OS ARDIS DO CORAÇÃO HUMANO
Por Geraldo Barboza de Carvalho | 05/05/2009 | SaúdeOS ARDIS DO CORAÇÃO HUMANO
"Javé viu que era grande a maldade do ser humano sobre a terra,
e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração. E Javé
arrependeu-se de ter feito o ser humano sobre a terra" Gn 6,5-6
*Segundo o budismo, 6 são as emoções negativas básicas, das quais derivam as demais:
O APEGO: O apego excessivo a coisas materiais ou a pessoas está na base da avareza e da auto-estima exagerada. É causa de ansiedade e obsessão.
A RAIVA: É a fonte do ressentimento, rancor, ciúme e inveja. Esses sentimentos obscurecem a mente e levam a atitudes intempestivas e equivocadas.
A ARROGÂNCIA: Impede que se enxergue o próximo, gerando egoísmo, negligência, menos-prezo pelos valores humanos mais essenciais.
A IGNORÂNCIA: A fé radical, o fundamentalismo, fanatismo, longe de ser uma virtude, é a falta de cultivo das coisas do espírito, que leva à cegueira em relação a si próprio e ao mundo.
A DÚVIDA: Existem formas sadias de dúvida que torna a pessoa mais perspicaz. O budismo prega que é preciso ter uma dose de ceticismo, para que haja progressão. Mas um estado de dú-vida permanente induz a erros na avaliação da realidade circunstante.
AS OPINIÕES AFLITIVAS: É a falta de flexibilidade, a incapacidade de mudar de ponto de vista. Isso causa rigidez moral e dificulta o processo de desenvolvimento pessoal e espiritual.
*Segundo Mahatma Gandhi, são 7 os pecados capitais
responsáveis pelas injustiças sociais:
+riqueza sem trabalho; +prazeres sem escrúpulos; +conhecimento sem
sabedoria; +comércio sem moral; +política sem idealismo; +religião sem
sacrifício; +ciência sem humanismo".
*Segundo a teologia judeu-cristã, o ser humano falha eticamente de 4 maneiras:porpensa-mento, palavras, atos e omissão: pensar, falar e fazer o mal, deixar de fazer o bem e combater o mal, eis a origem dos males humanos, do corpo e da alma. É no ser mais íntimo, no coração, no DNA, onde brotam e medram os maus desejos, maus pensamentos, más palavras, más ações e omissões – os ardis do coração humano. 'O coração é o interior do homem, distinto do seu ex-terior. Ele é a sede das instâncias mentais e da personalidade, de onde nascem pensamentos e sentimentos, palavras, decisões, ações. O coração humano é lugar aonde ninguém vai, onde ca-da um reina soberano. Só o Espírito de Deus conhece a profundeza do coração humano, quais-quer que sejam as aparências', penetra nele, revela os desejos, os pensamentos, os pecados mais secretos do ser humano e os expõe à plena luz. "São maus os desígnios do coração humano des-de sua infância. O coração é falso como ninguém, e incorrigível; quem poderá conhecê-lo? Eu, Javé, perscruto o coração, sondo os rins para retribuir a cada um conforme o seu caminho, con-forme o fruto de suas obras. Deus vê não como o homem vê, pois o homem toma em considera-ção a aparência, mas Javé olha o coração, conhece os segredos do coração. É do interior, do co-ração humano que saem as más intenções: perversidades, fraude, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, insensatez. "Lembra-te de todo o caminho que Javé, teu Deus, te fez percorrer durante quarenta anos no deserto, a fim de humilhar-te, tentar-te e conhecer o que tinhas no coração: iri-as observar ou não os seus mandamentos" 1 Sm 16,7; Sl 43 (44),22; Gn 8,21; Mc 7,1-22; Jr 17, 9-10; Dt 8,2. 'O coração é o centro da consciência religiosa e da vida moral'. "Cria em mim, ó Deus, um coração puro, renova em mim um espírito resoluto. Sacrifício para Deus é um espírito contrito; não desprezas, ó Deus, um coração contrito e humilhado. Tirarei do seu peito o cora-ção de pedra, colocarei nele um coração de carne (sensível); gravarei minha lei no seu coração; serei o seu Deus e eles serão o meu povo" Sl 50 (51),12.19; Jr 31,31-33; Ez 36,26. 'É em seu coração que o homem procura, ouve, serve e ama Deus'. "Procurai o Senhor e o seu poder, não cesseis de buscar a sua face. Quando, então, procurares o Senhor, teu Deus, o encontrarás, se o buscares com todo o teu coração e com toda a tua alma. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. De todo o coração te procuro: não me deixes desviar dos teus preceitos. Dá, pois, ao teu servo um coração obediente, capaz de go-vernar o teu povo e discernir entre o bem e o mal. Não tenhais medo! Cometestes um grande er-ro. Somente não vos afasteis do Senhor, mas servi-o de coração.Temei somente o Senhor e ser-vi-o na verdade e de todo o coração. De todo coração darei graças ao Senhor, na reunião do jus-to e na assembléia. Alegre-se o coração dos que buscam o Senhor. Alegra-te, exulta de todo co-ração, filha de Jerusalém. Javé está no meio de ti como herói salvador. Ele exulta de alegria por tua causa, renova-te por seu amor. Agora, pois, retornai a mim de todo vosso coração, com je-jum, lágrimas e lamentação. Rasgai os vossos corações, não as vossas roupas, retornai a Javé, vosso Deus, porque ele é bondoso e misericordioso, lento na ira e cheio de amor, e se compade-ce da desgraça. Desposar-te-ei a mim para sempre, desposar-te-ei a mim no direito e na justiça, no amor e na ternura. Eis que vou, eu mesmo, seduzi-la, levando-a ao deserto e lhe falando ao coração" Dt 4,29; 6,5; Sl 104 (105),3-4; Sl 118 (119),10; 1 Rs 3,9; Os 2,16; 1 Sm 12,20.24; Sl 110 (111),l; Sf 3, 14-17; Jl 2,12-13. 'O coração simples, reto, puro é aquele que não está dividi-do por nenhuma reserva, segunda intenção e nenhuma falsa aparência em relação aos homens e a Deus'. O coração é, portanto, a fonte de todos sentimentos positivos e negativos, bons e maus do ser humano. É nele onde nascem maus pensamentos, palavras ofensivas, atos destruidores das relações fraternas e as covardes, desleais omissões.
*Pecar por pensamento: O coração de Javé é cheio de clemência, compaixão, misericórdia. Ao contrário, "os desígnios do coração humano são maus desde a sua infância". O coração hu-mano é de pedra, é cruel, é sem misericórdia: é fonte de pensamentos e propósitos contrários aos de Javé. "Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos. Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão aci-ma dos vossos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos" Is 55,8-9. Quando se trata de pensamentos eivados de malícia aí a distância é ainda maior."Não, a mão de Javé não é muito curta para salvar, nem o seu ouvido tão duro que não possa ouvir. Antes, foram as vossas iniqüidades que criaram um abismo entre vós e o vosso Deus: os vossos lábios falam mentiras, a vossa língua profere maldade. Não há quem acuse com justiça, não há que mova uma causa com lealdade" Is 59,1-4. O pecado do homem está no seu DNA, na estrutura genética do seu ser livre e por isso falível, e se manifesta desde as profundezas de seu coração em forma de maus pensamentos e maus propósitos contra alguém que ele odeia e deseja eliminar. Foi no íntimo do seu coração ferido e irritado que Caim concebeu (pensou, arquitetou) o mau propósito de matar Abel. Pecar por pensamento é julgar e condenar os outros no tribunal silencioso e ardiloso do coração mau. Julgamento, condenação que leva à tristeza e desgosto, à indiferença e des-prezo, à frieza e afastamento, ao ódio mortal contra o outro. "Caim ficou muito irritado e com o rosto abatido. Javé disse a Caim: 'Por que estás irritado e por que teu rosto está abatido? Se es-tivesses bem disposto, não levantarias a cabeça? Mas, se não estás bem disposto, não jaz o pe-cado à porta como animal acuado que te espreita; podes acaso dominá-lo'? Entretanto, disse Caim ao seu irmão Abel: 'Saiamos'. E como estavam no campo, Caim se lançou sobre o irmão Abel e o matou". Eis onde se origina toda a desgraça do ser humano: nos pensamentos maus do seu coração. Outro é o pensamento do Pai da misericórdia, que não julga ou condena ninguém a priori; antes, o acolhe, perdoa. Interpretando o amor do Pai, Jesus diz: "Não vim buscar os jus-tos, mas os pecadores. Não julgueis para não serdes julgados: com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos. Caríssimos, não vos vingueis, deixai agir a ira de Deus. Digo-vos que de toda palavra inútil que os homens disserem, eles darão conta no dia do julgamento. Deus não enviou seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Com efeito, Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. Quem crê nele não é julgado; quem não crê já está con-denado, porque não creu no Nome do Filho único de Deus. Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas obras eram más. Mas Deus que é rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, quando ainda estávamos mortos por causa de nossos pecados, enviou seu Filho numa carne semelhante à nossa carne de pecado, Ele deu a vida por nós e Deus deu-nos a vida com Cristo, e com ele nos ressuscitou. Minha pre-sente vida na carne eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e por mim se entregou" Gn 4,6-8; Jo3,16-19; Rm 5,8;12,1-3;Gl 2,20;Mt 7,1-2;12,36. A fé que gera bons pensamentos e bons propósitos em relação aos irmãos nasce no mesmo coração que antes discriminava, des-prezava, odiava o irmão. "Ao teu alcance está a palavra, em tua boca, em teu coração e tu podes praticá-la; a saber, a palavra da fé que nós pregamos. Porque se confessares com tua boca que Jesus Cristo é o Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Pois, quem crê de coração obtém a justiça e confessa com a boca obtém a salvação" Rm 10,7-10. A presença da vida divina no coração humano, mediante a fé, torna-o de vingativo em misericordioso, renunciando ao mal contra o irmão, até o mais faltoso. Só a Deus cabe julgar, e a vingança só virá no Juízo Final, porque "Javé é compaixão, piedade, lento para a cólera, cheio de amor; seu rancor não dura para sempre" Sl 102 (103),8. A exemplo de Deus, cabe-nos amar, respeitar, ser misericordiosos, em vez de julgar e condenar o semelhante. "Amarás Javé de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda a tua força e o próximo como a ti mesmo. Este é o meu mandamento: amai-vos uns os outros como eu vos amei" Dt 6,5; Lv 19,18; Jo15,12.
*Pecar por palavras: A boca fala do que está cheio o coração. Se ele tem amor, a boca fala de amor; se está magoado, a boca fala coisas amargas; se está com medo, a boca fala coisas medo-nhas; se está desiludido, a boca fala com cinismo e deselegância; se tem paz, a boca fala de paz; se tem esperança, a boca fala do futuro e de projetos de mudança. O coração que tem maus de-sejos, maus pensamentos, maus propósitos, invariavelmente será na boca o seu cruel intérprete.Do pensamento pecaminoso passa-se rapidamente à maldição, a falar mal do semelhante. Quem pensa mal de alguém, deseja que outros o saibam e pensem mal dele, numa roda viva infernal. Invariavelmente, ao pensamento mau seguem-se palavras de maldição, condenação de alguém. Ora, falar mal,maldizer, amaldiçoar alguém é papel do satanás, o pai da inveja e da mentira (da palavra mentirosa), não dos filhos de Deus, herdeiros da bênção de Abraão, com a missão de ser uma bênção no mundo. A palavra de bênção brota do coração que experimentou a bênção, o perdão, o amor de Deus. A palavra de maldição sai do coração invejoso. Falar mal de alguém é amaldiçoar a vida dele, sentenciá-lo, espalhando o mal que pensa dele, para que outros também pensem e falem mal dele. Com inveja do amor do Pai pelos pecadores, Satanás trabalha pela condenação sem apelo e a perdição dos irmãos de Jesus. Este modo de agir contradiz a prática de Jesus, que é nossa bênção, e cujo papel não é nos acusar e condenar, como faz o demônio, o acusador, satanás e seus seguidores, mas ser o defensor, o advogado e intercessor do irmão pe-cador junto ao nosso Pai. "Não sinto prazer com a morte do pecador, mas que converta e viva. Se alguém pecar, temos como advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo. Ele é a vítima de expiação por nossos pecados, não só pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro. Deus o expôs como instrumento de propiciação, por seu próprio sangue, mediante a fé. Por isso ele é capaz de salvar totalmente aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus, visto que ele vi-ve para sempre para interceder por eles" 1 Jo 2,1-2; Hb 7,25; Rm 3,25. Jesus nos justifica e ab-solve fazendo-se vítima voluntária por nós, assumindo nossos pecados vicariamente, dando a vida por nós (em nosso lugar e em nosso favor), para nos livrar das garras do Acusador. "Minha alma está agora conturbada. Que direi: Pai, salva-me desta hora? Ora, foi precisamente para es-ta hora que eu vim ao mundo. Pai, glorifica o teu Nome. É agora o julgamento deste mundo (a realidade urdida e dominada por Satanás), agora o príncipe deste mundo será lançado fora; e quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim" (os tirarei do domínio de satanás mediante a fé) Jo 12,27-32. Ora, Jesus é o herdeiro da bênção de Abraão para todo aquele que crê. "As promessas foram asseguradas a Abraão e à sua descendência: a descendência de Abraão é Je-sus Cristo. E a bênção de Abraão em Cristo se