(Lc 16:19-31)

Este ensinamento surgiu da extremamente zombaria dos fariseus com relação ao ensinamento da pa­rábola que tinham ouvido dos lábios de Jesus (Lc 16:14). Aqueles líderes religiosos possuíam uma vida de luxo, e viviam no amor ao dinheiro e nos prazeres que a riqueza podia comprar. No entanto, zombaram do conselho sobre a melhor maneira de usar os bens materiais em benefício de outras pessoas, de tal forma que conquistassem recompensas eter­nas. O seu dinheiro lhes pertencia e eles não queriam algum conselho de Jesus sobre como usá-lo corretamen­te. Jesus, então, ensina sobre o terrível fim da­queles que vivem apenas para satisfazer os seus próprios desejos, peca­minosos e egoístas. Os "bens" (Lc 16:25) que lhes pertenciam seriam muito aproveitáveis no mundo, mas a confiança foi traída e o resultado de uma vida, da qual eles abusaram, levou-os ao inferno [condenação eterna].

Inicialmente notamos como diz Sell, que "Jesus não deseja­va, como objetivo primário, enfatizar as terríveis conseqüências pelo abu­so das riquezas e, pela atitude sem coração, do desprezo aos pobres, mas declarar que os homens não podem organizar e harmonizar, obedecen­do aos seus próprios interesses, a reverência a Deus que professam ter e o amor que possuem em satisfazer os seus próprios prazeres; que os valores externos não são indicado­res infalíveis quanto ao caráter; que os critérios de avaliação de Deus são justos e (talvez o mais importante de tudo); que os hábitos, cultivados por muito tempo, acabam fixando o ca­ráter, para bem ou mal, no tempo e na eternidade".

Os comentaristas bíblicos não con­sideram essa narrativa, peculiar a Lucas, uma parábola. Sustentam que não é chamada "parábola", pois apresenta nomes. Nunca são dados nomes em todas as outras parábolas de nosso Senhor. Ele não tinha o cos­tume de inserir nomes em seu ensi­no parabólico [veja o artigo As Parábolas de Jesus].

O rico e Lázaro eram personagens reais; possivelmente Cristo conhecia sua história, nesse mundo e no porvir, é solene­mente localizada por Jesus com o ob­jetivo do proveito moral dos homens em todos os lugares.

Abraão, Moisés e o Hades são realidades, não figuras de linguagem. Mas se a narrativa era uma história real, por outro lado os fatos são apresentados em forma sim­bólica e os "símbolos são as sombras projetadas das realidades".

Antes de examinarmos a série de grandes contrastes e suas aplicações, devemos afirmar que o rico não foi para o inferno porque era rico, e nem Lázaro foi para o seio de Abraão por­que era pobre. Há multidões de pes­soas no céu que uma vez foram ri­cas, exatamente como há miríades de pessoas no inferno, que uma vez foram pobres. Nem abundância nem pobreza determinam à condição eter­na de alguém. Somente o nosso re­lacionamento com Jesus decide a nossa felicidade ou aflição eternas.

·O contraste na vida.Que extre­mos na vida social o nosso Senhor apresenta nessa parábola! O "certo homem rico" é conhecido como divas, o termo em latim para "rico". A tra­dição lhe deu o nome de Ninevis, e o seu contraste com Lázaro é o ponto central da narrativa. Esse homem sem nome, até onde a Bíblia fala dele, era rico, pois pertencia a uma família abastada. Não há dúvida de que os seus cinco irmãos, tão ricos quanto ele, formavam todos um dos grupos de magnatas mais ricos das redondezas. Por causa de suas rique­zas, o rico podia vestir-se do melhor que havia, e comer e beber com mui­ta fartura todos os dias.

Embora o rico e sua família fos­sem ímpios, afastados de Deus, nada é dito sobre ele ser totalmente de­pravado. Ele não é apresentado como o culpado de algum pecado notório, ou um monstro da sociedade. Ele não é colocado diante de nós como um ti­rano ou um opressor dos pobres. Se fosse notoriamente egoísta ou sem caridade, jamais teria permitido a Lázaro que ficasse à sua porta, dia após dia, pedindo esmolas. Sem dú­vida ele vivia uma vida luxuosa e cuidava de si mesmo, mas não é con­denado por causa de sua riqueza.

