Redução da maioridade penal
Por Rodrigo de Assis Soares | 17/03/2011 | DireitoREDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL*
A ilusão de impunidade criada pela mídia
Ana Paula de Oliveira Almeida**
Rodrigo de Assis Soares
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O ECA em relação à imputabilidade penal; 2.1 O adolescente e sua responsabilização; 3 A ilusão de impunidade; 3.1 Mídia dominante: manipuladora da população; 3.2 O ?não? a redução da maioridade penal; 4 Conclusão.
RESUMO
Apresenta-se uma explicação do por que da chamada ilusão de impunidade por parte da população, e como a mídia a influencia e manipula certas informações. Discorre-se sobre como o adolescente infrator pode ser responsabilizado por seus atos. Destaca-se a posição do ECA em relação à proposta de redução de maioridade penal, bem como se faz uma reflexão constitucional a respeito tal medida.
Palavras-Chave: Maioridade penal. Mídia dominante. ECA.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende desmascarar as idéias pré-concebidas pela população a respeito da imputabilidade penal dos menores de dezoito anos, induzidas em sua grande parte pela mídia dominante, demonstrando como esse pensamento deve ser combatido. Mostrando também como estes jovens infratores podem ser responsabilizados por seus atos infracionais.
Temos como objetivo expelir do pensamento da população, o sentimento de impunidade no que diz respeito a atos infracionais cometidos por adolescentes, visto que o senso comum tem em mente que tem-se apenas a prisão como modo de responsabilizar estes infratores. O ilustre autor Alessandro Baratta trata bem essa idéia quando diz:
A realidade prisional apresenta-se muito distante daquilo que é necessário para fazer cumprir as funções de ressocialização e os estudos dos efeitos da cadeia na vida criminal (atestam o alto índice de reincidência) têm invalidados amplamente a hipótese da ressocialização do delinqüente através da prisão. (BARATTA, 2007, p.1)
O trabalho esforça-se para tratar da melhor forma possível desse tema do ?momento?, visto que nos últimos anos é cada vez maior o número de iniciativas não por parte da população, mas também de iniciativa legislativa, em sua grande parte pelo sensacionalismo provocado pela mídia em determinados casos. Sendo assim, se torna indispensável uma análise desse assunto tanto de um ponto de vista normativo como também sob o prisma da criminologia crítica.
2 O ECA EM RELAÇÃO À IMPUTABILIDADE PENAL
O ECA, Lei nº 8.069/90, foi criado com o intuito, como qualquer outra, de regular os comportamentos de uma sociedade, mas com o enfoque dado às crianças e adolescentes, tendo em vista o cuidado especial que estes necessitam.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, veio confirmar a doutrina da proteção integral como orientação principiológica. Sendo assim, esta doutrina está intrinsecamente relacionada com a proteção dos direitos da criança e do adolescente, respeitando-se a condição peculiar como pessoas em desenvolvimento de suas personalidades, como está previsto no art. 6º, do ECA, sendo este o principal parâmetro na aplicação de medidas em relação à jovens, quês praticarem atos conflitantes com a lei.
Quando há a efetiva aplicação desta lei especial, pode-se perceber que, a reincidência é muito menor sob o ECA (em torno de 30%) do que sob o Código Penal (em torno de 70% ). Para que se compreenda esta legislação especial, se faz mister a noção sobre a definição de inimputabilidade penal do adolescente, pois apesar de não serem responsabilizados por leis contidas no Código Penal, o adolescente em conflito com a lei é responsabilizado, de maneira pedagógica e retributiva, através das medidas sócio-educativas, previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Estas medidas têm como função precípua, a recuperação daquele jovem infrator que errou levado por inúmeros fatores sociais, ou até mesmo por sua imaturidade, reintegrando-o à sociedade com o resgate de sua cidadania.
A sociedade possui vários meios de participação popular, fornecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, todavia o Ministério Público tem a função, e porque não obrigação de fazer com que a comunidade tenha conhecimento de todos estes instrumentos, possibilitando uma discussão séria e responsável acerca dos problemas e soluções para a infância e a juventude.
Pode se notar que, em seu bojo, o ECA traz uma série de princípios, entre eles: o princípio da Reeducação e Reintegração, observado no art. 119, incisos I a IV, por meio das medidas sócio-educativas e medidas de proteção, fornecendo-lhes to acompanhamento necessário, pode ser percebido também o princípio do Contraditório, previsto inicialmente no art. 5º, LV, CF, garante aos adolescentes infratores ampla defesa e igualdade de tratamento no processo de apuração de ato infracional, como versão os arts. 171 a 190 do Estatuto.