estende a todos os gentios (povos não judeus), para que, pela fé, recebam o Espírito prometido. Os que são pela fé são abençoados juntamente com Abraão, que teve fé" Gl 3,9.14. Jesus nos envia ao mundo com a missão de sermos trans-missores da bênção de Abraão para as pessoas. Mas os cristãos, em vez de abençoarem, amaldi-çoam, falam mal uns dos outros. Católicos falam mal de evangélicos, evangélicos de católicos, católicos de católicos; fiéis de padres, padres e freias, fiéis de fiéis. A fofoca corre solta na Igre-ja. A maldição é uma lepra que grassa feito cizânia nos conventos, seminários, comunidades. Basta um pequeno deslize de alguém e tome língua. A língua pode ser causa de muitos pecados que infelicitam a humanidade. Vidas são destruídas pela maldição de quem deveria bendizer até aqueles que o amaldiçoam. "Abençoai os que vos perseguem; abençoai, não amaldiçoeis. Se al-guém pensa ser religioso, mas não refreia a sua língua, antes se engana a si mesmo, saiba que sua religião é vã. Aquele que não peca no falar é realmente uma pessoa perfeita, capaz de refre-ar todo o seu corpo. Quando pomos freio na boca dos cavalos, a fim de que nos obedeçam, con-seguimos dirigir todo o corpo deles. Assim também a língua, embora seja um pequeno membro do corpo, se jacta de grandes feitos. Notai como um pequeno fogo incendeia uma floresta imen-sa. Ora, a língua é também um fogo. Como o mundo do mal, ela está posta entre nossos mem-bros maculando o corpo inteiro e pondo em chamas o ciclo da criação, inflamada como está pe-la geena. Com efeito, toda espécie de feras, aves, répteis e animais é domada pela espécie hu-mana. Mas a língua, ninguém consegue domá-la: ela é um mal irrequieto e está cheia de veneno mortífero. Com ela bendizemos o Senhor, nosso Pai, e com ela amaldiçoamos os seres humanos feitos à semelhança de Deus. Da mesma boca provém a bênção e maldição. Ora, tal não deve a-contecer, meus irmãos. Se tendes inveja amarga e preocupações egoístas no vosso coração, não vos orgulheis nem mintais contra a verdade, porque esta sabedoria não vem do alto; antes, é ter-rena, demoníaca. Com efeito, onde há inveja e preocupação egoísta, aí estão as desordens e toda sorte de más ações. Por outra parte, a sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, pacífica, indulgente, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, isenta de parcialidade e de hi-pocrisia. Um fruto de justiça é semeado pacificamente por aqueles que promovem a paz" Tg 1, 26; 3,2-10.14-18. Jesus poderia ter amaldiçoado seus algozes quando agonizava inocente na cruz. Ao invés, pediu que o Pai os perdoasse: "Pai, perdoa-os porque eles não sabem o que fazem. Abençoai os que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis. A ninguém pagueis o mal com o mal; seja vossa preocupação fazer o que é bom para todas as pessoas, procurando, se possível, viver em paz com todos, porquanto de vós depende. Não façais justiça por vossa con-ta, caríssimos, mas dai lugar à ira (divina), pois está escrito: 'a mim pertence a vingança, eu é que retribuirei'. Antes, se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de be-ber. Agindo desta forma estarás acumulando brasas sobre sua cabeça. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem" Rm 12,9.14-21. Não interessa a Deus que o mal seja espa-lhado no mundo, pois seria trabalhar a favor de Satanás, cujo projeto é perder os filhos de Deus. "Ora, Deus, nosso Salvador, quer que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao conhecimen-to da verdade" 1 Tm 2,4. Para evitar a falação da vida alheia, a divulgação e condenação do mal praticado pelo irmão, Jesus manda: "Se teu irmãos pecar, vai corrigi-lo à sós. Se ele te ouvir, ganharás o teu irmão. Se ele não te ouvir, porém, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão seja decidida pela palavra de duas ou três testemunhas. Caso não lhes dê ou-vido, dize-o à comunidade de fé. Se nem mesmo à Igreja ele der ouvido, trata-o como gentio ou publicano" (pecador público) Mt 18,15-18. Não vemos isto entre os cristãos. Se alguém tem um deslize ético, a primeira reação é falar do erro dele para outras pessoas, que falarão para outros, criando uma condenação para alguém que poderia ser reintegrado com uma simples conversa amiga. Pecamos facilmente por palavras e nem nos damos conta da gravidade desse pecado.