·Ele foi para o inferno porque não perce­beu que Deus o havia feito o seu pro­curador, com riquezas e influência que poderiam ser usadas para a gló­ria do Todo-Poderoso e o benefício es­piritual e material do seu próximo.

Portanto, foi a sua perversidade e não a sua riqueza que lhe trouxe o sofri­mento eterno. O seu egoísmo, não o seu apetite pelas coisas carnais (ne­nhum ato notório de malignidade, mas por deixar de ter Deus como o centro de toda a sua vida), foi que o fez ficar debaixo da condenação da­quele a quem ele devia tudo o que possuía. Não há vícios ou crimes lan­çados em sua conta. O seu pecado foi que ele só vivia para o presente.

Falando agora de Lázaro, ele era realmen­te um mendigo que Jesus, os discí­pulos e os fariseus conheciam, mas o significado do seu nome sugere que o objetivo em mencioná-lo foi também simbo­lizar a miséria externa de alguém que não tinha qualquer outro auxí­lio senão Deus. Lázaro significa "Deus tem ajudado", ou "Deus é aquele que ajuda". A palavra men­digo traz em si a idéia de pobreza, mais do que de mendigar. Em con­traste com o rico, ele era pobre e nada possuía: o rico se vestia de púrpura e linho fino, e o mendigo com trapos; o rico vivia numa mansão imponente, e o mendigo fora coloca­do à porta daquele casarão, por ami­gos que se condoeram dele; o rico ti­nha um corpo sadio e bem alimenta­do, e o mendigo estava cheio de cha­gas; o rico vivia suntuosamente todo o dia, e o mendigo vivia das miga­lhas que caíam de sua mesa; o rico tinha médicos que cuidavam dele, e os cães lambiam as chagas de Lázaro.

Contudo o mérito de Lázaro não estava no triste fato de ser pobre, incapaz e doente. Um mendigo pode ser tão vil e sujo no coração quanto no corpo. Não, o pensamento precio­so é que enquanto jazia à porta do rico, contemplando com olhos famin­tos as migalhas que lhe trazia, ele aprendeu a estar contente. Como fi­lho de Abraão, ele achou em Deus o seu auxílio. Como um pensionista, dependendo da generosidade divina, ele sabia que o seu pão e a sua água estavam garantidos. No final, ele foi para o Paraíso, não porque era po­bre e doente; mas porque, apesar de sua condição lamentável, ele havia servido a Deus, e encontrado cons­tante auxílio nele. Resta-nos o mis­tério por que foi permitido que um homem bom como Lázaro ficasse tão privado de bens material e doente [o problema do sofrimento do justo]. Se Deus era o seu auxílio, por que ele não foi aliviado de sua miséria? E também por que foi permitido a uma pessoa tão egocêntrica e egoísta, como o rico, que possuísse tamanha rique­za? Essas perguntas não foram res­pondidas por Jesus, o que o ensino procurou focalizar a atenção de seus ouvintes sobre a séria lição de que a vida a qual vivemos na terra deter­mina nossa condição eterna.

O simbolismo e o paralelismo antitético, o contraste na morte. Os dois homens que Jesus apresentou foram tão opostos na morte, quanto tinham sido na vida. Como a morte do men­digo vem primeira na narrativa, pen­semos primeiro nela. Tudo o que Je­sus disse sobre ele foi: "Morreu o mendigo". Nada é dito sobre o seu funeral. Tão pobre, não tinha condi­ções de deixar algo que pudesse pa­gar um sepultamento decente. Ele teve um funeral ou o seu cadáver doente e magro foi lançado rude e insensivelmente pelos funcionários públicos no monturo de lixo da cidade.

