SPC E SERASA: A INCONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO AO CRÉDITO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.
Por Lucas Almeida | 03/03/2009 | DireitoSPC E SERASA: A INCONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO AO CRÉDITO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.
Lucas Oliveira de Almeida[1]
RESUMO
O presente artigo trata da atuação dos bancos de dados instituídos no Brasil, que concentram informações acerca dos consumidores que estão inadimplentes com as obrigações firmadas perante empresas que prestam algum tipo de serviço, seja financeiro ou comercial, e de como essa atividade gera diversos danos aos cidadãos, ao violar direitos e princípios assegurados pela Constituição Federal.
Palavras-Chave: Restrição ao Crédito - Inconstitucionalidade - Direitos Fundamentais
Sumário
1. Introdução. 2. As entidades SPC e SERASA. 3. SPC e SERASA: proteção ao crédito ou sanção? 4. A eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. 5. A restrição ao crédito e as agressões aos princípios. 5.1. Princípio da legalidade. 5.2. Princípio do devido processo legal 5.3. Princípio do contraditório e ampla defesa. 6. A inviolabilidade dos direitos previstos no art. 5º da CF/88. 7. A vedação constitucional ao tribunal de exceção. 8. A PROIBIÇãO de cobranças abusivas prevista no CDC. 9. OS DANOS GERADOS PELA RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. 10. CONCLUSÃO. 11. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Os sistemas de proteção ao crédito existentes no Brasil foram constituídos com o objetivo de fornecer informações seguras aos comerciantes e a entidades a estes vinculadas acerca da idoneidade financeira de um pretendente ao crédito. O associado de tais sistemas, mediante contribuição, utiliza-se das informações neles contidas e catalogadas, buscando proteção contra eventual possibilidade de sofrer um "calote" aplicado por consumidores com registro de inadimplência referentes a operações comerciais realizadas anteriormente.
Em que medida a atuação destas entidades de proteção ao crédito ao promover atos restritivos ao nome do consumidor supostamente inadimplente, atribuindo a estes o rótulo de "mau pagador", agride os direitos constitucionalmente assegurados aos cidadãos brasileiros?
A SERASA e o SPC, ao inserirem o nome do consumidor em seus cadastros, repassando informações para as entidades filiadas, aparentam ter poderes senão maiores, iguais ao do próprio Estado, vez que ignoram princípios constitucionais garantidos a todos os indivíduos.
Os cadastros de restrição ao crédito existentes no Brasil podem ser comparados às práticas exercidas pelos tribunais de exceção, pois, quando determinam o impedimento do livre acesso do cidadão ao crédito sob a alegação de suposto inadimplemento de prestação pecuniária devida em face de uma relação comercial pretérita, equipara-se a uma sanção, o que contraria, claramente, os princípios da Constituição Federal.
Ao rotular o consumidor como "mau pagador", aplicando-lhe, conseqüentemente, uma penalidade restritiva de crédito, sem que tenha havido a devida e necessária manifestação do Poder Judiciário, única instituição capaz de dizer quem é realmente inocente ou culpado, estas entidades contrariam absurdamente garantias individuais asseguradas nas Leis brasileiras, tais como o princípio do devido processo legal, o amplo direito de defesa, dentre outros.
No desenvolvimento do presente artigo serão evidenciados os objetivos e as funções dos órgãos de restrição ao crédito, a real natureza jurídica dessas instituições, as violações praticadas contrapreceitos constitucionais, a ilicitude de tais atos, e os danos gerados por esta forma de privação de direitos. Ademais, demonstraremos também a mudança no posicionamento dos tribunais, formando uma jurisprudência a respeito do assunto.
Assim,buscaremos analisar como a SERASA e o SPC, que são intituladas entidades que visam proteção ao crédito, e como tal, se propõem a assegurar e garantir o adimplemento das obrigações através do repasse de informações aos futuros credores, sobre aqueles consumidores que tentam contratar relações comerciais ou mesmo financeira com eles, promovem grave cerceamento aos direitos constitucionais que amparam todos os cidadãos, já que, o conteúdo dessas informações indica o possível "mau pagador" e sugere ao possível credor a não realizar negócio jurídico com este, sob pena de "sofrer prejuízo".
O tema proposto neste trabalho foi escolhido ao se observar a livre e desregulada atuação dos serviços de proteção ao crédito, que agem a favor, única e exclusivamente, das empresas comerciais e financeiras. A inserção do nome dos consumidores nos cadastros destas entidades, deixam os cidadãos a mercê da atividade arbitrária desses grupos, gravando negativamente e de forma contundente o nome de pessoas que passam a ter suas pretensões comerciais obstruídas.
A grande relevância desse estudo está no fato de mostrar a atuação de forma agressiva e abusiva desses bancos de dados frente ao Estado Democrático de Direito, bem como possibilitar uma maior reflexão no que tange aos direitos do consumidor e dos cidadãos em geral.
2 AS ENTIDADES SPC E SERASA
Com o advento do mundo globalizado em meados do século XX, a informação, agora vista como um elemento fundamental dentro desta nova dinâmica social, sofreu mudanças em virtude de novas tecnologias criadas, o que afastou as antigas práticas e ferramentas até então utilizadas, dando lugar às redes eletrônicas. Decorrente disso, no seguimento das relações financeiras e comerciais, surgiram empresas como a SERASA e o SPC, que centralizam em seus bancos de dados informações sigilosas.
