Meu nome é Gabriel Arcanjo Souza de Lima, tenho 31 anos, nasci na cidade de Santarém no estado do Pará, e vou contar um pouco de minha trajetória escolar e profissional.

            Em relação à educação, posso dizer que minha infância foi ótima, do ponto de vista de ter vivido como criança e não como adulto, como costumava ser naquele tempo para a maioria das crianças do meu bairro, já que várias trabalhavam para ajudar suas famílias. Morava em uma casa de madeira de dois cômodos no fundo do quintal dos meus avós paternos. Quintal esse enorme e cheios de árvores, que proporcionava uma infinidade de brincadeira de acordo com a criatividade de cada um.

            Eu era supercomportado, coisa típica de quem é tímido. Mas, tinha toda a natureza e o tempo livre para brincar, aprontar e chorar também. Meus pais, desde cedo, empunhavam-me a responsabilidade de fazer os rotineiros deveres escolares e a obediência a eles e aos outros adultos como passe livre para me deixaram livre para aproveitar minha infância: eu brincava com meus amigos do bairro e parentes mais próximos, jogava bola, subia nas árvores, comia frutas, tomava banho de chuva e brigava muito também, pois isso é muito normal na vida das crianças. Quase sempre brigava com as mesmas pessoas e pelos mesmos motivos.

            Mas, o que mais eu adorava era joga bola e tomar banho no rio. Brincadeira esta de tomar banho no rio que hoje percebo o quanto era arriscado fazê-la. Mas, como toda criança na época eu não tinha a consciência do quanto era perigoso para a minha vida esse tipo de brincadeira. Tudo era uma intensa e eterna felicidade.

            Minha educação indireta com a escrita e com a leitura foi muito boa, pois sempre fui curioso, e tudo que eu tinha oportunidade de ler eu ia logo lendo. Minha curiosidade não me permitia que eu deixasse para outra hora. Sempre estiveram em torno de jornais, revistas, livros. Apesar de meus pais terem poucos estudos, estes sempre fizeram com que eu tivesse oportunidades de vivenciar e dedicar-me à pouca condição de estudo que eles podiam oferecer-me. Diziam que era a única herança que podiam deixar para mim. 

            Comecei a estudar numa escola particular que ficava no bairro que eu morava. Escola pequenininha com apenas 03 (três) salas de aulas. Uma para o jardim um, outra para o jardim dois e outra para a alfabetização. Como já tinha algumas práticas de leitura, entrei direto na alfabetização.

            Com seis anos ingressei numa escola estadual para fazer a 1ª série e fiz até a 4ª série nessa escola. Nesse período, na escola, todos tinham que fazer fila, do menor para o maior, e se dividia em duas: meninas de um lado e meninos do outro. No segundo momento era cantado o hino nacional com o hasteamento da bandeira. Todos os dias tinha essa mesma rotina e só depois deste momento que começavam as atividades. Era uma sala de apenas uma série, na qual penso até hoje que este era um dos motivos por não serem tão bem reforçados os conteúdos, pois a professora não tinha tanto tempo para dedicar-se a uma disciplina específica, e ninguém é bom em tudo também, pois é muito difícil um professor conseguir trabalhar e dominar várias disciplinas numa sala só.

            Na escola, sempre era uma quantidade de 30 a 40 alunos por sala, e a merenda era sempre um momento esperado, principalmente por aqueles que não tinham muitas condições de uma alimentação boa antes de ir para escola. E também porque na hora do recreio era sempre livre: a gente corria no mato que ficava ao fundo da escola, brincava de jogar bola. Depois, a hora de ir embora era bem tranquila, porque quase todos moravam ali bem perto.

            Quando passei para a 5ª série, fui estudar numa outra escola estadual, pois a escola que eu estudava antes, só tinha até a 4ª série. Achei tudo diferente. Tive um impacto muito forte ao chegar numa escola que tinha muitas salas e, inclusive, mais de uma sala para a mesma série. Um professor para cada disciplina e mais que o dobro das disciplinas que até então, eu estava acostumado a estudar, foi outro grande impacto que eu senti. E a cada som da campainha trocava de matéria e, consequentemente de professor também. Os conteúdos não tinham nada a ver com o que eu via na outra escola. Sabe quando você parece que está num lugar que você não deveria estar? Pois é, era assim que eu me sentia nos primeiros dias de aula.

