Síndrome de Estocolmo: uma análise da Psicologia Jurídica
Por larissa souza santos | 12/12/2013 | DireitoSíndrome De Estocolmo: Uma Análise Da Psicologia Jurídica[1]
HORTA, Amanda Carvalho[2]
SANTOS, Larissa Souza²
JARDIM, Georgita Maria[3]
RESUMO
Este artigo tem como objetivo explanar os aspectos psicológicos e jurídicos da Síndrome de Estocolmo, abrangendo desde as causas que originam seu processo de desenvolvimento até as consequências advindas da relação de identificação e aproximação entre os envolvidos. Por ocorrer de forma inconsciente, a vítima não compreende a situação de perigo em que se encontra, recusa ajuda e protege o agressor, como se este fosse o único responsável por sua sobrevivência. Tais atitudes refletem fortemente em questões jurídicas, devendo o operador do direito estar atento quanto à aplicação e interpretação da lei, mormente a de cunho criminal, em que se calcula a pena-base do acusado ou afere-se possíveis causas de excludentes de punibilidade do mesmo, baseadas na condescendência da vítima.
Palavras-chave: Síndrome de Estocolmo, vítima, agressor, psicologia, direito.
ABSTRACT
This article aims to explain the psychological and legal aspects of the Stockholm Syndrome, ranging from the causes of development process to the consequences arising from the relationship of identification and approximation between involved. Because occur unconsciously, the victim does not understand the dangerous situation in which he is, refuses assistance and protect the abuser, as if he were solely responsible for their survival. Such attitudes reflect heavily on legal issues, the operator must be aware regarding the application and interpretation of the law, especially those with criminal content, which the penalty-based of the accused is calculated or shall be gauged possible causes of the exclusionary punishment even based on the victim forgiveness.
KEYWORD
Keyword: Stockholm Syndrome, victim, aggressor, psychology, law.
INTRODUÇÃO
O estudo ora promovido pretende abordar aspectos psicológicos e jurídicos da Síndrome de Estocolmo, estado mental desenvolvido pela vítima a fim de se identificar ou até mesmo conquistar a simpatia de seu agressor. A criação deste estado se justifica como uma válvula de escape da situação de perigo em que aquela se encontra, como forma de não causar a si maiores prejuízos. Entretanto, todo esse processo desenvolve-se inconscientemente.
Antes, porém, de adentrar à síndrome em questão, faz-se necessária uma análise dos institutos intrínsecos ao problema, bem como a conceituação das ciências comportamentais envolvidas: a Psicologia e o Direito. Mais especificamente à Psicologia Jurídica, ramo recente da Psicologia que objetiva tratar dos fundamentos psicológicos da justiça e do direito.
A psicologia, segundo definições atuais e resumidas, é o estudo dos fenômenos da mente e do comportamento humano e as suas interações com o ambiente físico e social. A palavra é derivada de termos gregos, quais sejam psyche (mente ou alma) e logos (conhecimento). A partir de uma profunda análise, objetiva-se fazer com que o homem encontre o equilíbrio entre a razão e a emoção ao enfrentar suas dificuldades emocionais.
Por se tratar de um campo de conhecimento recente, ainda são vários os objetos da Psicologia, podendo alguns serem citados, conforme o cientista que os desenvolveu. A partir desta ideia, nota-se que enquanto o objeto de estudo do psicólogo comportamentalista é o comportamento humano, o objeto de estudo do psicólogo psicanalista é o inconsciente.
Não obstante às várias vertentes de análise de objeto, a Psicologia traz enfoque em todas as suas áreas sobre o estudo da subjetividade, que consiste no espaço íntimo do indivíduo com o qual ele se relaciona com o mundo social, ou seja, “é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural”. (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 1999, p. 22).
O Direito, por sua vez, originou-se a partir do momento em que o homem não mais viveu só. Aristóteles afirma que o homem é um ser social. É no semelhante que se encontra a realização dos desejos e angústias pessoais. Desta convivência, a fim de buscar harmonia e cooperação mútuas, é necessário que haja regras que impeçam a existência de conflitos e divergências entre seus habitantes e que organizem a vida social, conforme os costumes e valores locais.
