PREVENÇÃO E TRATAMENTO DO SUPERENVIDAMENTO: uma análise a partir do projeto de lei n° 283/2012 (Senado Federal) e anteprojeto n°3515/2015 (Câmara dos Deputados) [1].

Letícia Nívea de Lima Iimori[2]

Alexandre Correia Magalhães[3]

Thaís Emília de Sousa Viegas[4]

Roberto de Oliveira Almeida[5]

 

 

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Da Sociedade de consumo ao superendividamento; 2.1 Superendividamento: histórico, conceito e pressupostos; 3 Fundamentos para a proteção e tratamento dos consumidores superendividados; 4 Disposições gerais do projeto de lei n 283/2012 (Senado Federal) e projeto de lei n° 315/2015 (Câmara dos Deputados); 4.1 Da prevenção e oferta; 4.2 Da fase conciliatória e judicial; 5 Considerações Finais; Referências; Anexos.

 

 

RESUMO

 

A partir da teoria social do consumo, por meio dos pensadores Zygmunt Bauman e Don Slater, discute-se o superendividamento como efeito colateral dessa sociedade de consumo e sob a perspectiva de alteração do Código de Defesa do Consumidor a partir do Projeto de Lei do Senado Federal nº 283/2012 e Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n° 315/2015. Os referidos projetos de lei aperfeiçoam, disciplinam a abertura de crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Inicialmente, destaca-se a ideia de sociedade de consumo e suas consequências como parâmetro de identificação das relações sociais. Em seguida, pontua-se o conceito e pressupostos do superendividamento, baseando-se na tutela infraconstitucional de defesa do consumidor vigente, nos princípios consumeristas e o direito comparado, em relação ao consumidor de boa-fé e superendividado, juntamente com análise dos projetos de lei supramencionados.

Palavras-chave: Sociedade de consumo; Superendividamento; Projetos de lei n° 283/1012 e n° 3515/2015. Prevenção. Conciliação.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Diante da teoria social do consumo percebemos que houve uma ruptura da sociedade de trabalhadores para a sociedade de consumidores, com influência da Revolução Industrial, do mercado capitalista, as grandes massificações de produtos e serviços e  avalanche do marketing e publicidades, com técnicas cada vez mais avançadas para atingir os consumidores.

O ser humano em busca da felicidade e da obrigação de consumir, com vistas a fazer parte da sociedade, como se fosse uma etiquetagem social, a qual, quem não consome é excluído, por ser considerado uma “subclasse”, por isso as pessoas, como forma de inclusão social, segundo a linha de pensamento do autor Bauman (2008) tornaram-se mercadorias, como forma de se autopromoverem por meio do consumo.

Para poder fazer parte desse modelo de sociedade de consumo é necessário alcançar todas as classes sociais, e para a classe social baixa é necessário um enfoque maior de uma abertura de crédito para poderem ser potenciais consumidores e se promoverem nas relações humanas. No Brasil, essa ânsia surgiu a partir do Plano Real. Percebe-se então que um dos efeitos colaterais dessa perspectiva de sociedade consumista é, portanto, o superendividamento, em decorrência do uso desenfreado e sem controle dos meios de obtenção de crédito.

Os projetos de lei n° 283/2012 e 315/2015 visam incluir dois novos capítulos no Código de Defesa do Consumidor denominados de “proteção contratual” e “conciliação no superendividamento”, com a finalidade de prevenção e conciliação do superendividamento da pessoa física.

Tais projetos de lei buscam influência do direito comparado para tratar do tema com os seguintes aspectos: necessidade de observar um mínimo existencial do consumidor; o dever de informação adequada, clara e precisa por parte do fornecedor com todos os riscos do negócio, bem como um esquema de estudo sobre as taxas de juros; a fase de conciliação com um reescalonamento das dívidas por meio de um plano de pagamento e a concessão de um crédito responsável ao consumidor.

Diante de um cenário de crise político-social no nosso país, com alto índice de desemprego e aumento de dívidas, esse estudo serve como mecanismo de prevenção e tratamento ao superendividado, decorrente da massificação das relações consumeristas e, avanços cada vez mais significativos da publicidade, como por exemplo, o “neuromarketing”, podendo tais fatores, impossibilitar ao consumidor, o cumprimento com suas obrigações financeiras.

Quanto à metodologia utilizada nesse estudo, pensaremos tal proposta a partir de um viés mais vasto, ou seja, a vertente jurídico-sociológica, que segundo Gustin e Dias (2013, p.22) visa “compreender o fenômeno jurídico num ambiente social mais amplo”, isto é, se tenta compreender as necessidades sociais, a massificação das relações consumeristas, técnicas sofisticadas de publicidade, tudo isso em relação ao superendividamento.

