SINOPSE DE CASE: PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL [1]

Karla Alessandra Salim Magluf Marques[2]

José Claudio Cabral[3]

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Um homem, desconfiado da fidelidade da sua mulher, contratou um detetive particular, com o intuito de saber se estava sendo traído. O Detetive contratado, utilizou de horário de expediente ilegal, grampeando o telefone celular da esposa do seu cliente. Dito isso, o marido, por meio das escutas gravadas ilicitamente, descobre que sua esposa o traia e que inclusive a mesma tinha o costume de dar o medicamento Lexaton para seus filhos, para que os mesmos pudessem dormir e permitissem que ela se divertisse com o amante.

Deixando claro que essas atitudes realizadas pela a esposa, em momento algum foi demonstrado pela mesma, algum tipo de arrependimento durante as gravações ilícitas e que inclusive os fatos ocorriam frequentemente. Sendo assim, o homem para justificar a utilização das provas que obtivera de maneira ilícita, mencionou o artigo 227 da Constituição Federal e por sua vez a mulher alegou, que as fitas utilizadas pelo marido eram provas adquiridas de maneira ilícita e que por isso não poderiam ser levadas em conta na decisão judicial. Dando ênfase no artigo 5, inciso XII da CF. A partir disso, na colisão de Direitos Fundamentais, qual direito deve prevalecer?

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

 

2. 1 Descrição da decisão cabível ao caso

2.1.1 prevalece o Direito à Direito à liberdade e a intimidade.

2.1.2 prevalece o Direito à proteção da família e da criança e do adolescente

 

2.2 Argumentos capazes de fundamentar a decisão

2.2.1 prevalece o Direito à intimidade e liberdade:

 

É sabido que a busca da verdade deve ter como parâmetro as regras do devido processo legal, observando os direitos e garantias individuais de forma que o resultado esteja sempre conforme a ordem jurídica. Porém de acordo com os preceitos do Direito Processual Penal não é qualquer forma de obtenção de prova que pode ser realizada dentro de um processo, vide a fala de Renato Brasileiro (2014, p. 583) “ Mesmo que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, não se pode admitir utilização em um processo de provas obtidas por meios ilícitos”. E conforme a Constituição de 1988, no seu artigo 5º, LVI “são inadmissíveis, no processo, provas obtidas por meios ilícitos”.

            A partir disso, pode-se observar que no case acima, quando o marido apresenta as gravações telefônicas realizadas de maneira ilegal, configura-se como obtenção de prova por meio ilícito, uma vez que de acordo com o artigo 5º, inciso XII da Constituição, sabe-se que é inviolável o sigilo das comunicações, salvo em casos de ordem judicial, e neste caso em estudo, o marido agiu de maneira arbitrária ao pedir que o detetive particular grampeasse as ligações de sua esposa na procura de saber se estava ou não sendo traído. E inclusive valendo destacar o artigo 10 da lei 9.296/96 que dispõem que sem autorização judicial para que haja interceptação telefônica, configura-se a conduta com crime.

            Desta maneira, uma vez que a prova foi obtida através de violação de regra do direito material, ou seja, desrespeitando os direitos que o ordenamento jurídico reconhece ao indivíduo, a prova considera-se ilícita. E conforme o posicionamento majoritário do ordenamento jurídico, não importa a relevância dos fatos adquiridos através das provas ilícitas, estas não podem fazer parte do processo. Valendo inclusive ressaltar o posicionamento do STF quanto a utilização de interceptação telefônica e adoção da Teoria dos frutos da árvore envenenada:

O Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, assentou entendimento no sentido de que, sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constituição, não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei, que nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. (STF, 1ª Turma, HC 73351/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 19/03/1999)

 

            Por fim é crucial destacar a existência de conflitos entre o princípio basilar do processo penal, que é o princípio da verdade real, uma vez que a obtenção de prova deve buscar de toda maneira a realidade dos fatos e dentro do caso estudado, o princípio da inviolabilidade da comunicação telefônica alegada pela mulher. Diante disso, pode-se ser destacado o posicionamento do autor Edilson Mougenot (2011, p. 81) quando alega que o princípio da verdade real ele não é absoluto, tendo que ser limitado para não ferir demais direitos fundamentais garantidos pela Constituição.

Assim, conquanto o processo penal tenha por finalidade a busca pela verdade real, esse valor encontra limites em outros valores tutelados pelo ordenamento jurídico, principalmente nos direitos e garantias fundamentais assegurados ao cidadão. Provas obtidas por meios ilegítimos, portanto, não devem influir na formação do convencimento do juiz.

                Outrossim, pode-se alegar que os argumentos demonstrados pela mulher, são coerentes e sobrepõem aos do marido, uma vez que, os fins não justificam os meios, ou seja, não basta que a intenção do homem ao entregar a gravação ilegal para o Ministério Público seja para proteger suas filhas contra o crime praticado pela sua esposa, é preciso buscar mecanismos lícitos para comprovação da conduta delituosa. E conforme posicionamento jurisprudencial e doutrinário seria admissível a prova ilícita em favor do réu, uma vez que se caracterizaria com uma das condutas de ilicitude, ou seja, seria utilizada como meio defesa. Destarte Renato Brasileiro (2014, p.605) elucida:

De fato, seria inadmissível que alguém fosse condenado injustamente pelo fato de sua inocência ter sido comprovada por meio de prova obtida por meios ilícitos. Noutro giro, ao Estado não pode interessar a punição de um inocente, o que poderia acarretar a impunidade de um verdadeiro culpado. Além disso, quando o acusado pratica um ato ilícito para se defender de modo efetivo no processo penal, conclui-se que sua atuação não seria ilícita, eis que amparada pela legítima defesa, dai porque não seria possível concluir-se pela ilicitude da prova.

