Com frequência alarmante a concepção de cultura adquire um aspecto elitista, especializado, como se uma pessoa culta fosse aquela que possuísse conhecimentos ou habilidades que não estivessem ao alcance dos demais.

Tal ideia fundamenta-se no princípio, equivocado, da separação entre cultura erudita e popular. Num sentido lato, cultura é o “conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes que distinguem um grupo social” (Dicionário Houaiss). Ocorre que há interesses diversos dentro de uma mesma sociedade, formando subgrupos mais voltados a determinadas linguagens artísticas, literárias, e de todas as representações materiais e imateriais da cultura, com inúmeros níveis de especialização, mas jamais devendo ser hierarquizados por especialidade. 

Diferente de inteligência, associada muitas vezes a características congênitas, cultura distingue, em síntese, uma pessoa interessada e empenhada em compreender o mundo em que vive, e por isso nas escolas é comum encontrarmos alunos, de todos os níveis sociais e faixas etárias, que podem ser qualificados como cultos. Escrevem boa e má poesia, compõe rock e pagode, estudam piano e guitarra, batucam em rodas de capoeira, discutem filosofia, pintam, bordam, gostam de política, detestam política, leem bons livros, leem péssimos livros, fazem teatro, curtem quadrinhos, querem fazer cinema, cantam como anjos, desafinam como demônios, dançam. Estão vivos, cada um a seu modo, e o que tem em comum é que são curiosos, atentos, ligados. Podem, eventualmente, apresentar problemas disciplinares, quando o coração e a mente estão fervendo costumam fazer barulho. Alguns são quietos demais, mas jamais serão indiferentes, mornos, desinteressantes. 

Muitos desses jovens superam grandes desafios, precisam encontrar tempo e disposição em meio a dificuldades para desenvolver talentos, satisfazer curiosidades. Outros têm a sorte de possuir pessoas próximas que leem, conversam, praticam alguma forma de arte, dão o melhor dos exemplos, prodigalizam atenção.

Notícias do dia a dia quando discutidas entre pais e filhos levam a uma prática de discernimento do fato relevante, da interveniência de atos e discursos públicos na vida privada dos cidadãos, da possibilidade de distinção entre o essencial e o supérfluo. O exercício da capacidade crítica, a transmissão dos valores familiares, a compreensão do meio em que se vive, é construção coletiva durante o simples bate papo, e sem grande esforço os pais estão na verdade propiciando o desenvolvimento das funções cognitivas e a ampliação cultural de seus filhos, o que auxilia os professores, os quais, embora responsáveis por conteúdos escolares formais, geralmente não tem grande alcance na formação holística de seus estudantes.

A capacidade de solucionar problemas, salvo raras exceções, é uma questão de mudar a forma como as pessoas fazem as coisas, ou como encaram o mundo e os relacionamentos, muito dos graves problemas sociais dependem de mudanças nas atitudes ou concepções dos envolvidos. Adquirir mais conhecimento certamente demanda esforço pessoal, o que é compensado pela melhora da capacidade de convívio e autoconhecimento, pois nos torna pessoas mais focadas, sensatas e solidárias.

Assim, é decepcionante para um professor observar o quanto ser culto não é mais um atributo cultivado entre os jovens, como se cultura e soberba fossem conceitos que se confundissem, como se devêssemos nos envergonhar do domínio que temos sobre o saber de determinadas áreas: tornou-se comum nas instituições escolares o bullying contra aquele que antes era chamado “o bom aluno”.

Professora  Wanda Camargo -  assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil.