Sobre as origens da Polícia Militar no Estado de Santa Catarina, transcrevo relatório do Presidente da Província - Feliciano Nunes Pires encaminhado ao Conselho Geral da Província, na sessão de 9.12.1833:

“Passo aos S.ors a expor-vos o que me ocorre sobre os diferentes objetos da Administração Provincial. Em conformidade do que dispõe o Código de Processo (...). Hum Corpo de Municipaes Permanentes se acha estabelecido desde o principio deste anno: elles vigião sobre a tranquillidade publica em serviço regular dentro da cidade e fazem as diligências que ocorrem para fora d’ella. A experiência tem feito conhecer que o seu número, o de 37 entre soldados, e cabos, hé diminuto: por isso tem resolvido o Conselho Administrativo, ne elle se elleve ao que puder chegar nos limites da quantia orçada para as suas despezas visto que ultimamente se tem podido conseguir engajamentos por menos do que se estabeleceu (...)”.

Sucede que no interior da Província, não houve o resultado esperado pela classe  governante, conforme pode se constatar pela Falla do Presidente dirigida ao mesmo Conselho Geral, em data de 1° de março de 1835, ou seja, poucos meses antes de ser criada a Força Policial:

“Força Policial - Ella conta somente e no Corpo de Permanentes desta idade composta de 48 praças incluidos o 1°. e 2°. Commandantes: todas as villas solicitão têl-a; e eu a julgo indispensável ao menos em hua ou outra. He sabido que as disposição do Decreto de 7 de outubro de 1833 para haver Guardas Policiais à custa dos moradores dos Districtos, nenhum effeito produzio: também he sabido que as Autoridades Policiais mal podem fazer effectiva as suas atribuições, sem hua força prompta a executar suas ordens; nem mesmo sabido hé, que entre nos he pouco apreciada a prerrogativa, que dias tanto se presa em alguns lugares, de fazerem os cidadãos a sua propria guarda e não se podendo também escurecer que as incumbências da Força Policial, a mais de pezo e risco, algua tanto tem de o dito, segundo os preconceitos que dominão,  pelo que não hé facil encontrar homens que seu repugnância fação prizão e persigão malfeitores(...). Nesta consideração pois eu proponho no orçamento as quantias precizas para a despesa de hua Força Policial em cada hua das Villas (...)”.

A Lei n. 12, de 5 de maio de 1835, de iniciativa de Feliciano Nunes Pires teve como finalidade substituir as ineficientes "Guardas Municipais" em razão de não cumprirem com suas finalidades, especialmente, de garantir a segurança pública e das autoridades policiais necessitarem de uma força militarizada de caráter permanente para lhe auxiliar no cumprimento de sua missão, reprimir principalmente os ataques de "bugres" e representar os interesses dos governos Imperial/Provincial contra os perigos de fragmentação territorial no território catarinense.

Nos termos da sobredita legislação a primeira "Força Policial" - criada pelo governo e  que tinha caráter municipal- foi a da Capital (Desterro). Passo a transcrever parte dessa importante legislação (Lei 12/1835):

Art. 1°. “A contar de primeiro de julho do corrente ano em diante o Corpo de Guarda Municipais Voluntários, criado em virtude da Lei de 10 de outubro de mil oitocentos e trinta e hum, fica extincto, e criado em seu lugar, na cidade de Desterro e seu Município, uma Força Policial, composta de cidadãos Brasileiros, a qual contará de hum Primeiro e hum Segunndo Commandante, de hum Cabo, e oito Soldados de Cavallaria, montados à sua custa, e de quatro Cabos, trinta e seis soldados, e hum Corneta de Infantaria” (sublinhei).

Art. 3°.: O Regulamento desta força que comprehenderá a disciplina, uniforme, instrucção e engajamento será feito pelo Presidente da Província e submetido a aprovação da Assembléia Provincial. Enquanto porem não for aprovado será inteiramente executado”.

Art. 4°. : “A Força Policial será empregada pelo Presidente da Província em manter a tranquilidade pública, e em fazer effectivas as Ordens das Autoridades Policiais, sempre que este a requisitarem”. (sublinhei) 

Art. 5°. Nas Villas da Laguna, Lages, São Francisco, S. José, S. Miguel, e Porto Bello, o serviço policial será feito por pessoas alistadas pelo Juiz de Paz da cabeça do Termo[1]”.

Art. 6°. : “Cada huma das Câmaras Municipaes das sobreditas villas, à vista da quantia que for consignada no orçamento para o serviço policial, conferenciará com o Juiz de Paz acima indicado sobre a forma do alistamento, número e vencimento das praças, que poderá ter alistados, de que se lavrará Termo que por copia será remettido pela Câmara ao Presidente da Província”.

