O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Por Anna Priscylla L. Prado | 13/11/2010 | Direito

O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
UMA ANÁLISE ACERCA DA FUNÇÃO NORMATIVA DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO

NORMATIVE POWER OF REGULATORY AGENCIES
AN ANALYSIS ON THE NORMATIVE ROLE OF NATIONAL AGENCY OF PETROLEUM


Anna Priscylla Lima Prado

RESUMO

O Estado Brasileiro passou por uma grande mudança na década de 1990, fruto do insucesso do modelo social adotado com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Este modelo de Estado paternalista onde o mesmo atuava diretamente na prestação de serviços públicos e na exploração de atividade econômica em sentido estrito, paulatinamente sucumbiu, dando origem ao Estado Regulador que propiciou a abertura de mercado para que as empresas privadas passassem a atuar na seara até então controlada pelo Poder Público.

É neste momento histórico, que nascem as Agências Reguladoras, entes "importados" do direito americano que são verdadeiros marcos definidores do novo perfil estatal brasileiro.

Nesta diretriz é que será explorada a temática do presente estudo, analisando os aspectos gerais das Agências Reguladoras, sua origem no direito americano e a sua implantação no Brasil, delineando a sua natureza jurídica, principais características, abordando, especificamente, a disciplina da ANP- Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível e a polêmica que gira em torno do seu poder normativo com base na separação de poderes e na fixação de parâmetros limitadores da sua atuação normativa.

PALAVRAS-CHAVES: ESTADO, AGÊNCIA REGULADORA, ANP, PODER NORMATIVO.

ABSTRACT
The Brazilian State has undergone a major change in the 1990s, due to the failure of the social model adopted with the enactment of the 1988 Federal Constitution.

This model of paternalistic state where it acted directly in the provision of public services and the exploitation of economic activity in the strict sense, gradually succumbed, giving rise to the Regulatory State that gave the market opening for private companies started to act up on the likes then controlled by the Government.

It is this historical moment, the regulatory agencies that are born, loved "imported" from U.S. law that are true landmarks that define the new profile Brazilian state.

This guideline is that the theme will be explored in this study, analyzing the general aspects of Regulatory Agencies, its origin in American law and its implementation in Brazil, outlining its legal status, main features, addressing specifically the discipline of ANP-Agency National Oil, Gas and Biofuels and the controversy that revolves around its legislative powers on the basis of separation of powers and in setting rules limiting its performance.

KEYWORDS: STATE, REGULATORY AGENCY, ANP, NORMATIVE POWER.

1. INTRODUÇÃO

As agências reguladoras surgiram no ordenamento jurídico brasileiro na década de 1990, período em que o Estado estava atravessando por grandes transformações sócio-econômicas e políticas.

Naquela década os contornos estatais se transmudavam, percebeu-se que o modelo de Estado Social era ineficiente devido as suas amplas atribuições, a sua intensa intervenção nas atividades econômicas em sentido amplo, uma vez que o ente estatal prestava tanto serviços públicos quanto atuava na atividade econômica em sentido estrito através de pessoas jurídicas criadas para esta finalidade, o que agravou os gastos públicos e a crise financeira acarretando assim a necessidade de revisão desta moldura estatal.

Assim, para reverter este quadro de crise era preciso redimensionar o Estado, enxugando as estruturas administrativas e promovendo a abertura dos setores econômicos para que houvesse a observância da livre iniciativa e da livre concorrência possibilitando que a esfera privada passasse a atuar em setores até então públicos, surgindo dessa forma o chamado Estado Regulador.

Por meio do Estado Regulador busca-se a participação estatal apenas em setores classificados como essenciais e nas demais áreas econômicas o ente estatal passa a atuar através da sua competência de regulação, ou seja, não atuando diretamente no domínio econômico, mas através de mecanismos disciplinadores de tais atividades.

É neste contexto que nascem as chamadas Agências Reguladoras figuras originalmente presentes no direito americano que foram incorporadas a realidade nacional, sendo estas, um marco definidor da mudança do perfil estatal brasileiro.

