Enquanto instrumento privilegiado para o desenvolvimento da sociedade, na observância da plena cidadania, a Educação desempenha, de facto, um papel insubstituível. No sistema liberal, que Pinheiro Ferreira tanto defendeu, até pela abolição de todo e qualquer privilégio, aceita-se que o principal ideal de educação é o da Escola, ao serviço de todas as classes, de não estar ao serviço de nenhum credo religioso ou político ou de interesses inconfessáveis.

A Escola e a instrução não devem servir de instrumento àqueles que possuem títulos, dinheiro, tempo para exercerem o poder, porque a Escola deve ser o local de formação do indivíduo, do homem no seu todo: livre, ativo, realizado e cidadão responsável.

Na Escola e na educação que os liberais idealizam, a Filosofia tem uma importância nada desprezível, como de resto deveria acontecer noutros domínios do conhecimento e da formação pessoal. Independentemente de outros veículos, e/ou instrumentos, para a dignificação da pessoa, parece pacífico, e aceita-se, que a Escola se preocupe com o Homem, sem estigmas ou benefícios resultantes da família, classe, religião, política, estatuto social, mas atendendo ao desenvolvimento de cada um, estimulando os dotes inatos, valores intrínsecos, talentos, aptidões e vocações.

A propósito de vocação, o projeto educativo de Pinheiro Ferreira, prevê que o aluno deverá ser encaminhado segundo os seus desejos e aptidões e não por imposição dos pais, porque é a partir dos talentos e vocações individuais que a escola melhor poderá realizar a sua função, aproveitando as qualidades inatas dos seus alunos.

O último quartel do séc. XVIII foi pródigo na reflexão filosófica, com incidência educativa, tendo-se elaborado alguns projetos verdadeiramente aliciantes; algo utópico, é certo, mas que já refletiam, apesar de tudo, alguns dos ideais liberais. Na sequência da Revolução Francesa, Condorcet (onde Pinheiro Ferreira investigou) elaborou um “Plano de Instrução Pública”, cujos pontos fortes assentam em princípios e valores que se recordam:

«(a) Ensinar a todos os cidadãos os conhecimentos necessários ao exercício dos direitos comuns ao gozo da independência, que os colocarão em estado de se conduzirem a si mesmos, sem recorrerem a nenhuma razão estranha: de gozarem seus direitos naturais; de exercerem uma profissão remunerada – em poucas palavras, de não dependerem senão de si mesmos nos actos ordinários da vida económica, intelectual, moral e social. (...) (b) dar a cada um o saber técnico em vista de uma profissão determinada. Esta instrução técnica não deverá ser idêntica para todos. É preciso, ao contrário, diferenciá-la em tantos cursos especiais quantas são as profissões análogas. (...). (c) Assegurar a cada um a cultura que desenvolverá plenamente os diversos talentos pessoais. Para isto é necessário que a instrução varie segundo a sua natureza e potencial, que ela se diversifique, por assim dizer, de acordo com cada indivíduo.» (in: CUNHA, 1978:41-42).

O pensamento europeu, designadamente da França das últimas décadas do século XVIII, influenciou, significativamente, a obra filosófica de Pinheiro Ferreira e, a partir desta toda uma doutrina político-liberal, que ele procurou divulgar e implementar no Brasil, aperfeiçoando-a através de inúmeros escritos.

As ideias educativas de Pinheiro Ferreira procuraram responder à organização social do seu tempo, ajudar a resolver os problemas que então se colocavam à sociedade, e dotar o cidadão de capacidades que lhe permitissem, pragmaticamente, inserir-se numa vida de trabalho. Na escola idealizada pelo luso-brasileiro, não há tanto a preocupação do aluno progredir de graus inferiores para os superiores, mas antes dotar o jovem de conhecimentos técnico-profissionais com alguma polivalência.

A educação a ministrar às crianças, proposta por Silvestre Ferreira, tem, à partida, uma intenção elitista, porquanto prevê a separação entre os que pertencem a classes inferiores e superiores; no entanto, e para evitar arrogâncias aristocráticas assentes num critério hereditário, a separação das crianças é feita em função da graduação profissional de seus pais.

O estatuto social dos chefes de família resulta, em primeira análise, das atividades em que desenvolvem as suas profissões as quais se distribuem por uma hierarquia de doze classes. A separação das crianças assenta no critério de que sendo oriundas de classes diferentes, os hábitos adquiridos por elas também são diversos; por via disso, não seria possível sujeitarem-se todas a um mesmo nível e género de vida. Acresce que a educação física e moral de crianças que pertencem a classes diferentes, também tem de ser diferente.

Nestas circunstâncias e segundo o autor de referência: «Não é, pois, justo fazer passar logo da casa paterna para o colégio primário da municipalidade, e a um género de vida mais delicado aquele que até então fora costumado a uma vida mais dura, e muito menos constranger a privações aquele que fora criado em abundância. Cumpre, pois, que as crianças pertencentes a classes inferiores sejam reunidas em colégios puramente municipais, enquanto aquelas que pertencem a classes superiores devem ser educadas sim em colégios de educação primária, mas situados nas cabeças das divisões territoriais de uma categoria tanto mais elevada quanto o for na ordem da hierarquia social a classe a que o aluno pertence”. (FERREIRA, 1834b:457).

Na perspetiva Silvestrina, este modelo adotado para as crianças, com idade de sete anos, corresponderia a uma organização que visava proporcionar um verdadeiro ideal de educação nacional, na medida em que, numa fase posterior do processo educativo, os alunos mais capazes encontrar-se-iam nos mesmos colégios, independentemente das suas origens sociais.

