O JULGAMENTO DE SÓCRATES:

Um olhar voltado para a razão à luz do julgamento de Sócrates [1]

 

Aléssio Milhomem Vasconcelos[2]

 

 André Pinheiro Lopes [3]

 

Sumário: Introdução; 1 Síntese do Contexto Histórico; 2 Principais Características do Direito Grego; 3 A Filosofia de Sócrates como Ameaça à Ordem; 4 Aspectos Relevantes Sobre o Julgamento de Sócrates; 5  A Importância do Julgamento de Sócrates; 6 Considerações Finais.

 

 

RESUMO

O presente trabalho expõe, a partir de uma análise do julgamento de Sócrates, os aspectos predominantes de ordem filosófica, política e jurídica que concorreram para a acusação do filósofo grego. Trazendo à baila o pensamento socrático como precursor de uma racionalização questionadora da ordem social e religiosa, discute-se como ponto fulcral do artigo, a influência de seu julgamento e sua herança filosófica na transição da concepção do direito religioso para o direito voltado aos interesses públicos.

PALAVRAS-CHAVE

 

Julgamento de Sócrates. Direito Grego. Filosofia. Religião.

 

 

“O homem não quer apenas viver, mas viver bem.”

 Aristóteles

INTRODUÇÃO

Considerado um dos mais eminentes pensadores da Antiguidade, o grego Sócrates influenciou a Filosofia no desenvolvimento da racionalização e do questionamento das idéias a cerca da natureza, das ciências e do comportamento humano. Tinha como premissa a necessidade de conhecer a si mesmo para só então ampliar e direcionar suas conjecturas aos fatos que o cercavam.

Seu método de estudo baseava-se no questionamento constante das idéias pré-concebidas e convencionadas vigentes no seu tempo e na sua sociedade. Dessa forma, estimulava seus pupilos e ouvintes a refletir sobre todos os aspectos que envolviam suas vidas até a descoberta de uma verdade satisfatória ou de idéias que melhor explicassem os fatos.

Por provocar o questionamento e induzir seus ouvintes a pensar de forma independente, Sócrates tornou-se alvo dos governantes de Atenas, pois criam que o filósofo suscitava dúvidas no ordenamento político, social e principalmente religioso da cidade. Fora acusado de apregoar divindades distintas das cultuadas em sua sociedade, o que para a Atenas da Grécia Antiga e para o momento histórico de muitas civilizações contemporâneas a época constituía-se em violação cabal e intolerável da ordem social, o crime de heresia.  

            Seu julgamento foi relatado por filósofos como Platão, Xenofonte e Aristófanes retratando o ordenamento jurídico e o sistema político da sociedade de Atenas e da Grécia do Período Clássico. A defesa de Sócrates expõe o aspecto primordial do Direito Grego, a retórica, e após sua condenação e morte, e diante de uma democracia de caráter questionável, seu legado é assumido por pensadores contemporâneos que perpetuarão a busca pela compreensão do homem em toda sua plenitude enquanto ser social e indivíduo racional.

            Desta feita, é pelas contribuições do ordenamento jurídico grego à ciência do direito, e pela riqueza de nuances filosóficas e jurídicas da própria apologia de Sócrates que, até hoje, o seu julgamento é referência para análises acadêmicas como fonte de conhecimento e objeto de estudo do Direito Moderno.

 

1. SÍNTESE DO CONTEXTO HISTÓRICO

            Neste item tentaremos traçar alguns dos mais importantes aspectos que envolvem o caráter histórico e político da época. A priori faz-se mister destacar que, o período em que Sócrates viveu se caracteriza como o período antigo. Nesse período o que predomina fortemente e influencia até mesmo as primeiras noções de direito é a religião[4]. Antonio Carlos Wolkmer explana que, nesse momento, como ainda não havia nada escrito, o direito se apresentava como um conjunto disperso, que envolvia uso, práticas e costumes da sociedade[5]. Podemos perceber com o decorrer do tempo que, com essa forte predominância divina na vida do homem, a laicização do direito ocorre paulatinamente em cada sociedade. E na Grécia demora um pouco mais a advir. Atenas continuava a se organizar de forma a cumprir com seus rituais e cerimônias sagradas. Ninguém ousava romper com as velhas formas da religião nacional, a democracia continuava com o culto instituído pelos eupátridos[6].