Leonardo Roscoe Bessa dimensiona a importância dessa atividade hoje para as empresas:
Essa prática comercial tem se desenvolvido no sentido de desobrigar o fornecedor de avaliar pessoalmente os riscos na concessão de crédito. Isto porque a simples consulta aos arquivos de consumo já poderá fornecer os elementos necessários à celebração do contrato pretendido. Em alguns casos a consulta assume caráter compulsório, e a existência de qualquer apontamento(verídico ou não) é determinante para a conclusão do negócio. O fornecedor perdeu seus critérios de avaliação de risco, apoiando-se exclusivamente nas informações prestadas pelos repositórios.[2]
Para uma melhor compreensão, o autor conceitua os bancos de dados aqui abordados como:
[...]entidades que tem por objetivo a coleta, o armazenamento e transferência a terceiros de informações pessoais daqueles que pretendem a obtenção do crédito. O crédito, aqui estudado, tem sentido amplo, vez que envolve o mútuo de dinheiro pelas instituições financeiras a pessoa física ou jurídica, ou parcelamento do preço realizado diretamente pelo fornecedor e o seu recebimento futuro por qualquer meio, inclusive cheque.[3]
A SERASA configura-se como uma grande empresa estabelecida em várias partes do mundo, tendo como principal atividade a análise de informações para decisões de crédito e apoio a negócios, atuando com ampla cobertura em território nacional e internacional, por meio de acordos com diversas empresas atuantes no mercado por todo o planeta.
Segundo informações contidas no próprio sítio da entidade na internet, ela está presente em todas as capitais e principais cidades do País, totalizando mais de 140 pontos estratégicos, contando ainda com um quadro de pessoal de aproximadamente 2.500 profissionais e equipada por um amplo centro de telemática. Como maior banco de dados da América Latina sobre consumidores, empresas e grupos econômicos, a SERASA participa da maioria das decisões de crédito e de negócios tomadas no Brasil, respondendo, em tempo real, a cerca de 4 milhões de consultas por dia, demandadas por milhares de clientes diretos e indiretos. [4]
O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) é um produto das Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDL), em atividade a mais de cinqüenta anos no mercado nacional, cujo objetivo principal é disponibilizar ao comerciante associado a uma CDL, um cadastro contendo informações de crédito de pessoas físicas ou jurídicas.[5]
Para se ter uma idéia, o SPC detém cerca de 70% do mercado nacional de informações de crédito ao consumidor, tornando-se o mais amplo banco voltado para este tipo de serviço, gravitando em torno dele cerca de 850 CDLs em todo o território nacional, desenvolvido de forma vigorosa, perfeitamente adaptado às necessidades da cadeia produtiva, auxiliando-a nos negócios, de modo a torná-los supostamente mais seguros e mais ágeis.[6]
A diferença entre as duas entidades é que o SPC é um serviço utilizado pelos lojistas para consultar o histórico de um determinado cliente. As anotações existentes no SPC são feitas somente por lojas credenciadas.Já a SERASA é empresa que presta serviço aos bancos e outras instituições financeiras (operadoras de cartão de crédito, financeiras, etc.), referindo-se a empréstimos, dívidas no cartão de crédito, entre outros.
Para efetuar a inscrição nos bancos de dados, são exigidos, em geral, a qualificação do devedor, o valor da dívida, a data do vencimento, o número do contrato, a identificação do fornecedor e a data do registro. Essas entidades de proteção ao crédito costumam estabelecer normas internas que exigem o transcurso de determinado prazo após o vencimento da obrigação para proceder o cadastramento.
3 SPC e SERASA: Proteção ao crédito ou SANÇÃO?
Os serviços de proteção ao crédito, aqui restringidos ao SPC e SERASA, possuem em seus bancos de dados inclusões que são conhecidas como cadastros de inadimplentes, nos quais constam o CPF ou CNPJ das pessoas que não quitaram suas dívidas no prazo estabelecido contratualmente.
Porém, existem divergências por parte da doutrina acerca da real natureza jurídica de tais cadastros.
Aqueles que concordam com este tipo de serviço, alegam que o mesmo representa uma proteção ao crédito, com o objetivo de informar as instituições vinculadas (financeiras ou comerciais), que a pessoa sob consulta descumpriu obrigação anterior, e, por conseqüência, tem potencial de descumprir também as obrigações de um contrato futuro. Nessa linha de raciocínio, Nehemias Domingos de Melo afirma que "no exercício regular de seus direitos as empresas credoras podem e devem negativar o nome de seus clientes inadimplentes junto aos serviços de proteção ao crédito. Esse é um direito líquido e certo".[7]
Desta forma, aqueles que sempre honraram suas obrigações e estiveram em dia com estas, não tem o que temer, pois não sofrerão qualquer ato de restrição à sua liberdade de comprar ou contratar, tendo garantido o direito ao crédito.
Os que defendem tal corrente, dizem ainda, que como o número de inadimplentes é crescente a cada dia, o sistema de informações tem uma grande importância no mercado consumidor, uma vez que seria impossível realizar negócios sem prévia consulta a tais cadastros.
