O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO DOS INSEMINADOS POST MORTEM EM DECORRÊNCIA DO TESTAMENTO BIOLÓGICO: LIMITES E RESTRIÇÕES


INTRODUÇÃO 

No Primeiro Capítulo tratar-se-á da filiação, as evoluções que se deram a respeito do tema e suas espécies. Segundo Stolze e Pamplona (2014) o antigo Código Civil tratava os filhos de uma forma discriminatória, visto que, somente eram considerados legítimos os decorrentes do casamento, ou seja, o casamento era o único instituto oficial que poderia irradiar validade aos filhos gerados, é essa a interpretação que se dá ao Art. 337 do Código Civil de 1916. Os filhos para serem legítimos, possuir direitos e deveres decorrentes da instituição familiar só eram considerados se fossem oriundos da constância do casamento.

 Com a entrada em vigor da Constituição de 1988, essa concepção caiu por terra, já que impera o regime da igualdade entre os seres. Contudo, a vigência do artigo 1798 do Código Civil feriria ao Princípio da Igualdade, já estabelecido pela Lei maior, já que este defende que os legitimados a suceder são apenas as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão? O tema da inseminação post mortem gera várias discussões, interfere na Dignidade da Pessoa Humana, em questões sucessórias, dentre outras.

Cabe ainda, ressaltar aqui, que nos moldes atuais adotou-se um conceito plural de família, seja ela mono parental, simultânea, poli afetiva, união estável, relação homo afetiva, houve inclusive a junção dos “meus, seus e nossos” conhecida como família mosaico ou pluriparental, a noção de família está bem flexível acompanhando a sociedade moderna.

No capítulo seguinte, tem-se por base o Princípio do Livre Planejamento Familiar, sendo este considerado um Direito Fundamental, foi consagrado em sede legal tanto no Código Civil de 2002, quanto na Constituição Federal Brasileira de 1988. Este fundamento encontra-se ainda regulamentado na Lei nº 9.263/1996, que assegura a todo cidadão, não só ao casal, o planejamento familiar de maneira livre, não podendo nem o Estado, nem a sociedade ou quem quer que seja estabelecer limites ou condições para o seu exercício dentro do âmbito da autonomia privada do indivíduo. (Roberta Quaranta, 20??)

Por conseguinte e na vigência da Resolução expedida pelo Conselho Federal de Medicina nº1957/2010, que defende “Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do (a) falecido (a) para o uso do material biológico crio preservado, de acordo com a legislação vigente.” Cabe-se aqui fazer uma correlação à hipótese de testamento biológico, e se o material genético congelado pode ser utilizado post mortem do doador.

Dando continuidade a análise do tema, buscar-se-á fazer uma análise mais profunda acerca da reprodução assistida post mortem, aqui se pretendeabordar a possibilidade ou não de questões sucessórias de um filho gerado post mortem, para isso é válido tratar-se da titularidade dos genes que foram deixados por aquela parte que já faleceu, a quem de fato o material genético pertence. É interessante também abordar o tema do ponto de vista da criança, trabalhar sob a perspectiva do Princípio do Melhor Interesse do Menor e expor quais as implicações que essa reprodução causa em sua vida. 

1 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 

Pregava o já em desuso, Código Civil de 1916 que os filhos podiam ser: legítimos (havidos sob o casamento civil e dentro dos prazos estabelecidos), legitimados (resultantes do casamento dos pais, após concebidos ou nascidos), ilegítimos (havidos fora do casamento), simplesmente naturais (havidos de pais solteiros ou equiparados), adulterinos ( resultantes de adultério de um dos pais ou de ambos) e adotivos (filiação civil, não consanguínea ou socioafetiva).

