LICITAÇÃO DISPENSADA, DISPENSA DE LICITAÇÃO E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO ? APONTAMENTOS
Por Ivanildo Severino da Silva | 18/06/2009 | DireitoIvanildo Severino da Silva
1. COMENTÁRIOS INICIAIS.
É notório que a regra geral que disciplina as contratações públicas tem como premissa a obrigatoriedade da realização de licitação para a aquisição de bens e a execução de serviços e obras. No entanto, como em toda regra há exceções, não seria diferente com a Lei de Licitações (lei nº. 8.666/93). Esse diploma legal dispõe algumas hipóteses nas quais, a obrigatoriedade de realizar licitação estará afastada.
Doutrinariamente, pode-se classificar essas hipóteses em três figuras distintas: a licitação dispensada, a licitação dispensável e a inexigibilidade de licitação.
Inicialmente, vamos nos ater as diferenças entre licitação dispensável e licitação dispensada e sobre as principais questões inerentes a inexigibilidade de licitação.
Na Licitação Dispensável, o administrador, se quiser, poderá realizar o procedimento licitatório, sendo, portanto, uma faculdade.
Com relação à Licitação Dispensada, o administrador não pode licitar, visto que já se tem a definição da Pessoa (Física ou Jurídica), com se firmará o contrato.
Assim, na licitação dispensada não existe a faculdade para se fazer a análise do caso concreto, inclusive com relação ao custo-benefício desse procedimento e a bem do interesse público, levando-se em conta o princípio da eficiência, pois, em certas hipóteses, licitar pode não representar a melhor alternativa.
Já a inexigibilidade de licitação se refere aos casos em que o administrador não tem a faculdade para licitar, em virtude de não haver competição ao objeto a ser contratado, condição imprescindível para um procedimento licitatório.
2. LICITAÇÃO DISPENSADA
As hipóteses de ocorrência de licitação dispensada estão dispostas in verbis no art. 17, incs. I e II da Lei nº. 8.666/93, que se apresentam por meio de uma lista que possui caráter exaustivo, não havendo como o administrador criar outras figuras:
Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada a existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
a) dação em pagamento;
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;
c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art.24 desta Lei;
d) investidura;
e) venda à outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;
f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da Administração Pública especificamente criados para esse fim;
II – quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:
a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de usa oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;
b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;
c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;
d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente;
e) venda de bens produzidos ou comercializados por entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades;
f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe." (grifos nossos).
Pela transcrição acima, verificamos que as principais hipóteses de licitação dispensada estão voltadas para os institutos da dação em pagamento, da doação, da permuta, da investidura, da alienação de alguns itens, da concessão do direito real de uso, da locação e da permissão de uso.
Além desses incisos, o art. 17 apresenta, ainda, o § 2º, que dispõe sobre a possibilidade de licitação dispensada quando a Administração conceder direito real de uso de bens imóveis, e esse uso se destinarem a outro órgão ou entidade da Administração Pública.
Como salientamos, essas figuras têm como característica a impossibilidade de se obter um procedimento competitivo, pois em alguns casos, inclusive, já se tem o destinatário certo do bem, como por exemplo, na dação em pagamento.
Dessa maneira, um fator importante a ser considerado na aplicação desse permissivo, é que qualquer alienação, tanto de bens móveis, quanto de bens imóveis, deve ser precedida de uma avaliação prévia da Administração, com a definição de um valor mínimo, para fim de orientar os procedimentos, sem ferir o interesse público, nem tampouco a legalidade.
3. Dispensa de Licitação
Dispensa, juntamente com inexigibilidade, são formas anômalas de contratação por parte da Administração Pública. Por isso, devem ser tidas como exceções a serem utilizadas somente nos casos imprescindíveis. Sem entrar no mérito, inferimos, portanto, que a Lei 8.666/93 ampliou consideravelmente o leque de possibilidades de se dispensar o procedimento licitatório.
Para Vera Lúcia Machado;
[...], a dispensa é figura que isenta a Administração do regular procedimento licitatório, apesar de no campo fático ser viável a competição. Pela exigência de vários particulares que poderia ofertar o bem ou serviço (1995, p. 76).
É de se inferir da transcrição acima que a dispensa de licitação, prevista tanto no art. 17 quanto no art. 24 da Lei 8.666/93, só deve ocorrer por razões de interesse público. Obviamente, nesses casos, a realização da licitação viria tão-somente sacrificar o interesse público, motivo pelo qual o legislador concedeu ao administrador a faculdade de dispensar o certame nos casos expressamente previstos.