             E, pela primeira vez, provei do medo de que aquilo era muito para mim e que esse medo tomava conta de mim, fazendo com que a minha mente ficasse com o pensamento insistente de que eu não iria conseguir passar no final do ano. Isso me deixava triste e me frustrava também. Mal sabia eu que essa só seria a primeira experiência de sentir a intermitência do fracasso pulsando em meu pensamento, das inúmeras que eu iria passar na minha vida. Porém, comecei a achar os assuntos que eu estudava, eram bem interessantes. Lembro-me que, quando chegava em casa, ficava revendo tudo de novo, o que tinha apreendido naquele dia e, certamente, era esse o principal assunto que eu conversava com os meus pais, pois ficava na ânsia de querer saber mais e mais daquela nova descoberta que se apresentava para mim.

            E ao terminar o Ensino Fundamental, mais uma vez, troquei de escola. Agora, para cursar o Ensino Médio. Junto com o meu ingresso no Ensino Médio vieram outras responsabilidades, pois já estava com os meus 14 anos, e sentia a falta de ter dinheiro para comprar coisas simples, como: um sorvete para a primeira namorada, isso mesmo, trabalho e namoro se iniciaram, concomitantemente na minha vida, não sei ao certo qual dos dois que atraiu o outro.

            Comecei limpando quintal de pessoas conhecidas, vendia garrafas, objetos de cobre e de alumínio, que as pessoas jogavam fora, tudo em troca de ganhar algum dinheiro. Era pouco, mas era o início também. E quase sempre. No início, a gente não se importa muito com os valores, o que queremos é ganhar algum recurso financeiro.

            Passado algum tempo, comecei a trabalhar em uma relojoaria de um parente, por lá fiquei até aos 18 anos. Foi um momento de muito aprendizado na minha vida. Percebi e compreendi como funcionava as leis do comércio. E comecei a entender, da forma mais amarga, o que é o capitalismo, com todas as suas nuances.

            Fiquei até aos 18 anos nessa relojoaria, porque fui convocado para o serviço militar obrigatório. Outro marco na minha vida. Além da hierarquia e disciplina, valores típicos de organizações militares. Aprendi a dar mais valor à minha vida. Até então, achava que eu fosse eterno, pensamento normal de jovem que acredita que pode tudo e que viverá para sempre. Mas, no quartel, com os treinamentos de simulação de guerra, pode-se refletir e com um choque de realidade. Olhei para dentro de mim e vi-me como uma pessoa de pensamentos totalmente diferentes do drama que a vida me apresentava naquele momento.

            Com isso nasce uma pessoa em mim, muito influenciado pelo outro nascimento também, que foi o nascimento da minha primeira e única filha. E isso tudo com 18 para 19 anos. Junto como o nascimento da minha filha, nasceu em mim vários outros sentimentos que, até então, eu desconhecia. O amor incondicional ao próximo é uma coisa indescritível. A partir desse momento, as minhas decisões começaram a ser moldadas, levando em consideração, não o que seria bom para mim, mas sim, em primeiro lugar, o que seria bom para a minha filha. Junto de tudo isso, nesse momento, aparece a oportunidade de cursar uma faculdade.

            Entrei para o curso de Administração, em uma faculdade particular de grande renome. Consegui uma bolsa 100% através do prouni. Entrar na faculdade por si só, foi um grande marco na minha vida. E estar em uma faculdade que a maioria dos alunos são pessoas de família de poder aquisitivo alto, foi frustrante, do ponto de vista de ser discriminado pela minha condição social. Mas, não deixei isso aniquilar meus sonhos. Canalizei todos esses dissabores e, em contrapartida, motivei-me a estudar ainda mais, com o propósito de mostrar para mim e para todos que eu não estava lá por sorte ou por acaso. Estava lá por méritos e a minha condição social não me colocava em nível mais baixo que ninguém, do ponto de vista de inteligência.

