Santos do século XX: trajetória da arquitetura e urbanismo
Por Carlos Finochio | 27/04/2011 | ArteSANTOS: ARQUITETURA E URBANISMO NO SÉCULO XX
Tradição, rupturas e permanências
Na concepção da arquitetura residencial colonial na baixada santista, até a difusão do estilo neoclássico do século XIX, a casa popular se diferenciava da elite principalmente no tamanho, já que, tanto a elite como setores populares viviam sob o mesmo partido arquitetônico. A casa da elite tinha mais cômodos e era assobradada, mas os materiais e a falta de elementos decorativos eram um padrão de unidade de uma mesma linguagem arquitetônica colonial.
A casa não era usada como espaço para lazer e convívio social, travando relações com pessoas de outras famílias. A rua era o espaço ativo para a sociabilidade, lugar de encontro, brigas, festas, reuniões, passeatas, comércio e trabalho. Esse espaço público se manifestava como uma dependência a mais da casa até o início do século XX, concorrendo com o "programa das necessidades" de uma residência.
O partido adotado, como lembra Paulo Cursino de Moura, segue princípios do cotidiano:
"É jardim, é curral, é lavabo, é enxurro de necessidades. Nas calçadas de tijolos ou de pedras largas e toscas, se enfileiram as cadeiras, assim como uma arquibancada para os espetáculos de todos os dias. No meio, de canto a canto, o jogo de amarelinha para as crianças, o de malha para os moleques ou a correria em animais fogosos. À noite, ao luar, a guitarra, a viola, e os melosos queixumes das serenatas plangentes. A rua é tudo e a rua se forma assim. Assim se forma a cidade."
As intervenções em nome da modernidade, com atuação no espaço público através dos órgãos de saneamento, vão interferir na casa e na rua, no espaço público e privado já nos últimos anos do século XIX .
Era normal hospedar parentes e amigos, que vinham do interior ou mesmo da capital, nas residências. A cidade do século XIX, não possuía uma infra-estrutura hoteleira que suprisse as necessidades dos viajantes a negócios.
Desde os tempos coloniais, a hospitalidade era uma obrigação, mais que uma virtude. "É claro que os hóspedes eram selecionados conforme a posição social" .
Somente com o aparecimento da estrada de ferro e os bons hotéis é que essa prática foi desaparecendo. Isso vai alterar a planta residencial que previa um quarto de hóspedes aparentados ou amigos ? algumas vezes no pavimento térreo, longe dos dormitórios assobradados da família de elite. "Para quase todos, havendo parentes na cidade, era ofensiva a procura de um hotel" .
As casas, construídas sobre porões altos, permitem escadarias, geralmente em mármore, ladeadas por corrimão trabalhado em cimento num desenho de curvas tipicamente barroco, ou em ferro batido sugerindo o floral nas delicadas linhas do contemporâneo francês "art noveau". É nessa mistura de diversos elementos de estilos que encontramos o comentado estilo "eclético" dos primeiros anos do século XX.
Esse contexto se repete não só nos edifícios oficiais, mas nos novos palacetes que vão ser construídos nos bairros mais próximos à orla da praia e ao longo das avenidas que cortam a cidade. Na região do Valongo, os casarões guardam elementos diferentes, mesmo pelas suas finalidades e estruturas específicas do período em que foram construídos. Conservam os requintes característicos da segunda metade do século XIX, com imponência representativa do período do café em Santos. Diferente, os casarões dos novos bairros do início do século XX cumpriam a função única de residência.
Ainda durante o século XIX e os primeiros anos do século XX, os cortiços caracterizavam a habitação popular urbana na cidade de Santos. A precariedade destas unidades era alvo de preocupação na questão de salubridade por serem consideradas foco de doenças. Eram cômodos para dormitórios construídos em tábuas com telhados de zinco nos quintais das casas, estabelecimentos comerciais, ou como sublocação de porões. Não havia banheiros ou latrinas. Em 1893, a Comissão Sanitária do governo estadual pretendia acabar com os cortiços propondo a construção, urgente, de vilas operárias para acomodar os seus moradores. Essa responsabilidade caberia à municipalidade.
Uma alternativa estava na construção dos "chalés". Esse tipo de habitação popular teve início, na realidade, no fim do império e se manteve até a Primeira República.
Até o final do século XIX, a Barra era onde existiam chácaras de moradia e recreio. Entre esses dois pólos (Centro-Barra), uma vasta área de baixa vegetação se mantinha vazia.
Os bairros, como o Macuco, Campo Grande e Vila Matias, estavam sendo servidos com as novas linhas de bondes, facilitando o transporte para o trabalho. Foi nesta área que surgiram os bairros populares onde foram edificados os famosos "chalés" . Surgem por vários fatores, como a
necessidade de moradia para os operários que não podiam pagar os altos aluguéis cobrados no centro, ou como alternativa para aqueles que habitavam os cortiços em extinção, pela ação da política sanitária.
Essas casas, agora unifamiliar, surgiram diante da expectativa do sonho da casa própria para os trabalhadores de baixa renda. Alguma coisa mais próxima do conceito de "lar". Ainda longe do ideal pretendido pela ideologia de modernidade , cada unidade podia contar com um jardim na frente, recuo da rua e até uma horta no quintal com árvores frutíferas.
Diante da falta de uma política habitacional para a construção das casas operárias, o mutirão foi o meio de viabilizar a questão. A madeira era conseguida com certa facilidade; aproveitavam-se as embalagens dos produtos importados, como carros, geralmente em caixas de madeira que vinham da Europa, ou via trem, do interior do estado.
