O ENSINO DE MATEMÁTICA NO PROEJA

Por Lucianne Oliveira Monteiro Andrade | 02/07/2010 | Arte

Dr. José Roberto Linhares de Mattos
Instituto de Matemática - Universidade Federal Fluminense e PPGEA-UFRRJ
jrlinhares@vm.uff.br

M.Sc. Lucianne Oliveira Monteiro Andrade
Instituto Federal Goiano-Campus Ceres e PPGEA-UFRRJ
lucianne.andrade@hotmail.com

Comunicação Científica

RESUMO
O objetivo deste trabalho é contribuir para a discussão sobre o processo de ensino e aprendizagem da matemática em escolas brasileiras que oferecem o Programa de Integração da Educação Profissional e Técnica de Nível Médio na Modalidade de Jovens e Adultos - PROEJA. A pesquisa foi realizada com os alunos do PROEJA do Instituto Federal Goiano ? Campus Ceres. As discussões foram direcionadas pela linha de pesquisa em EJA e Educação Matemática. Assumindo que as pessoas atendidas pelo PROEJA são formadas por alunos-trabalhadores, em muitos casos, fora do ambiente escolar há muito tempo, surgem questões que precisam ser respondidas. Veremos o modo como conduzimos as aulas e apresentaremos exemplos de pequenos projetos onde aplicamos a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a análise das experiências reais dos estudantes em outras disciplinas e no seu cotidiano.

Palavras-chave: PROEJA; Alunos-Trabalhadores; Educação Matemática; Projetos.

INTRODUÇÃO

"A gente quer inteiro e não pela metade".
(Comida, Titãs)

O ensino da Matemática ao público do PROEJA traz como desafio a mudança da nossa prática no cotidiano escolar, sendo necessário utilizar ferramentas metodológicas que valorizem o conhecimento de forma não fragmentada, privilegiando a participação ativa desses alunos e suas contribuições através das experiências que trazem de seu trabalho, de suas compras, de suas despesas, enfim, do seu cotidiano. Assim, é preciso pensar em respostas para algumas questões, tais como: É possível garantir um ensino de qualidade para pessoas que estão afastadas da escola há vários anos? O PROEJA será mais uma inclusão precária? Haverá tempo para trabalhar todos os conteúdos necessários para que essa formação seja de qualidade? Quais experiências esses alunos trazem? Que experiências metodológicas usar para facilitar a aprendizagem?
Com relação aos objetivos de ensino que devemos ter como educadores na área de Matemática para jovens e adultos e de que precisamos de certa liberdade na constituição de um currículo específico para alunos da EJA, Fonseca (2002, p. 64) diz que "é preciso, entretanto, avançar em alguns pontos cruciais como a discussão dos critérios de seleção dos conteúdos a serem contemplados, e principalmente, o tratamento que se deve conferir aos saberes populares".
Para que a aprendizagem da Matemática realmente aconteça é preciso compreender a forma como é feita a interação entre a bagagem de saberes do jovem e adulto e o que é ensinado formalmente na escola. Fantinato (2006) diz,

A interação, portanto, entre esses conhecimentos construídos ao longo da vida, muitas vezes de maneira informal e os conhecimentos matemáticos escolares, passa a ser uma questão fundamental a ser elucidada, no sentido de vir a contribuir para as práticas pedagógicas em educação de jovens e adultos. (FANTINATO, 2006, p. 176)

