O caso Ana Lídia
Por POTI CHIMETTA HAVRENNE | 09/12/2012 | SociedadeO Caso Ana Lídia
RESUMO : o caso Ana Lídia tornou-se emblemático da interferência do poder político e econômico na Justiça e da desigualdade com que são tratadas as pessoas em nosso meio.
PALAVRAS CHAVES : justiça, poder político, corrupção, poder econômico.
O caso Ana Lídia teve enorme repercussão no Brasil, não no momento em que ocorreu, pois haviam várias circunstâncias que impediram sua divulgação, como se verá a seguir, mas depois do fim da ditadura militar (1964-1985).
Ana Lídia era uma menina de 7 anos, que estudava em um colégio de classe rica em Brasília - um dos melhores colégios da cidade, o colégio Madre Carmen Salles.
Em 11 de setembro de 1973 Ana Lídia foi deixada na escola pelos seus pais, às 11:30hs.A partir desse momento até a hora de sua morte seu destino foi desconhecido.Quando foram buscá-la na escola e não a encontraram foi feito um relato à Polícia sobre seu desaparecimento.Em 12 de setembro, às 13:00 hs seu corpo foi encontrado em uma vala em terreno pertencente à Universidade de Brasília.A menina encontrava-se nua, havia sido estuprada, havia marcas de queimadura por cigarro em seu corpo, seu cabelo havia sido mal cortado e havia sido morta por asfixia, na madrugada anterior segundo foi constatado por exame médico.Perto do corpo foram achadas marcas de pneu de moto e dois preservativos (na época não havia exame de DNA), mas na ocasião, os preservativos não eram usados com muita frequência no Brasil e poderiam ter fornecido pistas importantes, juntamente com as marcas dos pneus da motocicleta, também na época, veículo muito pouco usado e possuído apenas por jovens de famílias muito ricas.
O caso foi noticiado, mas apenas nos noticiários policiais, pois a violência é muito comum no Brasil e embora não o fosse no centro de Brasília passou apenas por mais um caso.
A polícia, tendo em vista que a vítima era de família rica, empenhou-se bastante e chegou a alguns suspeitos rapidamente, mas a partir daí as investigações foram simplesmente paralisadas e as evidências destruídas e os meios de comunicação impedidos da dar quaisquer notícias sobre o caso, que só foi reaberto após o final da ditadura militar, mas aí já sem quaisquer chances de ser resolvido
Apurou-se posteriormente quando as investigações foram reiniciadas que a Polícia rapidamente havia chegado a três suspeitos, pois as provas eram muito evidentes.
Quem eram os suspeitos? O irmão da vítima Álvaro Henrique Braga e sua namorada Gilma Varela de Albuquerque que teriam vendido Ana Lìdia a traficantes e a teriam entregue a Raimundo Lacerda Duque, conhecido na época como um dos principais chefes do tráfico de drogas em Brasília.Soube-se então que a menor fora levada ao sítio do vice-líder da ARENA.
Os Estados Unidos, que haviam sido o mentor da ditadura militar no Brasil, temiam muito que fossem vistos dando suporte a uma ditadura militar e assim os militares eram obrigados a camuflar a ditadura em uma pseudo-democracia, onde até se permitiam partidos de oposição. A ARENA, partido pró-governo, tinha maioria absoluta, pois as eleições eram fraudadas pelo regime por meio de regras estapafúrdias ( às vezes feitas às pressas logo após às eleições) e era o partido político que dava sustentação à ditadura militar de modo subserviente, aprovando tudo que lhe era enviado em termos de solicitações do Executivo e poucas vezes até fingia que rejeitava algum projeto sem importância. A oposição subserviente também, fingia se opor e até fazia alguns discursos inflamados, mas nunca se opunha de verdade aos militares e deixava de agir em momentos cruciais, onde poderia ter um papel importante, era na verdade uma oposição que havia sido domesticada e talvez “comprada” e que graças a favores políticos e econômicos desistia de seu papel nos momentos críticos.