As casas eram erguidas sobre pilaretes de alvenaria com grandes vigas ? poderiam ser trilhos de trem ? para sustentar o assoalho de tábuas. As vigas verticais e horizontais de 4 metros suportavam tábuas unidas por ripas "mata-juntas". Alguns dos moradores locais chegaram a contratar carpinteiros e empreiteiros para ajudar na obra.
A "planta" era simples, constituída por apenas 4 cômodos: quarto, cozinha, sala e banheiros individualizados. Uma pequena varanda na frente e lateral com cercas de ripas verticais conhecidas como "periquito".
"O mobiliário era simples, mas, em geral, as casas eram servidas por água e luz. A escada de acesso dava em um alpendre e a cozinha e o banheiro se voltavam para os fundos do terreno, já o quarto e a sala para a frente do lote."
As refeições eram feitas durante a noite, antes de cobrirem a casa com o zinco. A dona da casa preparava a comida para os companheiros que trabalhavam a noite toda na obra, tudo deveria ser muito rápido, não poderiam perder um dia em "detalhes" que podiam esperar. Somente nos anos de 1940 é que as janelas foram fechadas com venezianas por exigência do poder público, após reconhecerem as casas oficialmente.
A Companhia Santista de Habitações Econômicas, de propriedade de Roberto Simonsen, através de um contrato com a Prefeitura de Santos, teve como objetivo a exploração e construção de 500 casas operárias em 1914. Mas, o empreendimento foi interrompido visto que o retorno não justificava o capital empregado, alegava-se que "A classe trabalhadora prefere habitar nas casinhas de madeira em pleno campo, livre da ação disciplinadora da higiene e do fisco" .
Com os novos investimentos na área portuária e no plano de saneamento, a transformação da cidade foi acompanhada pelas mudanças nas formas de morar das elites urbanas. Os novos bairros na orla da praia e a abertura de vias de acesso a novos espaços da cidade favoreciam a elite a oportunidade de residências em locais mais aprazíveis. Antes mesmo da inauguração das linhas de bondes, a área da orla abrigava algumas chácaras de veraneio ou residências da elite santista. Foi nesse período que antigos comerciantes que se tinham transferido para São Paulo, fugindo das doenças, retornaram a Santos .
Os sobrados do início do século XIX, concentrados na região portuária (centro de Santos nos arredores do Valongo) eram tradicionais na cidade, servindo os abastados comerciantes através de uma solução compacta de trabalho e moradia. No térreo, além do comércio, poderia ficar o escritório, depósitos, armazéns, além das oficinas dos escravos e algumas alcovas .
O primeiro andar era destinado à residência da família propriamente dita. A planta alongada, muitas vezes garantia a ventilação apenas pelas aberturas das portas e janelas da frente do edifício e pelos fundos. Na frente, ficava a sala de estar, reservando os fundos para a sala de jantar, a cozinha e os serviços.
Esse esquema, de lote urbano estreito para sobrados geminados, era uma herança lusitana do século XVIII, inspirada na tradição medievo-renascentista. Um tipo de arquitetura bastante padronizada nas plantas e nas suas técnicas construtivas . Percebe-se grande preocupação na simetria e uniformidade das linhas do estilo eclético. A fachada ainda propõe ornamentos com arcadas de pedra de cantaria, pináculos, balaústres, festões e a platibanda característica. É quase uma constante o uso do ferro fundido trabalhado, seja nas bandeiras das portas ou sacadas.
O aspecto formal das fachadas dos sobrados reflete a tentativa de equilíbrio de suas linhas para harmonia do conjunto. A repetição sistemática de elementos decorativos como colunas, capitéis, sobrevergas e cimalhas atuam com o ritmo proposto pelos vazados (portas e janelas) e cheios (paredes sem aberturas) na fachada.
As edificações da elite se libertam do limite do lote, tentando recuos laterais, mas conservando o alinhamento com a via pública. O espaço criado nos lados é destinado ao pequeno jardim. Com isso, no início do século XX, pode-se observar uma arquitetura mais livre em relação aos limites do terreno. Nesse momento, o requinte e a sofisticação surgem com as novas classes sociais da elite que passa a usar o material de acabamento importado .
O poder aquisitivo elevado permitiu ainda, a concepção de uma síntese entre as chácaras tradicionais e os sobrados em lotes urbanos. As casas tendem ao isolamento dos limites laterais e também dos vizinhos e da via pública. É um tipo de implantação característica do início do século XX.
Ao analisar a implantação e planta do edifício, percebe-se as permanências quando comparado com as grandes casas, sede das fazendas dos senhores do café. Um grande jardim cerca o palacete em desenhos simétricos com canteiros e elementos decorativos como pérgulas, fontes e espelho d?água formando lagos ornamentais.
O hall de entrada, sempre em grandes proporções, serve como sala de distribuição para saletas ou salão de festas, com ricos ornamentos barrocos na alvenaria, no estuque e teto. Os projetos, inspirados em palácios franceses, eram elaborados por arquitetos ou engenheiros com acompanhamento do proprietário.
Era o "morar à francesa" , pressupondo a setorização da casa de elite em 3 alas definidas: a de receber e estar, a de repousar e a ala de serviços. Os recuos, agora também laterais, permitiam o acesso ao setor de serviços sem a necessidade de percorrer as outras alas.
O conceito de palacete: constitui um tipo de casa unifamiliar, de um ou mais andares, com porão, ostentando apuro estilístico, afastada das divisas do lote, de preferência nos quatro lados, situada em meio a jardins, possuindo área de serviços e edículas nos fundos. Internamente sua distribuição era feita a partir do vestíbulo ou de um hall com escada social, resultando na divisão da casa em três grandes zonas: estar, serviços e repouso.
