SINOPSE DE CASE: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO [1]

Karla Alessandra Salim Magluf Marques[2]

Tiago Fernandes[3]

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

José dos Santos, comprou mediante terceiros uma mercadoria que seria enviada pela empresa de Correios e Telégrafos, através de carta registrada. Devido a demora na entrega, José resolveu procurar os Correios e que haviam informado ao mesmo que o caminhão que trazia sua encomenda do Rio de Janeiro para São Luís, sofreu um acidente, tombando a beira da estrada.

Porém os Correios não puderam informar se o bem sofreu algum dano, uma vez que os objetos que estavam no caminhão haviam sido furtados, por delinquentes que cercaram o caminhão, logo quando ele tombou na MA-215. Dito isso, José dos Santos procurou um advogado em busca de ser reembolsado.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

 

2. 1 Descrição das decisões cabíveis ao caso:

2.1.1 O Estado deve ser responsabilizado pelo incidente.

2.1.2 A Empresa dos Correios e Telégrafos deve ser responsabilizado pelo incidente.

2.1.3 O Estado e a Empresa dos Correios e Telégrafos devem ser responsabilizados pelo incidente.

 

2.2 Argumentos capazes de fundamentar a decisão

2.2.1 O Estado deve ser responsabilizado pelo incidente.

É sabido que os serviços prestados pela Empresa dos Correios e Telégrafos no Brasil é de exercício exclusivo da União, conforme o artigo 21, inc. X da Constituição Federal que propõe “Compete a união: manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. Além do exposto pelo Decreto de Lei 8.016/2013 no seu artigo 4º § 1º “ a ECT terá exclusividade na exploração dos serviços que tratam os incisos I a III do caput do art. 9º da Lei nº 6.538/78, conforme o inc. X do art. 21 da Constituição Federal”.

De acordo com a Teoria da Culpa Administrativa, uma criação jurisprudencial do Conselho do Estado Francês, não se questiona a culpa do agente, ou seja, a responsabilidade pelo dano causado apenas recai sobre a falta do serviço; inexistência do serviço; mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço, conforme o pensamento dos autores Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente, na obra Direito Administrativo Descomplicado. Ainda sobre os autores, os mesmos eludem sobre o tema (2015, p. 847) “A tese subjacente é que somente o dano decorrente de irregularidade na execução da atividade administrativa ensejaria indenização ao particular, ou seja, exige-se também uma espécie de culpa, mas não culpa subjetiva do agente, e sim uma culpa especial da Administração...”

Dessa forma, adotando a teoria da culpa administrativa caberia tão somente ao Estado a responsabilização pelo incidente ocorrido na mercadoria do José dos Santos, uma vez que o serviço prestado cabe a União e o mau funcionamento ou a inexistência do serviço já seria suficiente para responsabilidade do Estado.

Vide o posicionamento dos autores Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente (2015, p. 856):

[...] nessas hipóteses de danos decorrentes de atos de terceiros ou de fenômenos da natureza, para se configurar a obrigação estatal de indenizar, há necessidade de comprovação de que concorreu para o resultado danoso determinada omissão culposa da Administração Pública. É necessário, também, que a pessoa que sofreu o dano demonstre existir nexo causal entre a falta ou deficiência na prestação do serviço e o dano por ela sofrido [...]

2.2.2 A Empresa dos Correios e Telégrafos deve ser responsabilizado pelo incidente.

De acordo com o artigo 37, §6º da Constituição Federal “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviço responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros...”, qualquer dano causado a quem utiliza dos serviços prestados, seja no âmbito privado ou público, cabe responsabilidade objetiva, ou seja, a responsabilização recairá, independentemente da existência de culpa.

Conforme o entendimento do Ministro Salomão realizado no seu voto da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acatou recurso da ECT, o mesmo alegou que na existência de atividades realizadas pelos Correios não elencadas no rol da responsabilidade da União, ou seja, realizando atividades de direito privado, estaria assim tendo que obedecer ao art. 14 do Código do Consumidor, uma vez que de acordo com o caso concreto, José dos Santos, utilizou um serviço dos Correios onde pagou pelo mesmo e não teve o resultado esperado, tendo assim responsabilidade civil objetiva. Sendo interessante expor o posicionamento do STJ em recurso especial.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da citada ADPF 46⁄DF, entendeu que a lei que regula o serviço postal (Lei n. 6.538⁄1978) foi recepcionada pela Constituição Federal, mas, conferindo-lhe interpretação conforme, restringiu à categoria de serviço público stricto sensu as atividades descritas no art. 9º do mencionado diploma, de modo a excluir do regime especial "a distribuição de boletos (boletos bancários, contas de água, telefone, luz), jornais, livros, periódicos ou outros tipos de encomendas ou impressos". Os mencionados serviços, quando desempenhados pelos Correios, inserem-se na categoria de atividade econômica típica, de modo a se lhe aplicar o regime próprio de direito privado. (STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1183121 SC 2010/0034668-2)

Dessa forma, como expõem o art.14 “O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços...” e conforme o §1º deste mesmo artigo, entende-se como serviço defeituoso aquele não fornece segurança esperada pelo consumidor. E levando em consideração o case em análise, pode-se observar que José ao contratar os Correios para que sua mercadoria pudesse chegar até sua residência, esperava que a mesma fosse entregue de maneira segura e no tempo estipulado pela ECT.

