Resenha: TEMAS TRANSVERSAIS E ESTRATÉGIA DE PROJETOS: SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA
Por Williani Almeida Carvalho | 05/08/2010 | EducaçãoResenha
TEMAS TRANSVERSAIS E ESTRATÉGIA DE PROJETOS: SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA
WILLIANI DE ALMEIDA CARVALHO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2010
ARAÚJO, Ulisses Ferreira de. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Moderna, 2003. 108 pp.
Ulisses Ferreira de Araújo destacou-se na área da educação, principalmente por abordar temas relacionados à ética, a temas transversais, sobre as teorias da complexidade, democracia escolar, indisciplina, entre outros. É professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) e suas contribuições para a área acadêmica têm sido relevantes no sentido de propiciar desafios aos educadores e educadoras, no sentido de não só buscarem uma educação comprometida com a transmissão de conteúdos, mas, sobretudo, comprometida com o bem coletivo por meio de valores essenciais à vida em sociedade.
No livro "Temas transversais e as estratégias de projeto", Araújo traça os caminhos para a compreensão das discussões sobre a transversalidade, bem como os assuntos relacionados à interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdiciplinaridade, no sentido de apontar-nos pistas para a compreensão das estratégias de ensino como forma de trabalhar as questões acima abordadas, bem como os temas transversais. O livro pretende oferecer ao educador e à educadora, subsídios relacionados aos temas sociais emergentes no sentido de propor a quebra de paradigmas relacionados à educação e a maneira mais eficaz e adequada de se trabalhar a transversalidade na sala de aula.
A discussão sobre a necessidade de uma nova compreensão da realidade educacional brasileira é fato para Ulisses. Quando saímos do mundo das idéias e tentamos adentrar a tal proposta pedagógica, percebemos o embaraço e a falta de preparo para aplicar à realidade vivenciada na escola a coerência teórica proposta pelo autor. No capítulo primeiro do livro, Araújo retrata as bases que foram estabelecidas para o surgimento das disciplinas e suas implicações para o sistema educacional. O autor menciona o pensamento cartesiano, postulado por Descartes, que propunha uma análise fragmentada do ser humano e da natureza. Embora a teoria cartesiana tenha contribuído para o desenvolvimento das ciências e na solução de muitos problemas, não foi capaz de percebê-los na sua totalidade. Esse desenvolvimento disciplinar fragmentou o conhecimento e trouxe conseqüências para o ambiente escolar, que aliado a tal concepção, adaptou o tempo e o espaço das atividades para que as matérias fossem ensinadas de igual modo.
Isso trouxe algumas conseqüências para o meio escolar, uma delas foi a de conferir maior importância a determinadas disciplinas como as consideradas históricas, em detrimento de outras. Nesse sentido, a escola passou a dar maior importância à instrução do que à formação dos alunos e alunas. Não que com isso o autor sugira que a formalização do conhecimento tenha que ser abandonada, mas sim, deve acompanhar as reais necessidades e vivências dos alunos e alunas. O tema da transversalidade abre portas para se pensar o aluno e a aluna não como a pessoa que aprende ou não aprende o conteúdo, mas como alguém que interage com seu meio social e a partir de suas vivências, do conhecimento adquirido, contribui para a construção e desenvolvimento da sociedade.
Junto a tal concepção, o autor retrata a contextualização que deve existir entre ciência e "vivência" nos capítulos seguintes como princípio fundamental para o desenvolvimento integral do aluno/a. Nesse sentido, o autor retrata a importância dos temas transversais na construção do conhecimento na vida escolar dos alunos e alunas. Araújo destaca que a transversalidade, mais do que uma questão metodológica, mais do que significar um conhecimento que "perpassa" outro tipo de conhecimento, trata-se de uma questão epistemológica, ou seja, significa a busca sobre que tipo de conhecimento deve ser produzido pela ciência, pela sociedade e pela escola.