O que se pode notar, é que poucas modificações na distribuição nos cômodos ocorriam de uma planta para outra. Isso, em parte, pelo grande tamanho dos terrenos que permitiam uma implantação com bastante liberdade e, a própria topografia plana e uniforme. No térreo, salas, salões (inclusive de jogos) e o living , além de todo o setor de serviços, um lavabo (raramente banheiro) ou um reservado para um lavatório. Havia a sala-praça, local de convívio da família, próxima da cozinha, onde o lazer familiar acontecia. Era uma passagem obrigatória entre a rua e a ala de serviços ou o quintal e ao mesmo tempo se definia como um cômodo de circulação pela sua localização central. Com o novo costume de receber outras famílias para jantares, almoços e lanches foi preciso desvincular a sala praça da questão íntima.
O próprio aperfeiçoamento da iluminação serviu para tornar o local devassado, garantindo a possibilidade de maior contato com amigos dentro de casa no período noturno. A luz farta contribuía para a confraternização. Aquele espaço, descaracterizado, passou a servir de vestíbulo ou o que é chamado de hall de distribuição.
A questão do convívio social, do receber em casa, na nova postura de etiqueta, fez com que se abrissem as portas para os convidados num processo que exigiu uma reformulação da planta da casa de elite nos últimos anos do século XIX. Dessa forma, mais de acordo com o novo gosto da elite do final do século, ocorre uma transformação da área de estar que passou a ser ornada com quadros, tapetes, cortinas, espelhos e papel decorado no revestimento das paredes.
Os palacetes poderiam contar com capela, biblioteca, sala de música (pequena com um jogo de estofado e um piano meia cauda) e gabinete (pequeno escritório). Esses ambientes tinham suas portas voltadas para um terraço que poderia circundar toda a casa ou definidos em pequenas sacadas, individuais. Muitas vezes, tais cômodos se interligavam internamente por grandes portas de duas folhas ou arcos estreitos.
Os vitrais coloridos em estilo art nouveau eram quase constantes. O pé direito alto ? 4 a 5 metros ? permitia um certo conforto térmico reforçado pelo forro revestido de madeira. Seguindo o mesmo princípio, a escadaria de acesso à porta principal recebe tratamento especial quanto a sua estética imponente, marcando a fachada, com a nítida função de ornamento ostensivo. Era paramentada com detalhes na balaustrada que suporta o corrimão, geralmente em cimento ou granito, intercalada por baixas colunas encimadas por grandes vasos ou ânforas ? em certos casos, peças de louça tipo cerâmica do Porto.
Bastante comum, eram as cantoneiras em estilo neoclássico em pedra lavrada ou moldada em cimento, que "suportavam" as sacadas e arcos. As cantoneiras, tipo sancas, têm a função originalmente estrutural, porém, no caso, apenas servia como elemento decorativo.
As estruturas desses casarões, quase sempre, eram superdimensionadas, o suficiente para sustentar 3 ou 4 pavimentos. O exagero estrutural não é como previsão de futuras ampliações, como muitos pregam, na realidade quando se copiavam os edifícios palacianos europeus era comum manter as proporções formais para melhor fidelidade ao projeto.
Da arquitetura da elite do período áureo do café teve como modelo o casarão que abriga a reitoria da UniSantos na rua Euclides da Cunha, 241 construída em 1928/1929 por Francisco de Assis Barbosa Loureiro, construtor na cidade de Santos. O requinte desse palacete mereceu destaque da imprensa na época. Na véspera de sua inauguração, que contou com missa, almoço e baile de gala, a casa ficou aberta para a visitação pública.
Tida como verdadeiro exemplar da arquitetura eclética, tão em voga naquele período, o edifício reúne detalhes decorativos de rara beleza. Piso em mármore preto e rosa formando desenhos geométricos no hall, paredes internas revestidas de gesso trabalhado e pintado, formando grandes painéis coloridos, clarabóia com vitral art noveau inspirado no existente do navio "Conti Verti", no qual Loureiro viajou para Europa. O projeto da casa, do arquiteto alemão Hegel teve constante e decisiva participação do proprietário.
Não menos eclética, quanto à mistura de estilos, o clima criado leva à ostentação, mesmo que isso custe uma baixa no conforto. As viagens de negócios ou mesmo de turismo, eram oportunidades boas para compra de objetos decorativos.
O mobiliário era feito para a nova construção e, raramente sofria mudança ou troca. Cabe lembrar que os arquitetos davam mais importância para o externo que para o interno. Depois de determinada a forma e o tamanho dos cômodos, a arrumação do interior ficava por conta do dono da casa que se via perdido com tantos objetos por comprar. Enfim, todo o equipamento arquitetônico ou decorativo, passando pelo mobiliário e algumas poucas obras de arte, que geralmente reproduziam fazendas dos proprietários, retratos das famílias e raramente uma tela de pintores europeus do neoclássico ou um óleo italiano estavam, seguramente, a serviço do status, da referência social de cada família, do indicador econômico ou poder financeiro do proprietário.
Todo esse ecletismo perdia o sentido num momento em que a palavra de ordem era o desnudamento. Tanto o estilo art nouveau como o art déco precisavam de especialistas, mão-de-obra cara e materiais de alto custo. A partir de 1920, esses novos estilos buscavam seu espaço.
A Exposição Internacional de Paris (1925) já propunha uma arte mais limpa na decoração, mas sem perder o glamour. Nesta mesma exposição, onde surgiu o art déco, um pavilhão intitulado "Espirit Nouveau" propunha uma decoração branca, lisa e sem ornamentos. É o período no qual já se encontram os projetos de Le Corbusier, arquiteto que tanto influenciou a obra de Oscar Niemeyer no Brasil, Walter Gropius e Mies van der Rohe, festejados arquitetos modernos.