Sendo assim, há alguns pontos que devem ser pensados: Como criar um ambiente de estudo que estimule a motivação nesses alunos, que dependem da Escola Pública, tornando-os sujeitos aptos a discutir a realidade em que agora estão inseridos, incluindo os conteúdos do programa de ensino médio profissionalizante? Que mudanças metodológicas devem ser feitas no ensino da Matemática para que esses alunos vençam o grande desafio de aprender de forma integrada? Como utilizar suas vivências para a construção de sua própria aprendizagem? Que ferramentas utilizar para que esses alunos entendam a aprendizagem da Matemática escolar como acessível e vinculada a suas vidas?
O principal objetivo que temos quando nos propomos à atividade docente é a de funcionar no processo de ensino e aprendizagem como um facilitador para que o aluno construa seus conhecimentos e desenvolva suas habilidades de forma constante, que conquiste autonomia intelectual, de expressão, de comunicação, que participe ativamente e colabore com o grupo que faz parte como um auxiliar dos colegas e do próprio professor. Paulo Freire (1992) fala sobre a conscientização do professor para transformar a realidade da educação popular:

O que me parece finalmente impossível, hoje como ontem, é pensar, mais do pensar, é ter uma prática de educação popular em que, prévia e concomitantemente, não se levem a sério problemas como: que conteúdos ensinar, a favor de que ensiná-los, a favor de quem, contra que e contra quem. Quem escolhe os conteúdos e como são ensinados. Que é ensinar? Que é aprender? Como se dão as relações entre ensinar e aprender? Que é o saber de experiência feito? Podemos descartá-lo como impreciso, desarticulado? Que é o professor? Qual seu papel? E o aluno, que é? E o seu papel? [...] Como entender, mas, sobretudo viver, a relação prática-teoria sem que vire frase feita? [...] Como trabalhar a relação linguagem-cidadania? (FREIRE, 1992, p. 135-136)


PROEJA: DESAFIO PROPOSTO AOS EDUCADORES

O PROEJA foi instituído pelo Decreto Federal n° 5.478/2005, posteriormente substituído pelo 5.840/2006, que obrigou todas as instituições da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica a destinarem no mínimo 10% das vagas existentes para o atendimento do público jovem e adulto. O Programa pretende oferecer qualificação profissional e elevação da escolaridade, visando atender a trabalhadores, acima de 18 anos com trajetórias escolares interrompidas ou descontinuadas, sem a formação profissional formal. Entende-se que é uma educação voltada para trabalhadores e que os mesmos já possuem uma vivência rica. Segundo Eliezer Pacheco, Secretário de Educação Profissional e Tecnológica:

Com o PROEJA busca-se resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro, milhões de jovens e adultos possibilitando-lhes acesso a educação e a formação profissional na perspectiva de uma formação integral. O PROEJA é mais que um projeto educacional. Ele, certamente, será um poderoso instrumento de resgate da cidadania de toda uma imensa parcela de brasileiros expulsos do sistema escolar por problemas encontrados dentro e fora da escola. Temos todas as condições para responder positivamente a este desafio e pretendemos fazê-lo. (Documento Base do PROEJA, 2006, p. 6)

Para preparar os educadores, visando melhor atender a esse novo público em suas especificidades, em agosto de 2006 o MEC/SETEC/ CEFET-MG passou a oferecer o Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, do qual participamos.
Dos professores do Curso foram dadas respostas sobre a nova modalidade de ensino ser uma inclusão precária: "Corre-se o risco, mas não o rejeitemos de início. Precisamos fundamentar, usando metodologias, sem preconceitos. É um desafio!" (...) "É preciso problematizar experiências. Registrar essa prática." (...) "Fazer um nivelamento para direcionar para a EJA de ensino médio. Adequar-se ao público, atender aos interesses dos alunos." (...) "Educação é um direito! A palavra chave para a educação de jovens e adultos é flexibilidade".
Uma das propostas para os alunos da Especialização era a de sermos "multiplicadores" em nossas escolas dos estudos e discussões feitos em cada semana de formação. Passamos a organizar reuniões pedagógicas onde repassávamos o que havia sido discutido e as sugestões dos professores do Curso, depois ouvíamos as experiências e dificuldades dos colegas em seu trabalho com esse novo público. Cada professor colocava quais conteúdos iria trabalhar para que pensássemos na melhor forma de adequar, de integrar os planos de aula e assim proporcionar aos nossos alunos-trabalhadores, uma formação profissional e elevação de escolaridade com qualidade. Atualmente fazemos parte do grupo de estudo do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos ? PROEJA/CAPES/SETEC, com reuniões periódicas para discutirmos e relatarmos nossas experiências.