Mas, voltemos ao caso Ana Lídia.Ela havia sido levada ao sítio do senador Eurico Rezende, situado em Sobradinho, região suburbana de Brasília.As testemunhas que foram ouvidas, confirmaram que Álvaro e a namorada, haviam entrado com Ana Lídia, e saído sem ela daquele local, tendo-a deixado com Alfredo Buzaid Júnior, filho do então Ministro da Justiça, ex- professor da famosa Faculdade de Direito do Largo São Francisco em São Paulo e que durante seu período como diretor daquela faculdade havia sido o responsável pela denúncia e desaparecimento de estudantes de Direito contrários ao Regime Militar.
Também haviam recebido a menina das mãos de seu irmão, o filho do senador Eurico Rezende, Eduardo Ribeiro Rezende e Raimundo Lacerda Duque, o chefe do tráfico de drogas em Brasília.
Também estava envolvido o futuro presidente da República, Fernando Collor de Mello, embora seu papel não tenha ficado muito claro.
A partir daí, tudo começou a ficar estranho, havendo a proibição da divulgação do caso pela mídia, a Polícia começou a ter condutas impróprias: não colheu nenhuma digital, não fez nenhum exame do sêmen encontrado, esqueceu de verificar as marcas dos pneus das motos, o que seria muito fácil, pois Brasília era uma cidade isolada e os pneus de moto eram encontrados em poucos lugares, pois eram um artigo para pessoas muito ricas, não verificou o esperma encontrado nos preservativos e ainda mais estranho, repentinamente os familiares de Ana Lídia se desinteressaram completamente do caso e não quiseram mais descobrir os autores do homicídio da filha.
O Departamento de Polícia Federal, órgão encarregado pela censura, enviou o seguinte comunicado às redes de televisão e jornais:
do Departamento de Polícia Federal:
De ordem superior, fica terminantemente proibida a divulgação através dos meios de comunicação social escrito, falado, televisado, comentários, transcrição, referências e outras matérias sobre caso Ana Lídia e Rosana.
—Polícia Federal
Rosana Pandim, era outra menina de 11 anos, cujo desaparecimento ocorreu no mesmo ano e nas mesmas condições que o de Ana Lídia em uma cidade vizinha (Goiânia) e que dadas as circunstâncias provavelmente havia sido morta de modo semelhante pelos mesmos autores, embora seu corpo nunca tivesse sido encontrado.No caso de Rosana, sua família não era rica, nem seus pais eram importantes ou ligados ao governo, como o eram os ricos de Brasília. O caso foi abruptamente encerrado.
Em 1985, no final da Revolução de 64, uma repórter , Monica Teixeira descobriu testemunhas que poderiam provar que o autor do crime seria o filho de Alfredo Buzaid, o ex-ministro da Justiça. Como sempre fatos estranhos começaram a ocorrer : as testemunhas simplesmente morreram após serem intimadas a depor e o corpo de Alfredo Buzaid Júnior que se alegava haver morrido em um acidente de trânsito, e sobre o qual havia fundadas suspeitas de se tratar de um corpo de outra pessoa ( no Brasil o processo penal se extingue com a morte e não pode ser reaberto após ela) não foi exumado.
Em 1986, um ano após, a exumação foi autorizada, mas o cadáver estranhamente não tinha dentes que haviam sido todos arrancados, impedindo identificação por ficha dentária. (Alfredo Buzaid Jr. Tinha dentição em bom estado) .Novamente algo estranho, não havia DNA na época, mas um perito, o legista José Antonio Mello, afirmou ser o cadáver o de Alfredo Buzaid Júnior.Soube-se depois que o cadáver exumado era o do avô Felício Buzaid, avô do acusado, mas o corpo de Alfredo Buzaid não foi mais procurado nem exumado.
O caso Ana Lídia não foi até hoje solucionado, nem provavelmente o será, pois a destruição de todas as evidências, o assassinato puro e simples das testemunhas que o haviam presenciado e o desaparecimento do principal suspeito, tornam qualquer tentativa de resolução do caso uma tarefa impossível.