O art nouveau se manifesta na residência da avenida Ana Costa, 77 e na avenida Bartolomeu de Gusmão no palacete que abriga a Pinacoteca Benedicto Calixto. Esse último foi residência do senhor Francisco da Costa Pires, comissário de café de respeito na praça de Santos. Anteriormente a casa pertencia a C. A. Dick e foi adquirida em 1910 pelo senhor Pires, tendo que entregá-la por problemas financeiros 3 anos depois.
Sua bela residência, no número 15 da Av. Bartolomeu de Gusmão, reúne os requintes de uma arquitetura que buscou a monumentalidade dos palacetes franceses com detalhes decorativos de grande beleza, como o mobiliário da marcenaria "Casa Costillas". Em 1913, o palacete, serviu de sede do Asilo dos Velhinhos, ficando com essa função até 1921, quando voltou a ser comprada pelo próprio senhor Costa Pires para ser sua residência após reformas.
Poucos metros separavam o palacete de Costa Pires do Parque Indígena, propriedade de Júlio Conceição. Esse último conservou uma sofisticada residência com seus 6 quartos, 3 amplos salões, cozinha equipada com fogão a lenha, terraços, escadarias em mármore, porão alto, sala de jantar mobiliada com mesa para 24 lugares e quadros à óleo de suas fazendas, sala de jogos com mesa de bilhar, living, chalés para os 20 criados e hóspedes, garagem com trilho de bonde guardando um desses exemplares puxados por burro e cabinas de banho ao fundo.
A decoração contava com mobiliários sofisticados como cristaleiras, espelhos, tapeçarias de parede, piso em tábua corrida, tapetes portugueses, retratos de família, relógio, camas com "dossel" e cortinados para a proteção contra os insetos. Entre as aves, os peixes, as plantas e seu orquidário, Júlio Conceição preservou um local especial com plantas típicas da economia agrária do Brasil: os jardins de sua bonita mansão lembravam o "Petit Trianon" de Paris.
Ao falecer, em 1938, grande parte de sua fortuna já se encontrava hipotecada como efeito da crise do café. Parte do acervo deu origem ao Orquidário Municipal existente hoje. Uma placa, colocada por ele no centro de seu Parque Indígena, tinha a seguinte frase: "Brasileiros, o Brasil precisa enfrentar o mundo com a força de sua produção".
Menos monumental, porém, com ricos detalhes de vanguarda arquitetônica da época é a mansão que pertenceu ao Dr. Japhet Valle Porto da Motta, ainda conservada, na Av. Conselheiro Nébias 361 (antigo 363). Elementos do estilo art déco e até mesmo do art noveau foram empregados pelo arquiteto Dalberto Moura Ribeiro, num projeto com linhas mais modernas e mais funcionais, conforme o desenvolvido na Europa naquele tempo.
O arrojado Dalberto, por ter estudado na Alemanha, Roma e Paris, propôs uma edificação fora dos padrões normais para Santos. O terreno comprado de Lowndes Irmãos e Cia. (1911) foi acrescido de novos lotes, chegando a medir 25 metros de frente por 52 de fundo em 1925. A construção da casa terminou em 1921, mas só em 1927 é que o senhor Japhet veio morar com a família, pois foi ocupar um alto cargo no Maranhão como Inspetor da Alfândega.
Em 1924, foi comissionado como inspetor na Bahia. Enquanto isso, a casa foi alugada para Benedito Gonçalves, próspero comissário de café que aguardava o término da construção de sua mansão na avenida Ana Costa (hoje já demolida).
Japhet chegou em Santos (1926) e no ano seguinte, inaugura a casa com uma festa tradicional e a consagração do quadro do Sagrado Coração de Jesus, na sala de visitas (local onde está até hoje). O proprietário pouco desfrutou de sua mansão, pois, em seguida foi trabalhar em Recife, deixando a família em Santos.
Os detalhes do tijolo à vista, na parte superior da fachada, contrasta com as pedras "almofadadas", comuns nas residências da época, que sobem 1,50 m do chão até a altura do porão, servindo como espaço para ventilação, além de refrescar o assoalho da casa.
A entrada pelo terraço com suas duas grossas pilastras (trapezoidais) permite o acesso ao vestíbulo, servindo de hall de distribuição para diversos cômodos da parte inferior do sobrado: escritório, sala de visitas, salão de jantar, sala de almoço etc. O revestimento interno das paredes, da época da construção, recebeu pintura em têmpera com desenhos no teto e frisos decorados com guirlandas pintadas no alto.
A pintura esponjada em têmpera pode ser vista na parte social da casa. Lustres de bronze, piso em tábua corrida, batentes com guarnições artísticas, belas cristaleiras e buffet, suportando pratarias e porcelanas, completavam a decoração que teve o mobiliário clássico em madeira escura com belíssimos exemplares do estilo austríaco, além do belo móvel de vitrola de corda "Victor Talking Machine" de 1928. Outro aparelho de som é o rádio de marca "Erla", americano, tipo cômoda; um dos primeiros a chegar em Santos, causando grande impacto entre os conhecidos pela novidade.
O aspecto das mansões que pontificaram na nova zona urbana da cidade, agora na orla da praia, mais uma vez traduzia o novo habitus da elite da região. Longe dos maciços centrais da ilha de São Vicente , servidas por uma malha viária mais elaborada para o transporte urbano, a elite pôde, naquele momento, inaugurar um novo espaço para suas novas posturas no morar e viver a cidade.