Achamos ser possível salientar criticamente, que o instituto da dispensa de licitação ao dar grande "poder discricionário" aos administradores, pode ter criado uma maneira de se perpetuar o apadrinhamento de algumas empresas em detrimento das demais, por partes dos gestores alheios aos verdadeiros interesses públicos.
Por mais que agindo dessa forma, o administrador esteja indo de encontro aos princípios básicos das Licitações e dos próprios institutos componentes do Direito Administrativo. A esperança é que tais atos, quando ocorrem, são nulos de pleno direito.
Por isso, a dispensa de licitação só deve acontecer em estrita observância aos casos nomeados nos vinte e quatro incisos do art. 24 do Estatuto Licitatório. Salientamos ainda, que quando houver dúvida a respeito de exigência ou não da licitação, deve-se realizar o certame.
4. Inexigibilidade de Licitação
Como explicitado anteriormente, a Lei de Licitações permite, como ressalva à obrigação de licitar, a contratação direta através de processos de dispensa e inexigibilidade de licitação, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei.
A inexigibilidade difere da dispensa, visto que nesta, é possível, viável, e apenas não se realiza por conveniência administrativa; naquela o certame torna-se impossível por impedimento relativo ao bem que se deseja adquirir, à pessoa que se quer contratar ou com quem se quer contratar. Torna-se inviável a contenda, tendo em vista que um dos competidores reúne qualidades exclusivas, tolhendo os demais pretensos participantes.
É exemplo, o caso em que devido a um evento cultural, a Administração queira contratar Raimundo Fágner, Zé Ramalho, Elba Ramalho, ou outro de renome. Ou ainda, para a realização de uma obra de engenharia civil, a Administração contrate Oscar Niemayer, Lúcio Costa etc. art. 25, inciso III.
Uma outra distinção reside no fato de, no caso de dispensa, o legislador estabeleceu um rol taxativo de situações em que seria possível contratar, enquanto que, na inexigibilidade, o rol é meramente exemplificativo, bastando que reste configurada a inviabilidade de competição, verificada no caso concreto, mas sempre com o amparo da lei. É um caso de discricionariedade vinculada e motivada, o que limita o poder do administrador. Infelizmente, não é isto que temos visto na prática!
Dentre o rol exemplificativo do art. 25 do Estatuto das Licitações, o caso mais utilizado pela Administração está inserto no seu inciso I, in verbis:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência por marca devendo comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes (grifo nosso).
Entretanto, o dispositivo em estudo relaciona alguns requisitos que devem ser necessariamente obedecidos a fim de que se alcance a inviabilidade de competição. O primeiro é a comprovação da exclusividade. O segundo é a vedação à preferência de marca, proibindo a indicação injustificada de uma específica, nos casos em que houver pluralidade de marcas que atendam plenamente aos interesses da Administração, que devem ser, por sua vez, os interesses da coletividade.
5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Finalmente, restou evidenciada, ao menos acreditamos a importância do procedimento licitatório para a Administração pública, como forma de controlar as atividades do Administrador na gerência dos recursos públicos, sempre tendo em mente os princípios imperiosos na atividade administrativa, quais sejam: o da legalidade, publicidade, moralidade, eficiência etc.
O Administrador deve ter muita cautela ao dispensar ou tornar inexigível uma licitação, haja vista os limites impostos para tal discricionariedade, podendo o mesmo ser punido, não somente quando contratar diretamente, mas também quando deixar de observar as formalidades exigíveis para tais processos.
É de observar que no momento pelo qual uma das preocupações governamentais é a reforma do Estado e o repensar do papel a ser desempenhado na sociedade moderna, muitos administradores, mas muitos mesmo, na gerência do erário, usurpam desse poder, utilizando-se de artifício e "brechas" na legislação, especialmente no que se refere às contratações diretas, visando interesses próprios ou de terceiros em detrimento, infelizmente, aos interesses da coletividade da qual são representantes.
Por fim, inferimos que não basta que o Administrador se atenha ao estrito cumprimento da lei; uma vez que a lei aprisiona. Mas que paute o exercício de seus direitos, poderes e faculdades nos princípios da moral e da ética, evitando, portanto, abusos e irregularidades.
REFERÊNCIAS
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