*Pecar por atos: "A boca que escarra é a mesma que beija, a mão que afaga é a mesma que a-pedreja", diz o poeta Augusto dos Anjos. Quem pensa e fala mal de alguém não se satisfaz em atingi-lo moralmente, mas deseja a destruí-lo fisicamente, pelas próprias mãos ou pelas mãos de outras pessoas. Assim trabalha Satanás, o pai da mentira. Um dia ele compareceu diante de Javé falando mal de Jô e propondo-se a atentar contra o corpo e a vida justo. Desafiando Javé, Sata-nás disse: "É por nada que Jó teme a Deus? Por ventura não levantaste um muro de proteção ao redor dele, de sua casa e de todos os seus bens? Abençoaste a obra das suas mãos, e seus reba-nhos cobrem toda a região. Mas estende tua mão e toca nos seus bens; eu te garanto que te lan-çará maldição em rosto. Então Javé disse a Satanás: Pois bem, tudo o que ele possui está em teu poder, mas não estendas tua mão contra ele". Satanás saiu da presença de Javé, matou ovelhas, bois, camelos, os filhos e filhas de Jó, desafiando a fé do justo. Mas, pra espanto do tentador, em vez de rebelar-se contra Javé, "Jó se levantou, rasgou seu manto, raspou a cabeça, caiu por terra, inclinou-se no chão e disse: Nu eu saí do ventre da minha mãe, nu voltarei para o seio da terra. Javé o deu, Javé o tirou. Bendito seja nome de Javé. Apesar de tudo isso, Jó não cometeu pecado nem protestou contra Javé". Vendo que o infortúnio não abalava a fé de Jó, Satanás vol-tou a desafiar Deus: "Para salvar a vida, o homem dá tudo o que possui. Mas estende a mão so-bre ele, fere-o na carne e nos ossos; eu te garanto que ele te lançará maldição em rosto. Seja, disse Javé a Satanás, faze o que queres com ele, mas poupa-lhe a vida. Satanás saiu da presen-ça de Javé e feriu Jó com chagas malignas desde a planta dos pés até o cume da cabeça. Sua mulher disse-lhe: Persistes ainda em tua integridade? Amaldiçoa Deus e morre de uma vez. Ele respondeu: Falas como uma idiota: se recebemos de Deus os bens, não deveríamos receber tam-bém os males? Apesar de tudo isso, Jó não cometeu pecado com seus lábios (não blasfemou contra Deus)" Jó 1,9-12. 20-21; 2,4-10. O papel de Satanás é pôr à prova a fé dos justos. Se eles forem firmes na fé como Jó e Jesus, resistirão aos ataques do inimigo e vencerão. Se forem fra-cos, cairão na tentação, farão o mal conforme o desejo de Satanás. Para evitar cairmos nas mãos do inimigo, Jesus é incisivo: "Vigiai e orai para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca". Manda-nos pedir ao Pai: "Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Maligno" Mt 6,13;26,41. Jesus mesmo roga ao Pai por nós para nos livrar do mal. "Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. Mas, quando te converteres, confirma teus irmãos" Lc 22, 31-32. Na oração sacerdotal, paradigma da missão intercessora do Cordeiro de Deus, Jesus su-plica ao Pai: "Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno" Jo 17,15. As pessoas que colocam obstáculos no caminho moral e espiritual dos outros fazem o papel de Sa-tanás. Quantos não fomos vítimas das ciladas de falsos irmãos, tornados agentes das maldadeseardis de Satanás?! Senhor, livrai-nos do Maligno e dos seus agentes!