REFLETINDO SOBRE O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Ao retornarem à escola, os jovens e adultos, em sua grande maioria, trazem consigo o estigma apreendido nas relações sociais e do senso comum que a aprendizagem da Matemática é algo não muito atraente. Segundo Bail (2002, p. 84) nessa fase da vida escolar, "faz-se necessário uma metodologia de ensino que priorize a análise de situações da atividade de trabalho dos alunos extraindo dali noções, idéias e princípios dos conhecimentos matemáticos escolares". Então, precisamos refletir sobre quem é nosso aluno para buscar alternativas que o ajude a conhecer os conceitos matemáticos que o cercam.
Partimos então para a busca de respostas à questão que julgamos imprescindível para atender aos interesses desse público: Quais estratégias metodológicas devem ser utilizadas para possibilitar a integração entre o conteúdo matemático escolar e as experiências desses alunos? D?Ambrosio (2005, p. 63) fala da necessidade de que haja "o reconhecimento da subordinação dos conteúdos programáticos à diversidade cultural. [...] aprendizagem está implícita ao desenvolvimento de novas metodologias".
Percebemos a necessidade de uma proposta de ensino que seja desenvolvida com metodologias diversificadas que tratem os conteúdos a serem apresentados aos alunos de forma contextualizada. É necessário, segundo Carraher e Carraher (2006, p. 12) "a utilização de conhecimentos de vida prática, referentes à sua vivência no trabalho e na comunidade da qual fazem parte". Com relação ao uso do pensamento matemático na resolução de um problema prático, defende que:

A matemática que um sujeito produz não é independente de seu pensamento enquanto ele a produz, mas pode vir a ser cristalizada e tornar-se parte de uma ciência, a matemática, ensinada na escola e aprendida dentro e fora da escola. (CARRAHER E CARRAHER, 2006, p. 11).

