Antes, porém, de recordar alguns princípios, valores e direitos desenvolvidos na obra de Pinheiro Ferreira (1769-1846), parece oportuno ouvir alguns autores contemporâneos, quando escrevem sobre a vida daquele para, direta ou indiretamente, se inferir alguns preceitos e melhor compreender os direitos no presente, a partir do passado.

Assim, a propósito do estabelecimento de relações diplomáticas, concórdia, respeitabilidade e solidez, do Brasil com a Colômbia Boliviana, anote-se a seguinte observação: «(...) Sabendo-se que Portugal havia manifestado interesse em encetar relações com aquele país, conforme instruções do Ministro Silvestre Pinheiro Ferreira, a Constâncio, seu agente em Washington, dizia que com maior razão deveriam ser elas estabelecidas com o Brasil.» (VIANNA, 1968:17).        

Apraz registar este reconhecimento público a Pinheiro Ferreira, pela sua preocupação com o Brasil e o bem-estar dos Brasileiros a partir das boas relações com os países vizinhos que, afinal, constituem direitos que se consideram indispensáveis para uma sociedade respeitada.

Ainda no seguimento de tais preocupações, relativamente aos direitos dos Brasileiros, dirigindo uma exposição ao Congresso Português sobre o espírito dos povos do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro, apercebeu-se do grave problema que os inquietava e que se transcreve: «O descontentamento do Rio de Janeiro consiste nos clamores do sem número de empregados que de repente se acham esbulhados não só da influência e dignidade de que se achavam de posse, mas até de todo o meio de proverem à sua indispensável subsistência.» (NEVES, 1995:305).

Nesta cidade carioca, Rio de Janeiro, Pinheiro Ferreira destacar-se-ia nas suas múltiplas atividades, pese embora o facto de se tratar, ao que parece, desde sempre, de uma cidade complexa, onde afluíam pessoas de todas as raças e estrangeiros de todo o mundo, não só desde a chegada dos portugueses, mas, e principalmente, quando a corte de D. João VI para lá se transferiu.

A prova de que o monarca português, bem como aquele diplomata, gostariam de ter ficado no Brasil, não só por razões de Estado, pode-se deduzir do seguinte trecho: «Para nós cariocas, não deixa de ser saboroso desfrutar, inúmeros aspectos que nos familiarizam com a história da cidade rebelde. A cidade que, no esplendor de seu quase meio milénio fez a alegria e a frustração, mas sobretudo o encanto de milhões de brasileiros, de várias gerações e de tantos milhares de estrangeiros que por ela se apaixonam quando são capazes de conhecê-la e desfrutá-la, até mesmo no meio dos infortúnios em que se misturam alegria e miséria, beleza e arrebatamento.» (MORAES, 1997:XIV).

Parece razoável admitir-se que a estadia de Pinheiro Ferreira no Rio de Janeiro, durante cerca de doze anos, as múltiplas funções e cargos que exerceu, a que se junta toda a sua experiência passada, bem como o regresso não desejado a Portugal e a retirada em 1826 para Paris, muito terão contribuído para acentuar a sua sensibilidade para os direitos humanos.

De facto, a possibilidade de presenciar, viver e sentir, em si próprio, as consequências de medidas e atitudes de terceiros que, provavelmente, constituiriam verdadeiras e inaceitáveis injustiças, levam-no a escrever as obras que o colocam entre os paladinos dos Direitos Humanos.

 Assente no Estado Constitucional e Representativo, o Sistema Político de Pinheiro Ferreira define os poderes político-institucionais que possibilitarão a manutenção de uma ordem estatal, a partir da qual ficarão garantidos os direitos do cidadão.

Concretamente: os poderes Eleitoral, Legislativo, Judicial, Executivo e Conservador, funcionando em cooperação e solidariedade entre eles, de forma a manter as melhores relações entre o político e o social na comunidade. Contudo, não se descuraram os interesses dos Serviços Públicos e Administrativos, da Indústria, do Comércio e de Agricultura, para que sejam satisfeitas, em todos os domínios, as necessidades da população.

Enquanto individualidade pública, detentora de cargos governativos, diplomáticos ou docentes, Pinheiro Ferreira não teria elaborado qualquer programa objetivo de governação. Todavia, encontram-se dispersos, pelas suas obras, alguns tópicos pronunciadores de um possível projeto que, mais tarde, apresentaria, especificamente, no que se refere aos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão, com preocupações e bases sociais, cujos princípios e valores, suportam, efetivamente, o seu sistema político.

A monarquia constitucional representativa consagra Direitos Fundamentais Naturais: segurança pessoal, liberdade individual e propriedade real. Verifica-se que, muito embora a representação seja de interesses, a dimensão social das instituições constituiria o núcleo essencial do seu sistema político.

Com efeito: «O eminente português, desenvolveu, então, um modelo político, com características próprias, que permitisse a transição acima referida e possibilitasse uma reestruturação das instituições sociais ao mesmo tempo que os novos interesses económicos também fossem representados pelas instituições políticas.» (SILVA, 1978:102).

E se é verdade que à época não se abordava a problemática dos Direitos Humanos, no contexto internacional e sob o patrocínio de uma instituição tão prestigiada e imprescindível como é a ONU – Organização das Nações Unidas - até pela simples razão de não existir tal Organização, também não é menos verdade que a partir das várias civilizações mundiais, desde logo da Europeia, muitos foram os paladinos dos Direitos Naturais do Homem.

Certamente, não se ignoram ilustres pensadores, políticos, revolucionários, empresários que, também na Europa, propalaram verdadeiros Estados Sociais utópicos, sendo fértil em tais desenvolvimentos os séculos XVIII e XIX. Neste particular é justo que se diga que o ilustre luso-brasileiro, vivendo intensamente esta época conturbada, não se deixou influenciar negativamente pelos utopistas do seu tempo. Assumiu posições e atitudes moderadas, defendeu valores e princípios com grande realismo e sentido de Estado, sem abdicar de Direitos Fundamentais.

No prólogo ao projeto de Código Geral, elaborado em 4 de Julho de 1834 em Paris, revela tais preocupações quando, agradecendo a colaboração do seu amigo Filipe Ferreira de Araújo Castro, escreve o seguinte: «... e oxalá que pudéssemos ter a fortuna de dever tributar outro tanto aqueles dos nosso ilustres compatriotas de cujas luzes esperamos se dignem coadjuvar-nos com a sua cooperação e conselho para que este trabalho consiga o seu último fim de fundar na nossa pátria o império da lei comum, da justiça e de liberdade, sobre as ruínas do poder absoluto, do privilégio e da amargura.» (FERREIRA, 1834c:Prólogo – XIJ).

Bibliografia

FERREIRA, Silvestre Pinheiro, (1834c) Manual do Cidadão em um Governo Representativo. Vol II, Tomo III, Introdução António Paim (1998c). Brasília: Senado Federal.

MORAES, A. J. Mello, (1997). Chronica Geral e Minuciosa do Império do Brasil, Introdução Octaciano Nogueira, Ed. fac-sim., Brasília: Senado Federal.

NEVES, Lúcia Maria Basto P., (1995). O Império Luso-brasileiro Redefinido: O Debate Político da Independência (1820-1822), in: Revista do IHGB-Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 156, (387), Rio de Janeiro: Abr./Jun., pp.297-307.

SILVA, Nady Moreira Domingues, (1978). O Sistema Filosófico de Silvestre Pinheiro Ferreira. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro/RJ: PUC.

VIANNA, Hélio, (1968). Vultos do Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

 

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