O HAICAI E A POESIA NA OBRA DE ALICE RUIZ

Por elenice ferro | 28/01/2011 | Literatura

DESORIENTAIS: O HAI-KAI NA OBRA DE ALICE RUIZ

Elenice FERRO (PG. ? UNIPAN/UNIBAN)
Professor Mestre Paulo Cesar FACHIN (PG. ? UNIPAN/UNIBAN)


RESUMO: O livro Desorientais, de Alice Ruiz, assume através da poética uma criação da estilística própria dos poemas haicais. A partir de conceitos e evolução dos poemas existentes nesta obra, desenvolve-se o referencial, a influência, a estrutura, a estética e da criação poética dessa autora. Com essa pesquisa, espera-se divulgar a obra, os poemas haicais poucos conhecidos e difundidos no meio acadêmico, aprofundar os conhecimentos presentes nesta obra, entre outros autores. Desenvolver a evolução dos haicais no Brasil e suas essências alem de uma análise da obra desse autor e seus temas abordados construindo dessa forma uma reflexão poética, sobre os haicas. Ao longo de sua obra Alice Ruiz impressiona pela objetividade pela percepção das coisas e forma como a vimos. Contudo os haicais com sua simplicidade e forma simples de escrever, nos transmitem muito mais do que sabedoria, nos convida para viajarmos em seu sentido e denotação, desde o seu título até sua influência, criando-se assim um estilo único de fazer poesia. A arte da poesia de Alice Ruiz nos faz refletir e exercitar o poder que a sua brevidade nos transmitem, embora seu significado seja muito mais que isso.

PALAVRAS-CHAVE: Haicai, Poesia, Literatura Brasileira, Alice Ruiz.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é desenvolvido a partir de pesquisas bibliográficas dos poemas haicas, presentes na obra de Alice Ruiz. Partindo do conceito, podemos citar que haicai é uma pequena poesia com métrica e molde orientais, surgida no século XVI, muito difundida no Japão e expandiu-se também no Brasil a partir de sua publicação significativa de um ensaio de Afrânio Peixoto, em 1928, intitulado como "O haicai japonês ou epigrama lírico - um ensaio de naturalização".
Em sua particularidade o Haicai enfatiza o sentimento natural e milenar de apreciar a natureza através da arte da poesia, é uma forma única que possui uma longa história que se volta para a harmonia da filosofia espiritualista e o simbolismo dos místicos orientais. Isso ocorre na tentativa que eles buscavam para expressarem seus pensamentos através da forma poética, voltando-se para o ser humano e para a natureza.
Esta antiga forma poética continua revelando ainda hoje a sua sensibilidade através dos haicais, de uma forma simples e pura, baseando unicamente na arte.
O tema dessa pesquisa é relevante entre outras coisas a pouca exploração no meio acadêmico, e também pela forma e autenticidade própria dos poemas haicais, tendo como referência a ser estudada a obra de Alice Ruiz Desorientais.
Sendo assim, a partir de conceitos e suas essências do haicai, pretende-se desenvolver uma reflexão crítica e autentica voltada para a obra desse autor, utilizando para essa análise, características típicas e expressões literárias do haicai e da obra Desorientais.

O CONCEITO DE HAICAI SUA ESTRUTURA E EVOLUÇÃO

Define-se o haicai como um poema de 17 sílabas, disposto em três linhas, com versos de cinco, sete e cinco sílabas, contendo um kigô - palavra que se refere a uma estação do ano, indicando quando foi escrito. O tema Haicai geralmente faz menção à natureza, contendo em sua essência um momento de reflexão e autenticidade.
Podemos citar como o mais tradicional poeta deste estilo, o monge Zen Matsuo Basho, que aperfeiçoou o estilo dos haicais e divulgou suas obras no final do século XVII. Assim conta a historia da literatura japonesa, dividida em vários períodos. Em primeiro momento, Nara, que durou aproximadamente de 710 a 794 (d.C.). Depois de influenciados pela poesia chinesa, passou a escrever o uta, que significa canção, o uta passou a ser chamado de waka e finalmente de tanka (poesia curta e elegante), recebendo o nome de tan renga, os poetas adicionaram novas estrofes criando assim um poema mais longo, que passou a ser renga. A renga, que tinha o objetivo humorístico, era praticada por Basho com seus discípulos durante as viagens.
Basho a partir daí a definiu como hokku a estrofe de três linhas que iniciava a renga e de haicai as demais estrofes. O hokku passou a ter maior profundidade e a enfocar também o momento do haicai, ou seja, demonstrar a emoção e sensação de que falamos tanto e que um haicai em sua essência deve possuir.


