As imunidades tributárias genéricas dispostas no art. 150, inciso VI, da Constituição Federal de 1988 podem ser compreendidas como limitações ao poder de tributar do Fisco em relação aos impostos. Em outras palavras, tais institutos são obstáculos à competência impositiva do Estado para instituir impostos quando se verifiquem determinadas situações. Com isso, intentam-se preservar alguns bens jurídicos prestigiados pelo texto constitucional.

Dentre as normas imunizantes, destaca-se, no presente artigo, a “imunidade tributária religiosa”, constante da alínea “b” do supracitado dispositivo, que ganhou especial relevo na carta política. Através dela, deseja-se resguardar a liberdade religiosa e impossibilitar o embaraço ao exercício de variados cultos, algo tão precioso em uma sociedade extremamente plural, como a brasileira.

Ademais disso, a religião é de extrema importância aos indivíduos e à sociedade. Com ela, abarrotam-se espaços lacunosos no íntimo do homem, auxilia-se o desenvolvimento psicológico e humano, bem como se garante o discernimento e a serenidade necessária ao transpasse dos obstáculos impostos pelo cotidiano.

Nota-se, contudo, que cada vez mais os tribunais pátrios estão conferindo uma interpretação ampla à regra constitucional em apreço. Sob o argumento de conferir máxima efetividade ao texto da Carta Magna, abrangem-se diversas situações (muitas vezes inusitadas, tal como a não incidência de imposto de importação sobre maquinário para confecção de hóstias e sobre equipamentos para restauração de instrumentos musicais vindos do exterior) e alarga-se o conceito de “templo religioso” e de “culto religioso”.

Porém, é crescente o questionamento sobre o que pode realmente ser conceituado como “religião”, “templo” e “culto”, pois tais definições são imprescindíveis para se determinar quando a imunidade tributária religiosa deve, ou não, incidir.

A indagação supracitada advém, sobretudo, dos fatos que se instalam na atualidade, na qual, por exemplo, muitas “igrejas” são desmascaradas abusando da fé de seus fiéis para auferir grandes quantias de dinheiro e deixar seus dirigentes mais ricos. Essas situações indignam grande parcela da sociedade, não só pela fraude em si, mas também porque essa se vê pagando diversos tributos, enquanto aquelas comunidades religiosas se beneficiam de suas imunidades, tornando mais fácil o seu enriquecimento, ainda que indevido.

Nesse contexto e considerando a crise econômica vivenciada pelo país, com ameaça de aumento da carga tributária, percebe-se que muitos contribuintes se questionam sobre a legitimidade de tal norma na atualidade, visto que esta poderia ter deixado de tutelar a liberdade religiosa e passado a contribuir para a evasão fiscal. Assim, aparentemente chocam-se os princípios constitucionais da liberdade religiosa e da igualdade e justiça tributárias, no momento em que se verifica que muitas situações são abrangidas pela imunidade e muitas são as notícias de fraudes envolvendo igrejas.

Diante do acima exposto, há quem pleiteie a extinção da imunidade tributária religiosa. Contudo, existe um argumento a ser considerado: a sua natureza jurídica de cláusula pétrea, porquanto, se assim for considerada, não poderá, pela regra do art. 60, § 4º, inciso IV, da CRFB/88, haver qualquer proposta de emenda constitucional tendente a aboli-la, enquanto direito e garantia do contribuinte. Como existe clamor social e divergência doutrinária sobre o assunto, é preciso realizar essa análise.

O professor Hugo de Brito Machado[1] assim classifica as imunidades tributárias:

Imunidade é o obstáculo decorrente da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação à competência tributária.

O tributarista ensina que a Carta Magna estabeleceu “o campo dentro do qual o legislador pode definir a hipótese de incidência da regra tributária”, ou seja, disse quais tributos podem ser instituídos e retirou desse âmbito uma determinada parcela de situações, as imunidades.

Nessa mesma esteira, Denise Lucena Rodrigues[2], certa vez orientanda do autor acima citado, leciona que as imunidades tributárias são limitações à competência impositiva do Fisco em relação aos impostos. Explica que, ao mesmo tempo em que Constituição Federal não instituiu tributos, mas apenas atribuiu competência aos entes federativos para que o façam, ela também entendeu por bem restringir o poder de tributar do Estado, a fim de resguardar determinados valores.