A pesquisa alocada baseia-se no objetivo que Gil (2002) mencionou como exploratório, acerca de um aprofundamento do tema através de pesquisas bibliográficas, desenvolvidas por meio de livros e artigos, apresentando diversas posições acerca do superendividamento. Utilizamos também a pesquisa documental sobre o tema, por meio de jurisprudências e os projetos de lei n° 382/2012 e 3515/2015.

 

2 DA SOCIEDADE DE CONSUMO AO SUPERENDIVIDAMENTO

 

Hodiernamente, pela cultura do consumo, há intensa alteração nos pressupostos de formação da sociedade, que deixa de consumir por necessidade, para adaptar-se ao ideal de consumismo.

Conforme Bauman (2008, p. 112) “os mais capazes e sagazes adeptos da arte consumista sabem que se livrar de coisas que ultrapassaram sua data de vencimento (leia-se desfrutabilidade) é um evento a se regozijar”.

Primeiramente, segundo a definição de Bauman (2008) há uma diferença entre consumo - que nada mais é do que algo natural do ser humano -, enquanto que o consumismo é um atributo da sociedade, decorrente de um padrão de vida de apropriação, acumulação e posse de vários objetos, baseada numa cultura “agorista”, isto é, a pressa e o impulso de premente de adquirir, descartar e substituir um produto e/ou serviço.

Percebemos diante de uma leitura jurídico-sociológica, uma ruptura entre a sociedade de produtores para uma sociedade de consumo, uma vez que o trabalho se tornou uma mercadoria como justificativa para o consumo.

Ainda sobre o pensamento de Bauman há uma necessidade de autoafirmação do indivíduo que necessita estar inserido dentro de uma sociedade de consumidores, para poder fazer parte de um parâmetro de vida fixado pela cultura consumista, sob pena de ser considerada “uma “subclasse”, que são pessoas sem um papel, que não dão contribuição útil às vidas dos demais, e em princípio além da redenção” (BAUMAN, 2008, p.156).

Dessa forma, surgiu uma nova classe de “consumidores falhos”. Com o desenvolvimento acelerado das tecnologias, a expansão das técnicas de produção e venda em massa, e o fluxo vertiginoso e sempre crescente da troca de informações, vivemos a transição para a sociedade de consumo. Se antes a prudência se refletia na capacidade de adiar a satisfação, hodiernamente o importante é garanti-la o quanto antes, se possível no momento presente. Quem não cumpre com o “dever universal de consumo”, por opção ou falta dela, é um cidadão de segunda classe, que deve conviver com a rotina de inadequação e exclusão, uma verdadeira invalidez social.(CAMPOS E MIGUEL, 2013, p.2-3).

 

Assim nessa esteira de pensamento Slater (2002, p.34) explica que “a ideia da “sociedade de consumo” é universal, com a ideia de abranger a todos (...) mas muitas vezes a mercadoria é restrita pelo acesso ao dinheiro”.

O bom do crédito é que ele permite a inclusão de pessoas de baixa renda mensal na sociedade de consumo, logo, deve ser incentivado o acesso ao crédito, mas crédito deve ser concedido de maneira responsável, pois se trata de um “produto” complexo, difícil de ser “administrado” sem que se caia no excesso e na impossibilidade de pagar o conjunto de suas dívidas em um tempo razoável, ainda mais no Brasil onde os juros são altíssimos, temos o maior spread (lucro do banco) do mundo e as dívidas multiplicam de valores em pouco tempo. Na sociedade de consumo a publicidade, o marketing e as práticas comerciais criam desejos, influenciando as escolhas do consumidor. (MARQUES et al., 2010, p.18-19). (grifo original).

 

Para a sociedade de consumidores, diante da política de consumo “compre agora, trabalhe depois”, o crédito serve para possibilitar a aquisição de bens e serviços, visto que há uma relação de dependência, qual seja, o ser humano necessita do produto ou serviço.

A sociedade atual se caracteriza pelo consumo descomedido em busca da satisfação de seus desejos, com intenção de se obter o bem-estar e o status pessoal. Onde o indivíduo com intuito de adquirir uma posição de vida melhor para seu conforto e realização pessoal, consome por consumir, não percebendo que tal atitude foge do seu controle, e, não podendo mais cumprir com suas obrigações, acaba caindo em estado de insolvência em relação as suas dívidas. (FOSSÁ, 2012, p.2).

 

A “cultura do consumo” é dominada pelo consumo de mercadorias (...) a cultura do consumo não é o único modo de reprodução social, mas tem um alcance prático e ideológico capaz de superar qualquer outro (...) essa cultura veio de muito tempo com perspectivas diferentes, mas que ajudou a construir o mundo moderno ou pós- moderno, embora, a “cultura de consumo” não significa modernidade. Com o advento da Revolução Industrial começou a produzir, Tempos depois, com os avanços da infraestrutura e o surgimento precoce da publicidade voltada ao consumo, logo foram criados espaços para consumos, como por exemplo, shoppings. (SLATER, 2002, p.17-25).