No final do século XIX, Basho já era considerado um mito, e outros mestres do haicai surgiram dando novo rumo para eles. Nesse momento surge o quarto mestre, Masaoka Shiki, que combinando o haicai e hokku, surgiria haiku, que se popularizou e se tornou uma forma independente da renga.


HAICAI NO BRASIL, AUTORES E ESTÉTICAS

O primeiro autor brasileiro de Haicai foi Afrânio Peixoto, em 1919, através de seu livro Trovas Popular Brasileiras. Dotado de personalidade fascinante, Afrânio prendia a atenção das pessoas e auditórios pelas suas palavras inteligentes e pelo domínio de oratória. Afrânio Peixoto obteve, na época, grande aprovação de crítica e prestígio popular. Nesse Livro Afrânio prefaciou: "Os japoneses possuem uma forma elementar de arte, mais simples ainda que a nossa trova popular: é o haikai, palavra que nós ocidentais não sabemos traduzir senão com ênfase, é o epigrama lírico. São tercetos breves, versos de cinco, sete e cinco pés, ao todo dezessete sílabas. Nesses moldes vazam, entretanto, emoções, imagens, comparações, sugestões, suspiros, desejos, sonhos... de encanto intraduzível".
Com sua própria interpretação da rígida estrutura de métrica , rimas e título, surgiu Guilherme de Almeida, que popularizou o haicai, propondo um esquema: o primeiro verso rima com terceiro, e o segundo verso possui uma rima interna (a segunda rima com a sétima sílaba). Guilherme de Almeida, no ano de 1929, havia publicado Poesia Vária, mas o livro não era exclusivamente de haicais.A forma de haicai de Guilherme de Almeida conquista ainda hoje muitos praticantes no Brasil.
Mas foi na década de 1930 que aconteceu o intercâmbio e difusão do haiku entre haicaístas japoneses e brasileiros, constituindo-se, assim, outro caminho do haikai no Brasil. Foi nesta década também que apareceu a mais antiga coletânea de haicais chamada simplesmente Haicais, de Siqueira Júnior, publicada em 1933. Fanny Luíza Dupré foi a primeira mulher a publicar um livro de haicais, em fevereiro de 1949, intitulado Pétalas ao Vento ? Haicais. Podemos resumir as rotas do haikai no Brasil cronologicamente da seguinte forma:
· Em 1879, através do livro Da França ao Japão, de Francisco Antônio Almeida.
· Em 1908, através da chegada dos imigrantes japoneses ao porto de Santos.
· Em 1919, através do livro Trovas Populares Brasileiras de Afrânio Peixoto.
· Em 1926, através do cultivo e difusão do haiku dentro da colônia por Keiseki e Nenpuku.
· Na década de 1930, através do intercâmbio entre haicaístas japoneses e brasileiros, principalmente pelo próprio H. Masuda Goga.

Com a ambientação e a difusão do haiku em língua portuguesa, algumas correntes de opinião sobre este se formaram:
· A corrente dos defensores do conteúdo do haiku;
· A corrente dos que atribuem importância à forma;
· A corrente dos admiradores da importância do kigo.
Os defensores do conteúdo do haiku são aqueles que consideram algumas características do poema peculiares, como a concisão, a condensação, a intuição e a emoção, que estão ligadas ao zen-budismo. Oldegar Vieira é um haicaísta que aderiu a essa corrente.
Os que consideram a forma (teikei) a mais importante seguem a regra das 17 sílabas poéticas (5-7-5). Guilherme de Almeida não só aderiu a essa corrente como criou uma forma peculiar de compor os seus poemas chamados de haikais "guilherminos". Abaixo, a explicação da forma conforme o gráfico que o próprio Guilherme elaborou:
_______________ X
___ O ______________ O
_______________ X
Além de rimar o primeiro verso com o terceiro e a segunda sílaba com a sétima do segundo verso, Guilherme dava título aos seus haicais. Exemplo (GOGA, 1988, p. 49):
Histórias de algumas vidas