Campbell Morgan diz que os mendigos do tipo de Lázaro não eram sepultados. "Quase que inevitavelmente as pessoas apanhavam o corpo desconhecido, sujo, e o car­regavam apressadamente, no início do amanhecer até chegarem a Tofete, Geena, o monte de lixo e refugo que ardiam em fogo, onde o lançavam. Essa era uma realidade conhecida na época, e o próprio fato de que não somos informados sobre Lázaro ter sido sepultado, nos leva a crer que este foi o seu fim". Mas, embora o seu corpo tenha tido um fim desonroso, os anjos vieram e o leva­ram ao Paraíso. Aqueles guardiões angelicais dos justos escoltaram o espírito de Lázaro ao mundo da fe­licidade.

Mas com o rico foi diferente. Ele faleceu como todos têm de morrer, sejam ricos ou pobres, mas "foi se­pultado" e, sem dúvida alguma, teve um funeral imponente, com pranteadores alugados, e todo o es­plendor de aflição que ele tinha con­dições de pagar. No entanto, embo­ra o seu corpo fosse transportado para um túmulo ornamentado com todas as honras devidas, a sua alma estava solitária, quando partiu da terra. Não apareceu uma escolta de anjos para acompanhá-lo às regiões onde estão os abençoados. Ele foi di­retamente para o inferno, a fim de ali suportar o tormento. Para ele, mesmo sendo judeu, não havia uma plenitude de felicidade angelical, um lugar de descanso no seio de Abraão. Todo o esplendor ostensivo do rico não lhe pôde comprar o cavaleiro do cavalo branco, nem assegurar-lhe a felicidade eterna além túmulo. Em sua morte, o rico era mais paupérri­mo do que Lázaro jamais fora [eis um dos contrastes]. Ele foi para a eternidade, nu, despojado de tudo o que tinha possuído e com a terrível conscientização de que ja­mais possuiria uma herança eterna. Como seria diferente se Deus, e não o ouro estivesse em primeiro lugar em sua vida!

O paralelismo no contraste na eternidade. Ao vir da eternidade, não havia alguém mais capaz do que o Filho Eterno para abrir o véu que separa o mun­do material do invisível. Com conhe­cimento divino, ele podia falar com autoridade sobre a vida futura.

O contraste entre as duas almas que partiram foi dado por Jesus, quando disse que Lázaro "é consola­do e o rico atormentado". A palavra para confortar é parakaleo, da qual temos paracleto, a designação usada para o Espírito Santo, o confortador divino. A palavra significa "chamar para perto", e Lázaro fora chamado para perto de Abraão e de Deus, em quem ele confiara. O rico, atormen­tado, suplicou a Abraão que mandas­se Lázaro aliviar a sua angústia. Isso significa que além do espaço vazio, o qual divide os dois lugares, as vozes podiam ser ouvidas distintamente. Com perfeita inteligência espiritual, Abraão sabia tudo sobre a prosperi­dade do rico, como sobre a miséria de Lázaro, e disse ao primeiro que se lembrasse do passado. E aquela lem­brança constituía o seu inferno e era a chama que o atormentava. O nosso Senhor então prosseguiu e disse que o seio de Abraão era um exemplo que denotava a impossibilidade das almas perdidas irem para o céu, ou dos sal­vos visitarem o inferno. O espaço va­zio é intransponível.

No judaísmo rabínico, sob influência persa e helênica apareceu à doutrina da imortalidade da alma, alterando-se, assim, o conceito de Hades. A atestação mais antiga desta doutrina é no livro apócrifo de Enoque. Um fator contribuinte neste ponto é a substituição da doutrina neotestamentária da ressurreição dos mortos (1Co 15) pela doutrina grega da imortalidade da alma. Assim acontece no cristianismo irrefletido, que fracassa por não perguntar se a crença se fundamenta no N.T ou no pensamento grego pagão.

Ao chamar Abraão de Pai Abraão (16:24, 27 e 30), o rico está apelando para a afinidade sangüínea com o Pai desta Nação. Entretanto, essa atividade genética, física, especialmente na teologia de Lucas (3:8), nada significa.