Remeto-me a fala do juiz Leoberto Brancher (2007, p.1), "O ECA traz uma concepção de Justiça Penal que pode servir de modelo penal para adultos, e não ao contrário". A partir daí, concluímos que, com uma aplicação e interpretação coesa acerca da responsabilidade penal dos adolescentes no ECA, tendo como alicerce o Direito Penal Mínimo, teríamos progresso extraordinário nessa questão.
2.1 O jovem infrator e sua responsabilização
[...] é relevante salientar que os menores de dezoito anos estão fora do Direito Penal, mas não estão fora do Direito! Em se verificando alguma infração praticada por um menor (sic), aplicar-se-á o que dispõe a Lei nº 8.069/90, que versa sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRANDÃO apud RAMIDOFF, 2007, p.373)
Busca-se então nesta parte tratar do chamado Direito Penal Juvenil , para a aplicação das medidas previstas no ECA, é necessário a existência de um o ato infracional praticado pela criança ou adolescente, entre as medidas presentes nesta legislação, cita-se: as medidas específicas de proteção, presente no art. 105 combinado com os arts. 98 e 101, do Estatuto (voltadas às crianças e adolescentes, sempre que seus direitos reconhecidos forem ameaçados ou violados) e as medidas sócio-educativas contidas nos arts. 104 e 112, do Estatuto (os adolescentes são responsáveis por seus atos, as medidas são aplicadas de acordo com as características da infração).
O ato infracional consiste na atitude praticada por uma criança que tenha praticado conduta ? ação ou omissão ? que entre em conflito com a lei. Com as medidas propostas pelo ECA busca-se evitado que, crianças e adolescentes sofram abusos e arbitrariedades do Estado, com suas medidas de caráter punitivo e repressivo.
As medidas sócio-educativas são muito mais que simplesmente a internação, como de fato vêm sendo reduzidas tais penas sócio-educativas, visto que as demais medidas sócio-educativas têm sido ignoradas, principalmente aquelas que devem ser cumpridas em regime aberto (medidas de proteção), pois estas são as medidas que melhor cuidam das proteções contidas no art. 101, do Estatuto.
Estas penas privativas de liberdade devem ser aplicadas em caráter extraordinário e por curto prazo, em respeito à condição de pessoa em desenvolvimento, conforme consta no Estatuto, e, diga-se de passagem, a utilização destas penas sancionatórias não tem surtido efeito algum quando aplicadas.
A prof.ª Josiane Rose Petry Veronese , elucida a existência de outras medidas que podem ser aplicadas, como o direcionamento do infrator a uma outra família, orientação e acompanhamento especial, tanto na família como na escola, e a inclusão em programas que auxiliem na recuperação, e principalmente na ressocialização do mesmo.
3 A ILUSÃO DE IMPUNIDADE
O ponto de vista de como encaro o problema da ressocialização, no contexto da criminologia crítica, é aquele que constata -- de forma realista -- o fato de que a prisão não pode produzir resultados úteis para a ressocialização do sentenciado e que, ao contrário, impõe condições negativas a esse objetivo. Apesar disso, a busca da reintegração do sentenciado à sociedade não deve ser abandonada, aliás precisa ser reinterpretada e reconstruída sobre uma base diferente. (BARATTA, 2007, p.2)
O mau uso da lógica punitivo-repressiva do Direito tradicional na interpretação das prescrições do Estatuto da Criança e do Adolescente ocasiona a aplicação de penas punitivas, legitimadas por um falso discurso de responsabilização de tais atitudes.
Nos últimos anos tem sido feitas discussões sobre a possível redução da maioridade penal, para que os menores infratores, hoje inimputáveis, sejam enquadrados o sistema penal, no entanto, esta postura da sociedade está sendo movida unicamente pela paixão e comoção social, criada pela mídia, com o intuito de dar uma resposta aos clamores sociais e não, de fato, resolver os problemas de que decorrem as infrações infantis.
As pessoas que propõem a redução da maioridade penal não levam em consideração a realidade em que o menor infrator irá ser inserido, a qual o impossibilitará de qualquer recuperação ? haja vista a não existência de condições propícias para o desenvolvimento físico e psíquico do adolescente - e este, certamente, voltará a delinqüir quando sair da prisão.
