MARCIO ROBERTO LENCO[1]

 

 

 

 

 

 

 

PERDA DE UMA CHANCE sob A ÓTICA DO DIREITO BRASILEIRO

 

 

DIREITO CIVIL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

UNIVERSIDADE SANTA ÚRSULA

RIO DE JANEIRO

2014

 

 

 

 

EMENTA: perda de uma chance – entendimento STJ - responsabilidade civil – responsabilidade do advogado.

 

ANÁLISE DE QUESITOS:

 

  1. Trata-se de análise de matéria pertinente ao ramo do direito civil o, requerida pelo Núcleo de Pratica Jurídica IV solicitando esclarecimento acerca da teoria da perda de uma chance tendo o advogado como agente.

 

  1. O que é a teoria da perda de uma chance?
  2. Trata-se de teoria inspirada na doutrina francesa (perte d’une chance).
  3. Segundo esta teoria, se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados. Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua conduta, faz com que a vítima perca a oportunidade de obter uma situação futura melhor.

         A teoria da perda de uma chance é adotada no Brasil?

  1. SIM, esta teoria é aplicada pelo STJ que exige, no entanto, que o dano seja REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável (REsp 1.104.665-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 9/6/2009).
  2. Em outros julgados, fala-se que a chance perdida deve ser REAL e SÉRIA que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. (AgRg no REsp 1220911/RS, Segunda Turma, julgado em 17/03/2011)
  3. É o necessário a relatar. Em seguida, exara-se o opinativo.

 

FUNDAMENTAÇÃO:

  1. Natureza do dano:
  2. O dano resultante da aplicação da teoria da perda de uma chance é considerado dano emergente ou lucros cessantes?
  3. Trata-se de uma terceira categoria. Com efeito, a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010.
  4. Exemplo de aplicação desta teoria:
  5. Aplica-se a teoria da perda de uma chance ao caso de candidato a Vereador que deixa de ser eleito por reduzida diferença de oito votos após atingido por notícia falsa publicada por jornal, resultando, por isso, a obrigação de indenizar. (STJ. 3ª Turma, REsp 821.004/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 19/08/2010).
  6. Perda de uma chance e perda do prazo pelo advogado:

 

  1. O simples fato de um advogado ter perdido o prazo para a contestação ou para a interposição de um recurso enseja indenização pela aplicação desta teoria?

 

  1. NÃO. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.

 

  1. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance.

 

  1. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010).

 Da responsabilidade civil:

  1. Acerca da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance o ilustre autor Sergio Cavalieri Filho sustenta que:
  2. “Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda”[2] .
  3. Problema que se deparam os julgadores na hora de aplicar esta teoria, é o da quantificação do dano decorrente da chance perdida. Para a melhor doutrina, deve-se realizar um cálculo das probabilidades de ocorrência da vantagem caso a chance de consegui-la não tivesse sido frustrada.
  4. Veja as lições de Sergio Cavalieri Filho:
  5. “A perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinqüenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis.”[3]
  6. No atual ordenamento jurídico brasileiro, é assegurado o direito de reparação por danos morais e patrimoniais decorrentes de ato ilícito. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, V, tutela o direito de resposta proporcional ao agravo e a devida indenização pelo dano causado como garantia fundamental. Já o Código Civil pátrio, prevê em seu artigo 186 c/c 927 a obrigação de reparar o dano causado a outrem decorrente de ato ilícito. A definição de ato ilícito é fornecida pelo art. 186:
  7. Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, 2002).
  8. Diante da definição de ato ilícito, somado à obrigação de que o consequente dano seja reparado, surge o instituto da responsabilidade civil, que consiste na reparação de um prejuízo causado a terceiro. Tal reparação tem o objetivo de fazer com que o lesado volte à situação anterior ao dano.
  9. Após um longo processo de evolução doutrinária, muitos foram os fundamentos da responsabilidade civil passando da fase subjetiva em que a culpa era a o fundamento principal do instituto, para a fase objetiva. Tal evolução é caracterizada pela ampliação de situações que possam dar ensejo à reparação por parte do responsável pelo dano, conforme ensina Maria Helena Diniz (2003, p.12)[4].
  10. Nesse sentido, o Judiciário, com o intuito de adequar-se às transformações oriundas desse desenvolvimento, buscando influência no Direito Francês, vem admitindo atualmente um direito que outrora não se podia cogitar no campo da responsabilidade civil, aplicando assim a chamada “teoria da perda de uma chance”, ou perte d’ une chance, podendo ser vista como um fator resultante dessa ampliação da responsabilidade, trazendo a possibilidade de indenização pela perda da oportunidade de se obter uma vantagem, ou de se evitar um prejuízo causado por ato ilícito de terceiro.
  11. Contudo, para que haja a concessão de indenização pela perda de uma chance através do Judiciário, é necessário que tal oportunidade perdida ou prejuízo não evitado trate-se de fato sério e real. O objeto que dará ensejo à indenização será a chance perdida de se concretizar ou evitar algo e não a vantagem em si, já que esta era incerta. Para tanto, mister se faz a análise da situação, ou seja, do caso concreto, onde o magistrado irá apurar, com base em critérios específicos e vigentes, se é cabível a aplicação da teoria para a concessão de indenização à vítima por esta espécie de dano.
  12. Segundo Rafael Peteffi da Silva (2012)[5],
  13. [...] para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. Devem ser analisados requisitos básicos como os de que as chances sejam sérias e reais, bem como a quantificação das chances perdidas, onde a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima.
  14. Assim, a delimitação do valor a ser indenizado pela perda da chance não será equiparado à vantagem perdida, pois o objeto da reparação não é a vantagem em si, esperada pela vítima, já que não se pode afirmar que esta ocorreria caso não lhe fosse tirada a chance, mas sim a perda da oportunidade de obtê-la ou de se evitar um prejuízo decorrente da ação ou omissão do agente. Indeniza-se, portanto, o valor econômico da chance.
  15. Sobre o conceito da teoria da perda de uma chance, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2007, p. 509)[6], asseveram em sua obra que “entre o dano certo e o dano hipotético pode existir uma terceira via, com significado e efeitos próprios”.  Entende-se desta forma que para que tal dano tenha de fato efeitos próprios, é necessário, todavia, que o prejuízo seja composto de seriedade e realidade, não sendo objeto do direito à reparação meras conjunturas de cunho subjetivo daquele que se sentiu lesado. (FARIAS ; ROSENVALD, 2007, p. 509)[7].

 CONCLUSÃO: 

  1. Por ser ainda relativamente recente no Brasil, há muita discussão sobre o tema.
  2. Não obstante a aplicação da teoria da perda de uma chance ser pacífica, nos últimos três anos pôde estudar a evolução da jurisprudência brasileira, reconhecendo a existência da responsabilidade civil em decorrência da perda de uma oportunidade, em pretensões de naturezas distintas.
  3. O tema é novo e merece reflexões para se evitar desvirtuamentos, enquadramentos errôneos e até mesmo corrida desenfreada e irresponsável na busca de indenizações para qualquer situação.  
  4. Com o objetivo de a teoria não ser desvirtuada e cair na chamada “indústria do dano moral”, os tribunais precisam aplicar o bom senso, a razoabilidade e é ainda preciso que essa oportunidade perdida seja plausível, séria e real excluindo as meras expectativas e possibilidades hipotéticas.

 

[1][1] Advogado, pós graduado em advocacia Civil e Trabalhista, consultor e assessor jurídico empresarial, civil, criminal e trabalhista.

[2] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008; pág. 75.

[3]  CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. pág. 75.

 

[4] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

[5] SILVA, Rafael Peteffi.  Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance. Disponível em: . Acesso em: 27 julho. 2014.

[6] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

[7] http://jus.com.br/artigos/23709/teoria-da-perda-de-uma-chance#ixzz38mrQRcaw-acesso em 27/7/14.