            Na cidade de Atenas, assim também como em outras cidades do mundo antigo, era extremamente importante efetuar os cultos relativos aos deuses da cidade. Cada cidade possuía um Deus, e essa mesma divindade deveria ser cultuada apenas pelos cidadãos daquele local, não permitido a participação de estrangeiros em nenhuma circunstância nas cerimônias e festas da cidade. Se alguém ousasse cultuar outro Deus, era expulso da cidade e punido de acordo com as crenças daquele espaço[7]. Assim podemos também perceber o tamanho da calúnia que fora feita contra Sócrates em seu julgamento, sob a acusação de cultuar outros deuses. Isso correspondia à infração gravíssima para com a polis[8].

 

2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO GREGO

Na Grécia o direito era vivido no espaço público, de modo oral, por meio da argumentação, da retórica, da persuasão, algo que Sócrates, por sinal, o realizava muito bem. Tanto prova que Sócrates fora acusado justamente de corromper a mente dos jovens, através de seus pensamentos[9]. Em sua defesa, Sócrates tem que, em pouco tempo, apenas através da fala, persuadir e convencer o júri de que nenhuma de suas acusações, proferidas por Meleto, Anito e Licon, é de fato verdade. E essa foi uma das grandes heranças da cultura ocidental grega para com o direito atual, a argumentação. Talvez por isso ele defendesse que, a fala era o maior bem do homem e que preferiria morrer a se calar e se porventura, fosse exilado iria continuar a expor seus pensamentos em outros locais[10].

Em âmbito político é importante ressaltar as instituições que compunham o governo da cidade e as instituições que se relacionam a administração da justiça e que se consolidaram na época clássica. Assim entre as primeiras temos a Assembléia do Povo (ekklêsia), que era composta pelos cidadãos da Grécia acima de 20 anos, se reuniam na praça pública (ágora), lá era o espaço em que se deliberava, decidia, e se julgava. Outra instituição era o Conselho dos Quinhentos (boulê), composto por 500 cidadãos, com idade acima de 30 anos e escolhidos através de um sorteio realizado a partir de uma candidatura prévia do cidadão. A função do Conselho era ajudar a Assembléia, examinando e preparando as leis, além de controlá-las.

Os Estrategos compunham mais uma instituição. Fernando Horta Tavares alude sobre esse órgão:

[...] em número de 10 eleitos pela Assembléia, eram eleitos e reeleitos indefinidamente. Tinham que ser cidadãos natos, casados legitimamente (não eram elegíveis os solteiros) e possuir uma propriedade financeira na Ática que assegurassem alguma renda. Sua atividade principal era administrar a guerra, distribuir os impostos e dirigir a polícia de Atenas e a defesa nacional. Foram aos poucos substituindo os arcontes como verdadeiros chefes do poder executivo

Ou seja, a função do Estratego era mais administrativa, com o fim de organizar os impostos e garantir a defesa social[11].

A última instituição e a mais importante que destacaremos é o Magistrado. Esse órgão era composto pela classe dos patrícios, que assumiu o poder político logo após a derrubada da autoridade política, administrativa e jurídica do rei. Aqueles que fazem parte do grupo de magistrados, também eram escolhidos através de sorteios. Nesse espaço se deliberava às leis que eram concernentes à cidade.

            Mais adiante, temos, como primeira base escrita que serviu como fonte de direito na Grécia, os códigos de Drácon e Sólon, que veio com função de retirar o poder das mãos da aristocracia, destacando-se primeiro como legislador, Zaleuco de Locros[12].

A legislação de Drácon é que fornece a Atenas seu primeiro código escrito de normas. Para entendermos um pouco mais a respeito desse código salientamos uma breve história. Drácon ou Draco era o nome de um revolucionário e um eupátrida[13] diante de sua época na cidade grega. Era tido como um legislador extremamente rigoroso. Talvez por isso as leis contidas nesse código sejam de caráter tão violentas e sanguinárias. A pena de morte era aplicada até mesmo nos crimes considerados mais simples[14]. A primeira lei dizia, “dever-se-á honrar os deuses e os heróis do país e oferecer-lhes sacrifícios anuais sem afastar-se dos ritos seguidos pelos ancestrais” [15]. Ao analisarmos as leis presentes no Código de Drácon, notamos que o direito ainda era instruído pela religião e que a mesma ainda possuía grande influência no comportamento da cidade.