Com a evolução da ciência e da medicina abriu-se duas vertentes novas no ramo da filiação, esta inovação trouxe reflexos no mundo jurídico de duas formas, sob uma primeira perspectiva, ampliou as fontes da filiação e da própria vida humana, através da fecundação artificial homóloga e heterólogainclusive com o advento da criação de embriões humanos in vitro nos laboratórios. A segunda implicação surge com o advento da descoberta do DNA, a possibilidade de análise do código genético dos filhos, abriu espaço para o acesso quanto à comprovação da identidade científica de seus pais.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, aquela concepção de que filho legítimo é apenas o gerado na constância do casamento, foi desmistificada. Nos moldes da legislação atual, impera o regime da igualdade entre os seres e consequentemente a igualdade entre os filhos. “Filiação é a relação de Parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado” (RODRIGUES, v.6, p. 297, apud GONÇALVES, 2013, p. 319)

O ordenamento jurídico brasileiro conceitua a instituição familiar, não somente pela união de laços genéticos e sua descendência, ou seja, no que diz respeito apenas àsrelações exclusivamente sanguíneas, mas também e da mesma forma, estende o seu conceito, no intuito de assegurar a proteção daquela“família formada pelo afeto, traduzido pela comunhão espiritual e de vida de seus integrantes comprovadas pela colaboração, solidariedade e respeito recíproco”. (SALDANHA, 2008)

Com o advento da Constituição Federal de 1988, toda e qualquer discriminação entre filhos passou a ser vedada, a filiação sendo biológica ounão biológica não aduz diferença entre estes. (art. 227, §6º). Atualmente, impera a premissa defendida pelo Princípio da Igualdade entre os filhos, proibindo qualquer discriminação contra estes, contribuindo e reafirmando aquilo que prega o Princípio da Proteção Integral da Criança e do Direito à Convivência Familiar.

Tal preceito torna-se clarividente, também no art. 1.596 do Código Civil,este determina que: “os filhos, havidos ou não da relação de casamento,ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Apesar do artigo não mencionar a reprodução assistida heteróloga, por analogia, aplica-se a mesma, uma vez que amesma é mencionada no art. 1.597, V do CC.

A atual família brasileira, segundo Ana Claudia Brandão: 

Passa a priorizar os laços afetivos. A troca de afeto, de cuidado e asolidariedade entre os membros como meio de se realizarem comopessoa humana adquire mais relevância do que o tipo de entidadefamiliar no qual tal realização se concretizará. Portanto, seja qual fora espécie de entidade familiar, o indivíduo é o centro em torno doqual gravitam todos os direitos, a fim de que a pessoa se realizesentimentalmente no grupo familiar em que está inserida. (BRANDÃO, 2011, p.96, apud SILVA, 20??,p.13) 

É relevante afirmar, que a paternidade/maternidade ganhou um significado mais relevante, e que ultrapassa aquele pregado pelo fator genético ou biológico, está sendoconstruída com base no amor, no afeto, no carinho, pouco importando a origem dafiliação, mas apenas o livre desejo de ser pai ou mãe, o que implica dizer que, o caráter socioafetivo prevalece sob a filiação biológica.

O reconhecimento da filiação sócio afetiva não alude no desprezo da filiaçãobiológica. É importante ressaltar, que não háqualquer hierarquia entre elas, haja vista que, apenas partindo para a análise do caso concretoé que será possível determinar o critério a ser utilizado, a fim dese estabelecer qual a filiação que melhor concretiza os interesses da criança, pautado sempre, em satisfazer a dignidade da pessoa humana.Portanto, o afeto éa base de uma entidade familiar e não restringindo-se apenas aos laços biológicos, apesar de ser, na maioria das vezes, o fator mias incidente.(SILVA, 20??) 

2 TESTAMENTO GENÉTICO: TITULARIDADE DOS GENES E SUAS IMPLICAÇÕES 

Inicialmente é de suma importância ressaltar-se aqui, a inexistência de previsão na legislação atual brasileira vigendo sob o tema, contudo, no intuito de estabelecer-se balizas ao instituto vigora a Resolução nº 1.957/2011, do Conselho Federal de Medicina, que “não constitui ilícito ético a reprodução assistida ‘post mortem’, desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”. Este normativo ético é premissa de base suficiente a sugerir e permitir a prática do testamento em análise.