            Várias e várias vezes, conseguir obter isoladamente, a maior nota da turma em determinada disciplina. E, com isto, creio que o preconceito que tinha com a minha pessoa, devido a minha condição social, não acabou, porém, atenuou-se bastante.

            A faculdade nos abre espaços que, muitas vezes, em toda a caminhada da escola, não foram propostos para nós, e isso, atualmente, acho muito importante, porque quantas foram as vezes que tinha algo a falar ou até a protestar, e não tinha uma chance sequer para isso acontecer. Era o professor ali na frente autoritário, muitas vezes, e nós alunos ali, um atrás do outro, só copiando coisas que não tinham sabor e nem importância naquele momento, pois, o que faltava era dialogicidade com os seres que ali ocupavam aquele espaço. Quando comecei a faculdade, tinha entusiasmo, posteriormente, tive alegria, prazer, curiosidade no que estava fazendo, o que me deixou aborrecido é o fato de eu não aproveitar 100% do curso por motivo de tempo, mas tentei aproveitar todos os momentos que me oportunizam a conhecer e a aprender. Socializar é uma das coisas que aprendi no curso, porque antes, eu era muito tímido, ainda sou, mas não como antes.

            Nunca tinha atuado como professor, e sim só, como aprendiz (aluno), mas, na faculdade tive a oportunidade de aprender e gostar de fazer apresentações ao público. Gostar esse que me faz hoje a buscar na docência a profissão a seguir na vida. Já tentei, sem sucesso, entrar para docência através de concurso. E como ainda não sou professor, hoje em dia, mas, vou continuar a perseguir esse objetivo, até conseguir.

            Durante a faculdade, e até depois dela, tive a oportunidade de trabalhar em uma empresa de prestígio internacional, que é a Coca-Cola. E nesta empresa, pude vivenciar as melhores experiências profissionais que tive na minha vida. Pude ver, na prática, as teorias que eu estudei e estudava na faculdade serem praticadas. E, com isso, cristalizaram-se os meus conhecimentos adquiridos na vida acadêmica.

            Terminei a faculdade, e algum tempo depois saí da empresa Coca-cola, devido à redução de gastos e, consequentemente, corte de pessoal. Depois disso, entrei para o serviço público estadual, o qual emendei para o serviço público federal em que estou até o presente.

            Estarei mentindo, se eu disser que entrar para o serviço público  trouxe-me as melhores experiências da minha vida. Talvez, devido aos órgãos, departamentos e até pessoas que fizeram parte da minha carreira de servidor público. Porém, estarei mentindo também, se eu disser que a minha vida não teve mudanças significativas ao entrar no serviço público. Mudanças essas que alteraram minhas ideologias, meus posicionamentos políticos, sociais e até morais e éticos. Estar e experimentar a posição de servidor, é muito diferente de estar na posição de ser o servido.

            Em toda minha vida, tive oportunidades de conhecer e dizer o que gosto e o que não gosto, sou extremamente grato a Deus, por ter tido momentos maravilhosos e ter tido pessoas especiais em minha vida. Muitas já não estão mais nela, mas muitas ainda estão fazendo parte ainda, e se Deus quiser, muitas outras ainda vão entrar na minha vida. Com isso, sou muito feliz, amo minha família, meus momentos de hoje e de alguns que me deixam saudade. São lembranças que carregarei comigo sempre.

            Quando estou na minha cidade natal, fico sempre feliz, pois por onde eu passo ou ando, lembro-me de todas as coisas, momentos que muitas vezes, naquela época, não tinha tanto significado como têm agora para mim. Sei que meu chão é lá e, quando estou triste, cansado, estressado com meu trabalho, ou melhor, com a vida daqui, vou para Santarém e me sinto tão leve, tão feliz, pois lá tem algo a mais, tem algo que me tranquiliza.

            Penso que consegui mostrar um pouco minha trajetória escolar e profissional, e sei que se sou o que sou, é pelo simples fato de existir, de conseguir interagir com o meio em que estou inserido, mostrar e efetuar trocas de conhecimentos com diversos indivíduos e em diversos momentos.