A escola precisa levar em conta que está inserida em uma comunidade, fazendo parte de um contexto social, logo, para formar democraticamente jovens e adultos responsáveis por suas conquistas, cidadãos críticos, preparados para a vida e numa expectativa de educação integral e permanente, é importante que a Matemática não esteja desvinculada das necessidades sociais. Sendo que paralelamente, conforme Duarte (2006, p. 9), não se pode perder de vista que "o objetivo central da atividade daquele que se propõe a ensinar Matemática é o ensino desta. [...] senão as camadas populares continuam sem o domínio dessa ferramenta cultural".
Nesse sentido, para que a aprendizagem dos conteúdos matemáticos não seja negada aos alunos é de suma importância que sejam utilizadas ferramentas didáticas que proporcionem que tais conteúdos sejam assimilados. Decidimos adotar para a turma do PROEJA o mesmo livro didático, oferecido pelo MEC, Matemática: ciência e aplicações (IEZZI, et al., 2004), que estava sendo usado na escola pelos alunos do Curso de Agropecuária Integrado ao Ensino Médio. Material para ser usado como fonte de pesquisa e resolução de exercícios. Iniciamos o trabalho e percebemos que as experiências trazidas pelos alunos eram de uma riqueza muito grande e que precisavam ser contempladas e inseridas a todo o momento durante as aulas. Sendo assim, o livro didático passou a ser apenas um coadjuvante durante o processo de ensino e aprendizagem.
Segundo Bail (2002, p. 24) "Aliada à escolaridade, está a necessidade da apropriação de saberes relativos à organização do trabalho e produção, já que as funções repetitivas e extenuantes estão sendo transferidas para a máquina". Nesse sentido, por estarmos em uma instituição cujas atividades escolares estão voltadas para o Ensino Técnico e Tecnológico e atuando no PROEJA em Agroindústria, Manutenção e Suporte em Computadores e Administração, os vários conhecimentos devem estar ligados. Precisamos explorar as várias disciplinas, técnicas ou não, e suas relações com a Matemática. Observamos os alunos durante as aulas das demais disciplinas do curso e passamos a visualizar possibilidades de integração das disciplinas com projetos interdisciplinares.
Os alunos traziam propostas que poderiam ser transformadas em pequenos projetos, tornando a aprendizagem mais significativa, já que tais projetos poderiam estar associados às suas vivências e experiências de trabalho deles. Temos como exemplo os projetos sugeridos e executados pelos alunos: Ciclismo e Meio Ambiente: Uma questão de saúde, A influência do Associativismo e Cooperativismo na Extensão Rural, O pedreiro e a modelagem matemática, O mecânico e a modelagem matemática, O Lar de Idosos de Ceres e suas histórias e Mandioca: raiz de raízes. Estes projetos foram apresentados na XI Feira de Ciências e V Mostra de Ciências e Tecnologia do IFGoiano-Ceres, em outubro de 2009, dos quais 3 foram premiados. Vários assuntos e conteúdos foram discutidos e apresentados pelos alunos através desses projetos mostrando à comunidade o que são capazes de produzir.
Esse tipo de atividade pesquisada e executada pelos alunos é a resposta dada por eles quando propusemos o ensino da matemática que privilegiou o conhecimento trazido por eles ? uma educação continuada, voltada para trabalhadores, que já possuem uma vivência rica ? fazendo com que se sentissem estimulados a participarem ativamente das aulas e atividades propostas. Mostraram-se curiosos e excelentes pesquisadores tanto em atividades individuais como em grupo, na organização dos projetos de pesquisa e em sua apresentação. Assim, vimos que é possível que a escola contribua positivamente para a formação de sujeitos mais críticos, criativos e autônomos, responsáveis por suas conquistas, melhor preparados para participar das transformações que têm ocorrido no mundo do trabalho. Entendemos que a Matemática deve estar inserida nas conquistas desses alunos, atuando de forma significativa, dando ênfase à oralidade em todos os momentos e sempre vinculada às necessidades sociais desses sujeitos.
Kuenzer (2007) fala sobre a necessidade da escola, em especial a profissionalizante, adaptar-se às novas exigências de formação do trabalhador:

(...) um novo projeto, em que a repetição, a memorização, (...) sejam substituídas pelo domínio das habilidades comunicativas, pelo raciocínio lógico, pela capacidade de discernir, de criar, de comprometer-se, de trabalhar com a informação, de construir soluções originais, e, principalmente, de duvidar, de não se satisfazer e, em decorrência, de educar-se continuamente. (KUENZER, 2007, p. 66)

Percebemos então, a necessidade de desenvolver para esse aluno-trabalhador um ambiente para estimular seu raciocínio e que favoreça a compreensão da Matemática que o rodeia. Utilizamos durante as aulas informações encontradas pelos alunos em panfletos de lojas e supermercados, jornais, revistas de circulação semanal, notícias da internet, contas de água e luz, carnês e outras. Determinamos um momento da aula para que apresentassem aos colegas o que haviam trazido para a aula, outro momento para a elaboração de problemas em grupos, e posteriormente fazíamos o rodízio dos problemas como forma de socializá-los e descobrir outras possíveis formas de resolução.
Para desenvolver o senso crítico, o respeito, a solidariedade e a autoconfiança em seus discursos promovemos debates utilizando textos atualizados que falavam da realidade política e social e dali extraímos situações-problemas que deveriam ser discutidas em grupo e apresentadas aos demais grupos possíveis soluções às questões que lhes eram propostas.
Concordamos com o conteúdo encontrado no relatório elaborado pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI para a UNESCO, Delors (2003, p. 89-102) quando apresenta os quatro pilares de uma educação para o século XXI de forma bastante clara e associando-os às novas informações que estão diante de todos. Diz que cada vez mais a educação deve transmitir de forma maciça e eficaz os saberes e saber fazer e que devem ser desenvolvidos projetos individuais e coletivos, de modo a conhecer a si mesmo e ao outro.
Com a realização de cada uma das atividades citadas, acreditamos que a aprendizagem da Matemática, sua relação com as demais áreas de estudo e com a vida, torne-se mais evidente para os alunos do PROEJA, tornando-os capazes de lidar com o conhecimento e utilizá-lo quando se fizer necessário.