Contrariamente, outra vertente doutrinária, como a aqui representada por Carlos Covizzi, afirma que pessoas que defendem a existência destes sistemas não conferem adequada atenção aos direitos constitucionalmente assegurados pela nossa Lei Maior, tampouco à outra face obscura da realidade do SPC e SERASA.[8]
Carlos Covizzi, sob a ótica constitucionalista, comenta que:
O impedimento de acesso ao crédito pelo não pagamento de prestação apontada nos serviços de proteção ao crédito, equipara-se a uma sanção, legitimada somente se aplicada pelo Poder Judiciário, o que significa deduzir que assim impostas é equiparável àquelas deduzidas pelos juízos de exceção[...].[9]
No mesmo sentido, Nehemias Domingos de Mello, que acusa a atuação do SPC e SERASA como meios de cobrança abusivos, diz:
[...]por constituir bem público, jamais a concessão de crédito poderia estar tão simplificada ao ponto de uma simples informação na tela do computador, fria, mormente incompleta, as vezes equivocada, servir para o fechamento absoluto das portas do sistema financeiro ao pretenso consumidor de crédito.[10]
Neste diapasão, vemos que não é apenas a proteção ao crédito que está em jogo, como alguns defensores dos serviços de restrição ao crédito parecem crer. O simples fato de ser apontado no rol de inadimplentes pode causar danos enormes e irreparáveis para aqueles que ali se encontram negativados, pois além de lhe serem atribuídos o rótulo de "mau pagador", tem cerceados vários de seus direitos assegurados, sobretudo pela Constituição Federal.
Evidenciamos hoje, de forma freqüente, situações graves, por exemplo, de pessoas que por terem seus nomes inclusos nestes cadastros, não conseguem adquirir uma vaga no mercado de trabalho, pois constitui pré-requisito para certos empregos que o indivíduo tenha seu nome "limpo" no mercado.
Inúmeros são os casos de reclamações de cunho consumerista nos Juizados Especiais Cíveis em todo o Brasil, no qual se busca uma tutela imediata para que seja retirado o nome de tais bancos de dados, já que esses apontamentos provocaram um leque de transtornos nas relações pessoais e profissionais dos indivíduos. A quantidade dessas ações judiciais é enorme e chegam a abarrotar estes Juizados e as Varas Especializadas do Consumidor, o que evidencia a insatisfação dos consumidores frente aos abusos que lhe são praticados neste particular.
Ademais, não é por menos que a lei estabelece que o credor
por título extrajudicial com força executiva, diante da inadimplência, tem a
seu dispor a ação executiva, ou, a monitória, quando o título não tiver força
executiva; ou, ainda, a ação de cobrança pelo rito ordinário. Caso contrário,
se não fosse a via correta estabelecida pelo legislador, tais medidas judiciais
seriam meros atos dispensáveis, aos quais, aqueles que têm um crédito em mora
ou inadimplido poderiam simplesmente dispensar a apreciação judiciária em
detrimento da coação ao restringir o crédito de alguém, o que seria mais
cômodo, mais ágil e menos oneroso.
Logo, verifica-se que o fato de ter o nome incluso nos cadastros de restrição
ao crédito constitui uma grave sanção para aqueles que, por motivos muitas
vezes alheios a suas vontades deixaram de honrar com as obrigações contraídas,
sendo por isso sentenciados pelos órgãos da chamada "ditadura do
crédito" implantada neste país.
4 A Eficácia direta dos direitos fundamentais nas relaÇÕes privadas
Cumpre neste momento, ressaltar a importância e defender a aplicabilidade da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais garantidos no ordenamento jurídico brasileiro, possibilitando uma maior observância para as relações tratadas neste trabalho.
Na concepção tradicional, os direitos fundamentais são considerados direitos de defesa, destinados a proteger o indivíduo contra a intervenção do Estado, criando uma área de ingerência estatal, ou seja, assegurando a esfera de liberdade daquele indivíduo contra interferências ilegítimas do Poder Público.[11]
Neste sentindo, Gilmar Ferreira Mendes afirma que:
Os direitos fundamentais conferem aos seus titulares a possibilidade de impor seus interesses em face do Estado e, como elemento fundamental da ordem constitucional, formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.[12]
Entretanto, numa visão mais atualizada das relações estabelecidas entre diversos setores da sociedade, é inegável que as agressões contra os cidadãos das diversas camadas sociais não advém apenas do Estado, mas, como entende Daniel Sarmento, de uma gama de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e o ramo empresarial[13].
Ressalta-se, que quando falamos na eficácia horizontal dos direitos fundamentais estamos nos referindo à incidência dos mesmos naquelas relações ditas "horizontais", ou seja, relações jurídicas estabelecidas entre particulares, situado numa relação hipotética de igualdade, ao contrário das relações "verticais" entre particular e o Estado, onde existe a clara relação de poder-sujeição.[14]
Conforme pensamento de Ingo Wolfgang Sarlet, existem no âmbito jurídico atual duas correntes doutrinárias distintas que abordam o tema relativo aos destinatários da vinculação dos direitos fundamentais na esfera privada, quais sejam, as relações que ocorrem entre particulares em geral, e as relações que se estabelecem entre o indivíduo e os detentores do poder social[15]. Verifica-se que essa primeira relação citada se caracteriza por uma virtual igualdade entre as partes, vez que estão situados fora das relações de poder, o que não ocorre com a relação existente entre particulares e empresas, por serem notoriamente relações desiguais.
