Os pioneiros da sesmaria Monte Alegre dos sertões Varzealegrenses
Por Antonio Anicete De Lima | 13/11/2011 | CrônicasOs pioneiros da sesmaria Monte Alegre dos sertões Varzealegrenses
Quem foram os pioneiros que ocuparam os sertões da região oeste de Várzea Alegre na época do Brasil colonial? Quem são as pessoas que viveram nessa região? Para responder a essas perguntas é necessário recorrer aos primórdios históricos da ocupação da região, que aconteceu ainda na época em que o Brasil era colônia de Portugal, bem antes da chegada da Família Real ao Brasil em 1808.
O pioneiro que ocupou a região conhecida como Monte Alegre e ali fixou residência definitiva, chamava-se, segundo depoimento de Antonio Ferreira Lima (2009), José Ferreira Lima, um judeu marrano fugitivo da Paraíba, que adentrou aos sertões do centro-sul do estado do Ceará, juntamente com a sua família, tendo como objetivo escapar das garras ferrenhas do tribunal da Inquisição, que rondava as regiões mais adjacentes do litoral do Nordeste a espreita de suas vítimas.
Não é possível precisar exatamente a data ou época de sua chegada a Várzea Alegre, mas sabe-se que seu filho, Raimundo Ferreira Lima, viveu 96 anos e veio a falecer conforme relatos dos moradores de Vacaria, no final da década de 1880. Logo é possível especular que José Ferreira Lima, tenha nascido na região oeste da Paraíba, lá pelos idos de 1780.
As terras adquiridas por José Ferreira Lima extremavam a leste com as datas cedidas aos irmãos portugueses Capitão Agostinho Duarte Pinheiro e ao Alferes Bernardo Duarte Pinheiro, tendo como referencia de divisa, o ponto mais alto da serra da Vaca Morta. Segundo o depoimento de Antonio Ferreira a propriedade do Cipó ou Riacho da Ursa, denominada posteriormente por esse desbravador de Monte Alegre, tinha a extensão de uma légua e meia por uma légua e meia, e era toda coberta pela mata nativa do sertão. As dimensões dessa sesmaria compreendiam parte das atuais localidades, Monte Alegre, Cajazeiras, Gangorra, Recanto, Baraúnas, Betânia, Salão, Queimadas, Moça, Malhada Grande e Vacaria, atualmente pertencentes aos distritos de Ibicatu e Riacho Verde, encravados no atual município de Várzea Alegre, estado do Ceará.
A família Ferreira Lima da sesmaria Monte Alegre, Várzea Alegre, tem como ancestral segundo depoimento de Lourenço Ferreira Lima (2009), o Capitão português Agostinho Duarte Pinheiro que juntamente com o seu irmão o Alferes Bernardo Duarte Pinheiro, foram beneficiados com umas datas (sesmarias), as margens do Riacho do Machado, na época, conhecido por Riacho do Coroatá em 23 de fevereiro de 1718.
Dois anos depois acompanhados de familiares os irmãos resolveram fazer uma excursão a propriedade. Quando chegaram ao local onde existia uma lagoa, toda circundada por floresta virgem ficaram a contemplar aquela paisagem maravilhosa escutando o cantar de pássaros que voavam nos galhos de arvores frondosas. Admirado com aquele magnífico panorama um dos componentes proferiu essa concisa e significativa frase: Mas que Várzea Alegre! Sendo sugerida a escolha do nome da fazenda. Tempo depois, o Capitão Agostinho, abalado por problemas familiares, resolveu doar sua parte na propriedade aos seus filhos e retornou a Portugal, enquanto o seu irmão Bernardo fixou residência definitivamente em Várzea Alegre, onde construiu sua casa no sítio Lagoas.