O sucesso da monocultura cafeeira paulista propiciou uma transformação no estilo de vida em diferentes regiões e cidades, particularmente para uma nova elite social. As mudanças não são somente estéticas, refletindo nos hábitos do cotidiano. Tais transformações ocorreram, em curto espaço de tempo, mas em diferentes ritmos. A rápida mudança estética, formal, da malha urbana, contrastava com a relativa "lentidão" da transformação do cotidiano como fenômeno histórico permeado pelas permanências. Entretanto, questiona-se: onde detectar esse processo? A questão é evidente quando ao observar as próprias edificações que emergiram com a elite cafeeira da cidade de Santos.
As mudanças e os novos hábitos de viver foram facilitados pelas ferrovias e a liberação da mão-de-obra escrava substituída pela imigrante européia, permitindo novas relações e definindo a chamada elite cafeeira como "empresários do café" o que a identifica com o complexo de atividades ligadas ao café.
Essa nova elite urbana trouxe heranças culturais do mundo rural de estilos de vida nas casas grandes das fazendas de café. A elite cafeeira foi um setor que dominava, além dos negócios do café, bancos, meios de transportes e parte significativa da economia do país e orgulhosos da descendência dos bandeirantes.
Um novo elemento da modernidade se aliou ao setor empresarial a partir dos empreendimentos na área da rede ferroviária, tornando-a itinerante, possibilitando a divisão do tempo entre a grande propriedade monocultora produtora de café no oeste paulista e suas atividades na cidade de São Paulo, agora a capital dos fazendeiros de café. Esse processo se estende até a cidade de Santos com a implementação da rede que servia o "trem dos fazendeiros do café".
(...) O trem saía cedo da Estação da Luz, levando fazendeiros e comissários a Santos, de onde retornavam à tardinha.
Santos era a cidade onde se instalaram os escritórios dos negócios cafeeiros. Os fazendeiros passaram a residir na capital do estado, vindos de suas fazendas com sedes imperiais, que cederam espaço às construções palacianas no mais perfeito rigor do modismo francês do final do século XIX .
"As grandes capitais da jovem República constituíam o horror a qualquer um que tivesse habituado aos padrões arquitetônicos e sanitários de grandes capitais européias, como Paris, Londres, Viena e São Petersburgo, a Nova York e Washington, ou mesmo às cidades secundárias dos países centrais. "
Essa ampliação da área de atuação dos cafeicultores trouxe uma mudança das relações sociais no campo, onde Santos se mostrou palco de transformações. O crescimento urbano caracterizou-se uma maior complexidade social que rompeu com o cunho afetivo pessoal dos tempos do coronelismo do setor latifundiário.
Ao adentrar os lares aristocráticos urbanos, ou melhor, ao romper os limites dos lotes palacianos, antes mesmo de entrar no edifício, a implantação e os equipamentos externos revelam a tradição das grandes fazendas. Basta observar os espaços reservados para a horta, galinheiro, o pequeno pomar, o caramanchão ladeado por uma mangueira, abacateiro ou pé de jabuticaba. Edículas isoladas umas das outras com funções diferenciadas como: casa de criados, estufa para plantas exóticas, lavanderia, coberturas abrigando grande mesa para repouso da criadagem (onde se costumava encontrar um membro da família a descascar uma laranja, ou ainda uma manga recém caída do pé).
Na nova esfera de inspiração européia, o lote urbano permitia rompimentos com os limites do espaço público, revelando uma implantação livre de geminados e alinhamentos com o passeio público numa situação com avantajados recuos nas laterais, frente e fundos da edificação, atestando as novidades das relações entre o público e o privado. O grupo guarda distância, não permite maiores aproximações e intimidades, seleciona aqueles a quem concede algum contato. Toda essa atitude tem o sentido de deixar clara a posição que ocupa na hierarquia social ? identificar-se através de sinais de distinção.
Tais sinais de distinção podem se traduzir em diversos ícones do imaginário, passando pelo comportamento e na constituição do modo de viver, abrigado por uma arquitetura carregada de elementos importados, que identificam o partido e a condição hegemônica da elite santista.
Obedecendo a leitura de ícones que caracterizaram a elite empresarial de Santos, o monumento remanescente mais evidente que resistiu ao tempo e a contratempos foi a arquitetura, implantada em lotes urbanos que permitiu alguns elementos e edificações menores nos fundos do terreno, denunciando o modo específico de viver. Dessa forma, a casa do cocheiro ou motorista ? geralmente 2 ou 3 ? ao lado da garagem, era um novo componente na organização e implantação das edificações da época. Isso foi permitido pelo desmembramento do edifício, erguido em um corpo compactado na forma assobradada desde os tempos coloniais, que podia contar com edículas e outras pequenas edificações agregadas aos novos costumes da elite palaciana.
Os anos de 1930 não refletem mais o auge pelos bons negócios com o café. O reflexo do fechamento da Bolsa de Nova York, marco da crise internacional de 1929, chega de forma avassaladora, mesmo com um reflexo tardio na economia da cidade, a crise afetou a elite empresarial santista.
Falências, hipotecas e outras dificuldades, provocam a volta de várias famílias para o interior, algumas para as fazendas, onde havia base para a alimentação e as despesas eram menores.
Já nos anos 1940, as famílias que conseguiram superar as dificuldades financeiras, retornaram à Santos tentando comprar, novamente, suas antigas residências e propriedades. Foi o caso da Família Pires, que desde o século XIX, empreendeu na cidade e edificou seu palacete na avenida da praia, a qual recentemente abriga a Pinacoteca Benedicto Calixto, com seu estilo eclético e fortes tendências ao art noveau.