Daniel Sarmento entende que:
[...]a fixação de limites para a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares envolve um problema de ponderação com a autonomia privada. Destaca ainda, que um dos fatores primordiais que deve ser considerado nas questões envolvendo a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é a existência e o grau da desigualdade fática entre os envolvidos. Em outras palavras, quanto maior for a desigualdade, mais intensa será a proteção ao direito fundamental em jogo.[16]
Daí conseguimos compreender a crítica feita à expressão "eficácia horizontal", uma vez que o termo horizontal sugere a idéia de igualdade entre os pólos da relação, o que não ocorre na maioria das vezes, visto o grande número existente de poderes privados nas relações entre particulares, sendo melhor aplicado a seguinte expressão: "a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas".
Como o objeto do estudo proposto funda-se nas relações entre empresas e pessoas, compartilhamos do mesmo entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet ao dizer:
[...]constata-se a existência de relativo consenso a respeito da possibilidade de se transportarem diretamente os princípios relativos à eficácia vinculante dos direitos fundamentais para a esfera privada, já que cuida induvidosamente de relações desiguais de poder, similares às que se estabelecem entre os particulares e os poderes públicos.[17]
Na mesma linha, já existem decisões judiciais de diversos Tribunais brasileiros acolhendo a tese de que os direitos fundamentais devem ser aplicados diretamente nas relações entre particulares. Em decisão ocorrida em 2005, o Supremo Tribunal Federal julgou o recurso extraordinário nº. 201.819/RJ, no qual um associado da União Brasileira de Compositores (UBC) foi excluído do quadro desta sociedade civil sem qualquer garantia a ampla defesa, contraditório, ou do devido processo legal.
O STF decidiu a favor do associado, negando por maioria, provimento ao recurso interposto pela UBC. No seu voto, o Min. Gilmar Mendes confirmou o posicionamento de que as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.[18]
5 A restrição ao crédito e as agressões aos princípios
Para que possamos abordar os princípios jurídicos agredidos pelos cadastros de restrição ao crédito, faz-se necessária a exata compreensão da expressão "princípio".
Miguel Reale externa que:
Princípios são, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.[19]
A Constituição Federal caracteriza-se como sendo a norma maior do Estado de Direito. É a partir de tal Diploma Legislativo que se orienta a conduta dos membros da sociedade, bem como todo o sistema normativo infraconstitucional, vez que nele estão inseridos os princípios de natureza política, jurídica e social do Estado.
Para Guilherme Ferreira da Cruz, é a Carta Magna que indica a titularidade dos poderes do Estado, quais são estes poderes, como devem ser exercidos e quais os direitos e garantias assegurados aos cidadãos. O próprio autor acentua ainda que, dentro da CF existe um escalonamento hierárquico de normas, sendo as mais importantes aquelas que veiculam princípios, que são nada mais que verdadeiras diretrizes do ordenamento, ou melhor, "vigas mestras, alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico".[20]
Inúmeros são os dispositivos constitucionais que lidam com a proteção dos direitos e garantias do consumidor em geral. E como a figura do consumidor equipara-se a do cidadão, "todos os princípios e normas constitucionais que tutelam os direitos dos cidadãos são também, extensivos ao consumidor pessoa física".[21]
Assim, os serviços de proteção ao crédito, da maneira como foram implementados na sociedade brasileira, provocam graves violações aos direitos fundamentais e contradizem as garantias individuais constitucionalmente asseguradas aos cidadãos que nele estiverem incluídos.
5.1Princípio da legalidade
O princípio da legalidade deve ser compreendido como expressão máxima do Estado Democrático de Direito. Ele atua não só como um meio de ordenação racional, com regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência, mas como a busca efetiva de concretização da igualdade social. É através dele que os cidadãos têm a segurança de que só estarão obrigados a fazer aquilo que está determinado em lei.
Nessa linha, José Afonso da Silva conceitua-o como:
[...]um princípio basilar do Estado Democrático, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda sua atividade fica sujeita a lei, entendida como expressão da vontade geral[...]. [22]
Como já exposto anteriormente, o impedimento de acesso ao crédito pelo não pagamento da prestação apontada nos serviços de proteção ao crédito, equipara-se a uma sanção. Assim sendo, para que fosse legal tal tipo de punição ao cidadão, seria necessária uma norma jurídica que a previsse como determina a Constituição ao expressar o princípio da legalidade em seu artigo 5º, inciso II: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei".
Desta forma, como pode alguém ser impedido a deixar de comprar ou contratar um serviço em virtude de simples informações, verdadeiras ou falsas, que imputam uma suposta inadimplência?
Verifica-se portanto, que o cerceamento do acesso ao crédito aplicado a supostos "maus pagadores", contraria o dispositivo expresso na nossa Lei Maior ao passar informação negativa aos credores sobre determinado indivíduo.
5.2Princípio devido processo legal
O artigo 5º, incisos LII e LIV, da Constituição Federal confere aos cidadãos a garantia do devido processo legal ao assegurar que: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
Não há, no corpo normativo, definição objetiva acerca do conteúdo do princípio do devido processo legal. Porém, a partir da compreensão de distintos juristas depreendem-se considerações relevantes, especialmente quanto ao campo de abrangência deste preceito, a partir do que se permite visualizar a amplitude do instituto. Assim, compreende-se que o due process of law é uma garantia de processo ordenado segundo a lei.
