Prisão do Presidente da República - Isso é Possível no Brasil?
Por Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho | 02/12/2008 | Direito
PRISÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA - Isso é possível no Brasil???
(Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho – Advogado e Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná)
Introdução
Como toda e qualquer pessoa humana, o Presidente da República Federativa do Brasil, num determinado momento de sua vida, poderá violar um bem jurídico tutelado penalmente. Uma vez constatada a adequação de sua conduta ao tipo penal, imputar-se-á a ele o cometimento de um crime “comum”, o qual difere, em diversos aspectos, dos denominados crimes “de responsabilidade”, que são infrações político-administrativas definidas em lei federal.
A propósito, a Lei Federal n.º 1.079/50, que regula os precitados crimes “de responsabilidade” do Presidente da República e de outras autoridades, foi recepcionada pela Constituição Federal de 88, a qual, em seu art. 85 e incisos, também fixa condutas que poderão configurar práticas de infrações político-administrativas do Chefe do Executivo Nacional.
Como se vê, no curso de seu mandato executivo, o Presidente da República poderá cometer delitos “comuns” e “de responsabilidade”, estes definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento, conforme estatui o parágrafo único do art. 85 da CF/88.
Posto isso, indaga-se: o Presidente da República está sujeito à prisão por crimes que lhes são imputados? Teria o Presidente alguma imunidade ou prerrogativa assegurada constitucionalmente?
Vejamos adiante algumas questões pertinentes ao assunto.
Crimes comuns praticados pelo Presidente da República
Conforme estabelece o art. 86, “caput”, da Constituição Federal de 1988, “admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.
Pois bem, em termos práticos, em que consistem as denominadas “infrações penais comuns”?
Como já salientado, as “infrações penais comuns” opõem-se às “infrações político-administrativas” (crimes “de responsabilidade”), e tanto estas como aquelas podem ser cometidas pelo Presidente da República durante o exercício do mandato presidencial.
Em sendo um crime “comum” (peculato, corrupção passiva, concussão, homicídio etc.), admitida a acusação por maioria qualificada de dois terços da Câmara dos Deputados (“casa do povo”), o Presidente da República sujeitar-se-á ao Supremo Tribunal Federal, que permitirá ou não a instauração de um processo contra o Chefe do Executivo Federal.
Percebe-se, pois, que o Presidente da República dispõe de prerrogativa de foro (prerrogativa de função). Somente a Corte Suprema poderá processá-lo e julgá-lo por crimes comuns (CF, art. 102, I, ‘b’), obviamente após o juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados, que precisará do voto de 2/3 (dois terços) de seus membros para autorizar o processo.
É importante notar, no entanto, que a admissão da acusação pela Câmara dos Deputados não vincula a Corte Suprema (STF), que poderá rejeitar a denúncia-crime ou queixa-crime, caso entenda, por exemplo, inexistirem elementos suficientes de autoria e materialidade.
Recebida a denúncia-crime ou queixa-crime, o Presidente da República ficará suspenso de suas funções por 180 (cento e oitenta) dias; decorrido este prazo sem o seu julgamento pelo STF, voltará o Presidente a exercer suas funções presidenciais, devendo o feito prosseguir até a decisão derradeira.
Registre-se, enquanto não sobrevier sentença condenatória, o Presidente da República não poderá ser preso (art. 86, § 3º, da CF/88). Não se admite prisões em flagrante, preventiva e temporária, mesmo em se tratando de crimes inafiançáveis.
Ademais, durante a vigência do mandato presidencial, não poderá o Presidente ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86,§ 4º, da CF/88). Sendo assim, só poderá ser responsabilizado por atos cometidos em decorrência do exercício de suas funções presidenciais.
Se durante a vigência de seu mandato executivo, o Presidente da República, em estado de embriaguez voluntária, atropela um trabalhador catador de papel, não há dúvida que responderá criminalmente pelo ocorrido. Vindo o catador de papel, por exemplo, a falecer, induvidosamente responderá o Presidente pelo crime de homicídio, seja este tipificado como doloso ou culposo.
Entretanto, é necessário lembrar que o referido fato criminoso é estranho à função presidencial. Logo, não responderá o Presidente da República pelo precitado crime durante a vigência de seu mandato, conforme prescreve o art. 86, § 4º, da Carta Magna.
Em outras palavras, só haverá a persecução criminal após o término do mandato executivo, tendo em conta que o delito praticado não tem conexão com o exercício da função presidencial.
Obviamente, haverá suspensão do curso da prescrição até o término do mandato executivo.