Através deste trabalho, será estudado em linhas gerais o instituto das agências reguladoras, a sua natureza jurídica e as suas características, fazendo um estudo específico da Agência Nacional do Petróleo- ANP, criada no direito pátrio a partir da instituição da Lei nº. 9478, de 06 de agosto de 1997, enfrentando a questão do seu poder normativo em face da separação de poderes e da limitação imposta por Standards e pelo interesse público estabelecido previamente na Lei.

2. AS AGÊNCIAS REGULADORAS

2.1.Origem no Direito Norte-Americano

As agências reguladoras instituídas no Brasil tiveram clara inspiração no modelo Norte-Americano, onde organismos semelhantes são denominados de "independent administrative agencias" ou "regulatory agenciais" .

O surgimento das agências reguladoras no direito alienígena foi baseado na instituição da "Interstate Commerce Commission" de 1887, onde foi um órgão regulador nos Estados Unidos criado pelo Presidente Crover Cleveland objetivando a regulação do setor ferroviário, para fins de garantir tarifas justas, eliminar as distorções de taxas e para regular outros aspectos comuns aos transportadores.

As agências reguladoras americanas possuem ampla independência, seus diretores são indicados pelo Presidente após a aprovação do Senado Federal para o exercício de um mandato, mas ao mesmo não se subordinada detendo liberdade de atuação na atividade regulada, "podendo elaborar regras jurídicas e aplicá-las as situações fáticas e detêm poderes para fiscalizar, investigar, punir e decidir controvérsias."

Assim, após fazer esta breve análise das agências reguladoras no direito americano, modelo que influenciou diversos ordenamentos jurídicos mundiais, analisaremos as questões atinentes as agências reguladoras no sistema brasileiro.

2.2. Agências Reguladoras no Brasil e o Seu Contexto Histórico

A Carta Magna de 1988 inaugurava uma nova ordem constitucional no país, contudo, devido ao momento histórico da sua promulgação após mais de 25 (vinte e cinco) anos de ditadura militar, o povo brasileiro clamava por um modelo Estatal que contemplasse no seu texto constitucional o maior número de direitos e garantias fundamentais, o que resultou em uma forma de Estado centralizadora e intervencionista.

Entretanto, na década de 90 (noventa) constatou-se que o modelo de Estado Social Brasileiro não iria prosperar, pois o país estava inchado já que o Estado atuava tanto na prestação de serviços públicos, quanto na atividade econômica em sentido estrito, detendo, inclusive, o monopólio de alguns setores considerados estratégicos, o que só agravava ainda mais a crise financeira nacional e aumentava a patamares elevadíssimos a dívida externa do país.

Assim, as primeiras modificações do modelo de Estado Brasileiro vieram com a Emenda Constitucional nº. 05 de 15 de agosto de 1995, que alterou a redação do art.25,§2º da CF/88 para possibilitar que os Estados-Membros pudessem mediante o regime de concessão permitir que empresas privadas atuassem no serviço local de distribuição de gás canalizado que antes só poderiam ser explorado por empresa estatal.

Na mesma data, também foi promulgada a Emenda Constitucional nº. 06 que albergou uma mudança significativa, pois suprimiu do art. 171 da Constituição a conceituação de empresa brasileira como sendo apenas aquela de capital nacional, e ainda alterou o "art.176 para possibilitar que a pesquisa e lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais energéticos fossem autorizados ou concedidos por empresas constituídas pelas leis brasileiras, dispensando a exigência do controle nacional."
Outra modificação significativa veio com a Emenda Constitucional nº. 09, de 09 de outubro de 1995, que será estudada detalhadamente quando tratarmos da Agência Nacional do Petróleo, mas que acabou com o monopólio estatal relativo à cadeia de produção do petróleo e do gás natural.

Desta forma, todas estas mudanças supramencionadas vieram a corroborar com a inauguração de uma nova ordem estatal nacional iniciada com a edição da Lei nº. 8031, de 12 de abril de 1990 que inaugurou o Programa Nacional de Privatizações, e que foi posteriormente substituída pela Lei nº. 9491, de 9 de setembro de 1997, que possui no seu art.1º os seguintes objetivos, in litteris:

Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização ? PND tem como objetivos fundamentais:
I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;
II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;
III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;
IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;
V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;
VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa. (Grifos nossos).

