A Extinção da Carreira de Inspetor de Polícia 

I - Provimento derivado/acesso/transposições: O Poder Judiciário e os outros:

A Lei n. 1.149, de 23 de agosto de 1993 que tratou também do instituto do acesso/transposição no Poder Judiciário do Estado (formas de provimento derivado), fez incluir na Lei Complementar n. 090, de 01 de julho de 1993 (criou o Plano de Carreira dos  servidores do Poder Judiciário), em seu art. 4°, inciso XI e XII, o seguinte:

"...e, por acesso, a outro cargo do mesmo grupo ocupacional ou de grupo ocupacional imediatamente superior"; e, também, instituiu a "transposição" - na qual se subsume no "deslocamento do servidor de um cargo para outro de atribuições correlatas". 

II - Provimento derivado - Transposição de Policiais Carcereiros dentro do mesmo Grupo Ocupacional (Poder Executivo - Polícia Civil):

Antes da Lei n. 1.139/93 no âmbito do Poder Judiciário, nós já tínhamos operado uma transposição no âmbito da nossa Polícia Civil.  Isso decorreu de lutas que travamos na década de oitenta pela extinção da carreira de "Policial Carcereiro" dentro da Polícia Civil.

Nas nossas andanças pelo Estado observávamos a imposição da obrigação de presos nas Delegacias de Polícia e não podíamos recursar essa atribuição justificada pela existência de uma carreira com essa competência legal: cuidar de encarcerados. Aliás, registre-se que essa atribuição era histórica, remontando à criação dos primeiros cargos de Delegado de Polícia no século XVIII que nos obrigava a responsabilidade de cuidar de presos era da Polícia Civil.

Porém, com os avanços na administração pública e na Justiça, essa atribuição foi sendo repassada ao Sistema Prisional, considerando o seu desenvolvimento e estruturação ao longo das últimas décadas, exigindo que os Delegados de Polícia cuidassem de suas competências constitucionais/legais.

Depois de muitas lutas (com oposição do  sistema prisional do Estado representado pelo memorável Delegado Ewaldo Vilella - Diretor do Diap/1992) conseguimos aprovar a LC 55/92 que dispôs acerca do enquadramento dos Inspetores de Polícia na carreira de Investigador Policial (no referido texto conseguimos incluir também os detentores de cargos de Agentes Operacionais). No caso dos nossos Policiais Carcereiros, desde que exercessem o direito de opção no prazo de 30 (trinta) dias seguintes à publicação da referida Lei: uma imposição do Delegado Ewaldo Vilella defendendo os interesses dos Sistema Prisional e do próprio Secretário de Segurança Pública - Cel. Sidney Pacheco, preocupados com os problemas prisionais, já que a Polícia Civil deixaria de ser coadjuvante no encarceramento de presos.

De qualquer forma, aceitamos essas imposições porque sabíamos que ninguém dos Policiais Carcereiros (e Agentes Prisionais) optaria em ser transposto para a carreira de Agente Prisional, pois preferiria ser "Investigador de Polícia (carreira extinta com o advento da LC 453/2009, cujos cargos foram transpostos para a carreira de Agente de Polícia).

Vale registrar que um dos benefícios que veio da edição da LC 55/92 foi a exigência de habilitação de curso de segundo grau para investidura inicial nos cargos da referida carreira, a exemplo do que veio a ocorrer também com as carreiras de Escrevente Policial e Técnico em Necrópsia (todas extintas por meio da LC 453/2009).

Nos anos que se seguiram à entrada em vigor da LC 55/92 não mais houve presos em Delegacias de Polícia, no entanto, após a eleição do Governador Paulo Afonso, mesmo sem a carreira de Polícia Carcereiro, houve um "acordo" (Governo/Judiciário/SSP/Secretaria de Justiça/Diap) para que os presos voltassem para as Delegacias de Polícia, isso com o forma de aliviar as tensões no Sistema Prisional.

III - Provimento derivado - Transposição dos Inspetores de Polícia dentro do mesmo Grupo Ocupacional (Poder Executivo - Polícia Civil): Dois Pesos e Duas Medidas:

A Lei nº 4.702, de 30 de dezembro de 1971, criou a carreira de Analista de Informações, transformada em Inspetor de Polícia por meio da Lei nº 6.493, de 11 de dezembro de 1984.

A Lei n. 8.520, de 9 de janeiro de 1992, determinou a transformação dos membros dessa categoria em Peritos Criminalísticos, sem alteração dos níveis e vencimentos, subordinando o enquadramento ao exercício do direito de opção, no prazo de 30 (trinta) dias da publicação da referida Lei. Alguns ocupantes de cargos da carreira extinta não exerceram o direito de opção, permanecendo em situação inusitada, posto que continuavam exercendo as funções de Inspetor de Polícia, apesar de ter sido a referida carreira extinta, tendo como resquícios, tão somente, seus próprios cargos que passaram a ser isolados. Esses poucos que permaneceram numa espécie de disponibilidade, por via de consequência, não poderiam mais ter progressão funcional e readaptação, originando-se uma  situação de completa insegurança funcional, posto que nem atribuições teriam.

Mais correto, a meu ver, sem embargo do possível vício de inconstitucionalidade, teria sido então a determinação pura e simples do enquadramento de todos os ocupantes dos cargos efetivos de Inspetores de Polícia, sem ser  facultado esse  exercício do direito de opção, de acordo com as disposições contidas na sobredita legislação.

Para os mais novos, a carreira de  Inspetor de Polícia se traduzia em elo sequencial entre as carreiras ditas investigatórias e cartorárias (além das atividades administrativas) e os Delegados de Polícia. Nesse sentido,  deveria funcionar como vetor de arrefecimento de tensões relativas à progressão funcional, na medida em que deve também absorver policiais civis com nível superior, dentro de parâmetros de expectativa funcional, principalmente, considerando a limitação de vagas existentes na graduação de Delegado de Polícia Substituto.

Foi assim que nasceu a ideia de se recriar a carreira de Inspetor de Polícia, conforme dispõe o art. 18, da LC 55/92. Outro dado importante nesse processo de tentativa de extinção da carreira de Inspetor de Polícia,  por meio da Lei n. 8.520/92, foi que a referida legislação em momento algum revogou expressamente o disposto no art. 10, inciso I, do Estatuto da Polícia Civil, considerando que essa legislação se constitui Lei Especial, devendo as suas disposições serem revogadas expressamente.

Com relação à transferência dos cargos da carreira de Inspetor de Polícia para a carreira de Perito Criminalístico, conforme disposições previstas  na Lei n. 8.520/92, a ACRISC - Associação dos Criminalísticos de Santa Catarina, ajuizou arguição de inconstitucionalidade da referida lei e obteve êxito, cuja demanda foi patrocinada pelo nosso insigne advogado e Delegado de Polícia aposentado - Luiz Darci da Rocha, conforme acórdão  a seguir transcrito:

Extinção da carreira de Inspetor de Polícia:

Ação Direta de Inconstitucionalidade — controle repressivo - competência do Tribunal de Justiça — ilegitimidade passiva ad causam — Lei n. 8.520, de 09.01.92 e art. 18, respectivos pars.  da LC 55/92 — incompatibilidade vertical — pleito procedente ex vi do art. 125, par. 2º, da Magna Carta e art. 84, da Constituição Estadual, o órgão Especial do Tribunal de Justiça é competente para conhecer e declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual e municipal. Ostentando a entidade de classe de âmbito estadual coeficiente de representatividade da categoria, com solidariedade de interesses comuns, há legitimidade ativa ad causam para manejar o controle da constitucionalidade por ação. A transformação por lei do cargo de Inspetor de Polícia para Perito Criminalístico é inconstitucional, retroagindo (ex tunc) até o dispositivo acoimado de írrito. Pressupõe o provimento derivado a existência de nexo com a função pública originária. Ausente tal requisito a situação normativa não pode persistir. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 76, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho,  DJ - 8.871, de 22/11/93, p. 5).

 

De sorte que o crespúsculo da carreira dos Inspetores de Polícia desaguou na tentativa frustrada (pela Justiça) dos titulares de cargos migrarem para a carreira de "Perito Criminalístico". O obstáculo se deveu por parte da da Justiça que noutras situações similares não se opôs à forma de provimento derivado, muito pelo contrário, ela mesma aprovou a Lei n. 1.149, de 23 de agosto de 1993 que tratou também do instituto do acesso/transposição, inclusive fazendo incluir na Lei Complementar n. 090, de 01 de julho de 1993 (criou o Plano de Carreira dos  servidores do Poder Judiciário), em seu art. 4°, inciso XI e XII, a possibilidade de provimento derivado por meio do: "...acesso, a outro cargo do mesmo grupo ocupacional ou de grupo ocupacional imediatamente superior". Também, instituiu a "transposição" - na qual se subsume no "deslocamento do servidor de um cargo para outro de atribuições correlatas" (poderíamos até cogitar que no Poder Judiciário o poder de se sambar e se legisferar nas letras pode beirar o absolutismo). 