Noite. Um silvo no ar,
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.
Os admiradores da importância do kigo respeitam em seus haicais o termo ou palavra que indique a estação do ano. Jorge Fonseca Júnior é um deles. Apesar de existirem essas distinções retratadas aqui como correntes, nomes como os de Afrânio Peixoto, Millôr Fernandes, Guilherme de Almeida, Waldomiro Siqueira Júnior, Jorge Fonseca Júnior, Wenceslau de Moraes, Oldegar Vieira, Abel Pereira e Fanny Luíza Dupré são importantes na história do haikai no Brasil.


Podemos destacar o poema de Alice Ruiz:
fim do dia
porta aberta
o sapo espia

Oficialmente um movimento marcou o Brasil, em 1956 inaugurado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, o movimento concreto brasileiro, este tinha por objetivo o mais polêmico, a abolição do verso e a sua substituição por estruturas ideogramáticas. Onde os poemas seriam compostos pela organização espacial de palavras e letras no espaço de papel, este influenciado pelas idéias de Ezra Pound. Mas apesar desse estudo o movimento desempenhou papel importantíssimo na história do Haicai no Brasil, ganhou espaço e estudo sério entre os intelectuais brasileiros.
Dentre os mais importantes podemos citar Paulo Leminski, ele foi influenciado pelas técnicas ideogramáticas do movimento concreto quanto pela contracultura dos anos 60, como tinha conhecimento de língua japonesa, conseguiu traduzir do original. Nos anos 80 publicou uma biografia de Bashô- A lágrima do Peixe, que ajudou a divulgar e a popularizar o haicai no Brasil.
Outro marco importante foi em 1986, a revista Portal instituiu o primeiro Encontro Brasileiro de haicai em São Paulo, tendo um único objetivo discutir o haicai brasileiro e o interesse pela cultura japonesa. Como um dos resultados, alguns dos participantes se compromissaram a fundar um grupo de estudos de haicai, que foi inaugurado em 1987 com o nome de Grêmio Haicai Ipê. Este grupo era inicialmente liderado pelo haicaísta H. Masuda Goga, pelo poeta Roberto Sato, e pelo jornalista Francisco Handa. Em 1996, publicam "Natureza-Berço do haicai", o primeiro dicionário de palavras de estação em português no mundo.
Nos dias atuais a comunidade de haicaístas japoneses no Brasil convive com um grave problema que é a idade de seus membros. Com a integração dos descendentes de japoneses à comunidade brasileira, decresce o interesse em conhecer a língua japonesa, com isso não ocorre renovação do haicaístas. Esse fato não se torna mais problemático porque os poetas brasileiros têm cada vez mais interesse em escrever os Haicais da forma tradicional, assim podemos preservar e enriquecer a escrita.



VIDA E OBRA DE ALICE RUIZ

Alice Ruiz nasceu em Curitiba, no Paraná, em 22 de janeiro de 1946, começou sua vida de escritora aos 9 anos, seus primeiros contatos com contos e aos 16 anos, versos. Mas Alice somente dez anos depois, publicou em revistas e jornais alguns de seus poemas, e somente aos 34 anos lançou seu primeiro livro.
Em 1968, conheceu o poeta Paulo Leminski, com quem se casou e teve três filhos: Miguel, Áurea Alice e Estrela. Foi Leminski que mostrou a Alice que ela escrevia Haicais, termo que ela própria não conhecia. Passou então a estudar com profundidade o haicai e seus poetas, tendo traduzido quatro livros de autores e autoras japonesas, nos anos 1980. Desse casamento também surgiu outra parceria. Alice e Leminski integraram o grupo musical "A chave". Foi nesse período que Alice escreveu sua primeira letra de música, em parceria com o marido. Ela compõe desde os 26 anos, sua primeira escrita se chamou de "Nóis Fumo"que posteriormente em 2004 seria gravada por Mário Gallera. Hoje Alice tem mais de 50 músicas gravadas por intérpretes, lançando seu primeiro CD, Paralelas, em 2005 com as participações especialíssimas de Zélia Duncan e Arnaldo Antunes.
Antes da publicação de seu primeiro livro, Navalhanaliga, em dezembro de 1980, já havia escrito textos feministas, no início dos anos 1970 e editado algumas revistas, além de textos publicitários e roteiros de histórias em quadrinhos. Alguns de seus primeiros poemas foram publicados somente em 1984, quando lançou "Pelos Pêlos". Já ganhou vários prêmios, incluindo o Jabuti de Poesia, de 1989, pelo livro Vice Versos e o Jabuti de Poesia, de 2009, pelo livro Dois em Um.
Sempre compondo e produzindo, Alice participou do projeto Arte Postal, pela Arte Pau Brasil; da Exposição Transcriar - Poemas em Vídeo Texto, no III Encontro de Semiótica, em 1985, SP; da Poesia em Out-Door, Arte na Rua II, SP, em 1984; Poesia em Out-Door, 100 anos da Av. Paulista, em 1991; da XVII Bienal, arte em Vídeo Texto e também integrou o júri de 8 encontros nacionais de haicai, na cidade de São Paulo. Além disso, a autora já publicou 15 livros, entre poesia, traduções e até história infantil.