O desenvolvimento da técnica para a ciência jurídica se dá de acordo com a evolução da própria sociedade. É o que afirma Rosemiro Pereira Leal quando diz que:
A passagem de técnica para a ciência, no campo do direito, é uma transposição feita pelas conquistas teóricas do povo em seus enunciados de libertação e sobrevivência em padrões mínimos de dignidade, ainda que até hoje não suficientemente atingidos. (LEAL, 2011, p.3)
Destarte, não se torna difícil notar que Psicologia e Direito encontram-se intimamente ligados. Isto porque ambos tratam do comportamento humano, ambos analisam um sujeito de deveres e direitos, inserido em um grupo social.
Outrossim, destaca-se a notoriedade da importância em ressaltar os benefícios advindos da união das duas ciências, mormente no contexto atual. Jorge Trindade confirma esta ideia quando profere os seguintes dizeres:
O mundo moderno necessita superar o âmbito das disciplinas e do fazer separado, este responsável pelas abordagens reducionistas tanto do ser humano, como da vida e do mundo. A crise da ciência é uma crise pós-disciplinar. Um saber individualizado e disciplinário já não encontra vez num mundo marcado pela complexidade e pela globalização. O tempo da solidão epistemológica das disciplinas isoladas, cada qual no seu mundo e dedicada ao seu objeto próprio, pertence, se não a um passado consciente, pelo menos a um tempo que deve ser urgentemente ser reformado em nome da própria sobrevivência da ciência. (TRINDADE, 2010, p. 28)
Finalmente, abordando-se a Psicologia Jurídica em si, nota-se que é um ramo da Psicologia que está a se construir, tanto pela ausência de métodos científicos na área jurídica, como pela recenticidade da Psicologia, que remonta sua história e influência a disciplinas como Filosofia e Religião.
Clemente define a disciplina como:
O estudo do comportamento das pessoas e dos grupos enquanto têm a necessidade de desenvolver-se dentro de ambientes regulados juridicamente, assim como da evolução dessas regulamentações jurídicas ou leis enquanto os grupos sociais se desenvolvem neles. (CLEMENTE, 1998, p. 25)
Muñoz Sabaté (1980) explica a importância da Psicologia Jurídica sob dois aspectos: o legislativo, contribuindo para a construção de legislação mais adequada à sociedade, e o jurídico, como forma de se organizar a administração da justiça.
É com enfoque na disciplina da Psicologia Jurídica e em sua devida importância no contexto atual que abordaremos a Síndrome de Estocolmo e todas as suas implicâncias, a fim de buscar maiores esclarecimentos em relação à mesma, para que entre os envolvidos, se faça justiça.
SÍNDROME DE ESTOCOLMO – ORIGEM, CONCEITO E CONTEXTO HISTÓRICO
Em 23 de agosto de 1973, o assaltante Jan-Erik Olsson entrou com metralhadora e explosivos na filial da Kreditbanken, situada na Praça de Norrmalmstorg, em Estocolmo, capital Sueca, a fim de roubá-lo. Após intensa troca de tiros com policiais, Olsson manteve quatro pessoas que ali estavam como reféns e fez exigências como armas, dinheiro, carro, liberdade e que lhe fosse trazido ao banco Clark Olofsson, presidiário e criminoso muito famoso no país.
O assalto gerou bastante interesse aos expectadores, não só por sua duração e apreensão, mas também porque puderam presenciar a reação inusitada dos reféns quando libertos, após seis dias de sequestro. Contrariamente ao que se esperava, estes últimos desenvolveram laços afetivos com seus sequestradores que logo ficaram aparentes. Isto porque, quando policiais iniciaram suas estratégias em libertar as vítimas, estas recusaram ajuda, usaram seus próprios corpos como escudo aos agressores e imputaram toda a culpa do fato aos profissionais responsáveis pela solução do crime.