Com o passar dos anos, os próprios atenienses consideram o Código de Drácon omissivo, e ainda somado ao fato de que se sentia a falta de leis que completasse os problemas econômicos e sociais[16], vem a surgir justamente o Código de Sólon, que como veremos a seguir, se afasta completamente do anterior. O professor Tavares aduz acerca desse novo código[17]:

Vê-se que corresponde a uma grande revolução social. A primeira coisa que aí se observa é que as leis são as mesmas para todos. Não estabelecem distinção entre o eupátrida, o simples homem livre e o teta. Estes nomes nem sequer figuram em nenhum dos artigos que nos foram conservados. Sólon se vangloria nos seus versos de ter escrito as mesmas leis para os grandes e para os pequenos. (TAVARES, 2003, p. 15)

Nesse novo ordenamento podemos citar algumas leis que já se afastam um pouco daquelas presentes no começo do mundo antigo, como por exemplo, no que concerne o fato do direito antigo prescrever que apenas o filho primogênito fosse o único herdeiro de sua família. A lei de Sólon se distancia disso e afirma e traz: "Os irmãos repartirão o patrimônio". Mas o legislador não se afasta ainda do direito primitivo a ponto de conferir à irmã uma parcela da sucessão. A lei faz uma ressalva que “se fará entre os filhos" [18].

            O que é importante abstrair dessas características trabalhadas é que, o direito grego até esse momento ainda se mostra enraizado com a religiosidade, mas como veremos a seguir Sócrates, vai servir como um precursor para que outros filósofos possam amparar a razão a se sobrepor sobre esses valores que ainda não priorizam o povo.

3. A FILOSOFIA DE SÓCRATES COMO AMEAÇA A ORDEM

Diferentemente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor. Pergunta, não responde. Indaga, não ensina. Não faz preleções, mas introduz o diálogo como forma da busca da verdade. Essa foi a razão de não haver escrito coisa alguma. Dizia que a escrita é muda e que sua mudez cristaliza idéias como verdades acabadas e indiscutíveis[19].

Werner expôs que Sócrates era visto como[20]:

[...] guia da filosofia moderna, o apóstolo da liberdade moral, separado de todo dogma e de toda tradição, sem outro governo além daquele da sua própria pessoa e obediente apenas aos ditames da voz interior da sua consciência; o evangelista da nova religião terrena e de um conceito da bem-aventurança atingível nesta vida, mercê da força interior do homem e baseada, não na graça, mas na incessante tendência ao aperfeiçoamento do nosso próprio ser. (WERNER, 1995, 493-494)

            Ao dizer-se “parteiro das almas”, Sócrates queria dizer que não era o pai das idéias que nasciam da alma de seu interlocutor, mas que apenas auxiliava o nascimento das idéias no próprio parturiente. Seu trabalho era suscitar no interlocutor o desejo de saber e auxiliá-lo a realizar esse desejo sozinho[21].

Por realizar-se sob a forma do diálogo, por produzir argumentos para mostrar que uma opinião é ou parcial, ou confusa, ou contraditória, ou mesmo errada, e por visar a persuadir o interlocutor do erro cometido e da necessidade de prosseguir na investigação, a indução socrática constitui a dialética socrática diferente da retórica dos sofistas[22].

            As coisas de que trata a filosofia não são as coisas naturais da cosmologia, mas as qualidades morais e políticas dos homens e os meios de conhecê-las. “A finalidade da vida ética (ou filosofia) é a felicidade e esta se encontra na autonomia, isto é, na capacidade do homem para, por meio do saber, dar a si mesmo suas próprias leis e regras de conduta” [23].

            A democracia ateniense fundava-se nas idéias e nas práticas da isonomia e da isegoria. Cidadão era aquele que tinha o direito e a competência para emitir opiniões sobre todos os assuntos da cidade, de ouvir todas as opiniões sobre todos os assuntos da cidade e de discutir todas elas para poder decidir e votar. Os juízes ao afirmarem que Sócrates corrompia os jovens enalteciam o desprezo do filósofo pela opinião, pois a considerava contrária à verdade tomando-a opinião por ignorância, falsidade e incompetência. Também opõe opinião à ciência ou saber verdadeiro, recusando o critério da maioria. Assim sendo, Marilena Chaui (2002) ressalta que, “estaria afirmando que somente alguns podem governar, isto é, aqueles que possuírem ciência e não opinião. Desse ponto de vista, os juízes teriam razão ao considerá-lo um perigo para a democracia” [24].