OS ALUNOS DO PROEJA: DEPOIMENTOS

Os alunos que fazem parte das turmas de PROEJA são trabalhadores atuando como empregadas domésticas, donas de casa, vendedores, balconistas, pedreiros, mecânicos e vigilantes. As entrevistas e depoimentos que serão relatados denominarão os alunos entrevistados com a letra inicial de seu nome. Nos depoimentos coletados observamos a grande importância dada pelos alunos à oportunidade de fazer parte do PROEJA, de voltar a estudar.

M: Estou gostando muito do curso. A escola é muito boa, os professores também. Então posso pensar a partir de agora numa mudança de vida. Quero terminar curso e melhorar de emprego.

F: Vou sair daqui formada em Agroindústria. Até nas aulas de matemática a gente tá aprendendo a defender um ponto de vista e a ouvir a opinião do colega quando um assunto é colocado em debate. E isso ajuda muito até na hora de fazer uma entrevista de emprego e também quando a gente for defender o projeto no fim do curso.

Esquincalha (2007, p. 91) afirma que "podemos utilizar as experiências individuais para alicerçar muitas discussões sobre os conceitos matemáticos formais em sala de aula, dando liberdade aos alunos para que falem e conheçam as experiências dos colegas". Freire (1996, p. 113) deixa aos educadores a seguinte recomendação: "Para saber ensinar, é preciso saber escutar". É preciso ouvir o aluno, dialogar, agrupar sua vivência ao conteúdo a ser trabalhado. Conhecer os alunos, seus sonhos, perspectivas futuras e expectativas quanto ao curso. Assim teremos subsídios para contribuirmos na formação de cidadãos participantes e transformadores de sua realidade.
Com relação à visão que eles têm da sua representação na sociedade, obtivemos respostas, tais como:
G: Agora que voltei a estudar, posso andar de cabeça em pé. Lá em casa, até meu neto está me respeitando mais. Antes ele me falava das coisas dele na escola e eu nem dava muita importância, não tinha muita compreensão do que ele falava principalmente na matemática. Esses dias pra trás, ele reclamou que estava com dificuldade numas ?continhas que tinha que achar o valor da letra?, daí fui lá pra ver e notei que ele tava tentando resolver uma equação do 1° grau, que nós tínhamos aprendido na outra semana. Aí eu consegui explicar pra ele, foi quando eu percebi que era útil pra ele. Eu fiquei orgulhosa de mim mesma e sempre levo minhas notas pra ele ver. Mesmo com 59 anos, ainda vou fazer faculdade.

Sobre o processo ensino-aprendizagem ou processo de transmissão-assimilação, Saviani (1994, p. 79) afirma que para tal processo ocorrer "é necessário considerar professor e aluno como agentes sociais, transformadores da realidade". Gadotti (2003) fala sobre a força que a Escola Cidadã e nós educadores temos para fazer a diferença na história educacional e de vida de nossos alunos:

O poder do professor está tanto na sua capacidade de refletir criticamente sobre a realidade para transformá-la quanto na possibilidade de formar um grupo de companheiros e companheiras. (...) Elas apontam para um mesmo projeto de futuro, para construção de uma sociedade educadora-educanda, humanizada, emancipada e solidária. (GADOTTI, 2003, p. 9)

Através dos questionários e entrevistas verificamos os fatores que os levaram a se afastar da escola. A causa maior de afastamento é a dificuldade financeira. A história escolar e de vida da maioria das alunas fica evidenciada no depoimento a seguir:

D: Fiquei 10 anos longe dos estudos primeiro porque casei muito cedo, aos 17 anos, e aí já veio logo um filho, outro e outro. Aí tive que trabalhar de doméstica durante o dia, pra ajudar nas despesas da família e só sobrava tempo de cuidar das crianças à noite, e aí eu nem podia pensar em estudar, né? Mas agora eu estou de volta e com fé em Deus, vou até o fim.