Como pano de fundo desta realidade, existe o contexto ideológico que impulsiona todas essas transformações: o consumismo, que enseja a sociedade de consumidores. O consumismo tem como alicerce a manutenção de um eterno desejo de comprar – constantemente a sociedade consumidora, para se sustentar, precisa reinventar as necessidades dos indivíduos, por meio de estímulos de todas as espécies. O marketing configura técnica essencial para o sucesso do consumismo, pois se responsabiliza pela otimização do processo de incutir nos consumidores novidades tentadoras a todo o tempo.(CHAGAS e JESUS, [2012?], s.n).

 

Outro fator ligado à questão do consumismo é o mercado capitalista, que busca atingir o maior número de consumidores, valendo-se do marketing e publicidade, ciências que estudam o comportamento humano, estimulando demandas que vão ao ponto de encontro da fraqueza do consumidor, hipnotizando-os por meio de imagens, cores, músicas e apelos específicos com técnicas determinadas para atingir seu objetivo. Tais técnicas quando se vive em uma cultura hedonista, na qual o prazer imediato e o constante bem-estar são razões de viver e a busca pela felicidade superam as noções de responsabilidade. (SCHMIDT NETO, 2009, p. 180).

Consoante Bauman (2008, p.109) “ a referência “estar à frente da tendência de estilo” transmite a promessa de um alto valor de mercado e uma profusão de demandas (ambos traduzidos como certeza de reconhecimento, aprovação e inclusão) ”.  Nesse caso a ideia central se funda na felicidade máxima, de modo que evite dor ou sofrimento.

“Os membros da sociedade de consumidores são eles próprios mercadorias de consumo, e é a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade”. (BAUMAN, 2008, p. 76). Com esse tipo de “sociedade de consumidores” ou “cultura de consumo” percebemos a necessidade do sujeito, enquanto consumidor, de conquistar esse modelo, como uma forma de identificação social e individual, bem como sua incorporação pelo indivíduo.

 

2.1 Superendividamento: histórico, conceito e pressupostos

 

Como explica Cláudia Lima Marques, o superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio (MARQUES, et. al, 2010, p.21).

Complementa Schmidt Neto (2009, p. 180) o qual estabelece critérios para o consumidor superendividado: seja pessoa física de boa-fé, a natureza da dívida não seja penal ou alimentar-  o devedor possua um ativo menor do que o passivo, de modo a ser impossível pagar seus débitos, sem que cause gravame a sua dignidade existencial.

Porém o crédito e o consumo podem ocasionar graves consequências ao consumidor de boa-fé, pode gerar um “endividamento superior àquele possível de ser suportado pelos rendimentos do indivíduo, logo, não se abarca nesse conceito o mero descumprimento de obrigações financeiras” (BOLADE, 2012, p. 184).

O consumo e crédito são duas faces de uma mesma moeda: para consumir muitas vezes necessita-se de crédito, se há crédito ao consumo, a produção aumenta e a economia ativa-se, há mais emprego e aumenta o “mercado” de consumo brasileiro. Uma moeda da sorte...mas também do azar... Podemos usar a figura de linguagem da moeda para afirmar que esta moeda de duas faces “consumo/crédito” sorri somente quando está na vertical, girando e mostrando suas duas caras ao mesmo tempo: é bom para todo mundo, para a sociedade em geral, pois a economia “sorri”. É bom para o consumidor, que também é incluído no mundo do consumo. Mas o equilíbrio deste movimento é difícil, e na sociedade de consumo de massas, sempre uma moeda ou outra vai desequilibrar-se e cair: o consumidor não paga o crédito, não consome mais, cai no inadimplemento individual (ou insolvência civil), seu nome vai para o SPC, SERASA...aqui a dívida vira um problema dele e de sua família, sua “culpa” ou fracasso...mas quando muitas moedas caem ao mesmo tempo, uma crise na sociedade é criada, as taxas de inadimplemento sobem, sobem os juros, os preços, a insolvência, cai a confiança, o consumo, desacelera-se a economia...uma reação em cadeia... (MARQUES, LIMA e BERTONCELLO, 2010, p.18-19). (grifo original).

 

O crédito surge como um pressuposto de inclusão social, pois dá a possibilidade de adquirir bens e serviços de uma forma mais imediata, o que era até então difícil. Nessa esteira de pensamento, explica Costa (1998) que o crédito e o empréstimo eram formas antigas e sempre presentes na história do homem:

O aparecimento do empréstimo desde a aurora da História demonstra a sua utilidade em ajudar a satisfazer às necessidades fundamentais dos homens, auxiliando a sobrevivência do grupo social e promovendo o desenvolvimento econômico.

Desde muito tempo o direito se preocupou em regrar o empréstimo a juros. Vejamos apenas o exemplo da antiga Babilônia. Elaborado em época de florescente comércio e rica agricultura de irrigação, o Código de Hamurabi (1792 a 1750 a. C.) trouxe regras que concediam aos camponeses facilidades para pagar suas dividas. Os empréstimos, em moeda ou in natura, deveriam ser objeto de contrato escrito.

(...)

Após a l Guerra Mundial, surge um novo ator no palco dos sistemas de crédito: a instituição financeira, que fornece o capital necessário para a aquisição dos produtos e serviços, sem todavia produzi-los ou distribuí-los. (COSTA, 1998, p.96-98). (grifo original).

 

No Brasil, ocorreu a penetração do crédito, segundo Clarissa Costa de Lima e Káren Bertoncello “somente após 1994 com a edição do Plano Real e, mais acentuadamente, nos últimos cinco anos devido à estabilidade econômica e à descoberta de uma parcela da população que estava excluída do sistema formal de crédito” (BERTONCELLO et al., 2010, p.53).

Mas o que seria esse crédito? Segundo Claudia Lima Marques, o crédito é um tempo dado ao consumidor para pagar suas dívidas advindas de aquisições de bens e serviços:

 

O Crédito é um “tempo” que a pessoa “adquire” através de vários contratos oferecidos no mercado ao consumidor (pagamento à crédito ou em prestações de produtos e serviços, uso de cartões de crédito, do crédito rotativo ou do cheque especial, financiamento com cheques pré-datados, financiamento com “carnês” assegurados por notas promissórias; crédito consignado que é retirado pelo banco ou pela loja autorizada a cada mês quando vem o salário, aposentadoria ou pensão) (MARQUES et al., 2010, p. 19-20). (grifo original).

 

Devemos observar que há diversas causas e justificativas, conforme Cláudia Lima Marques (2010) utiliza a expressão “acidentes da vida”.

 Precisamos tratar a questão de um ponto de vista objetivo, visualizando as causas externas do endividamento. O estímulo publicitário que leva às compras irrefletidas ou irracionais é uma e, talvez, a principal dessas causas. Pensemos nas políticas econômicas recessivas e concentradoras de renda, nas ondas de desemprego em massa, nos acidentes familiares, como uma doença, o divórcio ou a separação. (COSTA, 1998,  s.n).

 

Assim como há fatores que podem agravar o superendividamento ativo do consumidor, pessoa física e de boa-fé, pode-se destacar, dentre eles, a negligência na concessão do crédito, quando as informações disponibilizadas aos consumidores não são transparentes e completas, ou até mesmo excesso no modo de sedução dos consumidores através da publicidade (MARQUES et.al, 2010, p. 44).

O superendividamento, a seu turno, ainda não foi objeto de legislação, embora existam projetos em andamento no Poder Legislativo. O CDC é silente a respeito. Outros países, como a França, tem suas leis, regulamentando o assunto, com efeitos positivos para o consumidor, apresentando-se como modelo a ser seguido. De constatar que hoje a população está mais endividada, principalmente os mais pobres e aposentados, pela facilidade de financiamento e crédito consignado. Daí esperar do governo medidas concretas que resolvam ou minimizem o problema (ALMEIDA, 2009, p. 327).

 

Pela falta de legislação específica, sancionada e em vigor, para a defesa do consumidor de boa-fé e superendividado, faz-se mister lançar mão de instrumentos judiciais como ações de cobrança, ações revisionais, ações monitórias e executivas[6].

Outro ponto que merece destaque, embora pela teoria da imprevisão do Código Civil de 2002- fazendo um diálogo entre as fontes entre o CDC e o CC/2002- existe a possibilidade de resolução por onerosidade excessiva do contrato, prevista no artigo 478 do CC/02, mas que só dá um enfoque de revisão contratual depois que se torna extremamente oneroso ao consumidor, não tendo um tratamento preventivo.

Todavia essa falta de legislação específica para tratar do tema, não significa que o consumidor ficará desamparado:

No que concerne à proteção jurídica do consumidor superendividado, a ausência de norma específica sobre o tema não desabona a aplicação desse arcabouço protetivo consumerista e o exame das dimensões constitucional e infraconstitucional da tutela jurídica do consumidor aclara que o consumidor sobre-endividamento é destinatário de todos os direitos do sujeito consumidor, ou, senão, agente econômico demasiadamente enfraquecido nos contratos creditícios, a demandar atenção especial.

Considerando que a vulnerabilidade é característica inerente ao consumidor, o superendividado – para além de parte mais fraca da relação de consumo – circunscreve-se em uma situação de vulnerabilidade agravada, já que a incapacidade global de adimplemento das dívidas de consumo é efeito inerente à sociedade de consumo e, por vezes, consequência do advento de acontecimentos inesperados, como o desemprego e a enfermidade. A tutela do consumidor superendividado deve estar arrimada na dimensão constitucional e infraconstitucional da defesa do consumidor, evocando-se o imperativo de que a análise das situações de sobre-endividamento sejam diferidas e consoantes às manifestações da sociedade de consumo, com o ensejo de evitar a exclusão social desse consumidor.

(....)

