MARCIO ROBERTO LENCO 

SUCESSÃO NA LEI, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 

Direito Cível – matéria de direito de família 

UNIVERSIDADE SANTA ÚRSULA

CURSO DE DIREITO

RIO DE JANEIRO

2014 

EMENTA: sucessão legítima – vocação hereditária – herdeiros – direito de representação e sucessão na questão dos embriões 

Relatório: 

  1. Trata-se de análise de matéria pertinente ao ramo do direito de família, requerida neste parecer pelo Núcleo de Pratica Jurídica IV solicitando esclarecimento acerca do instituto da sucessão no ordenamento brasileiro.
  1. A análise se debruça na situação criada pelo atual código civil. Das várias modificações ocorridas em nosso ordenamento jurídico nos focaremos na figura dos herdeiros necessários, do direito de representação e do embrião na linha sucessória do atual Código Civil - CC/02, que trouxe novos contornos para a sucessão nem sempre em harmonia com a doutrina, mas a jurisprudência tem tentado encontrar um meio termo para a solução dos conflitos.
  1. Procura-se enfrentar o tema trazendo à baila as argumentações pelo qual o atual Código tenta entrar em sintonia com os novos conceitos de relações sociais, quando procura mexer nesses artigos referidos alterando as leis de Direito Sucessório nas figuras do cônjuge e do companheiro e do embrião, além das demais figuras que passaremos a discutir.
  1. É o necessário a relatar. Em seguida, exara-se o opinativo.

 

 

Fundamentação:

  1. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

Não se pode falar em sucessão sem que antes falemos da vocação hereditária, que refere-se a qualidade de quem pode ser herdeiro, em outras palavras, quem pode ser chamado para receber a herança.

Assim de acordo com o atual Código Civil de 2002, qualquer pessoa pode ser herdeira, desde que nasçam com vida e também os nascituros, que são aqueles que não nasceram, mas já foi concebido já o entendimento na doutrina e jurisprudência tem sinalizado que mesmo na fase embrionária poderia ser herdeiro, desde que logicamente nasça com vida, único requisito que a lei coloca.

Não obstante em tese poder ser herdeiro, também é necessário constar na ordem de vocação hereditária que a lei prevê.

  1.  SUCESSÃO DOS HERDEIROS NECESSARIOS[1].

 

Os herdeiros podem ser legítimos, ou seja, pela vocação e testamentários Os herdeiros legítimos decorrem de determinação legal e dividem-se em herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) e facultativos (colaterais até 4º grau e companheiro). A grande diferença e vantagem de ser herdeiro necessário, é que estes têm direito a legítima, ou seja, lhes são assegurados 50% do patrimônio do sucessor.

 

 O nosso Código Civil no art. 1845 indica que são herdeiros necessários (aqueles que participam do processo sucessório, tendo direito à sua parte na herança, mesmo contra a vontade do testador) os descendentes (filhos, netos, bisnetos), os ascendentes (pais, avós), e o cônjuge.

 

A novidade trazida pelo novo código civil, diz respeito ao cônjuge, que teve sua vida melhorada pelo menos em 02 aspectos principalmente.  Primeiro, seria que o cônjuge deixou de ocupar a terceira ordem da vocação hereditária, que nada mais é do que a ordem preferencial estabelecida por lei de quem é chamado para ser herdeiro, ou seja, para receber a herança, vale lembrar que no código anterior o cônjuge só herdaria se não houvesse descentes ou ascendentes.

 

Hoje o cônjuge herda com os filhos dependendo do regime de bens e também herda junto com os pais do falecido independente do regime de bens.

 

A segunda é ter sido o cônjuge elevado a categoria de herdeiro necessário, pois antes esse não era considerado.

 

Desta forma o herdeiro necessário é aquele que não pode ser afastado da sucessão por vontade do testador, em outras palavras, nos casos em que a lei reconhece que ele é herdeiro, este terá direito de receber a herança independente da vontade do testador, terá direito pelo menos a uma parte mínima que corresponde a 50% da herança, juntamente com os demais herdeiros necessários se houver, parte essa que se chama LEGITÍMA, então sobre a legítima ele não pode ser afastado, assim o herdeiro necessário tem direito ao menos a uma fração da legitima.

 

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

 

Os defensores da legítima invocam o arbítrio que poderia representar a exclusão dos familiares e argumentam com a necessidade de se proteger a família. (p.186)[2].

 

Também é a própria lei que declara que mesmo separado até 02 anos, o cônjuge sobrevivente poderá herdar, pode ir até, além disso, caso não tenha tido culpa na separação.

 

Por outro lado, se houver separação judicial ou divorcio, ai deixaria de ter esse direito, pois o divórcio rompe o vinculo matrimonial e a separação judicial põe fim a sociedade conjugal estabelecida, pois nesse caso não haveria sentido em o cônjuge sobrevivente ainda fosse herdeiro daquela pessoa.