*Pecar por omissão: Pior do que induzir o irmão ao pecado, é omitir-se diante do mal que ele pratica, está a ponto de praticar ou que praticam contra ele, e das necessidades dele. Omitir-se é deixar de fazer o bem ou não se posicionar contra o mal que nos atinge, atinge os irmãos e a cri-ação. Parece que não ouvimos a palavra de Jesus: "Se teu irmãos pecar, vai corrigi-lo a sós. Se ele te ouvir, ganharás o teu irmão. Se não te ouvir, porém, toma contigo mais uma ou duas pes-soas para que toda a questão seja decidida pela palavra de duas ou três testemunhas". Ao invés de ajudarmos o irmão a sair do abismo, omitimo-nos diante do mal que pratica, o denegrimos, piorando ainda mais sua situação. Vimos acima o poder destruidor da língua. Pois bem: a língua é a arma dos covardes omissos, useiros e vezeiros na traição. A Escritura é muito severa com os maquiavélicos que praticam religião de fachada, que os faz parecerem piedosos perante o mun-do, mas fogem na hora de arriscar a vida por alguém. "Se alguém pensa ser religioso, mas não refreia a sua língua, antes se engana a si mesmo, saiba que sua religião é vã. A religião pura e sem mancha diante de Deus é esta: assistir os órfãos e viúvas em suas dificuldades e guardar-se livre da corrupção do mundo. Meus irmãos, se alguém diz que tem fé (é religioso), mas não tem obras, que lhe aproveitará isto? Acaso a fé (da boca pra fora) poderá salvá-lo? Se um irmão ou irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhe disser: 'Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos', e não lhes der o necessário para a manutenção, que proveito haverá nisto? Assim também a fé, se não tem obras, está morta em seu isolamento. Não foi pelas obras que o nosso Pai Abraão foi justificado ao oferecer seu filho Isaac sobre o altar? Já vês que a fé concorreu para as suas obras e que pelas obras é que a fé se realizou plenamente" Td 1,27; 2,14-23. Os omissos são escassos de boas obras, e férteis em pa-lavras hipócritas, fofocas e enredos maldosos. No Juízo Final, Jesus dirá aos omissos: "Nem to-do aquele que diz 'Senhor, Senhor' entrará no Reino dos Céus, e sim aquele que pratica a von-tade do meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele Dia: Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos e em teu nome que expulsamos demônios e em teu nome que fize-mos muitos milagres? Eu, então, lhes declararei: 'Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, mal-ditos, que praticais a iniqüidade'. Porque eu tive fome e não me destes de comer. Tive sede e não me destes de beber. Fui forasteiro e não me recolhestes. Estive nu e não me vestistes, do-ente, preso e não me visitastes. Eles responderão: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome ou com sede, forasteiro ou nu, doente ou preso e não te servimos'? Ele responderá com essas palavras: em verdade vos digo: todas as vezes que o deixastes de fazer (vos omitistes) a um des-ses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer. (Pois), ainda que eu tivesse o dom da pro-fecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência, ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas; ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ain-da que eu entregasse o meu corpo às chamas, se eu não tiver a caridade – a fé operante no amor fraterno – tudo isso nada adiantaria. (Pois) se alguém disser: Amo Deus, mas odeia seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão que vê, a Deus, que não vê, não poderá amar. É este o mandamento que dele recebemos: aquele que ama Deus, ame também o seu irmão. Se al-guém, possuindo bens deste mundo, vê seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanece nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade" Tg 2,14-22; Mt 7,21-23; 25, 41-46; 1Cor 13,2; Gl 5,6;1 Jo 3,17-18; 4, 20-21. O exemplo mais escandaloso do piedoso omisso é o sacerdote e o levita que deixaram de socorrer o "homem que descia de Jerusalém a Jericó e caiu no meio de assaltantes que o despo-jaram, espancaram e deixaram semimorto. Casualmente, descia por esse caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante (omissão). Igualmente um levita, atravessando esse lugar, viu-o e prosse-guiu (omitiu-se. Certo samaritano (sem religião, mas comprometido com o direito e a justiça) em viagem, porém, chegou junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximou-se, cuidou de suas chagas, derramou óleo e vinho, depois o colocou em seu próprio animal e o conduziu à hospedaria e dispensou-lhe cuidados (comprometeu-se com o semelhante, mesmo sem conhecê-lo). Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Respondeu o le-gista: 'Aquele que usou de misericórdia para com ele'. Jesus lhe disse: 'Vai também tu e faze o mesmo" Lc10, 25-37. Eis a face mais pavorosa da omissão: fazer pouco caso do sofrimento, do desamparo dos irmãos. Mas a fé viva, ainda que implícita, do samaritano desdobrou-se em cui-dados e zelo pelo desconhecido, gastando tempo, arriscando a vida em favor da vida ameaçada.