Em que pese o consumidor superendividado esteja amparado pelo arcabouço jurídico protetivo vigente, os modelos de tratamento do superendividamento são insuficientes, eis que ainda restritos ao ajuizamento de ações revisionais que não viabilizam a superação do déficit financeiro – haja vista a ausência de renegociação global – e limitados a casuísticas adstritas à modalidade de crédito consignado. (MARTINS e VIEGAS, [2013?], s.n).

 

Desse modo, a legislação específica serve, hodiernamente, para regular os direitos já previstos pelo Código de Defesa do Consumidor e, com o Novo Código de Processo Civil, no que tange à conciliação e cooperação das partes- um dos princípios basilares do novo código processualista- e desde que tudo esteja em conformidade com a Constituição, dentro da perspectiva do princípio da dignidade humana, como direito fundamental, tudo isto vai de encontro com a proposta basilar lançadas nos projetos de lei em questão.

 

3 FUNDAMENTOS PARA A PROTEÇÃO E TRATAMENTO DOS CONSUMIDORES SUPERENDIVIDADOS

 

O artigo 4° do Código de Defesa do Consumidor[7] elenca como fundamento da proteção dos consumidores endividados como a boa-fé, transparência, lealdade e vulnerabilidade, princípios estes que permeiam os projetos de lei em voga, em especial, descrito no capítulo VI, seção IV.

Assim o princípio da boa-fé objetiva que permeia as relações consumeristas, se presume e se conceitua, segundo Cavalieri Filho (2011, p. 39) “desvinculada das intenções íntimas do sujeito, indica o comportamento objetivamente adequado aos padrões de ética, lealdade, honestidade e colaboração exigíveis nas relações de consumo”.

No que tange a transparência, explica Cavalieri Filho (2011, p.43) que a “transparência nas relações de consumo importa em informações claras, corretas e precisas sobre o produto fornecido, o serviço a ser prestado e o contrato a ser firmado”.

Também há de ser visto a vulnerabilidade do consumidor e o princípio do equilíbrio, uma vez que o reconhecimento do consumidor como parte mais fraca na relação, sustenta a necessidade de reequilíbrio contratual em face da situação desigual, bem como tal princípio incide sobre as consequências patrimoniais das relações de consumo, protegendo o equilíbrio econômico, mas tal equilíbrio deve proteger interesses tanto dos consumidores quanto dos fornecedores na relação (MIRAGEM, 2014, p.137-139).

Acerca das causas do superendividamento, se percebe que o dever de informação adequada e a publicidade devem estar em consonância com a boa-fé, segundo o pensamento de Cláudia Lima Marques:

O maior instrumento de prevenção do superendividamento dos consumidores é a informação. Informação detalhada ao consumidor é um dever de boa-fé, dever de informar os elementos principais e mesmo dever de esclarecer o leigo sobre os riscos do crédito e o comprometimento futuro de sua renda. Segundo o art. 52 do CDC, o fornecedor deverá informar prévia e adequadamente o consumidor sobre todos os elementos do contrato de crédito antes de concluí-lo, em especial o preço , as condições ( montante dos juros, acréscimos legais, número e periodicidade das prestações) bem como a soma total a pagar com ou sem financiamento. Esta nova lei apenas desenvolveria este dever.

(...) e contenha “de maneira inequívoca, legível e aparente ou, se for caso, audível: a) a identidade, o endereço e a qualidade do fornecedor de crédito; b) a forma de crédito a que se refere; c) a taxa efetiva anual de juros; d) a duração do contrato; e) o custo efetivo total do crédito”. Norma semelhante existe na França. Neste país é proibida a publicidade que mencione ser “gratuito” o crédito e que ponha ênfase na “rapidez” com a qual o crédito é obtido (como sabemos, muitos bancos e financeiras fazem publicidade no Brasil justamente com esta ideia de crédito “a jato”, sem consultar os bancos de dados de inadimplência, etc.). Também a nova lei poderia adaptar o Art.37 do CDC, reforçando a ideia de que seria abusiva “a publicidade de crédito que explore a situação de necessidade, inexperiência, dependência, estado mental, fraqueza ou ignorância do consumidor tendo em vista a sua idade, saúde, condição social, ou que seja capaz de induzir o consumidor a contrair créditos de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde, patrimônio, sua segurança e de sua família” (MARQUES et. al, 2010, p.26-27) (grifo original).

 

Assim regulamentando o dever de informação adequada de acordo com o artigo 6º, em especial os incisos II e III do CDC[8], estariam diante de uma boa-fé contratual, transparência e equilíbrio numa relação consumerista, devendo o fornecedor demonstrar os riscos do negócio, os juros, as taxas e valores a serem pagos em caso de (des)cumprimento do pactuado.

