I – CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESCRIVÃES DE PAZ:

 Para compreender melhor a trajetória de Werner Pabst em termos de prestação de serviços na esfera policial civil, em cujas funções junto à escrivania foi inicialmente investido por meio de provimento de cargo público,  há que se fazer uma historicização a respeito do cargo de Escrivão de Paz e sua importância tanto em níveis federal e estadual:

a) O cargo de Escrivão de Paz foi instituído a partir do nosso Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império, datado de 1832;

b) eram auxiliares da autoridade policial. Nesse sentido, dispunha o art. 12, par. 3°., que competia aos Juizes de Paz "obrigar a assinar termo de segurana aos legalmente suspeitos de pretensão de cometer algum crime, podendo cominar nesse caso, assim como aos compreendidos no parágrafo antecedente, multa de (...)". O par. 4°., dispunha que competia ao Juiz de Paz "proceder a auto de corpo de delito, e formar a culpa aos delinqüentes". Por fim, o par. 5°., dispunha, ainda,  que lhe competia "prender os culpados, ou  seja no seu, ou em qualquer outro juízo". Também, lhe competia conceder fiança e julgar contravenções às posturas das Câmaras Municipais e etc.;

c) evidentemente que para poder exercer esse complexo de responsabilidades foi que o legislador daquele ordenamento jurídico passado instituiu o cargo de Escrivão de Paz, cujos titulares eram nomeados pelas respectivas Câmaras Municipais, sob proposta dos Juizes de Paz, dentre as pessoas que, além de bons costumes e maiores de vinte um anos, tivessem prática em processos ou aptidão para adquiri-la facilmente (art. 14). No art. 15, par. 4°.,  havia disposição expressa de que aos Escrivães de Paz competia "acompanhar os Juizes de Paz nas diligências de seus ofícios";

d) o referido sistema perdurou até a edição da Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841 que criou as Chefias de Polícia nas províncias e fez  ressurgir os cargos de Delegado e Subdelegado de Polícia que haviam sido extintos por ocasião da entrada em vigor do Código de Processo Criminal do Império (1832);

e)  surge a necessidade de antecipação da maioridade de D. Pedro II, a partir da ascensão dos conservadores ao poder. Retoma-se  a centralização do poder e, em razão disso, também  surge o Regulamento 120, de 31 de janeiro de 1842,  que em seu art. 18, dispunha que "cada subdelegado terá um Escrivão (a cujo cargo estará todo o seu expediente), e o número de Inspetores de Quarteirão que admitir o distrito". O art. 19, por sua vez, dispunha que "tanto os Escrivães, como os Inspetores de Quarteirão servirão perante os Juizes de Paz, os quais com autorização do Juiz de Direito, poderão ter Escrivães separados, quando os julgarem conveniente, e hajam pessoas que queiram servir esse cargo separadamente";

f) em termos de nosso Estado as determinações contidas no Código de Processo Criminal do Império foram acatadas em diversas legislações. A grande reforma imperial  que veio a ocorrer com a edição da Lei n. 2.033/1871,  regulamentada pelo Decreto n. 4.824/1871, trouxe importante inovação quanto aos trabalhos cartorários de natureza policial. O art. 81, desse Decreto Imperial,  dispôs expressamente que “Os Delegados de Polícia poderão ter Escrivães Especiaes”. Não obstante essa  inovação e que pretendia minimizar os serviços prestados pelos Escrivães de Paz, a verdade é que a Lei n. 105, de 19 de agosto de 1891 (primeira legislação que tratava sobre a organização policial no Estado), deixou de trazer em seu bojo qualquer disposição acerca da criação desses cargos de Escrivães Especiaes (Polícia). Nesse mesmo sentido,  a  Lei n. 856, de 19 de outubro de 1910 - pode-se dizer  que se constituiu a primeira legislação que prescreveu disposições relativas à organização e estruturação da Polícia Civil no Estado de Santa Catarina -,  em seu art. 7°., dispôs que as autoridades policiais tinham como seus auxiliares os escrivães dos juizes de paz. O art. 13,  estabeleceu também que "os escrivães  dos juizes de paz servirão perante as autoridades policiais; e nos districtos, em que não houver escrivão de paz, os subdelegados nomearão os seus escrivães". Ainda, no art. 25, foram definidas pela primeira vez em legislação estadual as atribuições desses profissionais. Já o capítulo VI, tratou  com exclusividade das atribuições dos ocupantes do referido cargo, denominando-se:  "Dos Escrivães da Polícia" e não   "Escrivães de Polícia" para caracterizar a carreira, bem como estabeleceu as suas atribuições. Mais a seguir, veio a  Lei n. 1.174, de 3 de outubro de 1917 que em seu art. 6°, dispunha que "a recusa dos escrivães de paz dos districtos das sedes da comarcas, como substitutos dos escrivães do crime, quando estes forem legalmente impedidos, e dos escrivães dos demais districtos de servirem com as autoridades policiais nos autos de corpo de delito e demais actos de competência destas, que não seja fundada em causa legal, suspeição ou incompatibilidade alleada e jurada será punida com multa de cinqüenta mil réis e o dobro na reincidência".  O artigo 8°., da supramencionada Lei, dispunha, ainda, que "os escrivães de paz, quando servirem sem interrupção, como escrivães do crime nas delegacias e sub-delegacias policiais receberão mensalmente e mediante attestado da respectiva autoridade policial, a título de verba para expediente: nos districtos sedes de comarca 10$000. Nos demais districtos 6$000. Parágrafo único. Nas comarcas em que houver escrivão privativo do crime, excepto na da Capital, caberá a este a verba assim estipulada";