Valendo inclusive expor o posicionamento do TRF/RJ a respeito de impossibilidade excludente de responsabilidade, uma vez que quando se trata de furto/extravio configura-se como caso fortuito interno, ou seja, fere o objetivo do contrato realizado entre o consumidor e o fornecedor, de forma que o mesmo não pode se isentar da responsabilidade.

TRF-2-APELAÇÃO CIVEL AC 201051100035271 RJ (TRF-2). Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ECT. ROUBO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. FORTUITO INTERNO. DANOS MATERIAIS. VALOR DO CONTEÚDO NÃO DECLARADO. DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A Constituição Federal de 1988 acolheu a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, em seu art. 37, § 6º. 2. Ademais, o fornecimento de serviços postais pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que atua "em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal"_, sujeita a referida empresa pública às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a atividade remunerada prestada pela ECT qualificar-se como serviço e, como consumidor, aquele que o adquire. 3. Seja porque é prestadora de um serviço público, seja porque a relação também é consumerista, tem-se que, para se aferir o dever de indenizar da ECT, não é necessário perquirir sobre culpa, bastando a configuração do dano e do nexo causal entre este e o fato ilícito. A exclusão dessa responsabilidade somente poderia ocorrer se ficasse comprovado que o dano decorreu de caso fortuito, força maior, por culpa exclusiva da vítima ou por fato exclusivo de terceiro, uma vez que excluem o nexo de causalidade, o que não ocorrera no caso concreto. 4. Furto ou roubo de cargas são riscos inerentes à própria atividade exercida pela ECT, configurando verdadeiro fortuito interno, devendo a ECT responder pelos danos causados ao consumidor pela não entrega da correspondência, uma vez que carga extraviada/furtada/roubada agride as expectativas legítimas do consumidor e fere a razão de ser do contrato. [...]

 

Dessa forma, ao entender que a atividade realizada pelos Correios, tem caráter privado, no caso acima, conclui-se que se trata de responsabilidade civil objetiva, onde fica sendo obrigação tão somente do mesmo para arcar com os danos ocorridos pelo incidente em análise.

 

2.2.3 O Estado e a Empresa de Correios e Telégrafos devem ser responsabilizados pelo incidente.

           

            Conforme o entendimento a respeito da teoria do risco, adotado pelo art.37, §6º da Constituição Federal, desde que presente o fato do serviço e o nexo de direto de causalidade entre o fato e o dano ocorrido, nasce a obrigação da Administração Pública de indenizar o incidente.

            De acordo com o entendimento de Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente a respeito da Teoria do Risco, o administrado não tem obrigação alguma de comprovar qualquer tipo de culpa do Estado ou mesmo do agente público. Dito isso, dentro do caso concreto e sabendo que o serviço de correio telégrafo no Brasil é de integral obrigação da União, sabe-se que cabe ao Estado arcar com os danos sofridos pelo José.

            Porém, o Estado, ao arcar com os danos ocorridos pelo incidente, tem o direito de regresso, conforme exposto no final do art. 37, §6º da Constituição, o que permite que se existir provas excludentes de culpabilidade, poderá o mesmo pedir ressarcimento dos gastos realizados para arcar com incidente. E levando esse entendimento ao caso concreto, se for comprovado que atividade realizada pelo Correio, tinha caráter tão somente econômico e que foge do elencando nos incisos I a III do caput do art. 9º da Lei nº 6.538/78, que expõem a obrigatoriedade do serviço público, o mesmo pode pedir ressarcimento para a Empresa de Correios e Telégrafos.

            Assim, com este posicionamento o Estado arcaria com os danos causados, uma vez que de maneira genérica, pensa-se que toda atividade da ECT tem caráter de serviço público e ao comprovar que se trata de atividade típica econômica ou culpa/dolo da empresa, pede-se o ressarcimento para os Correios.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALEXANDRINO, Marcelo, VICENTE, Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 23ª.ed. rev. atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

 

 

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. STJ, Recurso Especial: REsp 1183121 – SC 2010/0034668-2 – Relatório e voto. Relator: Min. LUIS FELIPE SALOMÃO.  Disponível em:

 

BRASIL. Tribunal Regional Federal 2ª Turma. TRF-2, Apelação Civel: AC 201051100035271 RJ. Relator: ALUISO GONÇALVES DE CASTRO MENDES. Disponível em:

 

 

BRASIL. DECRETO DE LEI 8.016 DE 17 DE MAIO DE 2013. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D8016.htm>

 

 

MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte geral, parte introdutória e parte especial. 16ª.ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

 

SCATOLINO, Gustavo. Direito Administrativo Objetivo: teorias e questões. Alumnus, 2013.

 

 

SEVERO, Sergio. Tratado da Responsabilidade Pública.  São Paulo: Saraiva, 2009

 

 

[1] Case apresentado à disciplina de Processo Penal II, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.          

[3] Professor especialista, orientador.