 

4 DISPOSIÇÕES GERAIS DO PROJETO DE LEI N 283/2012 (SENADO FEDERAL) E PROJETO DE LEI N° 315/2015 (CÂMARA DOS DEPUTADOS)

 

O projeto de lei veio para complementar e preencher lacunas do CDC acerca do superendividamento e legitimar, legalmente, vários direitos que tem sido reconhecido pelos Tribunais, como é o caso da limitação de 30% da remuneração do consumidor, de qualquer forma que implique reserva de remuneração, previsto no art. 54-E do projeto de lei n°3515/2015.

Essa limitação representa o “mínimo existencial”, quando mesmo após a concordância prévia do consumidor em descontos que impliquem diretamente na sua remuneração mensal líquida, como por exemplo, o débito automático, consignação em folha de pagamento e etc., deve-se resguardar 30% de sua remuneração para as despesas correntes, de forma a cumprir com as demais obrigações e garantir o mínimo de qualidade de vida digna.

CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A 30% (TRINTA POR CENTO) DA REMUNERAÇÃO. 1. Não há ilegalidade na celebração de acordo para pagamento de dívida com posterior pagamento em consignação em folha de pagamento, porque, além da facilidade de contratação, há a possibilidade de serem oferecidas taxas de juros mais baixas, o que é benéfico ao consumidor. Inviável, entretanto, o pedido de homologação de acordo entre as partes quando o desconto supera o limite de 30% (trinta por cento) de sua remuneração. 2. Agravo não provido. ( TJ-DF - AGI: 20140020056148 DF 0005645-49.2014.8.07.0000, Relator: CRUZ MACEDO, Data de Julgamento: 10/12/2014, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/01/2015 . Pág.: 483).

 

EMENTA   AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DA MARGEM DE CONSIGNAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS LÍQUIDOS DO DEVEDOR. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. 1. Os descontos em folha de pagamento das prestações do contrato de empréstimo não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração líquida percebida pelo devedor.2. Inversão dos ônus sucumbenciais. 3. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO (...) RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DA MARGEM DE CONSIGNAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DODEVEDOR. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Os descontos em folha de pagamento das prestações do contrato de empréstimo não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração percebida pelo devedor. 2. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ, AgRg nos EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.423.584 - RS (2013⁄0401521-0) RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO- DJe: 05/05/2015).(grifo original)

 

Ressalva que tal direito, segundo a perspectiva trazida pelo projeto de lei n°3515/2015, não seria aplicado somente aos servidores públicos como é o caso das jurisprudências mencionadas, mas em qualquer pessoa física, respeitando a dignidade humana e o mínimo existencial.

Ainda nessa esteira de pensamento, a perspectiva de regulamentação do tema define superendividamento tanto pelo modelo subjetivo, quanto pelo objetivo, ao fixar um quantum e um elemento caracterizador da situação: o comprometimento de trinta por cento da renda do consumidor, levando em conta o modelo do mínimo existencial e dignidade da pessoa humana (....) Nesse particular e dentro dos limites que se propõe este trabalho, é possível constatar que a atuação do Poder Judiciário, quando instigado a solucionar este fenômeno social e jurídico, ainda é restrita à aplicação analógica da Lei nº 10.820/2003, impondo a credores-instituições financeiras a limitação de descontos em folha de pagamento ou conta corrente do consumidor ao patamar legal de 30%. Com efeito, apesar do reconhecimento do superendividamento em âmbito judicial, percebe-se que o Poder Judiciário não oferece resposta à integralidade do fenômeno. Diante deste cenário, questiona-se: o sistema existente permite a reestruturação financeira e consequente reinserção do sobre-endividado no contexto da sociedade de consumo? O ordenamento jurídico vigente alberga, efetivamente, a situação de superendividamento do consumidor? (MARTINS e VIEGAS, [2013?], s.n).

 

Em relação ao grande avanço em reconhecer a necessidade de tutela do consumidor superendividado e um acesso à crédito responsável, os anteprojetos em voga, tentam promover a educação do consumidor superendividado, por meio da informação adequada e o controle das informações publicitárias, voltados para a concessão do crédito responsável, mostrando expressamente os riscos da abertura desse crédito ao consumidor, como uma forma de boa-fé nas relações consumeristas e uma escolha clara por parte do indivíduo ao fazer o uso desse crédito que lhe fora concedido.

Outro fator importante sobre os anteprojetos dispostos é o direito de arrependimento previsto no artigo 54-E, §2, PL n°3515/15, nos termos e prazos fixados de sete dias para desistir do crédito que lhe fora concedido, pois segundo, o pensamento de Schmidt Neto um dos critérios já adotados na legislação alienígena é o prazo para reflexão, dentre vários outros que são objetos de estudo nesse artigo:

O tratamento do fenômeno, entre nós, chamado de superendividamento, já vem sendo aprimorado no direito estrangeiro, ao reequilibrar o setor produtivo mediante a reinserção no mercado de um consumidor recuperado financeiramente. De fato, principalmente na Europa e nos EUA, há algumas soluções para os efeitos nefastos do mau uso do crédito:

  1. a) preventivamente, impor o dever de informar aos fornecedores;
  2. b) verificar a capacidade de reembolso do consumidor;
  3. c) conceder um prazo de reflexão;
  4. d) valer-se do cadastro de proteção ao crédito, quando bem utilizados, podem impedir que a situação agrave;
  5. e) criar programas de educação para o crédito e observatórios do superendividamento;
  6. f) viabilizar seguros de proteção ao crédito;
  7. g) proteger os garantes da relação (fiador e avalista);
  8. h) promovem ligação entre contratos conexos (principal e crédito), limitada a taxa de juros e etc.;
  9. i) trata os que já estão na condição de superendividados, a garantir a manutenção de um mínimo existencial, permitir o perdão das dívidas em alguns casos, impor ao dever do fornecedor um dever de renegociação e etc. (SCHMIDT NETO, 2009, p.168).

 

Assim, como colocado nos projetos de lei, são garantidos a entrega do contrato e informações obrigatórias, que permitam aos usuários, o direito de reflexão sobre o crédito concedido. Outrossim, também existe a proteção aos consumidores hipervulneráveis de modo que não haja equívocos quanto da contratação do crédito.

Fazendo uma breve comparação com o direito estrangeiro e os projetos de lei n° 283/2012 e n° 315/2015, podemos perceber que os anteprojetos buscam como parâmetro, os critérios adotados nas legislações estrangeiras para tratar do tema superendividamento, uma vez que tais projetos dispõem sobre o dever de informação por parte dos fornecedores, o direito de arrependimento do crédito concebido; a limitação das taxas de juros, a manutenção do mínimo existencial como condição digna de viver do consumidor superendividado e a questão da conciliação do consumidor para com seus credores, apresentando um plano de pagamento.

 

4.1 Da prevenção e oferta

 

Conforme já mencionado sobre as causas e seus agravantes acerca do superendividamento, há uma proteção aos consumidores no que tange a oferta de crédito, publicidade e dever de informação, previstos nos artigos 54-B e seguintes do projeto de lei n°3515/2015.

O fornecedor seria obrigado a informar prévia e adequadamente sobre as taxas e qualquer valor cobrado ao consumidor, prazo de pagamento, a soma e total a pagar com ou sem qualquer financiamento, bem como simulação de preços à vista ou parcelado com juros e explicar sobre as modalidades de créditos oferecidos no mercado e que o melhor se adequa a situação financeira do consumidor.

Para tanto em caso de qualquer descumprimento dos artigos 54-B e seguintes, tem sanção imposta ao devedor, prevista no art. 54- D, §único do anteprojeto n°3515/2015. Conforme defende Cláudia Lima Marques, o fornecedor que descumprir as regras sobre a publicidade, o dever de conselho e informação, a oferta prévia e a concessão responsável de crédito pode, a critério do julgador e conforme a gravidade do descumprimento, perder todo ou parte do direito aos juros remuneratórios, ficando o consumidor obrigado ao reembolso do capital, na forma deliberada pelo magistrado. A perda do valor principal não parece necessária, nem a desconstituição do contrato (MARQUES et. al, 2010, p. 29).

 

4.2 Da fase conciliatória e judicial

 

Assim, diante do modelo de consumismo, há uma necessidade de uma preocupação com o crédito facilitado, o aumento de dívidas e a insuficiência de recursos para adimpli-las, gerando assim, o superendividamento do consumidor, o qual fica com o nome restrito nos órgãos de proteção ao crédito, sem qualquer perspectiva de conciliação com seus credores, uma vez que no plano prático, a forma de pagamento da dívida, via de regra, fica a critério do fornecedor e com a conciliação, o consumidor, tem direito a um reescalonamento de suas dívidas, por meio do plano de recuperação.

A fase conciliatória prevista nos artigos 104-A, B e C do anteprojeto n° 3515/2015 encontra-se em verdadeira consonância com o modelo proposto pelo CPC vigente, como forma de solução extrajudicial dos litígios, sendo tal acordo homologado pelo juiz com força de título executivo judicial e força de coisa julgada. Essa fase permite não só a negociação do pagamento das dívidas, com direito a reescalonamento, como também a arguição de eventual erro, fraude ou contestação de valores.

No caso de plano de recuperação, o consumidor apresentará plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos e suas respectivas formas de pagamento e prazos, bem como que durante esse período, tenha uma abstenção de inclusão de nome em cadastros de proteção de ao crédito do consumidor, e se já inserido nesses órgãos, a sua retirada.

Sendo inexitosa a conciliação o juiz terá um procedimento específico para tratar das revisões do contrato, mediante plano judicial compulsório, chamando todos os credores para integrar a relação judicial, para novamente tentar chegar uma renegociação. Assim tal pensamento fora defendido há tempos por Cláudia Lima Marques, uma das elaboradoras e participantes desse anteprojeto:

(...) uma fase judicial de reestruturação do passivo. Caso inexitosa a conciliação com um ou mais credores, presentes ou não, o devedor poderá requerer no juízo competente a reestruturação do passivo através de um plano judicial, relativamente às dívidas não acordadas, independentemente de nova conciliação. O consumidor deverá instruir o pedido com todos os documentos hábeis à demonstração de seu ativo e passivo, arrolando aqueles que dependam de requisição judicial, se for o caso e, quando possível, com uma sugestão de plano de pagamento aos credores. (MARQUES et. al, 2010, p.35).