É neste contexto histórico em que o Estado passa a descentralizar a sua atuação, que nascem no sistema brasileiro as agências reguladoras, instituições destinadas à regulação setorial dotadas de plena independência e com amplos poderes de fiscalização, normatização e solução de conflitos, sendo segundo o próprio Superior Tribunal de Justiça "mecanismos que ajustam o funcionamento da atividade econômica do País como um todo" .

2.3. Agências Reguladoras sua Natureza Jurídica e Características

As agências reguladoras foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de regular tanto os serviços públicos prestados pela iniciativa privada por meio de concessões, permissões e autorizações, quanto àquelas atividades econômicas em sentido estrito em que o Estado não mais atua diretamente, mas que exerce um poder disciplinador, uma vez que são relevantes para a política econômica nacional.

Estes entes reguladores são criados por Lei e cada agência possui uma disciplina jurídica própria. Ressalta-se, que atualmente existem 10 (dez) agências reguladoras nacionais, sendo elas: ANEEL- Agência Nacional de Energia Elétrica (Lei nº. 9257, de 26 de dezembro de 1996), ANATEL- Agência Nacional de Telecomunicações (Lei nº. 9472, de 16 de julho de 1997), ANP- Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível (Lei nº. 9478, de 06 de agosto de 1997), ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei nº. 9782, de 26 de janeiro de 1999), ANA- Agência Nacional das Águas (Lei nº. 9984, de 17 de julho de 2000), ANS- Agência Nacional de Saúde (Lei nº. 9961, de 28 de janeiro de 2000), ANCINE- Agência Nacional do Cinema (Medida Provisória nº. 2228, de 06 de setembro de 2001), ANTAQ- Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Lei nº. 1023, de 05 de junho de 2001), ANTT- Agência Nacional de Transporte Terrestre (Lei nº. 10.233, de 05 de junho de 2001) e ANAC- Agência Nacional de Aviação Civil (Lei nº.11.182, de 27 de setembro de 2005) .

As agências reguladoras são independentes e possuem natureza jurídica de uma autarquia, mas não é uma entidade autárquica comum e sim uma autarquia especial, "sujeita a um regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta e investida de competência para regulação setorial ."

Estes entes reguladores são autarquias especiais porque as leis instituidoras disciplinam prerrogativas jurídicas, para fins de conferir uma maior autonomia técnica, financeira e jurídica que não se encontram nas outras entidades autárquicas, tudo isto, com o fito de assegurar maior independência de atuação na área regulada possibilitando que as mesmas exerçam as suas funções livres de quaisquer ingerências político-administrativas.

Neste sentido, assevera-se a lição de Alexandre Santos de Aragão ao tratar da matéria afeta a independência das agências, in litteris:

"Podemos afirmar que as competências complexas das quais as agências reguladoras independentes são dotadas fortalecem o Estado de Direito, vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a concentração de poderes na Administração Pública central, alcançam, com melhor proveito- não meramente formal- da separação de poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a segurança jurídica, a proteção da coletividade e dos indivíduos empreendedores de tais atividades ou por elas atingidos."

Dessa maneira, esta independência dos entes de regulação vem inserida nas suas características, uma vez que a mesmas não possuem dependência hierárquica com os órgãos aos quais são vinculados, como no caso da ANP- Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível, por exemplo, que vinculada ao Ministério de Minas e Energia, não detém com este uma relação de subordinação, sendo titular de uma competência privativa para tomar decisões (poder jurisdicional) e traçar objetivos, livres de quaisquer interferências ou posições político-governamentais.

Essa competência decisória das Agências reflete outra característica destas autarquias especiais, que é a chamada função regulamentar, ou seja, é a possibilidade de editar atos normativos relacionados às atividades reguladas, perfeitamente possível no sistema da separação dos poderes, já que a competência normativa não é exclusiva do Poder Legislativo, principalmente, quanto a normatização técnica afeta a área regulada, porém, este poder normativo não é ilimitado, devendo observar os parâmetros de legalidade e constitucionalidade presentes no ordenamento pátrio.