Neste mesmo pensamento, Alexandre de Moraes, aduz que:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa. [23]
A garantia do devido processo legal está vinculada a história da sociedade democrática de direitos, pois é um instrumento que visa afirmar a liberdade do próprio homem diante da luta pela contenção do poder e das atitudes arbitrárias, garantindo o direito de defesa.
O desrespeito a esta norma Constitucional se torna evidente ao ser inserido o nome de uma pessoa nos cadastros restritivos ao crédito, desencadeando um processo que culmina com a sua condenação sumária e ilegal, gerando-lhe inúmeros danos patrimoniais, conseqüências diretas do cerceamento do direito ao crédito.
5.3Princípio do contraditório e ampla defesa
O princípio do contraditório vem disciplinado na Constituição Federal pátria no art. 5º, LV, juntamente à garantia da ampla defesa, no seguinte sentido: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Esse dispositivo legal expressa uma fundamental manifestação do Estado Democrático de Direito, que é a garantia do direito de defesa, que se traduz na bilateralidade dos atos e termos do processo, para que se possa formar a livre convicção do magistrado.
Verifica-se facilmente, que a inclusão da pessoa nos cadastros do SERASA e SPC, do modo como é feita, não permite ao cidadão o direito ao contraditório e a ampla defesa.
Esses sistemas emitem uma suposta informação de inadimplemento como real e não concedem ao apontado a oportunidade de se defender. Mesmo se o indivíduo procurar estas empresas, como acontece freqüentemente, a fim de mostrar que tal informação não procede, o mesmo não obtém o resultado satisfatório de ter seu nome retirado destes bancos de dados, pois estas instituições alegam apenas repassar informações, não tendo preocupação alguma com a veracidade do seu conteúdo.
O direito ao contraditório e ampla defesa deve ser respeitados mesmo em relação aqueles que se encontrem em situação de inadimplência, pois a qualquer um deve ser dado o direito de se defender, seja para mostrar os motivos pelo qual a obrigação não foi cumprida, seja para comprovar não possuir nenhum débito com a empresa que realizou o apontamento.
6 A INVIOLABILIDADE DOS DIREITOS PREVISTOS NO ART.5 º, X, DA CF/88
Outro aspecto que merece destaque neste trabalho é de como a restrição ao crédito está diretamente ligada com a agressão aos direitos personalíssimos inerentes às pessoas. Estes direitos são irrenunciáveis e intransferíveis, onde a idéia de personalidade está intimamente ligada à pessoa, pois exprimem a aptidão genérica para adquirir direito e contrair obrigações. Trata-se deum atributo dos indivíduos, ao qual os acompanharão por toda vida.
Guilherme Ferreira da Cruz elucida o tema ao dizer:
[...]o ser humano possui uma gama de valores próprios, que são postos em sua conduta, não apenas em relação ao Estado, mas igualmente na convivência com seus semelhantes. Por isso, devem ser aclamados não apenas os direitos de natureza patrimonial, mas também aqueles que repercutem no seu patrimônio pessoal, privativo. Daí a conclusão de que seu objeto consiste na proteção à integridade moral do sujeito.[24]
Buscando uma proteção efetiva a estes valores individuais, o texto constitucional, através de seu artigo 5º, inciso X[25], assegurou a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, garantindo a indenização por dano moral e material decorrente da sua violação. Estes aspectos fazem parte integrante da dignidade da pessoa, jamais podendo ser maculados, visto que representam repositório de segredos e particularidades do foro moral e íntimo de cada indivíduo.
A privacidade, conforme pensamento de José Afonso da Silva, pode ser entendida como "o conjunto de informações acerca de um indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito".[26]
É neste mesmo sentido que, Gilmar Ferreira Mendes compreende que:
O direito à privacidade conduz à pretensão do indivíduo não ser foco da observação por terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características particulares expostas a terceiros e ao público em geral.[27]
A honra é um bem precioso ao qual as pessoas carregam por toda sua vida. Luiz Rizzatto Nunes a define como sendo "um valor social de que goza um indivíduo".[28] Para o autor, ela é uma qualidade inerente das pessoas de bem, ligada, sobretudo, aos conceitos de coragem, honestidade, prestígio e reputação.
A imagem não está só relacionada ao semblante e aparência de um determinada pessoa, mas também é associada a partes distintas do seu corpo, podendo ser definida como "uma projeção da personalidade física (traços fisionômicos, corpo, altura, gestos, indumentárias, etc) ou moral (aura, fama, reputação, etc) de um indivíduo no mundo exterior".[29]
Inegável é que todos esses direitos personalíssimos garantidos pela Lex Mater são constantemente ameaçados e violados através dos sistemas de bancos de dados abordados neste estudo, que agridem livremente e sem nenhum pudor, diante dos olhos do Poder Público, a privacidade de cada um para obter dados de ordem pessoal e financeira, ferindo-lhes a honra e a imagem perante o meio social.
7 A vedação Constitucional ao Tribunal de Exceção
O Tribunal de Exceção é constituído ao violar princípios básicos de direito constitucional e processual, tais como imparcialidade do juiz, direito de defesa, contraditório, e todos os demais relacionados ao devido processo legal.