Os efeitos da crise, as soluções buscadas e encontradas, a retomada da economia e os novos costumes que desenham o cotidiano estão ligados ao boom imobiliário: alternativa de investimentos que se iniciou na cidade de Santos nos anos 1940 e por toda a década de 50.
O período definiu uma nova estética arquitetônica projetada sobre a malha urbana de Santos:
- Palacetes cederam lugar a edifícios de moradias compactados.
- Grandes hotéis se transformaram em pensões ou prédios de apartamentos de temporadas com um dormitório ou do tipo quitinete.
- Teatros cederam seus palcos para a exibição de filmes pornográficos.
- Cafés se renderam aos bordéis no centro da cidade.
- Salões dos restaurantes foram ocupados por balcões que apóiam bebedores de pinga ou cerveja.
- Os últimos casarões neoclássicos de Santos voltaram a abrigar cortiços e casa de aluguel de quartos para a prostituição.
O antigo e tradicional Clube XV resistiu ao tempo, com seu seleto quadro de sócios, até os anos 1980, passando por sérias crises financeiras, mas ostentando sua tradição como associação de elite. Recentemente, sem sede própria, em campanha e permutas com a iniciativa privada, tenta se manter com um diminuto número de sócios. Na tentativa de resgatar os momentos de glória do passado, alguns bailes de gala e de debutantes foram promovidos pelo Tênis Clube de Santos, nos últimos anos.
Já há quatro anos sem a sua tradicional festa, o clube mantém alguns nomes da elite empresarial santista no seu quadro. Juntamente com o Clube dos Ingleses, o Tênis Clube aglomera os sócios mais tradicionais da elite empresarial atuante nos dias de hoje.
Os novos tempos trouxeram novas concepções estéticas para a cidade que teve seu acervo e sua estrutura urbana vinculados ao desenvolvimento do setor cafeeiro, sendo impossível identificar uma homogeneidade estética na cidade durante o predomínio do café.
Na primeira metade do século XX, a cidade contava com a empresa "Companhia Construtora de Santos" dirigida pelo Dr. Roberto Simonsen, engenheiro, e o Sr. Haroldo Murray. Responsável por inúmeras obras, não só na cidade de Santos, mas em vários estados do Brasil em trabalhos para o governo e exército. Em 1922, com escritórios em Santos, S. Paulo e Rio de Janeiro a Cia. Construtora de Santos empregava cerca de 50 engenheiros e mais de 15.000 operários segundo relatório apresentado à "Assembléia Geral dos Acionistas" em março de 1923.
Na cidade, vários exemplos do ecletismo foram erguidos sob os projetos da empresa. As construções como o prédio da sede do Jockey Club de Santos, residências ao longo da avenida Conselheiro Nébias, o prédio da Associação Comercial de Santos, o Palácio da Bolsa Oficial de Café, o prédio do Britsh Bank os South América (Praça Mauá), o monumento aos Andradas (Praça Independência) ? premiado no concurso internacional ? conservam características do ecletismo.
Na Rua XV, esquina com D. Pedro, ergue-se um edifício inspirado no renascimento italiano. Na praça Mauá, um exemplar da arquitetura francesa, sede do antigo Banco Francês (atual Sudameris) em frente à rua XV, teve sua fachada restaurada recentemente.
Outros exemplos da arquitetura eclética do período estão nos edifícios do Atlântico Hotel, no Teatro Coliseu (construção do Sr. Ciriaco Gonzalez), na Escola Cesário Bastos e na Prefeitura Municipal na praça Mauá.
O MODERNISMO NA PAISAGEM URBANA DE SANTOS
Até meados do século XX, a arquitetura santista não dispunha de uma padrão estético que garantisse uma autenticidade de partidos arquitetônicos coerentes com a modernidade.
As construções eram levantadas por empreiteiros licenciados e firmas construtoras dirigidas por engenheiros, geralmente formados na Escola Politécnica da Usp, portadores de diplomas de engenheiros-arquitetos. Uma época em que o curso de arquitetura ainda não havia adquirido autonomia, estando vinculado ao de Engenharia Civil.
Nos anos 1940, Prestes Maia trabalhou em Santos na elaboração do Plano Viário, dando origem ao Plano Regulador de Santos. Esse, determinava a obrigatoriedade dos recuos laterais para edifícios construídos na orla da praia, evitando a muralha de concreto alinhada, tal qual a orla do Rio de Janeiro. O engenheiro-arquiteto Anibal Martins Clemente, primeiro diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos, trabalhou no Plano Regulador junto com Prestes Maia.
A construção da Via Anchieta, pelo Governador Adhemar de Barros, possibilitou os empreendimentos imobiliários pelos paulistas. Um novo impulso na arquitetura santista rumo ao modernismo, ao concreto e novas propostas confrontando com a mentalidade conservadora da cidade.
A adoção de novos estilos na arquitetura de Santos foi fruto da capacidade dos profissionais da arquitetura no domínio do concreto nos arranha-céus. Os chalés abrem espaço para os "altos" edifícios que eram sinônimos de modernidade.
Em 1936, foi erguido o edifício mais alto da cidade de Santos, edifício Sulacap, com seus 10 andares, situado na Rua XV de Novembro, 41. Um prédio comercial, de linhas suaves com elementos inclinados na fachada para a captação de luminosidade zenital por uma clarabóia no seu topo. Construído pela Sul América Capitalização S/A., projeto do arquiteto Roberto Capello, o moderno edifício já possuía ar condicionado central. Todo o material de acabamento foi importado, inclusive os elevadores ingleses e os mármores de Carrara.