O criminólogo e psicólogo, Nils Bejerot, foi o responsável pela criação da nomenclatura “Síndrome de Estocolmo”. Depois de contribuir com a tarefa dos policiais no assalto, Nils mencionou o termo numa reportagem e, a partir daí, este passou a ser usado por psicólogos do mundo inteiro.
Jorge Trindade descreve a Síndrome de Estocolmo nos seguintes dizeres:
Quando uma pessoa passa por uma situação extremamente crítica em que sua existência fica completamente à mercê de outra, que detém o poder de vida ou de morte sobre ela, pode-se estabelecer um tipo de relação dependente em que a vítima adere psicologicamente ao agressor. Nesses casos, pode-se estabelecer uma espécie de amor ou paixão que decorre de um processo inconsciente de preservação cujo mecanismo mais evidente se expressa pela idealização e pela identificação, notadamente pela identificação projetiva, através da qual características da vítima são projetadas no agressor, com o fim de manter o controle do outro, defender-se dele e proteger-se de um mal grave e inesperado que ele pode causar. (TRINDADE, 2010, p. 213).
Além do assalto em Norrmalmstorg, houve muitos outros casos em que as vítimas foram diagnosticadas com a síndrome. É o caso de Natascha Kampusch que, em 1998, desapareceu a caminho da escola na Áustria. A vítima que, até então, tinha apenas dez anos, só foi encontrada oito anos após o ocorrido. Isto porque seu sequestrador Wolfgang Priklopil, a manteve durante todo esse tempo em cativeiro numa cela de 54m² na garagem de sua casa. Em 2006, por um descuido de Priklopil ao atender o celular, Natascha conseguiu fugir e chamar a polícia. Seu captor, ao saber do ocorrido, suicidou-se se jogando em frente a um trem em movimento. A síndrome foi identificada porque após saber do suicídio de seu agressor, Natascha chorou muito e, em entrevistas posteriores ao fato, declarou que sentia pena e chegou a referenciá-lo com palavras gentis. Declarou também, que o suicídio era previsto caso fugisse, mas que naquele momento, teve que optar entre sua vida ou a dele.
Um caso brasileiro que chamou a atenção dos repórteres foi o sequestro de Patrícia Abravanel, filha do apresentador de televisão, empresário e dono da SBT, Sílvio Santos. Em agosto de 2001, Patrícia foi sequestrada em São Paulo e mantida em cativeiro durante uma semana. Após sua libertação, em entrevista dada na varanda da casa de seu pai, lembrava-se com carinho de seus raptores e dizia se compadecer dos mesmos.
A síndrome também é tratada na literatura, em filmes e em músicas. Pode-se citar o conto da Bela e a Fera, em que a donzela é mantida em cativeiro por um monstro, ambos desenvolvem um relacionamento afetivo e acabam se casando. Outrossim, há o filme Jogos Mortais, em que a personagem Amanda, após ter concluído as provas do assassino Jigsaw, desperta o interesse do mesmo, passando os dois a trabalharem juntos. E, por fim, bandas de rock como Muse, Blink 182 e The Who tem músicas que retratam a síndrome como tema principal.
Diante da complexidade do comportamento e da mente humana frente a situações de perigo e da anormalidade das reações de vítimas que portem a síndrome inconscientemente, é necessário e de suma importância que se entenda o processo em que esta se desenvolve, como estratégia de sobrevivência advinda de um transtorno mental.
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME, REQUISITOS E RELAÇÃO COM OUTROS TIPOS DE DOMINAÇÃO
Conforme já explicitado anteriormente, a Síndrome de Estocolmo é uma identificação, uma simpatia desenvolvida por aquele que está em situação de risco em face de seu dominador. Muitos entendem como uma forma inconsciente de autopreservação, um mecanismo, por vezes, utilizado pelo cérebro para permitir a sobrevivência em situações em que a morte é iminente.
Neste capítulo iremos tratar dos fatores que devem estar presentes no caso concreto a fim de que se verifique a ocorrência da Síndrome. Importante ressaltar tais requisitos para que não haja confusão entre a Síndrome de Estocolmo e outros transtornos pós-traumáticos que podem conter características semelhantes, mas consequências diversas.