 

  1. REGIME DE BENS E SEUS EFEITOS NA SUCESSÃO[3].

 

O legislador do atual código fez com que o cônjuge recebesse uma parte da herança, dependendo do regime de bens, ou seja, onde o cônjuge não recebesse meação. Ex: 1) comunhão universal: esse é um regime em que o cônjuge sobrevivente  não precisará da herança, justamente pela universalidade dos bens. Ex: 2) comunhão parcial: herda nos bens particulares concorrendo com os filhos. Ex: 3)separação de bens: aqui o cônjuge não é herdeiro.

 

Assim percebemos que a lei impede que o casamento seja causa de transmissão de bens, se isso não deve ocorrer em vida, também não deve ocorrer na morte, reconhecemos desta forma uma coerência do legislador.

 

No entanto não é pacifico o entendimento sobre separação convencional diante das inúmeras decisões contraditórias e discrepantes dos Tribunais de todo País, além da divergência doutrinária especificamente o artigo 1829 do atual código civil.

 

 

  1. COMPANHEIRO NA ÓTICA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002[4].

 

Também reconhecido como união estável ou o antigo concubinato, seria o casal que vive junto sem se casar, com objetivo de constituir família e podendo casar se desejarem. Essa relação também gera direitos sucessórios, que se encontra no artigo 1790 do atual código civil, pelo qual passamos a transcrever:

 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis terá direito a 1/3 (um terço) da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

 

O STJ recentemente se posicionou acerca deste artigo o declarando em harmonia com o atual ordenamento jurídico e deu a este dispositivo a aplicação semelhante ao do casamento, ou seja, ocorreu o contrário daquilo que se esperava e que os tribunais vinham fazendo, que pegavam os dispositivos do cônjuge e aplicavam ao companheiro, e o STJ entendeu que o artigo 1790 é que deveria ser estendida a sucessão do cônjuge, o que do nosso ponto de vista não faz diferença, haja vista estar em consonância com a nossa carta maior que é a Constituição. 

 

Porém algumas questões não foram resolvidas, como o entendimento que de o artigo 1829 CC/02 violaria a vontade dos cônjuges manifestada no momento da escolha do regime de bens do casamento, apenas a titulo de exemplo citamos o regime parcial de bens:que só se comunicam os bens adquiridos depois do casamento, porém de acordo com o texto da lei o cônjuge sobrevivente receberia desse patrimônio anterior como herança, mas isso tinha uma lógica dentro do sistema, porque o cônjuge poderia não receber meação dependendo de quanto fosse os bens deixados.

 

No entanto o entendimento do STJ é de que deveria ser seguindo a mesma regra do regime de bens, se apenas bens particulares, o cônjuge sobrevivente não deve herdar, apenas nos bens comuns. Desta forma o STJ acabou assemelhando a sucessão do cônjuge ao artigo que trata da sucessão do companheiro.  Seria a vingança do 1790 que foi tão duramente criticado, inclusive quanto a sua constitucionalidade o que ainda grã grande confusão no meio jurídico.

 

 

  1. CHOQUE DE FIGURAS: CONJUGE X COMPANHEIRO[5].

 

Lembramos que esse novo entendimento interfere nesses dois personagens da sucessão. Supomos que a pessoa casada ainda, mas separada de fato e já constituído uma nova união estável, olha o problema que nos deparamos: teremos aquela herança tanto sendo disputada pelo cônjuge quanto pelo companheiro, além de repercussão com os filhos, se filho de um ou de outro, ou então de ambos, que repercutirá no quantum o cônjuge ou o companheiro receberá como herança.

 

  1. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA.

 

Não podemos nos esquecer dessa figura que existem e que por diversas vezes ficam sem solução, que são as situações em que a pessoa possui duas famílias, onde passa um tempo com um e outro tempo com outra família, porém uma não sabe da outra.

 

A proposta da doutrina seria considerar essa união estável como putativa, ou seja, aplico a putatividade, embora a relação fosse nula, pois ao contrario estaríamos diante do crime de bigamia, que foge da esfera civil e cai no campo do direito repressivo, mas que também é vedado no código civil, dizendo que quem já é casado não pode contrair novo casamento, entretanto a lei nesse caso permite a produção de efeitos no “casamento putativo”.

 

  1. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

 

O representante herda exatamente o que ao representado caberia se vivo estivesse e sucedesse, possibilitando, assim, ao representante a participação em uma herança da qual seria excluído, em decorrência dos postulados emanados pelo princípio de que o parente mais próximo afasta o mais remoto.

 

Essas pessoas passam a ocupar a posição de herdeiro que substituem, com os mesmos direitos e encargos, agrupadas, porém, numa unidade inorgânica (Gomes – pág 50)[6]

 

Outro efeito a ser mencionado está relacionado ao fato de o representante, parente o autor da herança em grau mais remoto, herde como se fosse do mesmo grau do representado, afastando outros parentes que sejam de grau mais próximo do que o seu.