Outra característica marcante das agências reguladoras é a questão da sua autonomia financeira onde o "legislador buscou proporcionar-lhes, além das dotações orçamentárias gerais, outras fontes de receitas próprias" , que no caso na ANP, estas fontes próprias de receitas como doações, legados, subvenções, emolumentos, taxas, multas entre outras estão disciplinadas art.15 da Lei nº. 9478/97.

Além dessas características supramencionadas, estas agências reguladoras possuem uma peculiaridade que traduz ainda mais a sua natureza jurídica de autarquia especial, que é o caso da estabilidade dos seus dirigentes, ou seja, os dirigentes das agências são indicados pelo Presidente da República após aprovação da nomeação pelo Senado Federal, para exercerem um mandato fixo que não coincidem com o mandato presidencial.

Apesar de ser um cargo em comissão onde os dirigentes são indicados pelo Presidente da República, estes não podem ser demitidos ad nutum (livremente) por ato do Chefe do Poder Executivo, mas apenas mediante um processo condenatório transitado em julgado, garantindo-lhes a ampla defesa e o contraditório.

São estas as características das agências reguladoras que fortalecem a sua natureza jurídica de autarquia especial.
Após o estudo destas diretrizes gerais relacionadas às disciplinas das agências reguladoras, passaremos a questão polêmica do seu poder normativo, analisando a atuação específica da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível- ANP.

3. Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível- ANP

A ANP- Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível foi criada exatamente no período desta reforma administrativa que viveu o país na década de 1990, com a mudança de postura estatal, onde o mesmo deixou de ser o provedor das atividades econômicas em sentido amplo, para ser o Estado Regulador das atividades que passaram a ser desempenhadas pela iniciativa privada, como é o caso da exploração e produção de petróleo e gás natural.

Esta agência reguladora possui sede no próprio texto constitucional, pois através da Emenda Constitucional n°. 09, de 09 de novembro de 1995, que promoveu a flexibilização do monopólio estatal das atividades de exploração e produção de petróleo e, conseqüentemente, alterou a redação do texto constitucional, no art.177,§2°, inciso III da CF/88, passando a fazer referência a criação de um órgão regulador para o setor.

Assim, a ANP foi instituída através da Lei n°. 9478, 06 de agosto de 1997, devidamente regulamentada pelo Decreto n°. 2455, de 14 de janeiro de 1998, sendo vinculada ao Ministério de Minas e Energia, mas com o mesmo não possuindo uma relação de subordinação, cujo objetivo é de "executar a política nacional no setor energético do petróleo e gás natural e dos biocombustíveis no Brasil" .

Neste sentido, compete a ANP as atividades de regulação do setor energético, ou seja, promover a contratação representando a União com os concessionários das atividades da cadeia do petróleo e do gás natural, fiscalizar as atividades das empresas que atuam no setor, legislar mediante a expedição de portarias, resoluções e instruções normativas e ainda desenvolver ou incentivar estudos geológicos para fins de averiguação do potencial petrolífero brasileiro, entre outras atribuições exercidas por esta agência relacionada a seara regulada.

Por conseguinte, o âmbito de atuação da ANP é bastante amplo exercendo um importante papel de promover o desenvolvimento da área regulada, sendo responsável, inclusive, de buscar investimentos que visem o aperfeiçoamento da indústria petrolífera nacional.

Entretanto, a sua amplitude de atuação passa por uma questão polêmica relacionada ao seu poder normativo, uma vez que a ANP se vale da expedição de inúmeros atos normativos para regular o setor, sem analisar algumas vezes os parâmetros de legalidade e constitucionalidade existentes no ordenamento pátrio.

Logo, indaga-se, a atuação da ANP em expedir atos normativos é ilimitada devido às peculiaridades técnicas relacionadas ao setor? Pode a ANP se valendo de lacunas legais expedir atos normativos sem observar os parâmetros de constitucionalidade ou mesmo ir de encontro às disposições legais existentes?