Estabelece o inciso XXXVII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que "não haverá juízo ou tribunal de exceção". Felipe Vieira conceitua o Tribunal de Exceção como:
[...]aquele instituído em caráter temporário e/ou excepcional. Não desfruta de legitimidade constitucional suficiente para a sua sustentação, pois contraria o princípio do juiz natural. É no regime de exceção onde ele mais se manifesta. Assim, sua presença é muito comum em estados ditatoriais. São tribunais instituídos em flagrante desobediência ao princípio da igualdade e da legalidade democráticas. [30]
Assim, em face de análise exposta nos itens anteriores, a SERASA e o SPC, no exercício de suas atividades, caracterizam-se como verdadeiros tribunais de exceção, vez que condenam a pessoa apontada em seus bancos de dados, sem nenhuma apreciação anterior do Poder Judiciário, apenas com base em informações de origem duvidosas, as quais lhes são repassadas pelas entidades financeiras e comerciais a estes vinculados, sem qualquer critério ou controle.
8 A pROIBIÇÃO DE cobranças abusivas prevista no cdc
O chamado Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), promulgado em 11 de agosto de 1990, nasceu de expressas determinações constitucionais dos artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso V[31], que inseriram a defesa do consumidor como sendo um dos direitos fundamentais a ser protegido pelo Estado Democrático de Direito.
A criação deste diploma normativo estabeleceu diretrizes e normas para regular as relações de consumo no Brasil, devendo ser aplicado em todos os meios aos quais haja a presença do consumidor. Carlos Henrique Martinez define o CDC como "um conjunto de normas imperativas de ordem pública e de interesse social, de aplicação irrenunciável, que visa a reequilibrar as relações de consumo, sempre no pressuposto da vulnerabilidade do consumidor".[32]
Ao disciplinar as cobranças de dívidas, o art. 42 do CDC estabelece que "na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça". Esta norma sintetiza o real anseio do legislador em vedar o excesso nas cobranças de débito de consumidores, tentando manter um certo equilíbrio entre os dois lados da relação consumerista.
A negativação do consumidor, indubitavelmente, é uma prática abusiva, constrangedora e vexatória para cobrança de débito, ao qual expõe o consumidor ao ridículo, convertendo-se em ato coativo exercido pelo fornecedor de um produto ou serviço para forçar o consumidor a pagar a sua dívida, servindo não somente como um meio abusivo de cobrança, mas como uma forma de amedrontar e punir duramente o cidadão pelo não pagamento da dívida contraída.
Neste sentido, Marco Antonio Pizzolato, ao discorrer sobre a ilicitude do SERASA, afirma que "tais bancos de dados não realizam qualquer situação de proteção ao consumidor e sim, fins escusos, arbitrários e de pressão das instituições financeiras contra credores".[33]
Ao permitir e normatizar os bancos de dados que armazenam informações negativas de uma pessoa, através do art. 43, parágrafo primeiro, do CDC[34], o legislador não deteve a atenção e cuidado devido ao prejuízo que essa norma poderia trazer ao princípio da defesa consumidor, vez que este dispositivo legal entra em contradição não apenas com todos os princípios constitucionais abordados anteriormente, mas com o próprio espírito do código, que almeja uma proteção efetiva ao hiposuficiente (consumidor), sobretudo, ao proibir a prática de cobrança constrangedora.
9 os danos gerados pela restrição ao crédito
No ordenamento jurídico brasileiro, o dano causado a alguém sempre é precedido de um ou mais atos ilícitos, cujo qual é praticado de forma culposa ao ir de encontro com normas jurídicas pré-estabelecidas, violando direitos subjetivos individuais, e por conseqüência, causando prejuízo a outrem.
Trazendo para a realidade do trabalho aqui desenvolvido, verifica-se que a restrição ao crédito constitui prática desprovida de legalidade constitucional, vez que o credor, ao inserir o nome de certo devedor nestes bancos de dados, aqui restritos ao SERASA e SPC, age de forma contrária a legislação brasileira, visto que se utiliza de meios contestáveis para reaver o seu suposto crédito, ao invés de seguir os meios legais para o fim desejado, como o ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário.
Carlos Covizzi, ao referir-se a tal prática entende que:
O fato de o credor repassar informações negativas do devedor aos serviços restritivos, com o objetivo de receber o crédito que julga ter direito, é ato abusivo, porque antes de tudo, está agindo com desvio de finalidade de conduta, vereda que além de ofender os direitos subjetivos do devedor, aplica-se-lhe ainda, uma severa pena sem o salutar crivo do poder judiciário.[35]
Desta forma, a negativação por si só, constitui abuso de direito, vez que se enquadra no art. 186, do Código Civil[36], e conseqüentemente, configura-se como ato ilícito, acarretando em danos de diversas naturezas ao consumidor hiposuficiente. Qualquer informação depreciativa repassada por estes serviços, sem a anterior tutela de órgão judicial, gera danos, que sem dúvida não podem ficar sem punição. Nota-se, que a indenização não deve ser imputada tão somente a entidade responsável pelo banco de dados, mas, deve atingir solidariamente a empresa que indicou solicitou a restrição do indivíduo.
A reparação dos danos deve ser aplicada da forma mais abrangente possível, pois tem o objetivo de tentar restabelecer o patrimônio da vítima a situação que se encontrava no momento anterior ao ato ilícito praticado por esses serviços. Utiliza-se o termo tentar, pois, como se trata de agressão, sobretudo, a direitos de naturezas não patrimoniais, impossível seria reparar integralmente o estrago causado a imagem ou honra de uma pessoa.Deverá haver a apuração dos danos, seja ele de caráter material ou moral, para que haja a devida indenização pela prática arbitrária realizada.