Partindo de um anteprojeto de Prestes Maia, de 1937, o arquiteto Hernani Val Penteado, projetou o Palácio José Xavier Carvalho de Mendonça, o fórum da cidade de Santos. Espaços monumentais de grande austeridade, essa arquitetura está intimamente ligada ao caráter que reveste o poder judiciário. A atmosfera é percebida logo no hall de recepção com sua parede envidraçada e revestimento em material frio, legitimando a seriedade pretendida pelo arquiteto. Só em 1950 que o edifício teve sua obra iniciada a cargo da Cia. Construtora Centenário, inaugurado em 1962 na praça José Bonifácio.
Foi o movimento moderno com o seu ideário de revolução estética que modificou os princípios, programas e partidos arquitetônicos, através de um novo sistema construtivo e o emprego de novos materiais.
Tal processo desenvolvido na cidade de Santos espelha a produção arquitetônica do país sob a racionalização das visões de mundo moderno. Foi a partir da análise racional do urbano e das necessidades sociais de abrigo, possibilitando a consolidação dos direitos individuais básicos e da análise do processo de produção do edifício que se formou o contexto para o surgimento da arquitetura moderna e os conceitos que fundamentam sua formulação.
A visão da arquitetura moderna é uma conseqüência lógica da revolução industrial e dos novos processos tecnológicos desenvolvidos. O contexto histórico brasileiro do início do século XX era bastante propício à aceitação da arquitetura moderna, exprimindo o projeto de modernização.
A Escola Nacional de Belas Artes, sob direção de Lucio Costa (1930), se tornou um centro de difusão das teses da Arquitetura Moderna, inspiradas na arquitetura revolucionária alemã de Bauhaus, no movimento construtivista soviético e vienense e, principalmente, nas obras de Le Corbusier e Alvar Aalto
Niemeyer, Vital Brasil, Reidy e outros nomes nacionais, iniciam uma fase de grande produção. Neste período, os arquitetos paulistas se ligam a este movimento, seguindo linhas mais próximas à funcionalidade.
A configuração arquitetônica de Santos está relacionada a esse processo de influências e tendências, graças à proximidade com a capital.
Em 1947 uma nova proposta marca a arquitetura do período. Partindo de um sistema construtivo de 5 arcos parabólicos em concreto armado, os arquitetos Oswaldo Correa Gonçalves e Ícaro C. Mello conceberam a primeira quadra de esportes elevada da região, o ginásio do Clube Atlético Santista na avenida Washington Luís, 105. Sob a grande quadra se encontra a sede social do clube. A fachada está composta de elementos vazados e delgadas colunas, sustentando o pavimento superior compondo os volumes das arquibancadas.
As curvas e linhas retas do estilo moderno permitiam, na paisagem urbana, a implantação das linhas movimentadas do "art déco". Um exemplo dessa estética francesa pode ser constatado na obra do arquiteto Luiz Muzi, presente na avenida Vicente de Carvalho na orla da praia.
O edifício Astro, de 1950, com utilização de mármores e cristais importados no hall de entrada, conta com um mirante envidraçado que permitia um efeito de luz, quando iluminado durante a noite, encimando uma coluna semicilíndrica central da fachada, definida pelos corredores do hall de circulação dos andares tipo. Toda a fachada do prédio, sugere um movimento harmonioso provocado pelo desenho das varandas. O resultado estético pretendia uma atmosfera futurista para a obra, que previa, no primeiro andar, um espaço comercial para a instalação de uma casa de chá e bar. Esse espaço foi utilizado para outros fins comerciais até 1954 quando, por pressão dos moradores, passou a ter uso, exclusivamente, residencial.
Outra proposta de uso misto, comercial/residencial, foi erguida na praça Independência, 15. O edifício de mesmo nome, de autoria do arquiteto Eduardo Corrêa da Costa Júnior, é um dos maiores volumes edificados na região. Sua verticalidade, 17 andares, é suavizada pelo desenho de suas grandes varandas, contínuo, com elementos horizontais. O térreo do edifício Independência abrigou o primeiro teatro moderno de Santos - Teatro Independência.
Forma e cor, foram elementos que o arquiteto João Artacho Jurado, explorou no edifício Parque Verde Mar. A obra, junto com o jardim da praia do Boqueirão, os antigos abrigos de bonde, uma obra de Eduardo Macedo, atual ilha de conveniência, em harmonia com a Fonte Vicente de Carvalho, define um conjunto arquitetônico marcante do período modernista na cidade.
João Artacho Jurado, de origem espanhola, seguiu a mesma linha e partido adotado em suas obras paulistanas sob responsabilidade de sua empresa "Monções Construtora e Imobiliária S/A".
O Edifíco Parque Verde Mar, implantado nas imediações do "Parque Indígena" de Júlio Conceição, apresenta uma facha côncava envidraçada, bastante colorida com elementos vazados no hall de entrada, pastilhas rosas, pretas, amarelas e turquesas, revestindo pilotis para as lajes, de curvas acentuadas na cobertura, plenas de vazados em forma abstratas, dando continuidade aos ousados abrigos de bondes coloridos, que completam o conjunto. A fachada e o interior do prédio sugerem grandes espaços comunitários e de convivência: terraço, jardim de inverno, salão de festas, bar, sala de esportes, sala para crianças com playground, solarium, pergolados, sala de carteado e de estar. O acesso ao edifício pode ser feito através de uma ampla rampa em curvas, inspirada nas obras de Le Courbusier. Um grande painel de elementos vazados define o amplo hall de entrada.