Sem dúvida, passar da opinião à ciência significa não aceitar passivamente os valores da pólis, tais como se cristalizaram nos preconceitos. Se a pólis valoriza as virtudes, é preciso, para aceitá-las, saber o que são e é possível que o saber nos ensine que são valiosas justamente por não serem o que a opinião e o preconceito imaginam que elas sejam. Por isso Sócrates dissera aos juízes: “Mais do que qualquer um de vós, respeito as leis. Mas não as respeito pelos mesmos motivos de vós” [25].

Como relatado, Sócrates reprovava o abuso que os sofistas faziam do direito de duvidar. Porém, assim como eles, rejeitava o império da tradição, e acreditava que as regras de conduta estavam gravadas na consciência humana. Não obstante essa semelhança, diferenciava-se deles ao estudar essa consciência religiosamente, e com desejo firme de nela encontrar a obrigação de ser justo e de fazer o bem. Sobre Sócrates, Fustel de Coulanges (1961) aduz que:

Colocava a verdade acima do costume, a justiça acima das leis. Distinguia a moral da religião; antes dele não se concebia o dever senão como um decreto dos deuses antigos; Sócrates demonstrou que o princípio do dever está na consciência do homem. Em tudo isso, quer quisesse ou não ele fazia guerra ao culto das cidades. (COULANGES, 1961, p. 575)

Ante esta passagem acima exposta, podemos perceber de forma mais branda, em que se fundava a filosofia de Sócrates. Uma filosofia que, em síntese, se voltava a questionar e não a impor.

4. ASPECTOS RELEVANTES SOBRE O JULGAMENTO DE SÓCRATES

            Em seu julgamento relatado por Platão, Sócrates fora acusado, como já antes mencionado, de corromper os mais jovens, cultuar outros deuses e até mesmo de lucrar através dessas atividades – algo que era realizado pelos sofistas –. Sobre essa as acusações proferidas em seu julgamento Marilena Chaui[26] elucida:

Diferentemente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor. Pergunta, não responde. Indaga, não ensina. Não faz preleções, mas introduz o diálogo como forma da busca da verdade. Essa foi a razão de não haver escrito coisa alguma. Dizia que a escrita é muda a que sua mudez cristaliza idéias como verdades acabadas e indiscutíveis. (CHAUI, 2002, p.188).

Em sua defesa Sócrates alega que, sua intenção não era de fazer mal e nem influenciar a ninguém. Toda sua sapiência não advinha de sua culpa, mas sim dos deuses. E mesmo se assim o fosse, dever-se-ia apresentar testemunhas contra ele, o que não ocorreu, pois, nenhum jovem que se sentiu de alguma forma prejudicado por ele, não se apresentou diante de seu julgamento para se vingar ou tentar algo para lhe atordoar. Na tribuna popular onde Sócrates fora julgado havia 501 juízes, em que, 280 foram a favor de sua condenação e 220 eram contra a condenação. Diante de sua condenação Sócrates se demonstra extremamente conhecedor e controlador de suas emoções. Algo que remete ao estilo de filosofia do estoicismo. Que consiste numa abordagem da vida, implica o controle das emoções e a aceitação tanto das forças da vida quanto do destino em um cosmo que, quanto ao mais caótico e imprevisível que fosse[27]. Platão até relata que, ele poderia muito bem estar choramingando ou se lamentando para chamar a atenção dos outros, mas não o faz, pois, seria indigno de sua parte[28]. Sócrates poderia muito bem pagar uma quantia de dracmas – moeda da época – e evitar a sua condenação à pena de morte, porém não o faz, simplesmente pelo fato de que aceitar essa punição significa aceitar suas acusações e isso ele jamais o faria[29]. Muito pelo contrário, preferia a morte a se calar ou aceitar suas acusações caluniosas. Ele considera a fala o bem mais importante do homem, ser impedido de seguir expondo suas idéias significa a mesma coisa que o óbito para ele[30].

5. A IMPORTÂNCIA DO JULGAMENTO DE SÓCRATES

            Já foi dito que o caráter sagrado era extremamente predominante nessa época. Durante esse período a democracia ateniense era mais voltada para os interesses materiais da cidade e não para a sociedade em si. “O povo não tinha o que em linguagem moderna se chama de iniciativa, o senado apresentava-lhes um projeto de decreto, ele podia rejeitá-lo ou aprová-lo, mas não devia deliberar sobre mais nada” [31]. Ou seja, não havia uma preocupação em que se colocassem os valores dos cidadãos em primeiro lugar. A noção de liberdade de expressão desse momento é que, “todos podiam falar, sem distinção de fortuna nem de profissão, mas com a condição de que provasse que gozavam de direitos civis políticos, que não devia ao estado” [32]. Ou seja, de que se provasse a cidadania.