Ainda de acordo com o depoente para conseguir as sesmarias, os irmãos mudaram os seus sobrenomes de Duarte Pinheiro para Ferreira Lima, família nobre de Portugal, a fim de esconder a sua verdadeira identidade como marrano, evitando as especulações e perseguições que eram infligidas aos descendentes de judeus. No entanto, essa hipótese parecer não ter muita sustentação devido ao fato de Agostinho Duarte Pinheiro (Brandão), ter nascido na freguesia de Santa Eulália, conselho de Paços de Ferreira, Porto, Portugal. Ele casou-se com Romana Xavier de Carvalho, natural de Pernambuco e como capitão gozava de privilégios não concedidos aos judeus, como o direito a aquisição de sesmarias e ao exercício de alta patente militar. Seus filhos foram: Jerônima (1741); André (1742); Joana da Silva dos Santos (1745) casou-se com José Felipe Coelho; Antônio Duarte Brandão (1747); Teresa (1756); Manoel (1759); Agostinho da Silva; Francisco Duarte Alves Pinheiro casou-se com Maurícia Moreira de Carvalho (CORREIA LIMA, 2009).
São descendentes diretos do capitão Bernardo Duarte Pinheiro grande parte da população de Várzea Alegre: Francisco Duarte Pinheiro (ou Bezerra), Raimundo Duarte Bezerra (Papai Raimundo), José Raimundo Duarte de Meneses (José Raimundo do Sanharol); Maria Anacleta de Menezes casada com Antonio de Brito Correia, filho de Antonio Correia de Brito; Tereza Anacleta de Menezes (Tetê) casou-se Joaquim Alves de Morais, filho de Gabriel de Morais Rego e de “Mãe Dona”, da Fazenda Timbaúba, nos Inhamuns (MORAIS & COSTA, 1995).
Outra hipótese sustentada por Antonio Ferreira Lima é que a família Ferreira Lima, veio da Paraíba e eram descendentes de judeus ou cristãos novos e que usaram esse nome para despistar as origens judaicas, a fim de escaparem da ferrenha perseguição que ocorreu em 1729, quando na ocasião o Inquisidor do Santo Ofício Antonio Borges da Fonseca, e o governador do Ceará, Antonio Vitorino Borges Fonseca encontram nos Engenhos da Paraíba dezenas de famílias que praticavam acintosamente o judaísmo, sendo levadas ao tribunal da inquisição em Lisboa (LEAL, 1980).
Mais ou menos no ano de 1801, José Ferreira Lima saia definitivamente da Paraíba com destino a certa fazenda próxima a uma várzea, chamada Alegre, onde a passarada cantava ao nascer do dia e ao entardecer, fazendo coreografia em revoadas semicirculares ou em formato de “V”, despedindo-se de mais um dia na terra da luz, numa mistura de silvos, gorjeios, arrulhos e pios, tentando encontrar abrigo seguro nas altas copas dos oitizeiros.
José Ferreira Lima já ouvira falar do processo de distribuição de terra no centro-sul do Ceará e da possibilidade de comprar alguma um pedaço de chão de algum sesmeiro desistente. É importante esclarecer que o processo de colonização do Ceará ocorreu no final do século XVII e início do século XVIII, sendo esta ocupação um processo doloroso que custou a vida de muitos indígenas especialmente das tribos Cariús e Cariris, que resistiram heroicamente à ocupação pelo homem branco. Esta fase dura de embate entre nativos e brancos, ainda não havia terminado, mas o senhor José Ferreira Lima estava disposto a enfrentar as dificuldades, pois melhor seria negociar com os silvícolas do que cair nas mãos de um inquisidor impiedoso.
A ocupação de toda a capitania do Ceará deu-se a partir do litoral para o interior, e a área mais importante de penetração foi o Vale do Jaguaribe, onde deságua o Rio Cariús. Este vale jaguaribano significava a principal porta dos sesmeiros que vinham do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco à procura de pastagens naturais e de água, elementos essenciais para o desenvolvimento da pecuária. (Propostas Alternativas – Vale do Jaguaribe – 1995p. 12 – IMOPEC).
Muitos sesmeiros percorreram as paragens verdejantes dos riachos, Machado, Verde e Fortuna, nesse último, dizem - que o ouro brotava dos cascalhos, um sonho que durou muito pouco. Talvez por esse motivo alguns deles tenham desistido de ocupar aquelas terras ou as tenham adquirido apenas com fins especulativo. Provavelmente, foi este o caso da sesmaria Monte Alegre banhada pelo riacho Fortuna e o riacho dos Porcos caititus, vendida provavelmente em 1801, a um paraibano destemido que estava pronto a enfrentar todos os desafios do sertão, não muito distante de uma bela lagoa conhecida como Várzea-Alegre.