Dessa forma, como a não tributação seria algo positivo ao contribuinte, as normas tributárias imunizantes poderiam ser consideradas verdadeiras garantias, de uma feita que constituiriam cláusula pétrea, ou seja, preceitos que não estariam sujeitos à proposta de emenda que os tente abolir.

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal vem se posicionando junto à maioria da doutrina, ou seja, afirmando que as imunidades são limitações ao poder de tributar com aspectos de cláusulas pétreas. O Tribunal Excelso assim afirma:

As imunidades têm o teor de cláusulas pétreas, expressões de direitos fundamentais, na forma do art. 60, § 4º, da CF/88, tornando controversa a possibilidade de sua regulamentação através do poder constituinte derivado e/ou ainda mais, pelo legislador ordinário. (RE 636.941/RS – Rel. Min.Luiz Fux)

Todavia, é preciso consignar que existe posição em sentido contrário: as imunidades tributárias não seriam cláusulas pétreas e poderiam ser modificadas por emenda constitucional. É nesse sentido que leciona Cristiano Carvalho[3]:

[...] regras de competência, autorizativas ou proibitivas, não são cânones imutáveis, podendo ser alteradas pelo poder constituinte derivado, desde que essa alteração, por si só, não fira as reais cláusulas pétreas enunciadas no art. 60, § 4º.

[...] concluímos que as imunidades, em regra, não são cláusulas pétreas, podendo ser alteradas ou mesmo revogadas via do poder constituinte derivado.

A afirmação do autor supracitado advém do entendimento de que as competências tributárias não seriam cláusulas pétreas e, por conseguinte, as imunidades tributárias também não. Para ele, o que pode ferir valores constitucionais é a forma como a tributação é exercida. Ademais, afirma que, por serem regras de competência, as normas imunizantes se destinariam a proteger os valores constitucionais, sem, contudo, se confundir com eles.

Embora o raciocínio adotado por Carvalho seja interessante, ele parte do pressuposto de que as imunidades seriam meros instrumentos para a concretização dos valores que se buscam proteger. Contudo, temos que esses institutos constitucionais tributários não podem ser assim considerados, pois, por mais que se consubstanciem em norma de competência, no momento em que ajudam na delimitação do poder de tributar dos entes políticos, eles também se configuram como autênticos direitos públicos subjetivos do contribuinte de não serem alvo de tributação nas hipóteses determinadas na CRFB/88. Ou seja, as imunidades tributárias possuem dupla funcionalidade: de abalizar as competências tributárias e de conferir um direito ao contribuinte.

Ademais, é preciso consignar que os direitos protegidos pelo instituto da cláusula pétrea não são apenas aqueles insertos no rol do art. 5º da Carta Magna, mas todos aqueles dispostos ao longo desse diploma normativo, razão pela qual as imunidades tributárias podem ser classificadas como tais. E, se um direito é a possibilidade que o indivíduo possui de exigir uma determinada conduta, não há motivo para dúvidas: as normas imunizantes são legítimos direitos, pois dão ao contribuinte a faculdade de determinar que o Estado se abstenha de tributá-lo, caso se enquadre em qualquer das hipóteses do art. 150, inciso VI, da CRFB/88.

Expostas essas premissas, vê-se que a imunidade tributária religiosa, assim como todas as demais normas imunizantes dispostas na Carta Magna, são cláusulas pétreas, porquanto se consubstancia em direito do contribuinte e decorre da necessidade de se proteger a liberdade de crença e manifestação religiosa, bem como a laicidade estatal. De tal modo, o art. 60, § 4º, inciso IV, da Lei Maior a protege contra emendas constitucionais que simplesmente tendam extirpá-la do ordenamento jurídico, ou ainda, que intentem diminuir-lhe a eficácia, sendo esse o fundamento pelo qual não é possível a sua revogação, como alguns pleiteiam.

 

[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 282.

[2] RODRIGUES, Denise Lucena. A Imunidade como Limitação à Competência Impositiva. 1993. 123 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, 1993. p. 26-27.

[3] CARVALHO, Cristiano. São as Imunidades “Cláusulas Pétreas”?. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. (coord.). Imunidade Tributária. São Paulo: MP Editora. 2005. p. 85-87.