses e na forma que a legislação estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Embora admita-se a interceptação tão-somente por ordem judicial, é mister reconhecer que a autoridade judiciária está adstrita ao comando legal, que autoriza interceptação telefônica apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Sendo assim, em havendo vênia judicial para a interceptação telefônica destinada a viabilizar uma investigação administrativa ou um contencioso administrativo, a prova (“escuta”) obtida não terá respaldo constitucional, devendo ser desentranhada dos respectivos autos.

De se notar que a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para comprovação em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto na Lei n. 9.296, de 24 de junho de 1996.

A referida lei, em seu art. 2º, inc. I, estabelece que não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal.

Observe-se, a supracitada legislação faz referência à “infração penal”. Contudo, muito embora refira-se à infração penal, que no seu conceito abrange crimes e contravenções penais, é importante esclarecer que a interceptação só é admissível nas hipóteses de crimes apenados com reclusão (pena privativa de liberdade).

Ou seja, com relação aos crimes punidos com pena de detenção (pena privativa de liberdade) não é admissível a interceptação de comunicações telefônicas, tampouco permite-se tal expediente quando houver indícios de autoria ou participação em contravenção penal (“crime-anão”, segundo o jurista Nelson Hungria).

À vista do exposto, é fácil perceber que uma interceptação telefônica realizada sem ordem judicial e em descumprimento ao comando legal, não sobrevive no âmbito jurídico-processual. Inclusive, conforme estabelece o artigo 10 da Lei n. 9.296/96, constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Se a interceptação telefônica padece de ilicitude em razão da ausência de vênia judicial, poder-se-ia considerar inválida, também, uma busca e apreensão realizada em virtude de informações obtidas pela referida “escuta” ilegal?

Pois bem, aqui adentramos na seara das chamadas provas ilícitas por derivação.

Observe-se que não apenas as provas obtidas ilicitamente são vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro (interceptação telefônica sem autorização judicial, por exemplo), como também as denominadas “provas ilícitas por derivação”.

Se mediante uma interceptação telefônica ilegal angariam-se informações respeitantes à localização de uma “boca de fumo” ou da “res furtiva”, indaga-se se estaria contaminada pela ilicitude da interceptação a busca e apreensão de substâncias entorpecentes ou da coisa produto de furto.

Tem-se entendido que a obtenção ilícita de informações, ou seja, a obtenção destas por meio de interceptação telefônica sem vênia judicial, contamina eventuais diligências realizadas. Ou seja, se a interceptação ilegal foi a “prova” exclusiva que desencadeou a apreensão de mercadorias furtadas, o vício transmite-se à busca e apreensão destas.

O mestre Hélio Bastos Tornaghi, a respeito do tema, assim se manifestou (“Instituições de processo penal”, 2ª edição, vol. 3; Saraiva, p. 466):

“Valem as provas legalmente obtidas seguindo-se as indicações dadas pelas ilegalmente conseguidas? Para ilustrar: o réu confessa sob coação, com riqueza de pormenores (fato ilícito). Cada um desses pormenores é averiguado de maneira lícita (com buscas, inspeções, inquirições, perícias etc.). Pode o juiz ter presentes essas outras provas?

Na Alemanha a communis opinio afirma que sim (cita-se a exceção de K. Siegert). Em contrapartida, a jurisprudência americana responde negativamente.
A questão é menos jurídica do que de política processual. A meu ver, devem levar-se em conta essas provas”.

"Data venia", ouso divergir.

Se em virtude de uma interceptação telefônica sem autorização judicial, por exemplo, forem levantados elementos que venham a permitir a realização de uma prisão em flagrante, esta será ilegal.

Avalizar um flagrante em razão de uma informação obtida de forma ilegal seria o mesmo que aceitar a apreensão de diversas mercadorias encontradas na residência de um acusado de furto, que assumiu a autoria deste delito tão-somente em razão de estar com os pés sobre uma chapa incandescente.

Ora, se uma confissão deu-se de forma ilícita, sob tortura, por exemplo, não há como considerar válida a apreensão de objetos encontrados na residência do torturado, como se as mercadorias, por ele apontadas, fossem, incontestavelmente, produto de furto ou de roubo.

