HIPÓTESES DE CABIMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO

 

[1]Beatriz Pereira Soares

[2] Geraldo Edilson Pereira

 

INTRODUÇÃO

 

Nos termos do supra mencionado artigo 5°, inciso LXXI, da Constituição Federal, o mandado de injunção será cabível sempre que a ausência de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais, bem como das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.

Inicialmente, faz-se indispensável uma analise dos requisitos necessários para se intentar o mandado de injunção. Resumidamente:

1°- Direitos e liberdades constitucionais previstos em normas de eficácia limitada;

2°- Ausência de norma regulamentadora para efetivar esses direitos, liberdades ou prerrogativas ligadas à nacionalidade, à soberania e à cidadania (Omissão do Poder Público);

3°- Inviabilidade do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa em virtude da falta de normatividade.

É importante ressaltar, que algumas normas constitucionais não têm aplicabilidade imediata, dependendo da edição de normas infraconstitucionais, para que possam produzir todos os efeitos nelas preconizados, e desejados pelo legislador constituinte. São normas constitucionais a que a doutrina tradicional chama de normas constitucionais não autoexecutaveis, e que, no direito pátrio, são amplamente conhecidas como normas de eficácia limitada, conforme lição de José Afonso da Silva.

O mandado de injunção, como lembra Pedro Lenza, serve para elidir, a denominada síndrome de inefetividade das normas constitucionais, ou seja, das normas que, de imediato, no momento em que são promulgadas, não têm o condão de produzir todos os efeitos pretendidos pelo constituinte, necessitando de uma interpretação infraconstitucional.

Entende-se por norma regulamentadora não só as normas legais, como também as demais normas regulamentadoras, que deveriam ter sido editadas, mas não o foram, por órgãos e pessoas jurídicas pertencentes aos Três poderes, inclusive da Administração indireta.

Somente será cabível o mandado de injunção, portanto, conforme redação do dispositivo constitucional, na ausência de norma regulamentadora que garanta o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, expressamente albergados pelo Título II da Constituição, que trata dos direitos individuais, coletivos e sociais, ou que estejam inseridosem outros Capítulosda Constituição, como por exemplo, as limitações do poder de tributar.

Será igualmente cabível o mandado de injunção na hipótese de omissão na edição de normas que inviabilizem o exercício das prerrogativas referentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, conforme previsto, por exemplo, no Capítulo III do titulo II da Constituição, relativo à nacionalidade, e no Capítulo IV do mesmo Título, que trata “dos direitos políticos”.

HIPÓTESE EM QUE NÃO CABE O MANDADO DE INJUNÇÃO

 

Como visto, o mandado de injunção será cabível quando houver injustificável inércia do Estado na edição de normas regulamentadoras que concedam efetividade às normas constitucionais não autoexecutaveis, também conhecidas por normas constitucionais de eficácia limitada.

Como conseqüência disso, a toda evidencia o remédio constitucional em estudo não será cabível quando estivermos diante de normas constitucionais autoexecutaveis, uma vez que referidas normas constitucionais, já estão aptas e produzem, imediatamente, os efeitos pretendidos pelo constituinte, não dependendo da edição de qualquer diploma infraconstitucional, para alcançar tal mister.

Ademais, conforme ensinamento de Alexandre de Morais também não será cabível a impretação de mandado de injunção para buscar alterar lei ou ato normativo já existente, sob o fundamento de que este último seria incompatível com a Constituição. Da mesma forma, não será cabível o mandado de injunção para exigir certa interpretação par a legislação infraconstitucional já existente, ou, ainda, para pleitear uma aplicação mais justa da lei já editada.

LEGITIMAÇÃO ATIVA E PASSIVA DO MANDADO DE INJUNÇÃO

No que tange à legitimidade ativa, o mandado de injunção pode ser intentado por qualquer pessoa, natural ou jurídica, nacional ou estrangeira, que se veja impedida de exercer os direitos e as liberdades constitucionais, e também as prerrogativas inerentes a nacionalidade, soberania e cidadania, em razão de omissão do Poder Público em editar normas infraconstitucionais que confiram efetividade às normas constitucionais de eficácia limitada.

Em relação à legitimidade passiva somente podem ser sujeitos passivos dessa ação os entes estatais que tinham o dever de editar a norma necessária ao exercico dos direitos constitucionais, e que não o fizeram.