g) a Lei n. 1.297, de 16 de setembro de 1919, em seu artigo 1°., inciso VII,  determinava que “junto a cada uma das Delegacias Auxiliar e da 1a Região, funcionará um Escrivão (surge então os primeiros cargos de Escrivães Especiais), remunerados pelos cofres do Estado, de acordo com o que for fixado pela lei orçamentária”. O inciso VIII, do mesmo artigo, seguindo ainda a herança do Brasil colônia (época da vigência das Ordenações do Reino) dispunha que: "o cargo de escrivão da polícia,  nas sedes das comarcas passará a ser exercido pelo respectivo  escrivão de paz"; h) Por meio do Decreto-Lei n. 462, o Interventor Federal no Estado - Nereu Ramos, dispôs sobre os cargos de Delegado Regional de Polícia, os quais deveriam ser ocupados por bacharéis em direito. O art. 3° preconizava  que "junto a cada Delegacia Regional funcionará um Escrivão com as vantagens e garantias que as leis vigentes lhe assegura". Assim, até a década de sessenta  os Escrivães de Polícia atuavam nas Delegacias Regionais de Polícia e na antiga Delegacia de Ordem Política e Social - DOPS;

i) A Lei n. 1.017, de 16.12.1953, em seus respectivos anexos, ao dispor sobre modificações em cargos isolados de provimento em comissão e de provimento efetivo no Estado, mostra que haviam sido criados 19 (dezenove) cargos de Escrivão de Polícia para atuarem junto às Delegacias Regionais de Polícia - DRP(s)e 2 (dois) Escrivães para terem atuação na extinta Delegacia de Ordem Política e Social - DOPS, totalizando 21 (vinte e um) cargos de Escrivão de Polícia;

j) ocorre que os referidos titulares dos cargos isolados de provimento efetivo tinham lotação nas DRP(s) ou no DOPS, sendo que nas Delegacias de Polícia de Comarca, municipais e distritos, continuava a viger o antigo sistema, ou seja, os serviços de cartório ficavam afetos aos escrivães de paz, conforme a legislação apresentada;

k) Com a reforma realizada pelo Governo Celso Ramos em 1964, foi reorganizada a Secretaria de Segurança Pública. Também, as Delegacias Especializadas foram reestruturadas na Capital do Estado, fixando-se  nova estrutura para a organização policial civil, conforme determinações contidas na Lei n. 3.427, de 9 de maio de 1964. Diante da criação de novas repartições policiais, tiveram que dotar as respectivas Delegacias de Polícia de um cartório. Outro fato bastante marcante no desenvolvimento da Polícia Civil  foi a nova classificação das Delegacias de Polícia em duas graduações: 1a. Categoria - sediada nas sedes de comarcas - DPCO(s) e as de segunda categorias, sediadas nos demais municípios. Instituiu, nas referidas unidades policiais o cartório (art. 24), sendo que nas sedes de DRP(s), havia um único cartório, o qual serviria a DRP e a DPCO. O art. 56, da sobredita Lei, dispôs que: "os cargos de Escrivão de Polícia, criados por esta lei serão lotados nas Delegacias de Policia de 1a. Categoria (sedes de comarca), onde não haja tais escrivães privativos".  O parágrafo primeiro, do mesmo dispositivo dispunha que:  "aos serventuários ou auxiliares de justiça que desempenham as atribuições de Escrivão de Polícia, nas sedes das comarcas a que se refere este artigo, é facultado optar pelo novo cargo ora criado". O parágrafo segundo dispunha que o prazo da opção era de noventa dias. A referida Lei aumentou o efetivo de escrivães de polícia, cuja carreira passou a totalizar 12 (doze) cargos padrão I-30; 1 (um) cargo padrão I-27; e 13 (cargos) de Escrivão de Polícia I-25; e, finalmente, 28 (vinte oito) cargos padrão I-23;

l). Dentro desse último nível foi que se encerrou a presença dos escrivães de paz nas Delegacias de Polícia, pois, ao realizarem a opção prevista na Lei, foram transposicionados dos cargos de Escrivães de Paz para os cargos de Escrivães de Polícia, cuja categoria continuou a desenvolver as mesmas funções que eram exercidas anteriormente por aqueles serventuários da justiça. A partir dessa nova situação funcional, continuaram a ter atuação nas mesmas Delegacias de Polícia de Comarca onde já se encontravam lotados anteriormente;