Um exemplo que se verifica é a lavagem cerebral ou reforma do pensamento, como coloca a psicologia. Esta é vista como uma forma de mudança de comportamento que, em primeira análise, pode se assemelhar à Síndrome de Estocolmo. Alimenta a semelhança o caso da americana Patty Hearst; herdeira de um império de comunicação, a jovem foi sequestrada por um grupo paramilitar e reapareceu, meses depois, assaltando um banco ao lado do grupo. Psicólogos divergem em seu diagnóstico posto que suas ações podem ter sido guiadas por uma forte necessidade de autopreservação ou consequentes de um processo de submissão e educação o qual evidenciava-se a lavagem cerebral.
Em ambos os casos o comportamento do indivíduo foge ao que seria considerado “padrão”. Contudo, cabe ao presente estudo diferenciar os dois fenômenos. Nesse sentido, considera-se que na reforma do pensamento o dominador, deliberadamente, busca através da submissão, persuasão e educação mudar a forma de pensar do dominado. Na Síndrome de Estocolmo, por outro lado, essa mudança ocorre de forma inconsciente e parte do próprio oprimido.
Os requisitos exigidos para que a Síndrome seja diagnosticada são, segundo Jorge Trindade (2010, p. 213) o(a): evento traumático (assalto, sequestro, abuso sexual, violência) com ameaça física ou psicológica; crença de que o desfecho irá acontecer; a percepção da vítima, no contexto de terror, de gestos de atenção (carinho, amabilidade, gentileza) por parte do agressor; e o sentimento de impotência para escapar.
Quanto ao processo de desenvolvimento, a Síndrome inicia-se com um evento traumático e estressante em que o indivíduo se vê como um prisioneiro e cuja fuga é impossível. Ele sofre ameaças e abusos, sendo a obediência a única forma de manter sua integridade.
Com o tempo, a obediência cega não é a mais a forma segura de garantir a sobrevivência. O dominador também está em situação de estresse e a variação de seu humor pode gerar sérias consequências. A partir desse momento, a vítima busca “ler” o agressor de forma a compreender qual ato poderia deflagrar ações de violência por parte do mesmo. Jorge Trindade confirma esta ideia quando afirma que “a vítima, além de não conseguir sentir ódio pelo seu agressor, ainda passa a se colocar em seu lugar, a ver o mundo através de seus olhos, pois, afinal, é pelos olhos do agressor que a vítima se constitui como sujeito.” (TRINDADE, 2010, p. 214) Essa busca de entendimento e compreensão gera um conhecimento do dominador pelo dominado e é colocada como a segunda estratégia de sobrevivência que o inconsciente procura.
Conhecendo melhor a pessoa responsável pela situação a qual lhe foi imposta, o oprimido tende a conhecer os fatores que corroboraram para o acontecimento, bem como as perspectivas do opressor acerca daquela situação. As informações supracitadas quando associadas a pequenos gestos de gentileza do agressor, que geralmente se limitam a alimentação e ao simples fato de ainda não ter matado a vítima, torna o mesmo como um indivíduo que, em última análise, é bom.
O agressor, portanto, começa a aparecer menos ameaçador, haja vista que o inconsciente, a fim de sobreviver e diminuir o estresse da situação, faz com que o dominado realmente acredite que aquele que lhe infringe a agressão é seu amigo, que não o matará e que juntos eles podem encontrar uma alternativa para resolver o conflito no qual estão inseridos.
Ademais, a pessoa que sofre a agressão passa a ignorar o fato de que o agressor é a origem do risco o qual ameaça sua sobrevivência, criando assim uma auto ilusão. A consequência disso é que quem está “do lado de fora” deixa de ser um aliado, ao passo que busca ferir o ser com quem a vítima se identifica e possui afeição.