A não existência de impedimento ou proibição, em nada obsta que o sujeito capaz possua uma vontade expressa em testamento quanto ao destino de sêmens e óvulos congelados. Defende-se aqui ser possível e viável que alguém faça constar em testamento, material genético como objeto de uma doação, no intuito de fazer valer uma futura inseminação artificial pelo donatário. Isto é definido como o novo instrumento jurídico para o surgimento dos “filhos de herança”, programados “post mortem” para pessoas determinadas. (ALVES, 2014)

O material genético passa a constituir um bem passível de ser utilizado pelo inventário, destinando-se servir à procriação do(a) falecido(a). É o denominado “testamento genético”, quando os futuros pai ou mãe, doadores de sêmens ou óvulos, deixam expressas suas vontades, preceituando que o material genético congelado, venha a ser utilizado para a concepção e nascimento de seus futuros filhos, após suas mortes, com escolha pessoal de quem seria apto para utilizá-los. (ALVES, 2014)

Casos que se passaram no exterior, são utilizados nessa pesquisa, como preceitos que viabilizam a existência desse instituto.Aadvogada israelense, IritRosenblum, foi quem teve a ideia de legalizar o instituto em um instrumento, elaborando documentos que externassem a vontade em se permitir aos herdeiros que este disponhamdo material genético, uso este determinado pelo testador, segundo sua vontade e superando suas expectativas

Em Israel, a advogada Irit conseguiu a determinação no sentido de fazer com que o Banco de sêmen do TelHashomer Hospital,procedesse com a entrega de material genético ali depositado por Baruch Pozniansky, após sua morte. Acatando ao desejo dos pais do jovem falecido, que queriam um neto, viram a possibilidade de concretizarem seu sonho com o material genético então disponível.

Os bancos de sêmen ou de óvulos congelados conservam aquele material genético, dispostos pelos titulares, contudo, não requerem as devidas instruções sobre o destino a lhe ser dado, caso venha a óbito o seu depositante. A autora defende ser uma descontinuidade, o que acaba por impedirsua destinação certa. 

O congelamento de esperma ou a chamada criopreservação seminal (com armazenagem a uma temperatura de 196º C negativos) constitui um dos procedimentos biomédicos que fomentam o projeto parental; seja no interesse próprio (ou de casal), em bancos de sêmen homólogos; seja em doação, em bancos heterólogos, para as clínicas de reprodução assistida. (ALVES, 2014) 

O material genético em que pese à possibilidade de ocupar lugar junto a um inventário, como um “bem”, pode ser destinado a qualquer pessoa, receberá este “bem” da mesma forma que receberia uma herança ou um legado. Com isso, é válido aqui ressaltar a finalidade das técnicas de reprodução assistida, estas têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras técnicas terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.

O caso aqui em análise pode ser considerado um caso excepcional onde doador e receptor se conhecem, contudo, essa peculiaridade não torna ilegal esta atividade. O que pretende-se defender é que, a doação de gametas a um terceiro, equipara-se a atividade da barriga solidária, diferenciando-se apenas nos meios utilizados. No testamento biológico a doação do gameta possibilita a concepção do filho, já no instituto da barriga solidária quem faz às vezes de possibilitar esse fim é a barriga, ou seja, a mulher que doa seu útero para que o bebê do terceiro seja gerado. Destarte, é válido inferir aos novos “testamentos genéticos”, a noção de um projeto parental que celebra acima de tudo, a dignidade da vida. 

3 POSSIBILIDADE DE DISPOR DO MATERIAL GENÉTICO PAUTADA NOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 

A Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de família ao reconhecer como entidade familiar àUnião Estável, a família constituída de um dos pais com seus filhos (Família Monoparental), além da já tradicional família oriunda do matrimônio. O direito ao Planejamento Familiar está consolidado no § 7º do art. 226, respaldado no princípio da Dignidade da Pessoa Humana, acompanhado da Paternidade Responsável, sem esquecer-se dos recursos educacionais e científicos (CARDIN E CAMILO, 2009)

O planejamento familiar de origem governamental é dotado de natureza promocional, não coercitiva, orientado por ações preventivas e educativas e por garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade (Constituição Federal, Art. 226, §7º).

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