            Sócrates, como já foi ressaltado em sua filosofia, foi o primeiro dentre os filósofos a defender uma nova ordem, acreditava que as regras de conduta estavam gravadas na consciência humana. Colocava a verdade acima do costume, a justiça acima de leis. Distinguia a moral da religião. Antes dele não se concebia o dever senão como um decreto dos deuses antigos. Ele demonstrou que o principio do dever está na consciência do homem[33]. Talvez por isso ele fora julgado. Pelo medo de que essas idéias sendo espalhadas despertassem sentimentos revolucionários que rompessem com a tradição presente.

            Logo após a sua morte, depois do julgamento, nota-se que, além de Platão, outros filósofos vieram e continuaram com o trabalho começado por Sócrates de se fazer pensar sobre a realidade vivida. Fustel de Coulanges em uma passagem de seu livro coloca:

Depois dele, os filósofos discutiram com toda a liberdade os princípios e regras da associação humana. Platão, Críton, Antístenes, Espeusipo, Aristóteles, Teofrasto, e muitos outros, escreveram tratados sobre a política. Buscou-se, examinou-se; os grandes problemas da organização do Estado, da autoridade e da obediência, das obrigações e do direito, apresentaram-se a todos os espíritos. (COULANGES, 1961, p. 576)

A sociedade grega logo em seguida, libertou-se a cada dia que se passava do domínio das velhas crenças e das velhas instituições estabelecidas[34].

Conseguintemente em outra passagem, agora sob a visão do povo em relação à liberdade de expressão, temos:

Os atenienses como diz Tucídides, não acreditavam que a palavra prejudicasse à ação. Pelo contrário sentiam necessidade de serem esclarecidos. A política não era mais, como no regime precedente, um caso de tradição e de fé. Era necessário refletir e pesar as razões. A discussão era necessária, porque toda questão era mais ou menos obscura, e somente a palavra podia pôr a verdade à luz. O povo ateniense queria cada problema lhe fosse apresentado sob todas as suas diversas faces, e que lhe mostrassem claramente os prós e contras. (COULANGES, 1961, p. 535)

Percebe-se que agora, a visão da sociedade grega começa a mudar, e começa a se fundar uma nova ordem política, uma ordem voltada para os interesses públicos, com base na razão e não mais na teologia. Aos poucos todos esses filósofos ajudam a romper com esse paradigma do mundo antigo. E todos eles se espelharam – se nos permite assim dizer – no grandioso e admirável filósofo Sócrates. No mesmo sentido de enfatizar essa mudança temos em Fustel[35]: “A religião primitiva, cujos símbolos eram a pedra imóvel do lar e o túmulo dos antepassados, religião que havia constituído a família antiga, organizando depois a cidade, alterou-se com o tempo, e envelheceu. O espírito humano cresceu em forças, e adotou novas crenças”. (COULANGES, 1961) E em seqüenciado expomos outra[36]:

Que pensar das divindades das primeiras idades, dos mortos, que viviam nos túmulos dos deuses lares, que haviam sido homens, dos antepassados sagrados, que deviam continuar a alimentar como se ainda vivessem? Semelhante fé tornou-se impossível. Tais crenças não estavam mais ao nível do espírito humano. (COULANGES, 1961, p.569-570)

Fica claro a partir desses trechos supracitados que, nesse momento não há mais a mesma ligação entre os cidadãos atenienses e os deuses lares. Agora um novo sentimento aflora. Um sentimento de racionalidade e de valorização do espírito humano, alimentado pelos filósofos que se fizeram valer do exemplo de Sócrates para espalhar novas idéias, idéias de contestação do caráter sagrado adotado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora não fosse seu intento provocar tamanha mudança nas crenças atenienses, o legado filosófico de Sócrates foi de grande influência para transformações de caráter cultural na sociedade grega, que a posteriori, modificou toda a forma com que se concebiam os aspectos políticos e costumes referentes á época. Antes havia o que, estudiosos denominam de sincretismo normativo, ou seja, uma confusão entre religião, moral e direito. Com os valores que se fizeram aflorar no sentimento do povo ateniense, através dos filósofos que procederam a Sócrates, e de várias mutações, no sentido de desenvolvimento com o decorrer do tempo, é que chegamos à forma de Estado que se tem vigente atualmente.