m) como já foi registrado anteriormente, a função de Escrivão de Polícia - como cargo isolado - só foi criada no  Estado de Santa Catarina a partir do final da segunda década  deste século, conforme se verifica por meio da Lei n. 1.297, de 16 de setembro de 1919, que reorganizou a Policia Civil do Estado;

n) a meu  ver, com isso, o legislador reconheceu aos antigos Escrivães de Paz, quando no exercício da função de Escrivão de Polícia, o efetivo exercício da atividade policial. Também, quando facultou mais tarde o direito de opção àqueles serventuários da Justiça de serem investidos em cargo efetivo de Escrivão de Polícia, ao exercitarem o direito de opção, passaram a ter direito de contar o tempo anterior à opção como de efetivo exercício da atividade policial, eis que exerciam função de acordo com a legislação existente na época e, também,  porque na Polícia Civil  não havia ainda sido instituída carreira para atender a demanda de serviços nos cartórios das Delegacias de Polícia;

o) como já mencionado  na introdução deste comentário, foi a Lei n. 4.441, de 21.5.70 (reformou o Quadro Geral do Poder Executivo, classificou cargos, reestruturou e instituiu novas carreiras policiais civis, -  no parágrafo primeiro, do art. 2°.), que dispôs que "os cargos isolados de provimento efetivo serão, sempre  que possível, agrupados e transformados em carreira”, o Grupo Ocupacional: Polícia Civil passou a ser  integrado pela carreira de Escrivão de Polícia. Mais remotamente, a Lei de 6 de dezembro de 1612, par. 22 e a Lei de 22 de setembro de 1822,  art. 2°., par. 1°., haviam estabelecido que os Escrivães podiam ter até dois Escreventes juramentados, os quais eram nomeados pelos juizes perante quem serviam os Escrivães. 

II – O CASO DO ESCRIVÃO WERNER PABST:

No Estado de Santa Catarina, já no início do Século XX, os Escrivães de Paz tinham como principal atribuição, quando devidamente designados pela autoridade competente, exercer encargos da respectiva escrivania junto à repartição policial  existente, haja vista a inexistência de titular para exercer essa função e, segundo, porque assim era a determinação contida na legislação vigente à época. Nesse caso, não tinham direito a vencimentos pagos pelos cofres públicos, contando, apenas,  com o direito à percepção de custas cobradas das partes.

Com a reestruturação da Secretaria de Segurança Pública (década de sessenta) e a conseqüente desanexação das escrivanias de paz (para as quais esses serventuários eram nomeados originariamente,  pois,  poderiam ser afastados em vista do direito de opção que lhes era facultado exercer (Decreto de 13 de agosto de 1964),  muitos desses profissionais acabaram por ser confirmados nas funções policiais civis,  passando a ser providos nos  cargos de Escrivão de Polícia. A partir dessa medida,   tiveram editados novos atos de nomeação - de acordo com o art. 13, II, da Lei n. 198, de 18 de dezembro de 1954 (antigo Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado). Essa medida teve amparo nos parágrafos 1° e 2°, do artigo 56, da Lei n. 3.427, de 09 de maio de 1964, que dispôs que em caso de opção,  passariam a exercer as funções exclusivas de Escrivão de Polícia, padrão I-23, do Quadro Geral do Poder Executivo. Esses novos servidores permaneceram no exercício de suas funções, geralmente,  na mesma Delegacia de Polícia a que já estavam vinculados anteriormente. Para se entender melhor as  transformações porque passou a carreira de Escrivão de Polícia, gostaria de  citar o caso de Werner Pabst com quem tive o privilégio de  realizar documentário e  entrevista  no ano de 1996 em sua residência na cidade de Indaial:  em 29 de dezembro de 1976, por Ato n. 3.621, de acordo com o artigo 14, da Lei n. 5.267, de 21 de outubro de 1976, Pabst foi enquadrado, por transposição, com fundamento no art. 8°., da Lei n. 5.266, de 21 de outubro de 1976, do cargo de Escrivão de Polícia de 1a. Classe, padrão PF-17, do Quadro Geral do Poder Executivo, no cargo de Escrivão de Polícia, Código PC-ANM-9D, do Subgrupo: Atividades de Nível Médio, do Grupo: Polícia Civil, criado pelo art. 7°., anexo II, da referida Lei. Finalmente, em 1º de março de 1977,  foi aposentado de acordo com a Portaria n. 0154/77/SEA, com proventos da Lei. Durante todo o período  em que exerceu suas funções junto à escrivania, a partir de sua investidura originária ocorrida no início da década de quarenta, ainda como Escrivão de Paz, já havia sido designado expressamente para prestar serviços também no cartório da repartição policial, sob pena de sofrer sanções disciplinares. O policial veterano foi nomeado para o cargo de Escrivão de Paz, de acordo com o disposto no art. 169, do Decreto-Lei n. 431, de 19 de março de 1940, no distrito sede, do município e comarca de Indaial.