Provavelmente no ano de 1801, aos 25 anos de idade, José Ferreira Lima segue juntamente com seus pais em direção ao interior do Ceará, via Arraial Novo dos Icós, ponto de referencia dos vaqueiros nordestinos, onde poderia obter informações sobre a compra e venda de um pedaço de chão com água e pastagem nativa, com o objetivo de estabelecer-se por ali definitivamente. Foi talvez em Icó, que obteve informações acerca de uma sesmaria do alto sertão, banhada pelo riacho Fortuna, lugar esse que segundo alguns antigos garimpeiros do seu leito árido e de seixos rolados na época da seca, brotava ouro. O negócio foi fechado e a família durante cinco ou seis dias fez o percurso até fazenda que foi nomeada de Monte Alegre até os dias de hoje. As terras adquiridas por José Ferreira extremavam a leste com as referidas datas cedidas aos irmãos portugueses Capitão Agostinho Duarte Pinheiro e ao Alferes Bernardo Duarte Pinheiro, tendo como referencia de divisa, o ponto mais alto da serra da Vaca Morta.
José Ferreira chegou à fazenda Monte Alegre provavelmente em 1801, nesse mesmo ano nasceu um dos seus filhos, Raimundo Ferreira Lima que posteriormente assumiria as atividades desenvolvidas pelo seu antecessor de forma bem sucedida.
A partir de 1808 com chegada da Família Real, o Brasil passou por muitas transformações, saindo da posição de uma simples colônia e se tornando uma grande nação unificada através de D. João VI. As principais mudanças de forma sintetizada foram: A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos brasileiros às nações amigas (1808); a assinatura dos tratados de comércio com a Inglaterra (1810); a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves (1815); a repressão militar à Revolta Pernambucana (1817); o retorno da família real a Portugal (1821); o reconhecimento da independência política do Brasil (1825), proclamada em 1822, por seu filho, D. Pedro I (COTRIM, 2009).
Dom João VI ao chegar ao Brasil trouxe toda sua máquina burocrática e precisava manter a ostentação e o conforto que lhe era peculiar em Lisboa, portanto, era necessário conquistar os súditos, manter apóio político, aumentar as receitas, para isso não teve parcimônia na distribuição de títulos de nobreza, cartas de sesmarias, cargos na máquina burocrática e outras mercês para os ricos nativos, principalmente os poderosos comerciantes residentes no Rio de Janeiro, mas também de São Paulo e Minas Gerais e em outras províncias brasileiras (JORNAL DO COMÉRCIO, 2008). É provável que, durante este período José Ferreira Lima obtivesse o título de capitão ajudante.
Há indícios históricos e testemunhais de que José Ferreira Lima, ou algum dos seus parentes muito próximos e com a mesma alcunha, tenha prestado relevantes serviços a vila de Icó, durante o período de 1820 a 1824, pois segundo FERREIRA (2009), este assumiu a patente de capitão ajudante, tendo 30 homens disponíveis, armados de bacamarte prontos para escoltar autoridades em suas viagens, ou para dispersar índios e capturar negros fugitivos, numa época vergonhosa em que a escravidão era oficializada e a mão de obra para a lavoura era escassa.
Em 20 de janeiro de 1824, quando o tenente-coronel Tristão Gonçalves de Alencar marchava com suas tropas de Crato em direção a Fortaleza, na época que irrompeu a revolução republicana conhecida como a Confederação do Equador, recebe o apóio da vereança de Icó e nessa reunião são nomeados os oficiais que seguiriam os revoltosos até Aracati, os sargentos-mores Manoel Rodrigues de Moura César, Francisco de Paula Martins e o capitão ajudante José Ferreira Lima.
A Confederação do Equador foi um movimento político de caráter emancipacionista e republicano, ou mais certamente autonomista, ocorrido em 1824 no Nordeste do Brasil e que representou a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de D. Pedro I (1822-1831), esboçadas na Carta Outorgada em 1824, a primeira Constituição do país (WIKIPÉDIA, 2009). No entanto, o movimento foi fortemente reprimido pelas forças legaistas do imperio e alguns foram condenados a morte por ordem do imperador Pedro I.
