RETALHOS DE SENTIMENTOS
Por Isabel C. S. Vargas | 28/11/2009 | CrônicasUm dos livros de Roberto Shinyashiki fala sobre não perdermos oportunidades na vida, porque os momentos não se repetem.
Conta a passagem ocorrida com sua filha pequena, que numa determinada ocasião o chamara insistentemente. Após largar o que estava fazendo e ir ao seu encontro a encontrou em prantos, desolada, porque naquele momento não adiantava mais. Ela queria mostrar-lhe o pássaro que pousara próximo a ela, mas ele já tinha voado e ela não poderia mais fazê-lo. Ele percebeu que muitas vezes na vida deixamos passar o momento certo e perdemos oportunidades que não se repetem, ou o momento certo de tomarmos uma decisão que poderá fazer toda a diferença no rumo que seguiremos.
A vida é assim mesmo. Em frações de segundo tudo passa. Os momentos alegres não perduram, os tristes também não, as pessoas se vão, os animais também, as plantas murcham, secam, morrem. Por tudo ser tão efêmero, não podemos deixar de viver com intensidade. Muitas vezes deixamos de viver ou de fazer o que tem que ser feito, porque ficamos tolhidos por medo de mudanças, medo do novo, de sairmos da zona conhecida, sobre a qual temos a ilusão de ter o controle por sabemos de antemão como tudo se processa.
Isto me passa pelo pensamento, pois nos deparamos no pátio da casa com um filhote de pardal, caído na grama, sem poder voar, andando em círculos com machucado na cabeça e na asa. Lastimável sua condição. Ninguém acreditava que fosse conseguir pega-lo. Pois o fiz e não é necessário dizer que passamos boa parte do dia em volta do pardalzinho.
O que me levou a escrever é a constatação de nossa impotência frente a determinadas situações, bem como nossa fragilidade e temporalidade. Há momentos que nada podemos fazer a não ser esperar. A vida humana se assemelha no tempo à deste passarinho. Creio que isto assusta: a passagem rápida do tempo. Associada a isto a impossibilidade ou incapacidade de deixar marcas que perdurem, o que me parece, caracteriza o desejo latente de deixar raízes profundas, fincar estacas que nos mantenham presos a determinado lugar, a certas pessoas, ou que pelo menos mostrem que aqui estivemos e a que viemos.
Ao mesmo tempo em que estes pensamentos me ocorrem, observo o que me cerca, tentando saber um pouco mais deste lugar em que viemos passar o final de semana. Vejo que manter as coisas bonitas, limpas, harmoniosas dá trabalho.
Mas a um olhar mais atento, observam-se manchas que ficaram no chão, de um momento que não houve o cuidado suficiente na tarefa realizada e que acabou deixando sinais, as ramagens secas do pinheiro que se espalham pelo chão, às vezes umas aqui, outras acolá, que parecem nada representar. Se juntarmos todas, veremos o enorme volume que fazem; os bichinhos da luz, mortos dentro do lustre que recobre a lâmpada e que precisam ser retirados, para não corrermos o risco de deixar que eles nos impeçam de ver com mais clareza. Nos relacionamentos é a mesma coisa. Ao primeiro olhar, ou aos olhos de quem está de fora, parece tudo direitinho, aparentemente bonito. Mas ao nos determos, verificamos que muitas vezes gostaríamos de um retoque a mais, certo cuidado, uma atenção especial.
Assim como limpamos a casa, cuidamos dela e do ambiente que nos circunda, temos que limpar nossos corações das poeiras, das manchas, dos galhos secos que podem se avolumar e preencher espaços com coisas mortas, frias, secas, entulhos, enfim que podem nos impedir de sentir a vida pulsar com intensidade, vigor, e de renovar sentimentos de fé, esperança e amor.
Não podemos deixar que a estagnação tome conta de nós, pois tudo aquilo que fica estagnado, morre, apodrece, e faz mal para quem com isto convive. É importante abrir espaços, renovar e permitir a luz e o calor do sol entrar nas casas e nos corações, pois só assim a vida tem sentido.