Noutro norte, lá para as bandas dos menos afortunados (leia: Polícia Civil), conseguiu-se  com muito custo extinguir a carreira de Policial Carcereiro, para por fim a nossa atividade prisional/carcerária que remontava há séculos, considerando a modernização do Estado que passou essa responsabilidade à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania/Deap. Especificamente, nesse caso, obrou-se que os ocupantes de cargos de Policial Carcereiro (pertencente ao Grupo: Polícia Civil) fossem aproveitados na carreira de Investigador Policial (a exemplo dos Agentes Operacionais, cuja carreira também foi extinta (LC 55/92).

Tudo começou com os Analistas de Informações,  cuja carreira foi criada no início da década de setenta por meio da Lei nº 4.702, de 30 de dezembro de 1971, logo após a Secretária de Segurança Pública (com a nomenclatura da Lei n. 3.427, de 9 de maio de 1964) ter sido transformada em Secretaria de Segurança e Informações (por meio da a Lei n. 4.547, de 31 de dezembro de 1970 e Decreto n. 1.021, de 26.10.71). No entanto, na década de oitenta, com os novos ares de democratização do país, essa carreira mudou seu nome passando a se denominar "Inspetrores de Polícia (Lei nº 6.493, de 11 de dezembro de 1984), sendo extinta por força da LC 453/2009 que reenquadrou seus cargos na supercategoria em nível superior de Agentes de Polícia (também resultado da extinção das carreiras de Comissário de Polícia e Investigador Policial), tendo como parâmetro a estrutura de carreiras da Polícia Federal, sem que houvesse qualquer judicialização do assunto.

Caso naquela época tivessem obtido êxito na prestação jurisdicional  os Inspetores de Polícia teriam sido reenquadrados por transposição na carreira de Perito Criminalístico/Legistas, cuja pretensão resistida pelos "experts", representados pelo Advogado Dr. Luiz Darci da Rocha (Delegado aposentado), que na sua petição inicial chegou a citar que a legislação (Lei n. 8.520, de 09.01.92) que pretendia fazer operar a sobredita "transposição" mais parecia "samba de crioulo doido".

Assim, os Inspetores de Polícia, ex-braços direito dos Delegados de Polícia, ao invés de serem investidos nos cargos pretendidos, tiveram que se contentar em ser Agentes de Polícia, com considerável prejuízos salariais e uma triste história para contar, bem diferente do destino reservado para os Peritos Criminalísticos (grandes vencedores...) pois, primeiramente, apoderaram-se sem qualquer resistência de uma área estratégica e patrimônio da Polícia Civil (já tinham tentado isso sem êxito na Constituinte Estadual de 1989, porém, não conseguiram apoio dos Médicos Legistas que sempre estiveram do lado Delegados de Polícia...) e, por último, estabeleceram isonomia salarial (equiparação) com as autoridades policiais (como escreveu o Dr. Luiz Darci, outro "samba de crioulo doido", já que a Justiça tem negado quaisquer formas de "equiparações" salariais para alguns casos, enquanto que para outros...).

Dito isso e girando a nossa bússola, sem querer adentrar no campo das responsabilidades dos Delegados de Polícia e policiais civis, da jornada de trabalho, da dedicação exclusiva, das proibições quanto acumulações de funções/cargos públicos/privados, das cobranças da Justiça e da sociedade... e também da importância e relevância das categorias funcionais mencionadas, apenas para completar o assunto e reflexão, republico artigo recentemente postado neste espaço:

"LC 453/2009: Avanços e retrocessos.

Neste dia a LC 453, de 05 de agosto de 2009 faz aniversário. A bem da verdade, foi uma reedição da LC 98/93 (Lei Especial de Promoções),  resultando em avanços e retrocessos para a Polícia Civil, além de promover uma reclassificação de cargos.

De certa forma essa legislação cumpriu o seu papel de promover reformas necessárias, muito embora tratando velhos temas sem inovar, o que ao meu ver serviu apenas para "maquiação" em termos de expectação por reformas de base em nível institucional.

Em suma, seus feitores se revelaram, no mínimo, claudicantes quanto a necessidade de realmente se modernizar a instituição (autonomia institucional, lista tríplice e etc).