Sob tortura, inegavelmente, qualquer pessoa assumiria a autoria de uma determinada infração penal, como de um furto ou receptação, por exemplo, afirmando, por que não, que determinado bem, localizado em sua residência, foi subtraído furtivamente, por si ou por outrem; da mesma forma, sob tortura, o acusado possivelmente não só revelaria onde se encontra o produto do delito, mas também o paradeiro dos demais comparsas envolvidos com o fato delituoso.

Observe-se, outrossim, que se a prisão é manifestadamente ilegal, as provas colhidas em confissão também são ilegais ou ilícitas, porquanto contaminadas pela ilicitude do aprisionamento.

Vejamos outro exemplo:

Um agente público faz uma interceptação telefônica sem autorização judicial. Em razão dessa prova ilícita descobre que determinado indivíduo entregará a outro uma quantidade ‘X’ de entorpecente. Dias após, o agente interceptador dirige-se ao local de entrega da droga e efetua a prisão do traficante, apreendendo, em ato contínuo, a substância entorpecente. Ora, não há dúvida que a interceptação é eivada de vício de ilegalidade. Dela advieram outras provas, entre elas, a apreensão do entorpecente. Conseguintemente, esta prova, induvidosamente, também tem natureza ilícita, por derivação.

Ada Pellegrini Grinover, em consonância com a tese ora defendida, assim assentou em sua obra “A eficácia dos atos processuais à luz da Constituição Federal” (RPGESP, 1992, n. 37, págs. 46/47):

“A Constituição brasileira toma posição firme, aparentemente absoluta, no sentido da proibição de admissibilidade das provas ilícitas. Mas, nesse ponto, é necessário levantar alguns aspectos: quase todos os ordenamentos afastam a admissibilidade processual das provas ilícitas. Mas ainda existem dois pontos de grande divergência: o primeiro deles é o de se saber se inadmissível no processo é somente a prova, obtida por meios ilícitos, ou se é também inadmissível a prova, licitamente colhida, mas a cujo conhecimento se chegou por intermédio da prova ilícita.

Imagine-se uma confissão extorquida sob tortura, na qual o acusado ou indiciado indica o nome do comparsa ou da testemunha que, ouvidos sem nenhuma coação, venham a corroborar aquele depoimento.

Imagine-se uma interceptação telefônica clandestina, portanto ilícita, pela qual se venham a conhecer circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. Essas provas são ‘ilícitas por derivação’, porque, em si mesmas lícitas, são oriundas e obtidas por intermédio da ilícita. A jurisprudência norte-americana utilizou a imagem dos frutos da árvore envenenada, que comunica o seu veneno a todos os frutos (...)”.

Registre-se, a posição da Corte Suprema brasileira, antes mesmo do advento da Constituição Federal de 1988, já era no sentido de não admitir a produção de provas ilícitas. Na vigência da atual Carta Política o Supremo Tribunal Federal reafirmou a sua posição pela inadmissibilidade processual dos meios probatórios ilícitos.

A supra-aludida teoria dos frutos da árvore venenosa ou envenenada foi adotada integralmente pelo STF e tem sido aplicada pela Corte há tempo. Autores de renome, estudiosos do Direito, como Ada Pellegrini Grinover, sustentam que a ilicitude da prova se transmite a tudo o que dela derivar.

À vista do exposto, não resta dúvida que a prova ilícita originária envenena todas as demais provas obtidas a partir dela, devendo estas, além daquela, ser desentranhadas do processo, que terá seu curso normal, com fulcro no material probatório lícito produzido.

Conforme estabelece o “caput” do art. 1º, da CF/88, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, no qual governantes e governados estão sujeitos ao império das leis. Nesse Estado Democrático de Direito, vivenciado atualmente por nós, brasileiros, os fins não justificam os meios. A pessoa humana não terá assegurada a sua dignidade se o ordenamento legal admitir a produção e a valoração de provas ilícitas ou originárias destas.

Em suma, do conjunto de questões apresentado, extrai-se que o ordenamento jurídico, ao vedar a produção de provas ilícitas, preocupou-se verdadeiramente com os direitos fundamentais da pessoa humana, declarados como tais no texto constitucional vigente. Qualquer desrespeito à questão, seria uma afronta à dignidade da pessoa humana, fundamento primordial da República Federativa do Brasil e alicerce de nossa ordem político-jurídica.