Cumpre neste momento, observar a mudança que está sendo estabelecida nos posicionamentos dos Tribunais por todo o país, visto que, cada vez mais, surgem decisões que determinam o caráter ilegal dos cadastros de restrição ao crédito, como os mantidos pelas entidades aqui abordadas.
Apesar de, ainda não haver posicionamento definido a respeito da inconstitucionalidade das negativações, verificamos julgados recentes que compelem as Entidades a retirar o nome do devedor e indenizá-lo quando se tratar de inclusão indevida.
INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL. Responsabilidade exclusiva da Ré porque constituiu causa adequada para o evento danoso. Risco previsível e comum, que poderia ter sido evitado se tivesse agido com diligência e prudência. Valor da verba indenizatória fixado nos limites da proporcionalidade e razoabilidade. NEGA-SE SEGUIMENTO AOS RECURSOS NA FORMA DO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC.( TJRJ Ap. nº 2008.001.26927. 1 ª Câmara Cível, rel. Des. Vera Maria S. Von Hombeeck. Julgamento em 29/05/2008).
INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL. COMPROVAÇÃO. Nas hipóteses de negativação indevida, a aferição do dano moral dá-se in re ipsa, vale dizer, a própria negativação revela a existência do dano, este consubstanciado na restrição do crédito. Desnecessário que a parte comprove haver deixado de contratar ou comprar, porquanto seria irrazoável esperar que, mesmo sabedora da restrição, tentasse se utilizar do crédito inexistente. Na espécie, a extensão do dano foi devidamente ponderada, à luz dos diversos precedentes que deram origem ao entendimento sumulado pela Corte (Súm. nº 89 TJRJ). Recurso a que se nega provimento.(TJRJ. AP nº 2008.001.10874. 4 ª Câmara Cível, rel. Dês. Suimei Meira Cavalieri. Julgamento em 20/05/2008).
Decisões similares no TJ-SP:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. - Telefonia fixa. - Alegação de que a ré ofereceu a instalação de uma segunda linha telefônica no endereço comercial do autor, com isenção do custo de instalação, mediante o pagamento tão-somente das tarifas de utilização. - Circunstância não negada pela ré na contestação. - Alegação do autor que, assim, deve prevalecer. - Incidência do artigo 6o, VIII, do CODECON. - Sentença mantida no ponto. BANCO DE DADOS. - Ação indenizatória. - Inclusão do nome do autor no cadastro de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito. - Descabimento no caso. - Débito que foi objeto de acordo entre as partes. - Restrição que, no caso, ademais, foi mantida pela ré mesmo após ter sido quitado o débito antes do vencimento pelo autor. - Circunstância caracterizadora do dano moral no caso. - Sentença mantida no ponto. DANO MORAL. - Ação indenizatória. – Cobrança indevida de débito e inclusão do nome do autor no banco de dados de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito. - Arbitramento da indenização por dano moral no caso em R$ 3.000,00. - Valor que, na hipótese, se mostra insuficiente para compensar o autor pelos danos sofridos e exemplar a ré para não voltar a incidir na mesma falta. - Valor da indenização elevado para R$ 9.000,00. - Sentença reformada no ponto.(TJSP. AP nº 7104839600,23 ª Câmara Cível., rel. Des. Oséas Davi Viana. Julgamento em 14/05/2008)
RESPONSABILIDADE CIVIL - Indenização - Danos morais – Inclusão indevida do nome do autor no SCPC - Reconhecido o direito à reparação, alinhada aos parâmetros comumente adotados pela Turma Julgadora para casos da mesma natureza - Recurso do autor desprovido e parcialmente provido o do réu - Sentença parcialmente reformada.(TJSP. AP nº 1235472000, 21º Câmara de Direito Privado, rel. Des. Ademir Benedito. Julgamento em 14/05/2008)
10 CONCLUSÃO
Por fim, através de tudo que foi abordado no presente artigo, fica comprovado que os atos praticados pelas empresas restritivas ao crédito estabelecidas em nosso país constituem um verdadeiro flagelo na nossa sociedade atual. As negativações realizadas pelo SPC e SERASA trazem como conseqüência imediata a obstrução de todas as formas de crédito, acarretando ao cidadão danos, de cunho patrimonial, social e moral, prejudicando a sua imagem perante a sociedade, uma vez que passa a ser visto como pessoa de caráter duvidoso e não cumpridor de suas obrigações. É inadmissível que na sociedade atual a informação não autorizada possa sobrepor aos valores individuais e a dignidade humana.
O Estado Democrático de Direito em que vivemos consagrou princípios fundamentais embasados nos Direitos Humanos Universais. Ele tem por objetivo reduzir antíteses econômicas e sociais, o que só se torna possível com a devida aplicação da Constituição Federal, que representa os anseios e interesses da maioria. Assim, como bastião dos direitos assegurados a todos, a Lei Maior, deve ser aplicada e respeitada universalmente.