Segundo uma lenda judaica, Abraão estará sentado à entrada do inferno a fim de certificar-se de que nenhum israelita circuncidado seja atirado ali. Entretanto, até mesmo para os israelitas sentenciados há passar algum tempo no inferno, Abraão detém a autoridade de retirá-los de lá e recepcioná-los, encaminhando-os ao céu. Provavelmente essas fabulas e tradições deram ao rico, bem como davam aos fariseus uma segunda chance, e a esperança de que Abraão pudesse confortá-lo. Seio (de Abraão), kolpon, em Lucas 16:22, aparece no caso acusativo, singular masculino. Como região, enseada, o mesmo sentido usado em Jo 1:18. Três expressões eram comumente usadas entre os Judeus para expressar o futuro estado da bem-aventurança, a saber:

1.O Jardim do Éden (ou paraíso)

2.O trono da glória.

3.O seio de Abraão.

No ensino do Rico e Lázaro (Lc 16:20), é usada a terceira dessas expressões, a qual também era a mais comumente usada entre as três. Para os judeus, a comunidade do Antigo Testamento o termo: Hêq, sulco, dobra, colo, regaço, seio. Possuía uma variedade de idéias abstratas e figurativas.

É usado para enfatizar a intimidade familiar (Dt 28:54). O cuidado atencioso e o desvelo podem ser por ele expresso, como no caso do desvelo da viúva para com seu filho enfermo (I Rs 17:19) e da promessa divina de carregar seu povo junto ao seio (Isa 40:11). Colocar as esposas do rei morto ou deposto no regaço do novo rei representava a autoridade desse monarca (II Sm 12:8, cf. também II Sm 16:20-23), Noemi colocou formalmente o filho de Rute no seu regaço como símbolo de que o menino era seu legítimo herdeiro (e também herdeiro de seu falecido marido) Rt 4:16.1. Portanto, este termo [ seio de Abraão] poderia significar: hospede favorecido do céu. A idéia de filiação era um importante conceito judaico sobre a salvação. Um homem justo ou justificado é um filho de Abraão, que está sendo transformado à imagem do Filho (Rm 8:29, II Co 3:18), alguém que terminará por participar de toda a plenitude de Deus(Ef 3:19) e de sua natureza divina (II Pe 2:4). Na passagem de João 18:23 nota-se que jazer no seio era o lugar dos convivas mais favorecidos. A expressão "seio de Abraão" do N.T transmite a idéia de consolo, paz e segurança, visto que Abraão, como progenitor da nação judaica, naturalmente preocupava-se com o bem estar de todos os seus descendentes.

Jesus, então, segundo a mentalidadde da época cria um dialogo fictício entre o rico e Lázaro para mostrar a tamanha tolice dos israelitas que acreditavam que Deus os levaria para o céu de qualquer jeito, e que mesmo após a morte ainda existiam chances para os descendentes de Abraão.

Chegamos à conclusão que o contexto de Lucas 16 possuía vários grupos de pessoas envolvidos, porém o objetivo deste ensino é direcionado especialmente aos fariseus. Esta seita judaica cria na doutrina da predestinação "fatalista", na imortalidade da alma, assim como também nas recompensas e castigos na vida futura. As almas dos ímpios eram lançadas em prisões, enquanto as dos justos reviveriam em outros corpos desfrutando das benesses do Reino de Deus.

Ao estudar as palavras do texto como seio de Abraão, e Hades, nota-se que a esperança do povo judeu, e não só do grupo de fariseus, depositavam suas esperanças no fato de serem descendentes de Abraão e que por ele ser seu progenitor salvaria toda a sua semente. Portanto, Jesus estava usando as crenças ridículas dos fariseus para lhes dar uma mensagem fundamental de quê o destino de cada homem fica determinado pela forma que aproveita as oportunidades nesta vida.

A aplicação mais relevante deste ensino reside na metodologia de Jesus em levar a mensagem do Evangelho. Cristo usou uma crendice ridícula dos fariseus, para lhes ensinar uma verdade fundamental e eterna: a oportunidade de vida eterna e dada aos homens ainda em vida por que após a morte, consequentemente, segue o juízo eterno, irrevogável e sem apelação.