 Qualquer entidade pública ou privada que ofereça algum tipo de orientação aos funcionários, aos clientes e/ou ao público em geral, a exemplo da atuação do Instituto de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), Defensoria Pública, entre outros, deverá conscientizá-los sobre a existência do fenômeno, causas e formas possíveis de tratamento, pois estará contribuindo positivamente com a sociedade e evitando práticas delituosas nas relações de consumo (BERTONCELLO et.al, 2010, p. 45).

A doutrina elenca como ideal a presença de uma equipe multidisciplinar para orientar o consumidor e o fornecedor na conciliação, na qual poderia haver, ainda, um profissional da psicologia, especialmente para as hipóteses em que o superendividamento decorre de distúrbios relacionados à ansiedade – bastante frequentes autalmente. (CHAGAS e JESUS, [2012?], s.n).

Para a conciliação administrativa, se faz relevante, a participação de entidades públicas ou privadas para auxiliar a efetivação desse instituto, como observa Clarissa Lima e Káren Bertoncello (BERTONCELLO et. al, 2010), pois dado o caráter multidisciplinar do fenômeno, é imprescindível a atuação dos mais variados profissionais na busca da minoração das consequências do superendividamento e resolução do problema de maneira menos litigiosa.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Tendo em vista a teoria sociológica do consumo, a sociedade de consumidores é um modelo a ser seguido pelo indivíduo, como método de inserção social. Para isso, é necessária a abertura de crédito que, em muitos casos, torna o consumidor vítima dos “acidentes da vida” fazendo com que o seu planejamento de pagamento seja pego de surpresa, causando o inadimplemento de suas obrigações.

Ocorre que, para ser tratado como superendividado tendo toda a tutela do ordenamento jurídico, é necessário que o consumidor esteja de boa-fé e querendo adimplir suas obrigações, mas sem meios para isso. A inexistência de lei específica para tratar o superendividado, tem tutela no ordenamento jurídico por meio de ações revisionais, resolução do contrato por onerosidade excessiva, ações de cobrança, entre outros meios, porém não há um olhar específico àquele consumidor endividado, muito menos, uma prevenção por meio de uma informação clara, adequada e precisa da abertura do consumo.

Além disso, percebe-se ausência de informações sobre todos os riscos que podem advir do crédito concedido, assim como um prazo de reflexão para o crédito aprovado ao consumidor e uma perspectiva de mínimo existencial, de sobrevivência daquele consumidor superendividado para pagar as despesas correntes, como Cláudia Lima Marques intitula despesas como água, luz, mercearia e etc.

Outro instituto que os projetos de lei tratam do superendividamento, é a fase de conciliação do consumidor endividado e seus credores, apresentando um planejamento de pagamento, com todas as sanções impostas em caso de descumprimento trazidas pelos projetos.

No que concerne à problemática inicial desse artigo, temos as seguintes considerações: de que consumir é algo inerente ao individuo, ainda mais no modelo de sociedade em que vivemos e, portanto, se faz necessário, uma política de educação e informação ao crédito proposto ao consumidor, bem como uma legislação específica para tratar do tema do superendividamento, ainda mais no país de cultura do “civil law”.

 

 REFERÊNCIAS

 

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[1] Tema de artigo apresentado ao Grupo de Pesquisa “Direito do Consumidor na Contemporaneidade” da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco-UNDB.

[2] Aluna do 10° período do Curso de Direito da UNDB e integrante do grupo de pesquisa “Direito do Consumidor na Contemporaneidade”.

[3] Aluno do 10° período do Curso de Direito da UNDB e integrante do grupo de pesquisa “Direito do Consumidor na Contemporaneidade”.

[4] Professora Doutoranda e orientadora do grupo de pesquisa “Direito do Consumidor na Contemporaneidade”.

[5] Professor Especialista e orientador do grupo de pesquisa “Direito do Consumidor na Contemporaneidade”.

 [6] Fazendo a ressalva que o Código de Processo Civil (CPC) em vigência, não possui correspondência com o instituto da execução civil por quantia certa contra o devedor insolvente previsto no CPC/73, muito embora a proposta do NCPC seja de uma solução de conflitos de forma extrajudicial, a qual se une com a perspectiva trazida pelo Projeto de Lei n° 283/2012.

 

[7]  Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

        I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

        II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

  1. a) por iniciativa direta;
  2. b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
  3. c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
  4. d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

        III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

        IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; (BRASIL, 1990)

 

[8] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (BRASIL, 1990)