Finalmente, concluímos o nosso artigo utilizando as palavras do egrégio Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar, que, em memorável voto pronunciou:
A inserção de dados pessoais do cidadão em bancos de informações tem se constituído em uma das preocupações do estado moderno, onde o uso da informática e a possibilidade de controle unificado das diversas atividades da pessoas, nas múltipla situações de vida, permite o conhecimento de sua conduta pública e privada, até nos mínimos detalhes, podendo chegar à devassa de atos pessoais, invadindo área que deveria ficar restrita à sua intimidade; ao mesmo tempo, o cidadão objeto dessa indiscriminada colheita de informações, muitas vezes sequer sabe da existência de tal atividade, ou não dispõe de eficazes meios para conhecer o seu resultado, retifícá-lo ou cancelá-lo. E assim como o conjunto dessas informações pode ser usado para fins lícitos, públicos ou privados, na prevenção ou repressão de delitos, ou habilitando o particular a celebrar contratos com pleno conhecimento de causa, também pode servir, ao estado ou ao particular, para alcançar fins contrários à moral ou ao direito, como instrumento de perseguição política ou opressão econômica (STJ. RESP nº 22.337-8-RS. Julgado em: 13 de fevereiro de 1995).
A existência de entidades privadas que funcionam em favor de grupos comerciais e financeiros fornecendo informações duvidosas ao público com objetivo de lucro, não pode ser mais tolerada em nosso meio social, pois promovem um grande retrocesso aos direitos garantidos ao longo dos séculos pelos indivíduos que lutaram pela liberdade no Estado Democrático de Direito ao qual felizmente vivemos.
11 REFERÊNCIAS
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[1] Trabalho de Conclusão do aluno do 9º semestre do curso de Direito do Centro Universitário Jorge Amado, orientado pelo professor André Batista Neves.
[2] BESSA, Leonardo Roscoe. Bancos de dados de proteção ao crédito e as dívidas sob discurssão judicial. Clubjus, Brasília. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/cbjur.php?artigos&ver=2.8319> Acesso em: 08 de novembro de 2008.
[3] BESSA, Leonardo Roscoe. Bancos de dados de proteção ao crédito e as dívidas sob discurssão judicial. Clubjus, Brasília. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/cbjur.php?artigos&ver=2.8319 Acesso em: 10 de novembro de 2008.
[4] SERASA. Histórico. Disponível em: www.serasa.com.br/empresa/serasa/index.htm. Acesso em: 17 de março de 2008.
[5]CDL Natal. Dicas ao Consumidor. Disponível em: http://www.cdlnatal.com.br/secoes.php?id=6. Acesso em 20 de maio de 2008.
[6] COVIZZI, Carlos. Práticas Abusivas da SERASA e SPC. 3 ª ed., São Paulo: Edipro 2003, p.17.
[7] MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral nas relações de consumo: doutrina e jurisprudência. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008,p.128.
[8]COVIZZI, Carlos. Práticas Abusivas da SERASA e SPC. 3 ª ed.,São Paulo: Edipro 2003, p.24-25.
[9]Ibidem, p.29.
[10] MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral nas relações de consumo: doutrina e jurisprudência. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 133
[11] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.3.
[12] Ibidem, p.3.
[13] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e relações privadas. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 185.
[14] PEREIRA, Jane Reis Goncalves. Apontamentos sobre a Aplicação dasNormas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre particulares. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 135.
[15] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos findamentais. 9ª ed., Porto Alegre: Livraria do advogado, 2008, p. 401.
[16] SARMENTO, op. cit., p.260-261.
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos findamentais. 9ª ed., Porto Alegre: Livraria do advogado, 2008, p.402.
[18]STF. RE n. 201.819/RJ. Segunda turma,rel. Min. Ellen Gracie. Julgamento em 11 de outubro de 2005.
[19] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11 ª ed., São Paulo: Saraiva, 1986, p. 60.
[20] CRUZ, Guilherme Ferreira da. Princípios Constitucionais das relações de consumo e dano moral: outras concepções. 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.63.
[21] Ibidem, p.64.
[22] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p.420.
[23] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.6 ª ed., São Paulo: Atlas,1999, p. 112.
[24] CRUZ, Guilherme Ferreira da. Princípios Constitucionais das relações de consumo e dano moral: outras concepções. 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.99.
[25] CF/88, art.5º, X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indeização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
[26] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p.206.
[27] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p.380.
[28] NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do consumidor. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p.43.
[29] DURVAL, Hermano. Direito à imagem. São Paulo.1ª ed. Saraiva.1988, p.105.
[30] VIEIRA, Felipe. Inadimissibilidade do Tribunal de Exceção. Disponível em: <http://concursosviavideo. com.br/paginas_htm/htm_artigos_prof_felipe_coment_inadmissibilidade.htm > Acesso em: 29 de maio de 2008.
[31] CF/88, art. 5º, XXXII: "o Estado promoverá, na forma de lei, a defesa do consumidor". CF/88, art. 170, V: " A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V – defesa do consumidor".
[32] MARTINEZ, Carlos Henrique. Ilegalidade e Inconstitucionalidades dos sistemas SERASA S/A, SPC e dos Órgãos de Proteção ao Crédito. 1ª ed., Salvador: Capa, 2004, p. 33.
[33] PIZZOLATO, Marco Antonio. O SERASA e a ilicitude de seus atos. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em: <www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=668> Acesso em: 05 de agosto de 2008.
[34] CDC, art. 43, parágrafo primeiro: "os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos".
[35] COVIZZI, Carlos. Práticas Abusivas da SERASA e SPC. 3 ª ed.,São Paulo: Edipro 2003, p.121.
[36] CC/2002, art. 186: "aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".