Com efeito, os alunos que se distinguissem nos colégios municipais passavam, depois, para os colégios de comarca e, assim sucessivamente, independentemente da vontade dos pais. Este sistema educativo, elitista no início do processo, funcionaria como uma espécie de instrumento nivelador, e também moderador, porquanto considerava as diferenças sócio-económicas das famílias que, naturalmente, tinham hábitos e atitudes diferentes.

Há, em todo o percurso educativo, várias fases que funcionam e proporcionam ao aluno uma adaptação gradual, evitando excessos, quer destes quer dos próprios pais porque: «os filhos das classes inferiores nos colégios municipais perderão tanto da grossaria que trouxeram da primeira educação, quanto os filhos das classes superiores hão-de perder o excesso de melindre e orgulho com que tiverem sido educados. Mas o que acaba de dar o golpe mais directo a todo o sentimento aristocrático é a direcção que cada aluno toma por si mesmo, segundo a sua capacidade natural, e não obstante os vaidosos projectos de seus pais”. (Ibid.:458).

Resulta, do sistema educativo idealizado por Pinheiro Ferreira, que a todos os cidadãos, após completarem a educação materno infantil (que se faz até à idade dos sete anos), sob o cuidado dos pais, será assegurada uma educação que terá por objetivo preparar o jovem para as responsabilidades sociais e profissionais que a sociedade lhe exigirá, de acordo com as capacidades que vai revelando ao longo do percurso educativo. Este ideal educativo Silvestrino pode sintetizar-se na afirmação lapidar de Esteves Pereira: «Valorização técnica da massa, está claro, mas integração profissional das “elites”, do mesmo modo». (PEREIRA,1974:162-63).

Do sistema educativo idealizado por Pinheiro Ferreira, na primeira metade do século XIX, inferir-se-á da sua pertinência e visão futura, no que concerne aos Direitos Humanos na época contemporânea. Com efeito, encontramos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, valores que consagram a dignidade do homem, através da educação e do trabalho. Ora, qualquer sistema educativo que contemple estas dimensões, seguramente dará um grande contributo para que aqueles direitos sejam realizados.

Com a antecedência de mais de um século sobre a aprovação do direito ao trabalho, constante do artigo 23º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pinheiro Ferreira escrevia: «A qualquer morador deve ser lícito exercer a profissão que lhe agradar, e pelo modo que lhe parecer mais conveniente, com tanto que prove perante as competentes autoridades como efectivamente se acha matriculado em alguma das profissões compreendidas nos três estados de comércio, indústria e serviço público, na forma que for determinada por lei.» (1836:56) ([1])

Pinheiro Ferreira reforça, assim, a importância do trabalho e a quase obrigatoriedade de todo o cidadão exercer uma atividade profissional sob pena de, não a exercendo, poder ser considerado vagabundo e, consequentemente, suscetível de ficar abrangido pelas leis penais contra a vagabundagem.

Na atualidade, tal conceito de ociosidade é complexo e de difícil enquadramento penal, muito embora todo e qualquer cidadão desempregado possa ficar enquadrado, não em processos penais, mas nos esquemas de apoio social, com vista à sua reintegração no trabalho.

 

Bibliografia

 

CUNHA, Luís António, (1978). Educação e Desenvolvimento Social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora SA. Pp. 27-60.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1834b) Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol I, Tomo II, Introdução António Paim (1998b) Brasília: Senado Federal.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier.

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Jornal: “Terra e Mar”

Blog Pessoal: http://diamantinobartolo.blogspot.com

Facebook: https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1 

https://www.facebook.com/ermezindabartolo

Portugal: http://www.caminha2000.com (Link’s Cidadania e Tribuna)

http://www.minhodigital.com/news/escritor-portugues-caminha

Bélgica: http://www.luso.eu/tools/sobre-nos/165-equipa/911-diamantino bartolo.html

França: https://portugalnewspresse.wordpress.com/blog/

Brasil: http://www.webartigos.com/autores/bartoloprofunivmailpt/

http://sitedoescritor.ning.com/profiles/blog/list?user=2cglj7law6odr

http://www.grupoliterarte.com.br/Associados.aspx?id=306

http://www.grebal.com.br/autor.php?idautor=242

https://www.facebook.com/academialavrensedeletras.com.br/?fref=ts

https://www.facebook.com/groups/1664546757100008/?fref=ts

([1]) Em comentário ao Artº 73º, da sua Declaração dos Direitos e Deveres do Cidadão, Pinheiro Ferreira esclarece: «Devendo todos os cidadãos, seja qual for a nação, derivar os seus meios de subsistência de tal ou tal ramo da indústria, todas as profissões existentes em qualquer país podem reduzir-se a um certo número de classes, de modo que não pertencer a nenhuma delas valeria o mesmo que ser vagabundo, sorte de contravenção, que deve estar prevista nas leis penais. Donde se segue que todo o homem que deriva a sua subsistência de qualquer ramo da indústria deve ser matriculado na classe a que pertence esse ramo da indústria. Assim sem constranger a liberdade do cidadão, conseguem-se os dois resultados de reprimir os vagabundos e de não deixar o exercício das diversas profissões senão àqueles que pelo facto de derivarem delas a sua subsistência, ou por exames, e outros meios de habilitações a que queiram submeter-se, tiverem justificado a sua capacidade.» (FERREIRA, 1836:57).