Essa busca requer que a escola reveja seus valores e metodologia quanto ao conhecimento, no sentido de gerar propostas educacionais que se preocupem com a "instrução", mas também com a "formação" dos alunos e alunas enquanto cidadãos. O primeiro eixo trata-se da maneira que os conteúdos são transmitidos, o segundo, requer uma atenção especial do educador, pois terá que aliar a esse conteúdo, questões referentes à ética, a fim de que o aluno/a possa ter subsídios para crescer enquanto cidadão, esse crescimento diz respeito a criar condições físicas, psíquicas, cognitivas e culturais propícias para que os educandos/as participem ativamente da vida em sociedade de forma crítica e autônoma.
A emergência de se aliar os temas transversais aos conteúdos escolares vem da necessidade de garantir uma participação efetiva dos alunos e alunos na sociedade na qual estão inseridos, ou seja, busca-se o conhecimento, mas um conhecimento que esteja comprometido não só com o aprendizado "dessa" ou "daquela" matéria, mas, esse conhecimento tem que propor uma pareceria entre os alunos/as e a sociedade, pois se os mesmos forem influenciados por essa contingência epistemológica, terão condições de promover na teoria e na prática o bem coletivo, a excelência ética que requer um aperfeiçoamento dos valores e virtudes desejados pela cultura e pela vida em sociedade.
Nesse sentido, o conhecimento não só representa uma mudança na vida dos alunos e alunos, mas representa um estado de conservação do bem comum, pois quando a escola se conecta à vida das pessoas cria-se um dinamismo entre transformação social, aparição de novas sensibilidades críticas e valores aprendidos, conservados e repassados de forma a garantir uma co-responsabilidade pela vida social. Um dos caminhos para se alcançar esse objetivo na educação seria o construtivismo, uma proposta educacional que visa reconhecer e estimular o papel ativo e autoral do aluno/a na construção e constituição de sua identidade e de seu conhecimento, ou seja, é o aluno/a agindo como sujeito de sua própria história, como sendo o centro do processo educativo e antes de qualquer coisa, é a escola conectada com a vida das pessoas, são os saberes populares articulados com os conhecimentos científicos.
No terceiro e quarto capítulos, Araújo defende que a discussão sobre os temas transversais gira em torno de uma pergunta: "Como trabalhar a transversalidade e os temas transversais na sala de aula?". Araújo discute sobre duas concepções e modelos diferentes de educação. Na primeira delas, as disciplinas curriculares são o eixo vertebrador do sistema educacional e as temáticas transversais as atravessam. Nesse sentido, as temáticas transversais, como a ética, os sentimentos, as drogas, o meio ambiente e a sexualidade, atravessam, perpassam os conteúdos disciplinares tradicionais. Para tanto, os temas transversais são trabalhados na prática por meio de atividades pontuais, ou seja, são feitas por meio de trabalhos, módulos de atividades ou aulas específicas, dentro de uma unidade didática ou do programa de uma disciplina.
Segundo Araújo, essa maneira de trabalho é ineficaz e não atende à proposta de se trabalhar de forma efetiva os temas transversais, uma vez que estes só aparecem ocasionalmente no programa escolar. O maior problema quanto a essa proposta é que a instrução dos conteúdos continua sendo o cerne da proposta pedagógica da escola e faz uma pequena concessão aos objetivos da formação ética e cidadã. Outra proposta dentro desse eixo educacional seria o de criar disciplinas específicas, palestras e desenvolvimento de projetos desconectados das demais atividades curriculares das classes. O que significa um modo fragmentado de se trabalhar os temas transversais e que só reforça o processo de especialização e compartimentalização da realidade e da natureza.
Na segunda concepção de transversalidade, as temáticas transversais são o eixo vertebrador do sistema educacional, sua própria finalidade. Nesse sentido, as temáticas que objetivam a educação em valores passam a ser a "finalidade" da educação e os conteúdos passam a ser o "meio" para se trabalhar os temas que se constituem o centro das preocupações sociais.