Art. 7°.: “As praças alistadas na forma do que dispõe o artigo antecedente, ou terão vencimento effectivo e diário, ou só o perceberão nos dias em que forem empregadas no serviço policial, o que será regulado como as câmaras julgarem, que melhor convirá à segurança e economia do município. Em ambos os casos serão os alistados isentos do Serviço da Guarda Nacional[2], se não puder preencher-se o alistamento acordado com indivíduos,  que por lei deverão ser escusos do d’aquella Guarda”.

Art. 8°.: “A Força Policial dos municípios mencionados no art. 5°, hé immediatamente subordinada ao Juiz de Paz da Cabeça do Termo que a prestará o serviço as Authoridades Policiaes, que a requisitarem, e que poderá demitir os alistados quando não cumprirem com as suas obrigações”.

O Brigadeiro João Carlos Pardal, em discurso pronunciado na Assembléia Provincial no ano de 1839,  sobre a força policial, assim se manifestou:

“Esta força diminuta ainda para o serviço que tem a desempenhar, continúa a prestar mui valiosos, e destinctos serviços no Paiz; e he para lamentar que as prestações as Câmaras para semelhantes mister, sejão tão minguadas, que não deixem organisar em cada Município huma força, não direi como a da Capital, mas ao menos capaz de prender desordeiros, e sceleratos, que mais ou  menos entrão por vários Districtos da Provincia. Sobre esse ponto não deixarei de chamar a vossa attenção, propondo vos um meio, que julgo remediará em parte este mal, sem augmento de despesa, e do qual tratarei abaixo no artigo – Pede tres - . Várias representações tem chagado ao meu conhecimento dos juizes de paz de S. Jozé, S. Miguel, S. Francisco, Itajahi, Itapocoroi, Villa Nova, Santo Antonio, S. João do Imaruhi, &, pedindo-me força para prender malfeitrores, e a Vós compete, Senhores, providenciar, pelos meios que vou propor, ou por outros que julgardes mais adequados, afim de que as Autoridades tenhão força para fazerem respeitar a Lei, e a si  mesmas.

Em seu discurso à Assembleia Provincial (1839) o Brigadeiro João Carlos Pardal, ao tratar da dissolução da "Força de Pedestres", deixou registrado a valorização da "Força Policial" que estava se estruturando para fazer frente ao combate aos "bugres":

‘Das duas Secções de Pedestres, cuja creação foi autorizada pelo par. 5° do Artigo 1° da Lei Provincial n. 71, existe somente a de Itajahi: dissolvi a do Trombudo pelas representações que tive contra seu Comandante, de seus maus costumes, e da insubordinação, e desordem em que tinha a força a seu mando. Representações semelhante me foram proximamente endereçadas a respeito da Secção de Itajahi... Se se attender a que huma tal organização não he susceptivel de introduzir nos soldados o gráo preciso de disciplina, e subordinação, qualidades essenciaes aos Corpos armados; se por hum pouco se reflectir, que hum homem engajado com o titolo de Sargento, sem que previamente tenha aprendido seus deveres, e colocado na solidão das Mtas com a obrigação de disciplinar homens sem nenhuma especie de liame à sociedade, e a mór parte das vezes identificados com os crimes, como acontece ao maior numero dos que procurão engajar se; claramente se evidenciará , a inutilidade de huma tal Milicia. Conhecendo com tudo, todos os defeitos desta força, para cumprir o preceito do Artigo 5° da Vossa Lei n. 28, dei-lhe o Regulamento que vereis sob N. 21, adequando sua uniformização, e disciplina aos fins a que ella se devia destinar. Não tendo pois taes Secções correspondido ao que se esperava nem preenchido esses fins, vos proponho a sua dissolução, ou a incorporação em huma força que a substiua, sob o título de Companhia de Pedestres, addida ‘a Força Policial, e composta de 3 Sargentos, 3 Cabos, e 36 Soldados, sob o commando do Commandante da Mesma Força Policial. Disciplinada convenientemente a força addida, uniformisada para o fim a que se destina, e fiscalizada sob a direcção de hum official, pode ella sahir em destacamentos para os pontos ameaçados dos Bugres no tempo em que elles costumão fazer  suas correrias, entretanto que nesses mezes que não receia o furor dos selvagens se pode applicar por destacamentos revessaveis mensalmente aos Municípios que tem requisitado força, com preferencia aquelies em que se torna mais necessária (...). Eis aqui, Senhores, o meio que acho mais idoneo para livrar dos barbaros  os lugares que elles todos os annos infestão, dando também auxilio aos Municípios que o requisitão, e cujas rendas não chegão para levantar forças policiaes: se o julgardes improficuo, providencial outro que vos parecer melhor”.