É nesta linha de raciocínio, que será delineada a questão do poder normativo da ANP, buscando-se um possível limitador a sua atuação "legislativa", no próprio ordenamento jurídico.

3.1 Poder Normativo da ANP. Quais os Limites?

A complexidade da sociedade e as mudanças cada vez mais velozes das relações sócio-econômicas em virtude do processo de globalização e dos avanços tecnológicos, resultaram no surgimento de atividades econômicas que necessitavam de um tratamento específico devido as suas particularidades técnicas, percebendo-se assim que as disciplinas jurídicas tradicionais focadas em uma fonte legislativa única não eram suficientes para solução dos conflitos.

Dessa forma, iniciava o processo de especificação da legislação criando leis especiais para tratar de determinadas matérias, contudo, só a especificidade não era suficiente para disciplinar alguns setores econômicos complexos, como o caso das atividades de exploração e produção do petróleo, sendo essencial a criação de órgãos específicos que possuíssem poder normativo para regulamentar as matérias atinentes aos setores regulados.

Neste contexto, destaca-se o posicionamento de Alexandre Santos de Aragão a respeito do tema:

" Verificou-se que não bastava a edição de leis especiais pelo Poder Legislativo. Impunha-se também a especialização das fontes do Direito e dos respectivos órgãos emanadores. O Poder Legislativo, essencialmente político e atuando mediante processos necessariamente lentos, viu-se incapaz de lidar com a complexidade, pluralidade e tecnicismo das matérias que demandavam a sua atuação."

Assim, essa necessidade de "descentralização normativa, principalmente de natureza técnica, é a razão de ser de entidades reguladoras independentes, ao que podemos acrescentar ao fato de a competência normativa, abstrata ou concreta, integrar o próprio conceito de regulação" .

Dessa maneira, conclui-se que o poder normativo das agências reguladoras é bastante amplo, principalmente, no que diz respeito à exploração e produção do petróleo, uma vez que a Lei nº. 9478/97 trata da política energética de uma forma genérica, detendo a ANP um grande poder de regulamentação, pois por se tratar de um bem estratégico e de uma atividade que até o início da década de 1990 era monopolizada pelo Estado, poderá estabelecer as regras jurídicas, dentro dos limites permitidos em Lei, que melhor venha atingir a finalidade pública, para fins de desenvolvimento do setor.

Frisa-se também, que as "leis instituidoras das agências reguladoras integram, destarte, a categoria das leis-quadros (lois-cadre) ou standartizada" , ou seja, as leis que disciplina a atuação das agências, como no caso da ANP, a Lei nº. 9478/97, tratam as matérias de uma maneira geral, contudo, isto não significa dizer que a ANP deve regulamentar uma situação jurídica de forma ilimitada, pelo contrário, a sua atuação deve ser analisada dentro do contexto do ordenamento jurídico como um todo, levando em consideração parâmetros não só técnicos mais legais e principalmente constitucionais.

Salienta-se, que as leis com esta característica da generalidade, como exemplo, a Lei nº. 9478/97 não promovem maiores elementos para a atuação do órgão regulador, dando ao administrador um grande poder de integração deste conteúdo normativo, porém, este deve ser integrado em completa observância às disposições legais e constitucionais pré-existentes.

No caso da ANP, fica clara a sua produção normativa intensa e muitas vezes exacerbada, pois desde o ano de 2001 até o de 2008 a agência editou mais de 321 portarias que se prestam para regulamentar o setor, fora os decretos e notas técnicas, onde entre estas portarias tanto se encontram aquelas eminentemente técnicas, mas também as que inovam de uma forma tão marcante no ordenamento jurídico que chegam a violar os limites legais, transformando a agência em um próprio "legislador" primário.

Destaca-se, neste particular, o caso das portarias que tratam de matérias ambientais, que por ser tema de competência concorrente entre os Entes Federados, podem ser instituídas portarias que conflitam com as legislações estaduais e municipais existentes, devendo para isso serem observados os limites constitucionais de tais normatizações.