O arquiteto Artacho Jurado, bastante contestado pelo uso exagerado de cores e formas atípicas para o período, seguia a tendência dos arquitetos modernistas Afonso Eduardo Reidy e Oscar Niemayer, junto com um repertório, próprio, mais estridente de materiais, linhas e colorido ousado. Um adepto do "styling".
Os protestos contra Jurado eram, em parte, pelo construtor não possuir diploma de arquiteto no período. Foi um autodidata, com curso técnico em desenho e perspectiva, iniciou suas atividades em São Paulo com a fundação da "Casa Jurado Decorações e Stands" nos anos 1930. Era visto como "Kitsch" e infrator do modernismo.
O Edifício Enseada, na orla do bairro da Ponta da Praia, é um outro marco de sua trajetória na cidade, seguindo os mesmos caminhos trilhados na estética do Verde Mar.
O processo de racionalização se mostra na obra de Adolf Franz Heep (1951), arquiteto nascido na Checoslováquia e formado em Frankfurt. Projetou o edifício Caetê, na rua Pindorama, 17 com soluções racionais de bem construir, propondo unidades de 1 e 2 dormitórios, além de "kitchenettes". Este europeu vai projetar, mais tarde, o famoso Edifíico Itália em São Paulo. Para o litoral, Franz Heep propôs uma obra com vedação externa em caixilhos de madeira e vidro, abusando das linhas retas, das janelas basculantes e das venezianas corrediças.
Uma estética modulada que previa, no projeto, um térreo para uso comercial, com pilotis e fechamento em vidro. A proposta foi frustrada pela alteração do uso do pavimento térreo para fins residenciais, o que eliminou toda a intenção de leveza da parte inferior da edificação.
Outras obras de linhas projetadas sobre a influência do modernismo saíram do papel e se materializaram na cidade de Santos. Nomes de fora (na grande maioria) e de grande expressão no cenário nacional, projetaram e ergueram suas obras.
O arquiteto J. B. Vilanova Artigas e a residência da rua Vergueiro Steidel, 57 com seus volumes geométricos definidos e soluções com pergolados e elementos verticais para quebra-sol é um nobre exemplo da presença do mestre arquiteto na cidade.
Um elenco de respeito e notoriedade profissional inclui nomes como Zenon Lotufo, colaborador de Niemayer na construção do Parque Ibirapuera, projetista do edifício Itamarati na Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, 25 - prédio com linhas de forte influência da obra de Niemayer; Pedro Paulo de Melo Saraiva e o projeto do Residencial Porto Fino na Pinheiro Machado, 1029 com suas linhas horizontais suaves, o uso de material leve, pré-moldados, janelas basculantes e painel da artista plástica Renina Katz no andar térreo; A. Sanovicz e o grandioso Centro Municipal de Cultura com sua estrutura e grelhas de concreto - obra em parceria com J. Katinsky e Osvaldo Corrêa Gonçalves; Francisco Petracco e Pedro Paulo Saraiva, projetando o ed. Porto Velho na Av. Presidente Wilson, 45, onde encontram criativa solução plástica com uso de cubos em relevo como protetores de luz solar, unidos na vertical por elementos vazados de concreto e uso da cor amarela na fachada; Décio Tozzi com seu projeto da Escola Acácio Sampaio na rua 7 de Setembro, buscando uma solução arquitetônica em grande balanço com elementos de concreto aparente.
Arquitetura e paisagismo se integram sob o mesmo ícone modernista em projetos na cidade de Santos. Roberto Burle Marx, paisagista de renome internacional, concebeu o tratamento paisagístico de uma residência em Santos, cujo projeto foi do arquiteto Osvaldo Correa Gonçalves.
Em outra proposta, a integração com a natureza e o aproveitamento do relevo dos terrenos da ilha Porchat, em São Vicente, e dos morros da cidade, arquitetos como Giancarlo Fongaro, Arnaldo Conceição Paiva Filho e o engenheiro Fulvio Nanni, ergueram arrojadas residências que poderiam se projetar sobre o mar, embasadas em penhascos numa rica solução entre concretos e vidros ou mesmo na cota dos alinhamentos das vias urbanas, buscando a harmonia entre o verde, o concreto, a transparência e organização espacial do interior.
Nessa área, mereceu destaque o decorador Irênio Guerreiro Maia e o arquiteto Octacílio Rodrigues Lima, buscando a utilização de novos materiais de revestimento para o interior de seus projetos.
Em 1965 foi criada uma sociedade de economia mista, Prodesan Progresso e Desenvolvimento de Santos S/A. Um órgão técnico dirigido por Anibal Martins Clemente, destinado à organização ao processo de desenvolvimento urbano, através da eliminação de pontos de estrangulamento do desenvolvimento, da mobilização de recursos e programação adequada de sua aplicação, contratando estudos e obras com empresas privadas como o escritório de Oswaldo Correa Gonçalves e Heitor Ferreira de Souza para a elaboração do Plano Diretor Físico do Município. Tal plano balizou o crescimento urbano de Santos, trabalhando em conjunto com o departamento de obras municipais.
Todo o processo de transformação urbana e estética que a cidade de Santos sofreu, no século XX, refletiu tanto no comportamento, quanto na mentalidade da elite empresarial santista ligada aos negócios cafeeiros, imobiliários e financeiros.
Essas influências perpassaram desde questões das relações sociais até no próprio padrão estético da arquitetura santista. Isso refletiu de várias formas no cotidiano da época, visíveis como as mudanças na malha urbana e no estilo de viver e conviver, a busca por novas frentes de trabalho e na formação profissional, transformações no uso dos edifícios residenciais, públicos e de lazer, além de marcantes alterações nas relações pessoais com troca de valores.
Prof. Carlos Eduardo Finochio
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