Por derradeiro, faço algumas considerações sobre a novatio legis, especialmente, para aqueles que estão ingressando na instituição:

a) Pontos positivos:

1.  A estrutura jurídica da carreira de Delegado de Polícia e o sistema de lotação (este tratado nas LC 55/92, 98/93 e no Dec. 4.196/1994) ficou melhor definido (art. 5º).  Os Delegados Lipinski, Rachadel e Redondo juntamente com o Deputado-Delegado Júlio Teixeira já haviam tentado fazer essa reforma, entretanto, não lograram êxito. As referidas autoridades policiais conseguiram aprovar a LC 178/99 que teve sua vigência contestada (vício quanto a origem), ficando suspensa por força de liminar concedida pelo STF,  na ação de arguição de inconstitucionalidade proposta pelo Governo Esperidião Amin, por meio da Procuradoria-Geral do Estado (ADIn n. 2029-3, publicada Liminar: Acórdão, DJU 08.10.99). A referida legislação complementar  pretendeu promover as alterações aos Anexos I e II, da LC 55/92, objetivando fixar as mesmas modificações promovidas no âmbito do Poder Judiciário (Lei  Complementar 160, de 19.12.97) e ao Ministério Público, entretanto, sem que fosse mantida a mesma orientação original acerca da aplicação subsidiária. 

2. As redações dos arts. 80 (Delegado Geral, o Delegado Geral Adjunto e os Delegados de Polícia são Órgãos Personalizados da Polícia Judiciária de carreira, com autonomia funcional e operacional) e 81 (prerrogativas e etc.) se constituíram um dos pontos fortes da lei, consagrando satisfatoriamente o que se pretendeu nas LCs 55/92 e 98/93 com o sistema de entrâncias.

b) Pontos negativos:

1. Instituiu uma super carreira de Agentes de Polícia (art. 10 e ss.), com curso superior, sem que se atentasse para o que ocorre por exemplo na PF. Ademais, muitos agentes continuam a exercer funções primárias (motorista, telefonista, atendente, recepcionista e etc.), todos "doutores" e nesse clima os Delegados foram nivelados por baixo (nada contra o curso superior, aliás, fizemos essas reformas na LC 55/92, mas mantivemos as carreiras de segundo grau). O fato é que a criação de uma supercarreira de "agentes" engessou a instituição e delineou uma divisão perigosa entre "nós e o resto", sem contar os lobbies quanto a se tentar aprovar alguma matéria de interesse institucional ou classista.

2. A definição do princípio da hierarquia (art. 25 e ss.) a bem da verdade se mostrou retrógrado, na medida em que manteve o velho sistema da prevalência da hierarquia da função sobre os cargos, favorecendo as ingerências políticas e os interesses escusos dos dirigentes da instituição em aquinhoar amigos e menosprezar seus, digamos, desafetos ou excluídos. A bem da verdade, esse velho sistema tem sido o grande responsável pelas ingerências políticas na instituição e por nos transformarmos em "boi de piranha" para políticos e, alimentando uma "autofagia" interna a cada alternância de governo ou direção da Pasta/SSP e cúpula da Polícia Civil. Delegados novos são cooptados ou seduzidos por cargos em comissão e se transformam em defensores da moralidade, da ética, dos princípios... A bem da verdade, a "hierarquia" só tem servido como instrumento de controle disciplinar, nas mãos justamente daqueles impostos nos cargos de direção para representar os políticos e governos. Talvez esteja aí a principal explicação a respeito do governo não querer ouvir falar em lista tríplice, muito menos eleição direta para a direção da Polícia Civil. E o que dizer sobre autonomia institucional? Realmente, fazemos o inverso e nos distanciamos das reformas tão necessárias, tudo isso temperado pelo jogo das vaidades.

3.  A LC 98/93 mostrou nitidamente o quanto nós somos incompetentes para gerir nossas atividades administrativas (como as progressões funcionais). Mas foi uma tentativa que revelou uma realidade indigesta. A LC 453/2009 procurou manter a modalidade de promoção por merecimento, seguindo basicamente os mesmos parâmetros da legislação especial revogada. A nosso ver isso também se constituiu um grande erro, pois a experiência demonstrou que na atual conjuntura é melhor termos somente as promoções por "antiguidade" e "ato de bravura", já que o resto é uma indústria dos diplomas em detrimento do trabalho".