Foi através de um inesquecível texto do antropólogo alemão Herbert Baldus que vim a conhecer um pouco de um estranho povo que habitou a América do Sul. O contato de Baldus foi com uma tribo localizada em Goiás, mas há referências sobre esse povo no Paraguai e talvez o nome da cidade colombiana de Quayaquil tenha alguma relação em sua origem.  A razão para desenterrar essa história é para lembrar que as estruturas familiares mudam através do tempo em função de necessidades de sobrevivência ou processos adaptativos, como as que estamos vivendo neste momento com a legalização de casamentos de pessoas do mesmo sexo.

Os guaiaquis eram nômades e por essa razão não se fixavam por muito tempo num mesmo lugar. Quando a caça rareava levantavam acampamento e partiam em busca de novas plagas. Em função do nomadismo as habitações eram toscas e mal construídas, pois não compensava perder muito tempo com os acabamentos mais esmerados das moradias. E também pelo fato de serem nômades havia a preocupação em não aumentar muito a população do grupo, o que geraria problemas nos deslocamentos constantes. E para manter a população pequena e facilitar a mobilidade desenvolveram mitos e formas de organização familiar bastante atípica se se tomar como base a cultura ocidental.

O casamento entre eles não era monogâmico, mas poligâmico, em que as mulheres podiam ter vários maridos, sendo um principal e alguns secundários. A razão para essa organização era o pequeno número de mulheres no grupo. Para manterem essa forma de organização familiar eles recorriam ao infanticídio feminino, sempre que a população feminina aumentava em número indesejável para a manutençãodo nomadismo.Baldus relata que observou alguns casos de ciúmesentre os maridos principais, mas não passava disso e não se registrou nenhum caso conflito entre os maridos por causa das mulheres.

Entre eles havia também práticas homossexuais, fato que o pesquisador observou entre eles na figura de um índio que tinha comportamentos femininos, permanecendo na tribo enquanto os demais iam à caça ou guerrear. Além de cuidar da horta, coleta e cozinha, satisfazia as necessidades sexuais dos adolescentes. Isso era visto pelos demais como algo normal entre eles.

A caça era orientada por um mito de que o caçador jamais poderia se alimentar da sua própria caça, devendo levá-la ao grupo para que os demais comessem. O caçador poderia comer apenas a caça dos demais e nunca a sua própria. Caso um guerreiro comesse a sua própria caça, perderia a habilidade de caçar e morreria de fome ou viveria na dependência dos demais. Isso era tão sério que nenhum caçador se atreveria a romper com o mito.  Esse mito faz lembrar o livroDerzu Uzala, de VlademirArseniev,história real filmada porAkira Kurosawa em que Derzu, um caçador, atira em um tigre, animal sagrado nas estepes russas e perde a precisão da pontaria, sendo condenado a morrer de fome, o que não acontece por causa dagenerosidade do capitãoArsenievde quem era guia,que o salva da sinistra sorte.

Esse mito tem uma função importante no sistema social dos guaiaquis, pois ao proibiro consumo da própria caça, não havia o risco de um guerreiro se separar do grupo e formar uma nova comunidade e criava uma relação de dependência em relação ao grupo.

Não se sabe muito sobre eles atualmente, principalmente por causa do comportamento nômade e é possívelque tenham desaparecido sem deixar vestígios. Seus costumes estranhos à cultura ocidental ficaram apenas nos relatos de antropólogos como Baldus. O artigo que li sobre eles nas distantes aulas de Antropologia da professora Solange Couceiro em meados dos anos 1970, desapareceu em alguma mudança e ficou apenas na memória a cultura desse atípico povo.