Por fim, é relevante comentar que, ao contrário do que o senso comum postula, a Síndrome de Estocolmo não se manifesta apenas em relações entre sequestradores e sequestrados, reféns e bandidos. Historicamente, o fenômeno analisado neste artigo pôde ser observado entre servos e seus senhores e entre os sobreviventes de campos de concentração. Hoje, o quadro pode ser desencadeado por relações de trabalho extremas nas quais, geralmente, observa-se o assédio moral e até mesmo em casos de violência doméstica, em que a mulher nutrindo ainda um sentimento positivo em relação ao marido, não permite que acusações sejam a ele atribuídas.
ASPECTOS JURÍDICOS DA SÍNDROME DE ESTOCOLMO
A palavra síndrome denota um conjunto de sintomas que ocorrem em conjunto, caracterizando a existência de uma doença. No estudo em comento, porém, não se trata de uma doença física, mas uma doença de causa psicológica que ocorre, portanto, no plano mental.
Os efeitos da Síndrome na vítima ocasionam interesse ao Direito. Isto porque a ambivalência do comportamento desta dificulta a elucidação do processo e, até mesmo, a punibilidade do agente.
Como vimos, na Síndrome de Estocolmo, a vítima passa por um evento traumático e desenvolve, num processo de preservação inconsciente, uma aproximação ao agressor. A Vitimologia, ramo da Criminologia, está estreitamente preocupada em analisar os impactos causados na vítima, na família e na sociedade a partir do delito, bem como a relação delinquente-ofendido nessa situação.
O estudo vitimológico, então, deve ser coordenado para que se possa identificar esse comportamento ambíguo que dificulta a resolução do conflito. Há países, por exemplo, que utilizam técnicas diferenciadas na elaboração dos quesitos formulados para o depoimento dessas vítimas. Assim, quando se percebe que os fatos narrados por elas não se assemelham com a realidade aferida por outros indícios e depoimentos, busca-se, através dos questionamentos direcionados, não permitir que a interação do ofendido com o ofensor dificulte a justa punição deste.
Ocorre que, como se trata de uma doença psicológica, é necessário certo cuidado, pois a vítima, muitas vezes, desenvolve um sentimento de empatia em relação ao agressor e, por conseguinte, passa a rejeitar qualquer tipo de ajuda ou de interferência, considerando tais atitudes como intervenções desnecessárias e até mesmo, invasivas.
Do mesmo modo com que o Direito se atenta ao instituto da Vitimologia, atenta-se também, à Dosimetria da Pena, ou seja, o cálculo da pena imputada ao réu do crime, que, conforme disposto no art. 59 do Código Penal Brasileiro, atenderá às seguintes circunstâncias:
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (...)
A partir da disposição colacionada, é notória a importância da análise das consequências advindas do delito na vítima, podendo configurar motivo para que o juiz fixe uma pena-base menor.
Outro ponto interessante ao Direito trata-se das causas excludentes da punibilidade do agente expressas no art. 107 do Código Penal. Seguem abaixo as causas que interessam especificamente à Síndrome, quais sejam:
Art. 107. Extingue-se a punibilidade:
(...)
IV – pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
(...)
A decadência, como excludente de punibilidade, e a Síndrome de Estocolmo passam a ter um ponto de intersecção quando se analisa a possibilidade da vítima se mostrar inerte ante ao lapso temporal de seis meses que dispõe para oferecer a queixa no caso de uma ação penal privada. Isto ocorre porque o ofendido, ainda muito ligado ao agressor, não admite que qualquer punição seja a este imputada.
A renúncia ao direito de queixa, assim como na decadência, ocorre pelo fato do agredido não intencionar a punição de seu ofensor. Consoante ao previsto no entendimento doutrinário, a vítima externa sua vontade de renunciar de forma expressa ou tácita. Manifestar-se-á expressamente quando assinar declaração perante a autoridade policial e tacitamente ao passo que começa a praticar atos incompatíveis com a vontade de ver o delito solucionado.
Contemplado, também, pelo inciso V do artigo transcrito, o perdão do ofendido difere-se da renúncia. O perdão acontece após o início da ação penal e depende da anuência daquele contra quem o processo foi instaurado.