Este caso tornou-se emblemático da Justiça brasileira, que tem como fulcro um sistema judiciário extremamente rigoroso com as camadas mais pobres da população, mas totalmente ineficiente e dócil ao lidar com os estratos mais ricos da sociedade.Não existem pessoas ricas nas prisões brasileiras e caracteristicamente os aprisionados no Brasil são quase sempre os conhecidos como os ppp: pretos, pobres e prostitutas.
Outra característica que escancara a parcialidade e o preconceito da Justiça Brasileira é que o detido só é libertado quando solicita seu alvará de soltura após o cumprimento da pena, de vez que o encerramento da pena não é automático. Esse alvará de soltura só é expedido pelo juiz a pedido de um advogado. Grande número de detidos vivem na pobreza absoluta e não possuem dinheiro para pagar um advogado. Calcula-se que de 30 a 50% dos aprisionados já cumpriram sua pena e estão presos apenas por falta de recursos econômicos para providenciar sua soltura. Este fato é o responsável pela superlotação carcerária e pela violência e enorme que existem nos presídios, onde o número de mortes conta-se às centenas por dia e onde os presos não têm espaço nem para ficar deitados, tendo de dormir por turnos em celas abarrotadas, onde num espaço de 10 metros quadrados existem 40 presos que lá permanecem anos a fio. De modo maldoso e corrupto o governo brasileiro, diz ser o problema resultante da falta de vagas nas prisões e constrói prisão após prisão, enriquecendo os empreiteiros das grandes construtoras e tornando a qualidade da vida dos presos cada vez pior, quando a resolução do problema poderia ser bem mais simples.
Ana Lídia é agora o nome de um parque em Brasília . Falta ainda uma complementação que o governo brasileiro tem vergonha de fazer : um tributo mais honroso à sua memória seria um pedido de desculpas com a explicação detalhada do caso e dos erros cometidos, bem como a divulgação dos nomes dos responsáveis pelos desvios cometidos, para que tal absurdo nunca mais ocorra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1)Caso Ana Lídia- o mistério completa 36 anos “Foca em Foco.com. Disponível em http://elsaniaestacio.wordpress.com/2009/09/11/caso-ana-lidia-o-misterio-completa-36-anos/. Acesso em 05/12/2012, 21:00hs.
2)Caso Ana Lídia – Wikipedia,Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Ana_Lídia Acesso em 05/12/2012,21:00hs
3)Correio Brasiliense. Militares fizeram investigação paralela do caso de assassinato de Ana Lídia.Edição de 05/12/2012.Brasília, pag 1.
4)QUARESMA PASSOS, Heloisa Helena.Caso Ana Lídia Braga- uma violência esquecida.Disponível em http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.31256 Acesso em 05/12/2012, 22:10HS.
5)CORREIO BRASILIENSE.Militares no Caso Ana Lídia.Edição de 11/07/2012.Brasília, pag.1.
6)Universidade Federal de São Carlos- arquivo Ana Lagoa.Comissão do caso Ana Lídia não sabe por onde começar as investigações.Disponível em www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R04735.pdf Acesso em 06/12/2012, 2:00hs.
7)Vieira Dantas Júnior, Leonides; Bringel de Oliveira,Marcus Rodolfo;Almeida Oliveira, Ricardo.Ana Lídia –crônica de um assassinato.Disponível em analidia.kit.net/assassinato.html Acesso em 06/12/2012, 2:30hs.
8)Figueiredo Delamonica Freire, Carolina e Guimar~es Lima, Laís Lis.Ana Lídia e Maria Cláudia :a violência nas páginas do Correio Braziliense.Trabalho apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.-UnB,6 a 9 de sedtembro de 2006, Brasília, Disponível emhttp://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R2078-1.pdf Acesso em 06/12/2012.
9)Azevedo, Reinaldo.Prepotência, incompetência , vulgaridade.Ou: Fernando Collor de Mello.Disponível em antiforodesaopaulo.blogspot.com.br/2009/08/prepotencia-incompetencia-vulgaridade.html Acesso em 06/12/2012, 2:20hs
REVISTA VEJA.Censura – Tesoura maldita – Polícia exuma o corpo de Alfredo Buzaid Júnior.Edição de 4 de junho de 1986.São Paulo, pág.43.