Valorizar o aluno como sujeito ativo do seu processo de formação, priorizando uma aprendizagem que esteja inserida nos contextos social, econômico e cultural, segundo Bail (2002, p.51) "buscando a superação do formalismo matemático predominante nos meios escolares, das possibilidades e limitações de uma vivência pedagógica que se aproxime das necessidades do aluno jovem e adulto sem deixar de priorizar o conhecimento como ciência".
Seguem alguns depoimentos dos alunos dados no decorrer do projeto:

W: Sabe, quando eu comprei a minha caixa d?água de 1000 L, nem sabia que o volume dela era de 1 m³. Aqui eu aprendi. Agora sei olhar direitinho o consumo de água lá de casa. Ah, e também já sei por que é que antena parabólica tem esse nome.

A: Professora, eu sempre usei o esquadro desde muitos anos que trabalho de pedreiro, usando sempre a relação das medidas dos lados retos 3, 4 e 5 ou

também 6, 8 e 10 e ainda dá certo com 30, 40 e 50, mas não sabia que existia uma parte da matemática que estuda sobre ele. Agora eu tô chique, já fui apresentado ao tal do Teorema de Pitágoras.

B: Toda vez que eu pegava o jornal e aí tinha aqueles gráficos lá, eu dava uma olhadinha, fingia que entendia, e ficava por isso mesmo. Depois que nós trouxemos eles aqui pra sala e a senhora discutiu eles com a gente, dá pra entender facinho, facinho. E se eu não entender alguma coisa, vou perguntar mesmo.

J: Quando vou preparar a massa de cimento, misturo 9 latas de areia para cada 2 latas de cimento. Aí eu vou mudando a quantidade das latas de acordo com o tanto de massa que eu precisar: sempre dá certo 1 lata de cimento para 4 latas e meia de areia. Quando a professora perguntou: E se fossem 25 latas de areia, quantas de cimento? Aí complicou um pouco porque as 25 latas não tem muito a ver com as 9 ou com as 4 e meia. Se fosse 27 latas, era o triplo das duas de cimento, seis latas. Como 25 é menos que 27, eu coloco um pouco menos que 6 de cimento. Só que agora aprendi a usar a proporção e fiz a conta certa que é 5,55 latas de cimento e aí sei que a massa vai ficar certinha. E se usar a calculadora fica mais fácil ainda.

Não se pode perder de vista a responsabilidade do professor em oferecer aos alunos do PROEJA o conteúdo necessário para que prossiga aprendendo, apoio em sua trajetória particular de aprendizagem, respeitando seu tempo de aprender e incentivando-o a ser solidário com seus colegas a todo o momento.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A iniciativa dos educadores tem o poder de transformar a realidade da educação popular usando o conhecimento com consciência, criticidade, respeitando e valorizando a cultura. Assim, professor e aluno podem construir juntos, uma proposta curricular de ensino da Matemática que atinja os objetivos de uma educação integradora entre os saberes escolares e os saberes do cotidiano. Que essa concepção de educação matemática ativa, viva, participativa, venha proporcionar aos mais de 60 milhões de brasileiros, candidatos a alunos do PROEJA, a sua inserção no mercado de trabalho, mas também possam descobrir sua capacidade de trabalhar com diversos assuntos, relacionando-os à sua vida, à sua integração e participação na comunidade, agindo como sujeitos das transformações sociais e do uso dos conhecimentos matemáticos nelas. Portanto fica como meta a ser atingida a criação de material didático de Matemática que respeite as particularidades desse público.


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