Assim, é o entendimento de Alexandre Santos do Aragão quanto aos limites impostos pelo poder normativo das agências, in verbis:

"Todavia, a possibilidade do poder normativo ser conferido em termos amplos e às vezes implícitos, não pode isentá-lo dos parâmetros suficientes o bastante para que a legalidade e/ou constitucionalidade dos regulamentos seja aferida. Do contrário, estaríamos, pela inexistência de balizamentos com os quais pudessem ser contrastados, impossibilitando qualquer forma de controle sobre atos normativos da Administração Pública, o que não se coadunaria com o Estado de Direito."

Logo, é considerada extremamente legítima a atuação da ANP no campo da normatização, contudo, não é pelo simples fato de que a sua lei instituidora tratou de certos temas de formas genéricas, que a mesma possa normatizar de uma forma tão "feroz" que deixe de lado a análise do sistema jurídico como todo, para fins de averiguar a constitucionalidade ou não do conteúdo normativo pela mesma produzido.

Neste caso, conclui-se que à ANP é dada total legitimidade a sua produção normativa, entretanto, esta deve observância aos preceitos legais e constitucionais pré-existentes, pois caso contrário não haveria paradigma para mensurar a atuação normativa da agência, fato este, que não se coadunaria com o princípio da separação de poderes e muito menos com o próprio Estado de Direito.

4. Conclusões

A mudança do Estado Social para o Regulador no Brasil tem como um dos marcos divisório o "nascimento" das agências reguladoras que foram instituídas no intuito de regular de forma ampla o setor econômico para o qual foram criadas.

Essa transformação social que aconteceu com o surgimento das agências de regulação afetou a sociedade brasileira em todos os aspectos, sejam eles, social, econômico e propriamente jurídico, já que houve uma descentralização da produção legislativa no país, passando as agências a editar normas não só de caráter técnico, como outras que disciplinam de forma mais ampla as atividades relacionadas ao setor de suas respectivas atuações.

Foi neste contexto histórico que surgiu a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível- ANP, criada para regular um setor estratégico e que até o iniciou da década de 1990 as atividades de produção e exploração de petróleo eram monopolizadas pelo Estado Brasileiro.

Dada a relevância do setor regulado pela ANP, a própria especificidade técnica da matéria e as diretrizes genéricas disciplinadas pela sua lei instituidora (Lei n°. 9478/97), tudo isto culminou em uma questão polêmica que é a atinente ao seu poder normativo, ou seja, será que é legítima a produção normativa intensa da ANP? E será que esta ocorre de forma ilimitada?

Partindo dessas indagações, conclui-se que a produção legislativa em sentido amplo, não é exclusiva do Poder Legislativo, sendo dada as agências independentes, como no caso da ANP, a possibilidade da expedição de normas de caráter técnico ou não para fins de disciplinar as relações econômicas ligadas ao setor de sua atuação, uma vez que a normatização é inerente ao próprio conceito de regulação.

Contudo, esta atuação normativa e aqui tratada especificamente em relação a ANP não é ilimitada, devendo ser observado os parâmetros legais e constitucionais sobre a matéria, ou seja, a ANP é dado legitimidade para regulamentar a indústria petrolífera, mas esta atuação normativa deve ter como limites a Lei n°. 9478/97, porém como esta disciplina o setor de forma genérica, a ANP atua intensamente na presença das lacunas, mas mesmo atuando no preenchimento dessas lacunas jurídicas, devem ser observados os parâmetros de constitucionalidade de sua atuação, pois aquela disposição normativa expedida pela ANP irá fazer parte do ordenamento jurídico e para que se integre ao mesmo deve ter como premissa maior a sua constitucionalidade.

Neste sentido, é importante asseverar que a atuação normativa da ANP é legítima e limitada, obedecendo quando da expedição de uma portaria ou resolução aos limites legais e constitucionais pré-existentes, pois caso não fosse possível o balizamento legal e constitucional da sua produção normativa a sua atuação não poderia jamais se coadunar com o princípio da separação dos poderes e com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

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