 

A quota-parte hereditária dos que herdam por direito de representação não respondem pelos débitos do representado, mas sim pelos do auctor successionis. Ao lado disso, o quinhão do representado será dividido em partes iguais entre os representantes, logo, se o de cujus deixou um filho vivo e três netos de outro filho pré-morto, será a herança dividida em duas partes iguais, sendo que uma caberá ao filho sobrevivo e a outra partilhada igualmente entre os netos filhos do premorto.

 

Como se vê, na sucessão por estirpe não se pode dividir o acervo hereditário pelo número de pessoas que irão recebê-lo, pois a ideia central da representação é a partilha da herança em tantas porções quantas forem as estirpes (DINIZ, 2010, p. 174.)[7].

 

Sendo compreendido portanto,  que  dentro de cada estirpe, será a quota subdividida pelo número de representantes, igualmente.

 

 

  1. SUCESSÃO DO EMBRIÃO[8]

 

Não há que se falar de dúvidas em relação aos filhos nascidos por inseminação artificial, ou seja, reprodução assistida, alegando assim  uma gravidez, que este filho tenha sido concebido ao tempo da abertura da sucessão, que venha a nascer com vida e que seja filho do autor da herança. Porém quando se trata de direito sucessório para o embrião concebido e guardado em laboratório e só inseminado após a morte do autor da herança, há divergência.

 

O mestre e jurista Sílvio de Salvo Venosa entende que nas inseminações após a morte o Código Civil não focou diretamente no Direito Hereditário dos seres assim gerados, pois para a sucessão continuam sendo herdeiros aqueles vivos ou concebidos quando da morte.

 

Compreendemos duas correntes pertinentes ao tema:

 

A primeira corrente diz que é preciso evitar tais práticas, pois  a  criança,  embora  possa  ser filha  genética,  por  exemplo,  do  marido  de  sua  mãe,  será, juridicamente, extramatrimonial, pois não terá pai, nem poderá ser registrada  como  filha  matrimonial  em  nome  do  doador,  já  que nasceu  depois  de  300  dias  da  cessação  do  vínculo  conjugal  em razão  da morte  de  um  dos  consortes. E, além disso, o morto não mais exerce direito, nem deveres a cumprir.

 

Não há como aplicar a presunção de paternidade, uma vez que o matrimônio se extingue com a morte, nem como conferir direitos sucessórios ao que nascer, pois não estava gerado por ocasião da morte de seu pai genético.

 

Conclui, no entanto a doutrina majoritária  que  tendo havido a autorização e que os demais requisitos tenham sido observados, admitindo-se, assim, a inseminação post mortem, operar-se-á o vinculo parental de filiação, com todas as consequências, conforme a regra da Constituição Federal, art. 226, § 6º, e relativamente à herança do pai falecido. 

 

                                                                                                      

  1. CONCLUSÃO:

 

  1. Entende, portanto, este parecerista que:

Com base no exposto e percebendo o avanço da legislação, quanto a evolução da legislação, da doutrina e da larga jurisprudência, verificamos nesse caso o beneficio para as mulheres, reconhecendo a figura na ordem de vocação hereditária, além do direito de representação dos herdeiros daqueles que foram afastados da linha sucessória.

 

Também está em plena sintonia com a Constituição de 1988, que deu maior proteção ao direito de família e principalmente no campo das sucessões, sempre caminhando em direção a Dignidade da Pessoa Humana, Igualdade e Proteção. E no tocante a sucessão embrionária, deverá ser respeitados os requisitos principais da sucessão, bem como observada juntamente com autorização escrita do cônjuge autor da herança.

 

Marcio Roberto Lenco

 



[1] GOMES, Orlando. Sucessões. 12 ed. Atual. Rio de Janeiro- RJ, Ed: Forense, 2004.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. 3. ed.- . São Paulo –SP, Saraiva, 2009

[3] CARVALHO, Dimas M. - Sucessão Legítima do Cônjuge e do Companheiro no Novo Código Civil. www.iptan.edu.br/revista/artigos/texto8.pdf. acesso:29/06/2014.

 

[4] CARVALHO, Dimas M. - Sucessão Legítima do Cônjuge e do Companheiro no Novo Código Civil. www.iptan.edu.br/revista/artigos/texto8.pdf. acesso:29/06/2014.

[5] SANTOS, Luiz F. B. A Sucessão dos Companheiros no Novo Código Civil. - http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Luiz_Felipe_Brasi_%20Santos/sucessao.pdf - acesso em 29/06/2014.

 

[6] GOMES, Orlando. Sucessões. 15 Ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.

[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, vol. 06. 24 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

[8] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões, vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856) / Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. - São Paulo: Saraiva, 2003;