REFERÊNCIAS

BUENO & CONSTANZE. Lei de Drácon, 2008. Disponível em:http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1140&Itemid=44>. Acesso em: 2 de Maio de 2010.

CHAUI, Marilena. Introdução a História da Filosofia. Dos Pré-Socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 2002.

COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Américas S.A. ADAMERIS, 1961.

MORRISON, Wayne. A Filosofia do Direito. 1ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. 1ªed. Martin Claret – Bb.

PLATÃO; XENOFONTE; ARISTÓFANES. Os Pensadores. 1. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

TAVARES, Fernando Horta. O Direito nas Sociedades Primitivas, 2003. Disponível em:<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:QqhNad7mjFYJ:www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/Ano2_08_2003_arquivos/Docente/O%2520Direito%2520nas%2520Sociedades%2520Primitivas.doc+O+Direito+nas+Sociedades+Primitivas&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 3 de Maio de 2010.

WERNER, Jaeger. Paidéia. A Formação do Homem Grego. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

WOLKMER, Antonio Carlos. Direito e sociedades no oriente antigo, 2ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.



[1] Trabalho apresentado ao professor Élton Fogarça,  professor  da disciplina de História do Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2]  Acadêmico do 2º período noturno do Curso de Direito da UNDB ([email protected])

[3]  Acadêmico do 2º período noturno do Curso de Direito da UNDB ([email protected])

[4] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. .São Paulo: Américas S.A. ADAMERIS, 1961.

[5] WOLKMER, Antonio Carlos. Direito e Sociedades no Oriente Antigo. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 22

[6] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. op. cit.

[7] Ibidem

[8] PLATÃO. Apologia de Sócrates. 1ªed. Martin Claret – Bb.

[9] Ibidem

[10] Ibidem p. 26

[11] TAVERES, Fernando Horta. O Direito nas Sociedades Primitivas, 2003. Disponível em:<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:QqhNad7mjFYJ:www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/Ano2_08_2003_arquivos/Docente/O%2520Direito%2520Sociedades%2520Primitivas.doc+O+Direito+nas+Sociedades+Primitivas&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 3 de Maio de 2010.

[12] Ibidem p. 13

[13] Ibidem p. 14

[14] COSTANZE, Bueno Advogados. Lei de Drácon. Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos, 2008. Disponível em:< http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1140&Itemid=44>. Acesso em:  2 de Maio de 2010.

[15] TAVERES, Fernando Horta. op. cit. p. 14

[16] COSTANZE, Bueno Advogados.  op. cit.

[17] TAVERES, Fernando Horta. op. cit. p. 15

[18] TAVERES, Fernando Horta. O Direito nas Sociedades Primitivas, 2003. Disponível em:http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:QqhNad7mjFYJ:www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/Ano2_08_2003_arquivos/Docente/O%2520Direito%2520Sociedades%2520Primitivas.doc+O+Direito+nas+Sociedades+Primitivas&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 3 de Maio de 2010.

[19] CHAUI, Marilena. Introdução a História da Filosofia. Dos Pré-Socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 2002. p. 188

[20] WERNER, Jaeger. Paidéia. A Formação do Homem Grego. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. .p. 493 e 494

[21] Ibidem p. 189

[22]  CHAUI, Marilena. Introdução a História da Filosofia. Dos Pré-Socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 2002. 191

[23] Ibidem  p. 202

[24] Ibidem p. 203

[25] Ibidem

[26] CHAUI, Marilena. Introdução a História da Filosofia. Dos Pré-Socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 2002.

[27] MORRISON, Wayne. A Filosofia do Direito. 1ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[28] PLATÃO. Apologia de Sócrates. 1ªed. Martin Claret – Bb. p. 25

[29] WERNER, Jaeger. Paidéia. A Formação do Homem Grego. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

[30] PLATÃO. op. cit.

[31] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Américas S.A. ADAMERIS, 1961. p. 531

[32] Ibidem p. 531

[33] Ibidem p. 576

[34] Ibidem p 535

[35] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Américas S.A. ADAMERIS, 1961. p. 531

[36] Ibidem p. 569 e 570