APRESENTACÃO DA OBRA

O livro Desorientais de Alice Ruiz é um diário poético onde a escritora expressa seus sentimentos nos dias e noites vividos por ela, revelados no livro em forma de haicais. Segundo Alice Ruiz cada verso é a expressão sincera e única de momentos em que ela deixou se entregar com a alma em estado de "grata aceitação". Tudo o que foi escrito foi vivido e transpirado de sua alma, nada é irreal ou inventado.
Esta obra esta dividida em três partes: "Eus", "Eles, Elas, Elos", e "Eros". A apresentação é de José Miguel Wisnik e Arnaldo Antunes.

À parte "EUS" corresponde aos haikais mais dentro das regras nipônicas, onde o "Eu" não deve aparecer, e o tema é a natureza. Daí o plural, para dissolver o "eu" em todos. Deixa de existir o um, nesse plural.ELES, ELAS, ELOS é uma parte mais pessoal,onde, muitas vezes, me inspiro em pessoas,mais na natureza humana e onde entram as parcerias. À parte EROS é a mais pessoal de todas,várias regras são quebradas, na maior parte dos casos.Mas é o espaço para o haikai mais "brasileiro", isto é, com o nosso jeitinho. (RUIZ, 2010.)

Em cada página Alice soube expor uma maneira pessoal de se relacionar com as formas mínimas chamada de haicai, ao mesmo tempo seu desafio de nomear o livro de Desorientais, adicionando o humor e simultaneamente um toque de seriedade e beleza, transformando o livro que passa a ser abreviado em sintaxe, mas rico em suas particularidades.
Em relação ao título Desorientais podemos citar vários significados mas destacamos o que ressalta e exprime o verdadeiro sentido: desorientado, desviar-se, desencaminhado, Alice Ruiz em seu livro exprime seus sentimentos inseridos na ocasião momentânea por ela vivida e vivenciados.









CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou chegar ao estudo mais completo dos haicais em particular o livro Desorientais de Alice Ruiz, sentindo a necessidade para trabalhar e entender melhor a proposta do haicai, que segundo a autora é a contemplação de fragmentos da vida cotidiana, devendo-se acima de tudo entender a própria história.
Desta forma, essa análise procurou resgatar o conceito do haicai no Brasil e seus respectivos autores, estudar em especifico a obra Desorientais de Alice Ruiz, compreender as relevâncias necessárias para apreender mais amplamente o objeto de estudo, e desenvolver para futuros aproveitamentos deste conteúdo.
Neste sentido, considerando a pesquisa enfocando os haicais e sua história , busca-se aprender e facilitar melhor o ensino em especial a Literatura Brasileira.




















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. 48 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
http://www.recantodasletras.com.br/autores/mardile 03 de julho de 2010
http://pt.wikipedia.org 03 de julho
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 46. ed. São Paulo: Nacional, 2005.
RUIZ S.,Alice. Desorientais:hai-kais. 5.ed.-São Paulo:Iluminuras, 2001.
http://www.sumauma.net/haicai/haicai-teoria.html 03 de julho de 2010