São raras as pessoas que não tem parentes pelo interior adentro. Se não foram os pais que nasceram no interior, foram os avós ou bisavós. Esses migrantes levaram para as cidades alguns costumes e hábitos culturais como a música sertaneja, caipira ou de raiz como querem alguns. O sociólogo José de Souza Martins, nascido em São Caetano, mas com raízes, também, no interior, explicou no belo artigo Viola Quebrada, nos anos setenta, a diferença entre música caipira e música sertaneja, que reproduzo com os recursos da memória: música caipira, criada e manifestada especificamente no campo, seriam as canções sem um tempo determinado de duração e relacionadas às atividades de plantio e colheita e invariavelmente tem um sentido religioso e são acompanhadas de danças, já que essas atividades rurais estão ligadas às dadivas divinas que tem origem em idos tempos pagãos.

A música sertaneja, por sua vez, é a música produzida nas cidades ou zonas urbanas, com um objetivo comercial com peças musicais com duração delimitada. A produção da música sertaneja pode ser feita por pessoas de origem rural, mas morando nas cidades ou mesmo pessoas que nunca tiveram contato direto com o campo.  Angelino de Oliveira, por exemplo, compositor do clássico “Tristeza do Jeca”, nunca morou no campo, mas traduziu com sensibilidade e lirismo a vida do homem do campo. A música sertaneja pode ser baseada em temas rurais ou caipiras, como a catira, cateretê etc, mas utiliza também outras temáticas musicais importadas de outras regiões ou países. Nos anos trinta e quarenta do século passado havia uma forte influência da música gaúcha, como os fandangos, cana-verde etc entre os cantadores paulistas. Posteriormente vieram os Corridos mexicanos e as Guarânias paraguaias que praticamente dominaram a produção de música sertaneja entre nós. Esse tipo de produção musical continua presente ainda hoje entre os cantadores sertanejos, que normalmente se apresentam em duplas com a primeira e segunda voz.

Outra modalidade de música sertaneja são as modas de viola, uma mistura de toadas portuguesas com influência do modo de cantar caboclo. As modas de viola de modo geral tem um tema dramático de romance ou aventura, cantadas de modo chorado com os acordes da viola caipira. Algumas apresentam até mesmo algum sentido de protesto contra a realidade social, mas sempre de forma indireta como observa Martins. Um exemplo é a moda Boi de Carro de Tonico e Tinoco, composição que compara a vida do trabalhador rural com um boi utilizado para puxar carro, em cujo final ambos são descartados, sendo o boi para o matadouro e o trabalhador velho na rua da amargura.

Algumas toadas sertanejas são repletas de lamentos pelo abandono o paraíso idílico do meio rural. Na realidade o meio rural não tem nada de paraíso, mas a saudade das pessoas queridas, o contato com o campo e os bons momentos são lembrados como se fossem constantes na vida das pessoas da roça. A vida do homem do campo nunca foi fácil. Levantar cedo, bem antes de o sol nascer, tomar um cafezinho magro com grau de milho, como dizia o locutor Nhô Zé, nos anos sessenta, pegar a enxada e labutar até chegar o almoço, por volta das 10 horas da manhã. Carne quase nunca tinha. Em geral era arroz, feijão, farinha e algum legume cozido. Às duas horas da tarde tinha uma merenda, constituída de café com um bolo de milho, um cural, na época em que havia milho verde disponível.

A origem rural dos ascendentes da maioria dos brasileiros, que transmitiam oralmente as suas sagas pelos sertões ficaram no inconsciente coletivo e talvez explique o grande sucesso dos cantadores chamados sertanejos campeões em vendagens de discos e com cachês de fazer inveja aos artistas de projeção das grandes cidades. Atualmente, quase nunca os sertanejos cantam músicas com temas rurais, mas é o estilo de cantar que conta e, também, o campo mudou com as novas tecnologias e as novas relações de trabalho. Peão de boiadeiro anda de motocicleta e não mais a cavalo para apartar a boiada. Os bois são transportados por caminhões e trens e não mais por comitivas que levavam dias e até meses para atravessar o nosso imenso território. Até os anos sessenta, mais da metade da população brasileira ainda estava no campo. Hoje a distribuição demográfica ficou invertida, com a maioria da população nas cidades. Estima-se que em pouco tempo teremos menos de cinco por cento da população no campo, o que já acontece nos EUA, com menos de 2%. Assim, de romântico mesmo só ficaram as velhas canções sertanejas que ainda permanecem no imaginário dos antigos migrantes e seus descendentes; o resto é uma grande máquina de produção cultural que cada vez mais é desvinculada da antiga realidade dos nossos campos.