2.2.2 Prevalece o Direito à proteção da família e da criança e do adolescente:

De acordo com o princípio da verdade real, basilar do direito processual penal, a produção de prova deve conduzir ao descobrimento dos fatos da maneira como realmente eles ocorreram, vide a fala de Edilson Bonfim “ no âmbito penal, tendo em vista a possibilidade concreta da aplicação de penas que restrinjam o direito fundamental a liberdade, bem como pelo elevado grau de interesse social com relação as condutas tuteladas pelo direito penal material, é muito mais relevante que a elucidação dos fatos que fundamentam as decisões seja feita de forma   mais acurada possível”, dessa maneira permitindo mesmo que o meio utilizado seja ilícito, o conteúdo descoberto seja utilizado na decisão judicial.

Disto isso, conforme o case acima, por mais que o interesse do homem fosse apenas de descobrir se estava sendo traído ou não, ao descobrir que suas filhas estavam sendo “dopadas”, é claro que ele teria que exercer seu papel de pai e buscar mecanismos para sua esposa ser punida pela conduta delituosa por ela praticada. Destarte, conforme a fala do Renato Brasileiro, “a norma constitucional que veda a utilização no processo de prova obtida por meio ilícito deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade, devendo o juiz, em cada caso, sopesar se outra norma, também constitucional, de ordem processual ou material, não supera em valor aquela que estaria sendo violada”.

Dentro das análises doutrinárias, existe uma teoria que admite o aproveitamento da prova ilícita, tendo que respeitar os seguintes requisitos, conforme exposto pelo autor Luiz Francisco Avolio “a) condicionamento ao livre convencimento e à verdade real b) prevalência do interesse da coletividade; c) eficácia da prova ilícita, mas sem prejuízo das sanções (penais, civis e administrativas) ao responsável pela violação.

Dessa forma, ao analisar o caso concreto, pode-se observar que o argumento utilizado pelo marido, ao alegar que cabe ao Estado e a família garantir os direitos da criança e do adolescente de acordo com o artigo 227 da CF e baseado na teoria/princípio da proporcionalidade, como a teoria acima mencionado pelo autor Avolio, nota-se que o bem tutelado é mais importante do que o direito a intimidade da mulher, uma vez que é obrigação do Estado manter a saúde, integridade e demais direitos da criança e do adolescente conjuntamente com a família. E destacar o de entendimento do STJ a respeito da utilização da prova ilícita, inclusive em seara extrapenal, relator Sidnei Beneti:

HABEAS CORPUS PREVENTIVO – INTERCEPTAÇÃO TELEFONICA – VARA DE FAMÍLIA – TENTATIVA DE LOCALIZAÇÃO DO GENITOR QUE RAPTOU O PRÓPRIO FILHO – RECUSA DO CUMPRIMENTO DE ORDEM EMANADA DE VARA CÍVEL – ALEGAÇÃO DE QUE A MEDIDA É VEDADA NA SEARA EXTRAPENAL – AFASTADA – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL – COMETIMENTO DE DELITO A SER AVERIGUADO – FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E VINCULADA – PRAZO PARA AS ESCUTAS READEQUADO AO DISPOSTO NA LEI 9.296/96 – ORDEM DENEGADA – LIMINAR CASSADA. Conforme cediço e expresso na lei nº 9.296/96, a realização da interceptação telefônica é vedada na seara penal. Entretanto, tal princípio não é absoluto. No âmbito cível e em situação extremamente excepcional, é admitido este artifício quando nenhuma outra diligência puder ser adotada, mormente quando há possibilidade de averiguar o possível cometimento do delito disposto no art. 237 do ECA. Se de um lado prevalece o direito à intimidade daqueles que terão seus sigilos quebrados, de outro há a necessidade de se resguardar, com extrema urgência, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária do menor. No confronto dos direitos individuais subordinados ao princípio maior (dignidade da pessoa humana), as consequências do cumprimento do ato em questão são infinitamente menores do que as que ocorreriam se o Estado permanecesse inerte. (HC 203.405 STJ)

Por fim, o caso acima estudado, visa ponderar os valores expressamente expostos na Carta Magna, sendo eles: o direito à intimidade e a inviolabilidade, de acordo com o art. 5º, inc X e XII e o direito à proteção da criança e do adolescente, elencado pelo art. 227 da CF. A resolução deste caso, de acordo com o teste alemão para obtenção da proporcionalidade entre conflitos de princípios, nos permite concluir que solução está de acordo com art. 227 da CF, que visa a proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente  pelo Estado e pela Família. Sendo assim, o bem tutelado muito mais importante do que a intimidade da mulher do caso acima.

 

REFERÊNCIAS

 

 

AQUERE, Fabiana Rodrigues. O princípio da proporcionalidade e a prova ilícita no Direito Penal brasileiro. Disponível em: acesso em: 05 de outubro de 2015.

 

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª.ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.

 

BRASIL. Superior Tribunal Federal. STF,1ª Turma, HC 73351/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, data da publicação: 19/03/1999. Disponível em:< http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=HC+73351> acesso em: 05 de outubro de 2015.

 

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, Habeas Corpus nº 203.405 – MS (2011/0082341-3). Disponível em: acesso: 05 de outubro de 2015.

 

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 6ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal: Volume único. 2ª. ed. Bahia: JusPODIVM, 2014.

 

[1] Case apresentado à disciplina de Processo Penal II, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.          

[3] Professor especialista, orientador.