Para combater a proverbial omissão do povo brasileiro, confundida com bom-mocismo, cor-dialidade, jeitinho brasileiro, é urgente uma profunda mudança nos nossos costumes, por uma educação ética e cidadã, que mostre a importância da prática do direito e da justiça, do pensar e agir com retidão e honestidade, evitando a desfaçatez e o cinismo, mormente por parte das auto-ridades de todas as instâncias. Falar a verdade, evitar a mentira, a calúnia; a praticar o bem, evi-tar o mal; comprometer-se com valores éticos como respeito, a decência, a solidariedade, posi-cionando-se contra a falta de respeito neste País, particularmente da parte dos poderosos, dos políticos, magistrados, legisladores, autoridades civis, militares e religiosas em geral. Pois, "é nessa simpatia, no nosso bom-mocismo (que torna o convívio com o brasileiro individualmente tão agradável), que reside nossa desgraça como nação!", diz o escritor Érico Veríssimo. O com-plexo de inferioridade, a baixa auto-estima do povo brasileiro o torna um povo paralisado, que não reivindica respeito aos seus direitos, nem exige o cumprimento do dever por parte das auto-ridades, que faz da ignorância do povo o grande trunfa para embaí-lo e ele achar que está levan-do vantagem. Diante do supremo Soberano de todos os povos e nações, os exploradores da boa-fé e ingenuidade do povo, os poderosos haverão de prestar contas minuciosas de suas desonesti-dades. Os maus pastores do povo, tanto as autoridades laicas como as religiosas de todos os ma-tizes, prestarão severas contas, no juízo final particular e no julgamento universal das nações, ao Atalaia supremo dos que são humilhados e ofendidos pelos que deveriam cuidar deles, mas os exploram: "Ai dos pastores que se apascentam a si mesmos! Não devem os pastores apascen-tar o seu rebanho? Alimentais-vos com leite, vos vestis da lã, sacrificais as ovelhas mais gordas, mas não apascentais o rebanho! Não restaurastes o vigor das ovelhas abatidas, não curastes as que estão doentes, não tratastes a ferida da que sofreu fratura, não reconduzistes a desgarrada, não buscaste a perdida, mas dominastes sobre elas com dureza e violência. Por falta de pastor, as ovelhas se dispersarem e acabaram por servir de presa para todos os animais do campo. Por-tanto, pastores, ouvi a palavra de Deus. Por minha vida, oráculo do Senhor Deus, asseguro-vos: Visto que o meu rebanho é objeto de saque e serve de presa a todos os animais do campo, por não terem pastor, pois os meus pastores não se preocuparam com meu rebanho, porque se apas-centam a si mesmos, mas não apascentam o meu rebanho, eis-me contra os falsos pastores. Das suas mãos requererei prestação de contas a respeito do rebanho e os impedirei de apascentar o meu rebanho. Deste modo, os maus pastores não tornarão a apascentar a si mesmos. Livrarei minhas ovelhas de sua boca e não continuarão a servir-lhes de presa" Ez 34,1-10. Devastação dolorosa as omissões causam na vida de um povo. Omissão originada no medo, no comodismo, na covardia e falta de ideais que iluminem a razão e impulsione a vontade pra edificar um País melhor. Estejamos atentos pras faltas éticas por pensamentos, palavras, atos, omissões, "com-pletando no nosso corpo o que falta à paixão de Cristo por seu Corpo, que é a Igreja" Cl 2,24.
Geraldo Barboza de Carvalho