Tratando-se ainda de ações privadas, não se pode olvidar a nova relação feita pelos psicólogos a qual correlaciona a Síndrome e os casos de violência doméstica. O estudo psicológico ao mapear as reações dos agredidos concluiu que os sintomas desses se assemelham aos das pessoas que desenvolveram a Síndrome após sofrerem traumas como sequestros ou cárceres privados. Sendo assim, as vítimas de violência doméstica também são isoladas e impedidas de receberem ajuda passando a se adaptarem a situação como uma forma inconsciente de superar a agressão. A consequência evidenciada é o não oferecimento da representação na ação penal a fim de que o agressor não seja punido ou mesmo processado pelo delito cometido. Quando oferecem representação, muitas das vezes, ainda se retratam.
O comportamento das vítimas nos processos em que a ação penal é pública não se difere da conduta apresentada nas ações privadas. A ação penal pública é aquela cuja promoção, pelo Ministério Público, independe da manifestação de vontade da vítima. Neste diapasão, como o ofendido não tem como impedir o oferecimento da denúncia, ele busca, no meio do processo, diminuir a culpa que deve ser atribuída ao ofensor, abstendo-se de dar informações em seu depoimento ou contribuindo de qualquer outra forma para que findo o processo o agressor tenha uma punição moderada.
Diante de todo o exposto acerca da relação entre a psicologia e o direito em casos cujas vítimas desenvolvem síndromes como a aqui estudada, percebe-se que deve haver um estudo minucioso e conjunto dos operadores de ambas as áreas, para que a execução da lei não acabe por se transformar em um instrumento de opressão a quem se pretende proteger. Assim sendo, para que o conflito seja resolvido, a punição do ofensor não deve ser o único alvo. Deverá se primar também pela vontade da vítima, aquela que mais sabe a intensidade da lesão de seu direito.
CONCLUSÃO
O presente estudo buscou analisar a Síndrome de Estocolmo e sua importância para a Psicologia e para o Direito, bem como a imprescindibilidade de sua análise através da ótica simultânea de duas ciências.
Pode-se depreender que a Síndrome ocasiona uma aproximação entre o agressor e a vítima. De forma inconsciente, prezando por sua auto preservação, esta procura conhecer melhor aquele, criando, por conseguinte, uma relação amigável, a ponto de não mais reconhecê-lo como alguém que lhe colocou em situação de risco, mas sim como alguém que deve ser protegido daqueles que estão “de fora” e visam puni-lo.
Tal comportamento influencia na aplicação do direito ao passo que o ofendido não se dispõe a representar contra o agressor, em crimes de ação privada, ou prefere diminuir sua culpa em casos em que a denúncia não lhe compete, ou seja, nos crimes de ação pública. A relação vítima-agressor pode, por exemplo, ser mais importante para o ofendido que sua vontade em ver punido aquele que lhe provocou todo o sofrimento. Sendo assim, o raciocínio simplista ao se tipificar determinada conduta, desconsiderando a observação dos sujeitos e as circunstâncias do fato criminoso é, por vezes, uma forma de agredir, novamente, a quem o Estado visa proteger.
Contata-se, por fim, que este estudo não procura defender que o aplicador do direito seja negligente na punição daquele que cometeu um ato contra outrem, tampouco busca legislar acrescentando a relação amigável advinda da Síndrome como uma excludente de punibilidade. Mas que, por outro fim, procure demonstrar que o operador do direito deve, em conjunto com psicólogos, analisar a conduta de forma complexa e exercer um trabalho responsável, depreendendo não só os atos do agressor, mas também e principalmente, a vontade da vítima, em relação à intensidade da punição a ser aplicada, para que assim, possa ser alcançada a justiça almejada.
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SITES:
[1] Artigo científico apresentado como requisito para a conclusão da disciplina de Psicologia Jurídica, no Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes
[2] Acadêmicas do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
[3] Coordenadora do artigo e professora de Psicologia Jurídica no curso de Direito da Unimontes.