Esse eixo muda a concepção e o objetivo da educação, pois a formação ética e a cidadania passam a ser a finalidade da educação. Os temas cotidianos e os saberes populares são o ponto de partida para a aprendizagem dos alunos/as. Assim, os conteúdos científicos e culturais ganham um novo entorno educacional, não são desprezados, mas se tornam o meio para o aprendizado e as temáticas transversais se tornam a própria finalidade das ações educativas.
Araújo, na tentativa de ampliar essa segunda concepção sobre a transversalidade, aponta a idéia de rizoma, de teia ou de das redes neurais como caminhos imagéticos que mais se aproximam dos pressupostos da transversalidade propostos em sua obra. Um dos caminhos para que se possa alcançar essa versatilidade na educação a partir da segunda concepção seria pensar a organização escolar a partir de uma pedagogia de projetos. Isso propicia uma estratégia para a construção de conhecimentos diferenciada dos princípios dos programas curriculares que são rígidos e predeterminados. Porém há de se levar em conta que nem todas as propostas de projetos são coerentes com as características da transversalidade, uma vez que podem ser trabalhados da forma tradicional, mas o autor apresenta um caminho prático e eficaz para a inserção dos temas transversais no planejamento pedagógico, por meio das estratégias de projetos.
Estratégias de projetos significa buscar uma organização escolar que estabeleça uma interconexão entre os mais diversos tipos de conhecimento, científico, popular, disciplinar, não-disciplinar, cotidiano, acadêmico, físico, social etc. Segundo Araújo, o segredo em se articular essa proposta nas escolas está nos infinitos caminhos que permitem ligar os conhecimentos uns aos outros. Isso propicia a importância das especializações dos professores e o reconhecimento do papel de autoria dos alunos/as, numa estratégia de projetos que tenha um ponto de partida, mas que está aberta aos eventos aleatórios que perpassam o desenvolvimento de tais projetos e que auxilie os alunos/as na compreensão das relações existentes entre o ser humano e o mundo natural e cultural.
Quando a escola entende o conhecimento como rede, como uma teia de significados, estes, por sua vez possibilitam um entendimento de que as relações se articulam e se constroem em permanente estado de atualização. Assim sendo, o conhecimento não se prende a determinado tipo de saber, mas vê-se interdependente do outro e se articula entre as mais variadas disciplinas e ao cotidiano dos alunos e alunas. O projeto, como estratégia pedagógica seria como o fio condutor da rede de conhecimento, uma vez que propicia o processo de construção dessa rede em sala de aula e não se esgota ou se fecha dentro de um conjunto de conteúdos a ser trabalhados, mas se torna num caminho promissor por causa da abertura que permite às incertezas e indeterminações do trabalho pedagógico.
É claro que as discussões não se encerram por aqui e que essa maneira de vivenciar o conhecimento de forma ampla, eficaz e inovadora requer uma predisposição tanto de educadores/as quanto da proposta político-pedagógica da escola. Construir o conhecimento requer participação efetiva da escola e da sociedade, empregar a metáfora da "rede" seria o ponto inicial para desvencilharmos o conhecimento de uma concepção exclusivista do conhecimento, desprovida de um compromisso com o saber cotidiano dos alunos e alunos e com uma ética que seja voltada para a responsabilidade com o semelhante.
Considerações finais
Encontrar novos modelos de organização escolar que sejam compatíveis com os avanços da ciência, da cultura, da tecnologia e com a realidade vivenciada pelo aluno/a, viabiliza uma visão de totalidade em termos de possibilidades. As possibilidades abrem portas para o desenvolvimento de estratégias de projetos e a prática cotidiana escolar ou mesmo universitária se torna mais prazerosa e menos penosa tanto para educadores/as quanto para os alunos/as, pois a construção de uma sociedade mais justa, solidária e feliz não se faz com pessoas que tão somente dominam um conteúdo acadêmico, mas com pessoas que sabem articular esse saber à sua vivência e na participação efetiva desse sujeito enquanto agente e transformador e conservador de valores essenciais à dignidade humana e à sobrevivência dos seres viventes que se juntam a nós nessa tão grande aventura chamada "vida".