O nome do capitão ajudante José Ferreira Lima aparece juntamente com o do tenente-coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, do capitão José Pacheco de Medeiros, do tenente-coronel José Ferreira de Azevedo e do sargento-mor Francisco Ferreira de Souza, convocados pelo Exmo. Senhor Governador das Armas da província do Ceará, José Pereira Filgueiras (INSTITUTO D0 CEARA, 2009), para decidirem os rumos da revolução republicana em 29 de abril de 1824 na cidade de Fortaleza.
Fora esse incidente dos confederados, José Ferreira Lima teve uma vida pacata e sossegada no sítio Monte Alegre sendo a sua principal atividade a criação extensiva de gado em pastagem nativa, onde o capim mimoso crescia abundantemente nas áreas de mata de vegetação menos densa. Além das culturas de subsistência, plantava ainda o algodão que era muito utilizado na tecelagem doméstica e na confecção de redes e roupas. Outra atividade complementar desenvolvida por esse pioneiro foi o plantio de cana-de-açúcar para produção de melaço e rapadura, utilizados na alimentação principalmente da mão de obra escrava.
Dele são descendentes diretos todos com o sobrenome Ferreira Lima de Vacaria a Monte Alegre e regiões circunvizinhas. Os sucessores diretos de José Ferreira Lima foram: Raimundo Ferreira Lima e Antonio Ferreira Lima (filhos); Martins Ferreira Lima, Lourenço Ferreira Lima e Mriazinha Ferreira Lima (netos); Anicete Ferreira Lima, Joaquim Ferreira Lima, José Martins de Lima, Manoel Martins de Lima, Juliana Martins de Lima, Ingraça Martins de Lima, Francisco Martins de Lima, Petrunílio Martins de Lima, Raimundo Martins de Lima e Antonio Martins de Lima (bisnetos); Antonio Ferreira Lima, Victor Ferreira Lima, Higino Ferreira Lima, Anorina Ferreira Lima, Carolina Ferreira Lima, Ginu Ferreira Lima, Josefa Ferreira Lima, Marisa Ferreira Lima e Glória Ferreira Lima (trinetos), todos nascidos na Vacaria.
Meu sertão, minha gente e minha vida. Antonio Ferreira Lima (Antonio de Anicete) e Antonio Anicete de Lima (Trechos).
BIBLIOGRAFIA
CORREIA LIMA, A. Genealogia dos Morais Brito do Juá. Disponível em <http://algumasfamiliascaririenses.blogspot.com/>. Acessado em: 18 de dezembro de 2009.
COTRIM, G. Brasil Colônia: D. João VI. Disponível em: <http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=620>. Acessado em: 14 de novembro 2009.
FERREIRA, D.C. de L.; LIMA, J.A.U de. Origem da família Lima. Disponível em: <http://www.sitiodosrodeios.com.br/rodeios/familia/familialima.htm>. Acessado em: 18 de outubro de 2009.
INSTITUTO DO CEARÁ. Confederação do Equador - Acta da sessão extraordinária de 29 de abril de 1824. Disponível em: <http://www. C:\Documents and Settings\cliente\Meus documentos\família lima\Confederação do €quador.mht>. Acessado em: 1 de novembro de 2009.
JORNAL DO COMÉRCIO. 200 ANOS - A Corte nos trópicos -
Ausente há 13 anos, dom João VI volta para Lisboa sob pressão e deixa um Brasil com sede de liberdade. 21/01/2008. Disponível em: <http://jc3.uol.com.br/jornal/2008/01/22/not_266939.php>. Acessado em: 14 de novembro de 2009.
LEAL, V.B. Os Cristãos Novos no Ceará. Fortaleza: Jornal o Povo de Fortaleza, edição de 27/12/1980.
MORAIS, P.A de, COSTA, A. L da. Várzea Alegre: Sete gerações depois de Papai Raimundo. Crato: Gráfica Universitária, 1995.
WIKIPÉDIA. Alferes. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Alferes>. Acessado em: 15 de novembro de 2009 c.