Para se ter uma ideia a respeito do desenvolvimento da Força Policial, no ano de 1836, por meio da Lei n. 31, de 02.05.36, a  Força Policial  da Capital da Província recebeu o seu primeiro regulamento. Dispôs o art. 2º que todos os indivíduos que compõem a força policial ficavam obrigados a executar as ordens que lhe forem dadas em objeto de serviço público policial, pelo Presidente da Província e pelas autoridades policiais do município.

Também, por meio da Lei n. 37, de 20.05.36, passou a ter o seguinte efetivo: 1 cargo de 1°Comandante, com salários de sargento (vinte e cinco mil réis por mês);  8 (oito) soldados de cavalaria; 2 (dois) cabos; 20 (vinte) soldados; e 1 (um) corneta de infantaria.

Mais a seguir, essa Força Policial foi também criada em outros municípios e custeadas com recursos das Câmaras Municipais, já passaram a se constituir num símbolo de poder armado local e garantia da segurança pública. Entretanto, as dificuldades eram muito grandes e demorou décadas até que viesse se estruturar definitivamente. O art. 2º, par. 5º, da Lei n. 31, de 02.05.1836, dispôs, ainda, sobre a competência  da Força Policial em se tratando de "apalpar de noite, e mesmo de dia as pessoas desconhecidas, ou suspeitas prendendo os que encontrar com armas proibidas..." Dispunha, também, que todas as prisões seriam feitas por determinação do Juiz de Paz do Distrito.

A Força Policial a cada ano tinha o seu efetivo revisto por Lei do Governo Provincial. Nesse sentido, a Lei n. 490, de 11 de maio de 1860, dispôs que o efetivo da Força Policial passaria a ser de 1 Capitão; 1 Tenente; 1 Alferes; 1 Sargento; 2 Cabos; 20 Soldados de Cavalaria; 1 Sargento; 1 Furriel; 8 Cabos; 2 Cornetas e 86 Soldados de Infantaria.

Para se firmar uma maior noção a respeito de como a Força Policial foi se expandindo em nosso Estado, já durante o Império e na Velha República, vale atentar para os seguintes dados:

1 - No ano de 1855 a Força Policial ficou constituída por 1 (um Comandante; 1 (um) Segundo Comandante; 1 (um) Sargento; 1 (um) Segundo Sargento; 1 (um) Furriel;  5 (cinco) Cabos; 1 (um) Corneta; e 62 (sessenta e dois) Soldados de Cavalaria; 1 (um) Segundo Sargento; 1 (um) Cabo e 12 (doze) Soldados de Cavalaria, com a denominação de Companhia  de Polícia. O Segundo Comandante poderia ser nomeado  dentre os  praças que integravam o corpo policial (Lei n. 568, de 24 de maio de 1854).

2 - Em 1862 a Força Policial passou a ser constituída de 30 (trinta)  e os de Infantaria em 65 (sessenta e cinco) soldados.  O Comandante da Força Policial passou a ser nomeado dentre os detentores da graduação de Capitão de 1a. Linha  dos da classe dos reformados do Exército (Lei n. 506, de 13 de abril de 1861).

3 - Em 1867 a Força Policial passou a se constituir de  1 (um) Capitão; 1 (um) Alferes; 1 (um) Sargento; 3 (três) cabos; e 26 (vinte e seis) soldados de cavalaria; de 1 (um) Sargento; 1 (um) Segundo Sargento; 6 (seis) cabos; 1 (um) corneta e 61 (sessenta e um) soldados de infantaria (Lei n. 572, de 25 de abril de 1866).

4 - Em 1873, ficou assim constituída: 1 (um) Capitão;  1 (um) Tenente; 2 (dois) Alferes; 1 (um) Sargento;  2(dois) Segundos Sargentos; 6 (seis) Cabos de Esquadra; 70 (setenta) Soldados. A Infantaria contava com 1 (um) Capitão Comandante; 1 (um) Alferes; 1 (um) Sargento; 3 (três) Cabos;  35 (trinta e cinco) Soldados; 1 (um) Corneta. A Cavalaria contava com 1 (um) Tenente; 1 (um) Alferes; 2 (dois) Segundo Sargentos; 3 (três) Cabos de Esquadra; e 35 (trinta e cinco) Soldados. O Comandante da Força Policial deveria ser nomeado dentre os oficiais do Exército, sendo que na falta desse, poderia então ser nomeado dentre um oficial da Guarda Nacional ou outro qualquer cidadão, conforme ocorria nos primeiros tempos de existência da referida Força. Passou a exigir dedicação exclusiva do Comandante, o qual não poderia ter outro emprego.  (Lei n. 662, de 17 de abril de 1872).