As pessoas se deixam confundir pelas manipuladas informações da mídia, a qual lança dados de violência crescente e atribuem o quadro á existência de adolescentes infratores. Vê-se que necessário é a criação de um sistema educacional, saúde digna e trabalho remunerado corretamente para que os adolescentes tenham condições de se desenvolver longe da delinqüência.
O ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente a categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-educativas, revolucionando assim o entendimento até então existente, e servindo de alento para a sociedade vitimada pela falta de segurança.
3.1 Mídia dominante: manipuladora da população
Percebe-se atualmente que, o lugar central anteriormente ocupado pelo direito no sistema de controle social tem sido substituído pelos meios de comunicação de massa, que tem também proporcionalmente aumentado o controle social distinto.
Essa mídia dominante, principalmente representada pela televisão, que alcança grande parte da população, realizando uma espécie de ?lavagem cerebral?, através de um sensacionalismo incomensurável, favorecendo assim a construção de uma ideologia dominante a respeito de determinados assuntos, criando na sociedade um senso comum jurídico negativo, fugindo do verdadeiro foco do problema.
Consoante ao art. 247, do ECA, não é permitida a divulgação de todos os dados referentes aos adolescentes infratores, consequentemente as matérias divulgadas pelas emissoras não se preocupam com os efeitos que essa divulgação pode trazer, desrespeitando o dispositivo citado. Em conclusão a esse pensamento, citamos o art. 17, "a", da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que diz que, cada país signatário tem o compromisso de incentivar os meios de comunicação a difundir informações e materiais de interesse social e cultural para a criança, mas também de zelar pela integridade e por esse desenvolvimento.
Hoje a imprensa nacional, virou um negócio que visa o dinheiro, antes de tudo, não contribuindo para o bem estar geral, essa mídia irresponsável se vale da defesa da livre expressão para manipular informações, e disseminá-las sobre a sociedade sem o menor compromisso com a sociedade.
A banalização da violência causa diversos efeitos, como: a reprodução do comportamento sugerido, visto que cada vez mais se percebe o efeito negativo da violência ?midiática? no comportamento humano, principalmente aquelas pessoas em desenvolvimento peculiar, como são os menores de idade. Outra reação muito comum é o pânico, causado pela imprensa dominante, que faz com que a população tenha uma visão distorcida sobre o fato.
É imprescindível a participação efetiva e perspicaz do Estado na regulamentação e controle da produção audiovisual, como dispõem os dispositivos constitucionais do art. 220, II que exige defesa à pessoa e à família contra programas e publicidades, que não cumpram os ditames do art. 221. Através de parcerias com toda a mídia, e empresas de marketing, podem ser realizadas campanhas, que visem a socialização do conhecimento sobre a responsabilidade penal do adolescente infrator.
A aceitação desta proposta de lei para redução da maioridade penal, acabará se tornando uma norma simbólica, como dito pelo professor Marcelo Neves "as normas simbólicas servem como álibi usado pelo legislador para agradar a população alienada pela mídia dominante" .
3.2 O ?não? a redução da maioridade penal
É preciso, de uma vez por todas, que as nossas autoridades se conscientizem de que os problemas sociais, econômicos e mesmo políticos não se resolvem com a feitura de leis, que nunca chegam a ser aplicadas, ou por serem inexeqüíveis ou porque são elaboradas com o único propósito de se dar ao povo a impressão de que alguma coisa está sendo feita. (NOGUEIRA apud COLPANI, 2003, p.2)
Com a promulgação da Constituição de 1988, e, logo em seguida do Estatuto da Criança e do Adolescente, concretizou os direitos individuais e as garantias fundamentais, especificamente aquelas contidas nos arts. 227 e 228 da CF, ratificando o viés protetivo integral, declarado expressamente a não responsabilização penal de criança e adolescente, no Brasil .
Não se pode misturar medidas sócio-educativas, com sanções penais, pois como já foi explicitado no presente artigo, as medidas propostas pelo ECA possuem caráter pedagógico (visando a recuperação do adolescente infrator), enquanto as sanções penais, como já é sabido evita essa ressocialização. As medidas legais privativas de liberdade nas experiências jurídico-penais acabam fugindo de suas premissas, isto é, faz com que o infrator marginalizado, dessocializado, excluído da convivência comunitária.
Visto isso, percebe-se que, a responsabilização penal de adolescentes infratores, devido aos seus efeitos negativos, deve ser repudiada de todas as formas. A diminuição da maioridade penal para 16 anos, apenas irá confirmar o controle exercido pela mídia, sobre a sociedade, produzindo assim um falso sentimento de segurança para contenção da violência urbana.
A não responsabilização penal dos adolescentes infratores é um direito individual de caráter fundamental, compondo assim o rol das cláusulas pétreas, como previsto no inc. IV, do § 4º, do art. 60, da CF de 1988, também reconhecido como direito à infância e à juventude disciplinado nas Convenções Internacionais dos Direitos da Criança, que são fontes de lei, no Brasil, segundo o § 2º, do art. 5º, do texto constitucional.
Os preceitos estabelecidos nesta convenção, se alinham a doutrina da proteção integral, protegendo principalmente os direitos da a criança e do adolescente, sendo assim o Brasil como signatário, comprometeu-se nacional e internacionalmente pela responsabilização penal a partir dos 18 anos. O Brasil se descumprisse tal convenção, estará sujeito à punição perante o tribunal internacional, como pode ser visto nos ditames do art. 5º da CF de 1988, contemplado pela Emenda Constitucional 45.
Visto isso, percebe-se que, as constantes mutações legislativas não permitem que haja uma maturidade dos valores contidos em nossa lei mor, qual seja a Constituição Federal, impossibilitando-se, assim, a construção de tradições interpretativas humanitárias, justas e juridicamente corretas.
4 CONCLUSÃO
Neste artigo, pretendemos esclarecer um pouco mais sobre a redução da maioridade penal, tema este que é de fundamental importância para nossa sociedade, através de uma visão crítica do assunto abordado, procurou-se desmascarar algumas inverdades, como a de que o adolescente infrator não é responsabilizado pela prática de atos em conflitos com a lei, dando uma ampla visão de como funciona o sistema pretendido pelo ECA, através de suas medidas.
Elucida-se também o poder exercido pelas mídias de ?massa? sobre a população, e como esta mídia contribui negativamente para que tenhamos um Estado de direto guiado pela paz social, revelando que a imprensa dominante desvia o verdadeiro foco do problema.
É demonstrado o porquê da não responsabilização penal, revelando ainda que a prisão (reclusão), atualmente, não resolve em nada o problema, pois acaba marginalizando e dessocializando ainda mais os infratores, como bem frisa a professora Vera Regina de Andrade, "o atual sistema prisional se caracteriza como um retrato do genocídio" .
É necessário que se trace um projeto que vise a efetivação de políticas públicas em prol da infância e da juventude, consoante a orientação da CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), é imprescindível também que haja uma conscientização, tanto da opinião pública, quanto do senso comum jurídico, para que se possa enfrentar com mais seriedade assuntos desta importância para a sociedade.
"É urgente, sim, a tarefa de lançarmos, no Brasil, um pacote
de medidas contundentes para salvar as nossas crianças,
e não para prendê-las cada vez mais cedo".
[senadora Patrícia Saboya]
REFERÊNCIAS
BARATTA, Alessandro. Ressocialização ou Controle Social: Uma abordagem crítica da "reintegração social" do sentenciado. Disponível em: . Acesso em: 4 Out. de 2007.
BRANCHER, Leoberto. Idade penal: Melhor ampliar do que reduzir . Disponível em: . Acesso em: 5 Out. de 2007.
COLPANI, Carla Fonari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade. Disponível em: . Acesso em: 7 Out. de 2007.
COM QUE IDADE vem a responsabilidade penal?. Módulo 5 da radiorevista "Comunidade em Rede" Nº 02. Disponível em: . Acesso em: 12 Out. de 2007.
CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança. Disponível em: . Acesso em: 13 Out. de 2007.
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente ? Doutrina e Jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
NEVES, Marcelo. Reformismo constitucional como indício de reconstitucionalização simbólica permanente. In: 2° Congresso Brasileiro de Direito Constitucional: 19 anos de Constituição Federal: Compromissos e perspectivas para o futuro.
RAMIDOFF, Mário Luiz. Direito da Criança e do Adolescente: Por uma Propedêutica Jurídico-Protetiva Transdisciplinar. Tese de Doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2007.
REDUÇÃO da maioridade penal. Disponível em: . Acesso em: 8 Out. de 2007.
VERONESE, Josiane Rose Petry. A criança e o adolescente: sob a perspectiva da proteção jurídica e social. In: 1º Congresso Norte-Nordeste de Operadores do Direito ? "Fraternidade: Novo Elemento ao conceito de Justiça".