Agora, uma vez cometido o delito “comum” durante o exercício do mandato, tendo o ilícito relação com a função presidencial, a história é outra: o Presidente submeter-se-á ao crivo da Câmara dos Deputados e, em havendo autorização desta pela maioria qualificada de 2/3 dos deputados federais, sujeitar-se-á ao julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, caso seja, logicamente, recebida a competente denúncia-crime.
Por exemplo, se o Presidente da República assassinar ou lesar gravemente algum parlamentar no interior do Palácio do Planalto, em razão de uma discussão acerca da constitucionalidade de uma medida provisória, não há dúvida que deverá responder pelo delito mesmo durante o exercício do mandato.
Há, nesse último caso, uma nítida conexão entre o crime praticado e o exercício da Presidência da República – o que possibilita a responsabilização do agente na vigência do mandato presidencial.
Enfim, em sendo cometida uma infração penal comum, examinar-se-á previamente se há conexão entre o ilícito e a função presidencial. Se a infração foi praticada durante a Presidência, havendo relação com o exercício desta, o Presidente poderá ser incriminado na vigência do mandato executivo perante a Corte Suprema (STF). Contudo, se o crime “comum” for estranho ao exercício da função executiva, não responderá o Presidente da República pela infração na vigência do mandato, mas somente após o término deste, ficando suspensa a prescrição enquanto perdurar o exercício de sua chefia de Governo e de Estado.
Encerrado o mandato presidencial, os feitos criminais em andamento no Supremo Tribunal Federal serão remetidos às instâncias inferiores, para o devido prosseguimento.
Repise-se, prisão somente após condenação por sentença criminal. Conforme estabelece o art. 86, § 3º, da Carta Política de 88, o Presidente da República só poderá ser preso depois que sobrevier sentença penal condenatória.
Seja o crime afiançável ou inafiançável, só se permite aprisionamento ou recolhimento à prisão após sentença penal condenatória exarada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão competente para julgar originariamente os crimes “comuns” cometidos pelo Presidente da República durante a vigência de seu mandato e que tenham relação com o exercício deste.
Em suma, em sendo condenado em sede de sentença, o Presidente da República sujeitar-se-á, indubitavelmente, à prisão. Transitada em julgada a sentença condenatória, serão suspensos seus direitos políticos e, por conseqüência, perderá o cargo presidencial.
(Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho – Advogado e Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná)
Introdução
Como toda e qualquer pessoa humana, o Presidente da República Federativa do Brasil, num determinado momento de sua vida, poderá violar um bem jurídico tutelado penalmente. Uma vez constatada a adequação de sua conduta ao tipo penal, imputar-se-á a ele o cometimento de um crime “comum”, o qual difere, em diversos aspectos, dos denominados crimes “de responsabilidade”, que são infrações político-administrativas definidas em lei federal.
A propósito, a Lei Federal n.º 1.079/50, que regula os precitados crimes “de responsabilidade” do Presidente da República e de outras autoridades, foi recepcionada pela Constituição Federal de 88, a qual, em seu art. 85 e incisos, também fixa condutas que poderão configurar práticas de infrações político-administrativas do Chefe do Executivo Nacional.
Como se vê, no curso de seu mandato executivo, o Presidente da República poderá cometer delitos “comuns” e “de responsabilidade”, estes definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento, conforme estatui o parágrafo único do art. 85 da CF/88.
Posto isso, indaga-se: o Presidente da República está sujeito à prisão por crimes que lhes são imputados? Teria o Presidente alguma imunidade ou prerrogativa assegurada constitucionalmente?
Vejamos adiante algumas questões pertinentes ao assunto.
Crimes comuns praticados pelo Presidente da República
Conforme estabelece o art. 86, “caput”, da Constituição Federal de 1988, “admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.
Pois bem, em termos práticos, em que consistem as denominadas “infrações penais comuns”?
Como já salientado, as “infrações penais comuns” opõem-se às “infrações político-administrativas” (crimes “de responsabilidade”), e tanto estas como aquelas podem ser cometidas pelo Presidente da República durante o exercício do mandato presidencial.
Em sendo um crime “comum” (peculato, corrupção passiva, concussão, homicídio etc.), admitida a acusação por maioria qualificada de dois terços da Câmara dos Deputados (“casa do povo”), o Presidente da República sujeitar-se-á ao Supremo Tribunal Federal, que permitirá ou não a instauração de um processo contra o Chefe do Executivo Federal.
Percebe-se, pois, que o Presidente da República dispõe de prerrogativa de foro (prerrogativa de função). Somente a Corte Suprema poderá processá-lo e julgá-lo por crimes comuns (CF, art. 102, I, ‘b’), obviamente após o juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados, que precisará do voto de 2/3 (dois terços) de seus membros para autorizar o processo.
É importante notar, no entanto, que a admissão da acusação pela Câmara dos Deputados não vincula a Corte Suprema (STF), que poderá rejeitar a denúncia-crime ou queixa-crime, caso entenda, por exemplo, inexistirem elementos suficientes de autoria e materialidade.
Recebida a denúncia-crime ou queixa-crime, o Presidente da República ficará suspenso de suas funções por 180 (cento e oitenta) dias; decorrido este prazo sem o seu julgamento pelo STF, voltará o Presidente a exercer suas funções presidenciais, devendo o feito prosseguir até a decisão derradeira.
Registre-se, enquanto não sobrevier sentença condenatória, o Presidente da República não poderá ser preso (art. 86, § 3º, da CF/88). Não se admite prisões em flagrante, preventiva e temporária, mesmo em se tratando de crimes inafiançáveis.
Ademais, durante a vigência do mandato presidencial, não poderá o Presidente ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86,§ 4º, da CF/88). Sendo assim, só poderá ser responsabilizado por atos cometidos em decorrência do exercício de suas funções presidenciais.
Se durante a vigência de seu mandato executivo, o Presidente da República, em estado de embriaguez voluntária, atropela um trabalhador catador de papel, não há dúvida que responderá criminalmente pelo ocorrido. Vindo o catador de papel, por exemplo, a falecer, induvidosamente responderá o Presidente pelo crime de homicídio, seja este tipificado como doloso ou culposo.
Entretanto, é necessário lembrar que o referido fato criminoso é estranho à função presidencial. Logo, não responderá o Presidente da República pelo precitado crime durante a vigência de seu mandato, conforme prescreve o art. 86, § 4º, da Carta Magna.
Em outras palavras, só haverá a persecução criminal após o término do mandato executivo, tendo em conta que o delito praticado não tem conexão com o exercício da função presidencial.
Obviamente, haverá suspensão do curso da prescrição até o término do mandato executivo.
Agora, uma vez cometido o delito “comum” durante o exercício do mandato, tendo o ilícito relação com a função presidencial, a história é outra: o Presidente submeter-se-á ao crivo da Câmara dos Deputados e, em havendo autorização desta pela maioria qualificada de 2/3 dos deputados federais, sujeitar-se-á ao julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, caso seja, logicamente, recebida a competente denúncia-crime.
Por exemplo, se o Presidente da República assassinar ou lesar gravemente algum parlamentar no interior do Palácio do Planalto, em razão de uma discussão acerca da constitucionalidade de uma medida provisória, não há dúvida que deverá responder pelo delito mesmo durante o exercício do mandato.
Há, nesse último caso, uma nítida conexão entre o crime praticado e o exercício da Presidência da República – o que possibilita a responsabilização do agente na vigência do mandato presidencial.
Enfim, em sendo cometida uma infração penal comum, examinar-se-á previamente se há conexão entre o ilícito e a função presidencial. Se a infração foi praticada durante a Presidência, havendo relação com o exercício desta, o Presidente poderá ser incriminado na vigência do mandato executivo perante a Corte Suprema (STF). Contudo, se o crime “comum” for estranho ao exercício da função executiva, não responderá o Presidente da República pela infração na vigência do mandato, mas somente após o término deste, ficando suspensa a prescrição enquanto perdurar o exercício de sua chefia de Governo e de Estado.
Encerrado o mandato presidencial, os feitos criminais em andamento no Supremo Tribunal Federal serão remetidos às instâncias inferiores, para o devido prosseguimento.
Repise-se, prisão somente após condenação por sentença criminal. Conforme estabelece o art. 86, § 3º, da Carta Política de 88, o Presidente da República só poderá ser preso depois que sobrevier sentença penal condenatória.
Seja o crime afiançável ou inafiançável, só se permite aprisionamento ou recolhimento à prisão após sentença penal condenatória exarada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão competente para julgar originariamente os crimes “comuns” cometidos pelo Presidente da República durante a vigência de seu mandato e que tenham relação com o exercício deste.
Em suma, em sendo condenado em sede de sentença, o Presidente da República sujeitar-se-á, indubitavelmente, à prisão. Transitada em julgada a sentença condenatória, serão suspensos seus direitos políticos e, por conseqüência, perderá o cargo presidencial.