5 - Em 1875, já a Força Policial passou a contar com a seguinte estrutura:  1 (um) Major Comandante; 1 (um) Alferes Secretário; 2 (dois) Capitães; 2 (dois) Tenentes;   3 (três) Alferes; 2 (dois) Primeiros Sargentos; 5 (cinco) Segundo Sargentos; 13 (treze) Cabos de Esquadra; 190 (cento e noventa) Guardas; 2 (dois) Cornetas.  Institui o Estado Maior, o qual contava com 1 (um) Major Comandante e 1 (um) Alferes Secretário. As Duas Companhias até então existentes contavam cada uma com 1 (um) Capitão; 1 (um) Tenente; 1 (um) Alferes; 1 (um) Primeiro Sargento; 2 (dois) Segundo Sargentos; 5 (cinco) Cabos de Esquadra; 80 (oitenta) guardas; e 1 (um) Corneta. A Cavalaria contava com 1 (um) Alferes; 1 (um)Segundo Sargento; 3 (três) cabos de Esquadra; e 30 (trinta) Guardas. Possibilitou-se via legislação  a possibilidade de se destacar membros da Força Policial  para prestar serviços nas comarcas que integravam a Província, eis que até então a corporação estava estabelecida na Capital, sob o comando direto do Presidente da Província, aonde prestava serviços de caráter mais imediato. A Lei n. 720, de 6 de maio de 1874 que dispôs sobre a alterações no corpo policial, fixou outras normas a respeito da organização policial, inclusive, deixando expresso sua atuação no combate aos incêndios.

6 - Em 1892 a Força Policial já era comandada por um Tenente-Coronel do Exército, não permitindo-se mais a possibilidade de que membros da Guarda Nacional comandasse o órgão. Constitui-se de 220 (duzentos e vinte) soldados e 10 (dez) oficiais; e outros cargos; 2 (duas) companhias, conforme disposições da Lei n. 129, de 10 de março de 1892.

7 - A Lei n. 407, de 4 de outubro de 1899, mostra a complexidade que a "Força Policial" foi adquirindo com o passar dos anos, com bastante ênfase para o período pós-Guerra do Paraguai, quando o Exército passou a conquistar espaços, levando consigo a Força Policial que era comandada inclusive por um militar do Exército Nacional. A Força Policial passa a seguir a estrutura da corporação Nacional, constituindo-se, de fato, uma organização auxiliar. Passou a possuir  os seguintes cargos: 1 (um) Tenente-Coronel; 4 (quatro) Majores; 10 (dez) Capitães; 13 (treze) Primeiros Tenentes;  17 (dezessete) Segundos Tenentes e 1 (um) Auditor da Justiça Militar, totalizando 46 (quarenta e seis) oficiais. Quanto aos Praças, tivemos 11 (onze) subtenentes; 4 (quatro) Sargentos-Ajudantes; 12 (doze) Primeiros Sargentos; 28 (vinte e oito) Segundos Sargentos ; 65 (sessenta e cinco) Terceiros Sargentos;  25 (vinte e cinco) Primeiros Cabos; 105 (cento e cinco)  Cabos; 676 (seiscentos e setenta e seis) Soldados; 3 (três) Soldados Motoristas; 19 (dezenove) Soldados Corneteiros; 12 (doze) Soldados Músicos de Primeira Classe; 14 (quatorze) Soldados Músicos de Segunda Classe; e 18 (dezoito) Soldados Músicos de Terceira Classe, totalizando 998 (novecentos e noventa e oito) praças.

Fontes:

*Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (acervo documental pesquisado);

*Artigos do autor - webartigos.

[1] Vale lembrar que a partir dos Avisos de 1827/1828 e do Código de Processo Criminal do Império os "Juízes de Paz" (previsto na Constituição de 1824)  constituíam-se as "autoridades policiais", cuja situação se manteve até as reformas de 1841/1842, quando foram restaurados os "Delegados de Polícia" que passaram a deter essa prerrogativa.

[2] A partir da Independência do Brasil a "Força Real" (antigo "Exército), formada por "portugueses" perdeu prestígio e entrou em decadência, sendo esse um dos principais motivos para que o Brasil perdesse o território do atual Uruguai (Província Cisplatina/1826-1828). Com a ausência de uma força militar armada em todo o território nas décadas de trinta e quarenta (século XIX) o Brasil passou a correr sérios riscos de fragmentação/desintegração, especialmente com o retorno de D. Pedro I para Portugal (07.04.1831 - data da abdicação).