Por esta razão, conforme esclarece Alexandre de Morais, particulares não poderão figurar no pólo passivo desse tipo de ação, já que estes não têm o dever de editar quaisquer normas, nem será possível a formação de litisconsórcio passivo, em quaisquer de suas modalidades (necessário ou facultativo), entre particulares e entidades estatais.

MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO

O Mandado de injunção coletivo é admissível, por aplicação analógica do mandado de segurança, previsto no art. 5˚, LXX, da Constituição Federal,

Os legitimados para propositura do mandado de injunção coletivo, aplicando-se por analogia o disposto no mandado de segurança coletivo, são os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, organizações sindicais, entidades de classe e associações legalmente constituídas, e em pleno funcionamento há, pelo menos, um ano. Contudo, certos requisitos foram dispensados para a garantia dos Direitos.

Assim, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a respeito de mandado de injunção impetrado por sindicato que para requerer mandado de injunção não é necessário que a pessoa jurídica tenha sido constituída há pelo menos um ano, pois o artigo 5˚, inciso LXX, b, da Constituição refere-se ao mandado de segurança coletivo e não ao mandado de injunção.

Ao contrario do que se dá ao mandado de injunção individual, em que a legitimação ad causam é ordinário, no mandado de injunção coletivo a legitimação será sempre extraordinária, atuando os legitimados em nome próprio, mas em defesa de direitos transindividuais de terceiros.

Por este aspecto, nota-se uma interpretação no sentido de ampliar as possibilidades de ajuizamento (legitimidade ativa) do mandado de injunção em  relação ao mandado de segurança.

COMPETÊNCIA

A competência para o julgamento do mandado de injunção se estabelece de acordo com a autoridade responsável pela elaboração da norma regulamentadora, ou seja, a competência será definida conforme a autoridade responsável pela edição da norma faltosa. A Constituição brasileira enumera as competências jurisdicionais para o julgamento do mandado de injunção. Referidas competências são fixadas, levando em consideração o órgão ou autoridade que deveria ter elaborado a norma regulamentadora.

Art. 102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

q) - o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

II – julgar, em recurso ordinário:

a) o habeas corpus , o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

Art. 105 – Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

h) – o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

Art. 121- ...

Par. 4º. – Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais, somente caberá recurso quando:

V – denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, ou mandado de injunção.

Art.125-

§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

 

 

O artigo 54, XIV, da lei 8.906/94, estabelece expressamente a competência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para ingressar com mandado de injunção, ao dispor que: “compete ao conselho Federal ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei”.

Com efeito, é importante ressaltar que cabe ao Ministério Público defender o regime democrático (CR, art. 127), que se assenta necessariamente no exercício dos direitos e liberdades fundamentais referidos no permissivo do mandado de injunção, bem como cabendo-lhe zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição (CR, art. 129, II), por certo que, além da ação de inconstitucionalidade por omissão (CR, art. 103, § 2º), terá iniciativa do mandado de injunção, naturalmente dentro dos limites de atribuições de cada instituição e de cada órgão.No mesmo artigo 6˚. da Lei Complementar 75/93 encontramos previsão expressa para sua legitimidade: “Promover outras ações, nela incluindo o mandado de injunção, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos.”

PROCEDIMENTOS E EFEITOS DA DECISÃO

Quanto ao procedimento do mandado de injunção, serão observados, no que couberem, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica.

A natureza jurídica da decisão judicial no mandado de injunção, e seus efeitos é um dos temas que geram os mais virulentos discursos na doutrina e jurisprudência. Podemos destacar dois posicionamentos a cerca de tais efeitos:

I - Concretista: segundo tal posicionamento, a sentença que concede a injunção é de natureza não só declaratória, mas também constitutiva, uma vez que viabiliza o exercício do direito, que necessita de regulamentação infraconstitucional, até que sobrevenha a regular edição da norma. Essa teoria é subdividida em:

- Concretista Geral: através da criação de normas, o judiciário legisla no caso concreto, produzindo a decisão com efeitos erga omnes até que sobrevenha norma integrativa pelo Legislativo. Significa que a decisão judicial além de implementar o exercício do direito inviabilizado, sua decisão possuirá efeitos erga omnes.

- Concretista individual: diversamente da corrente anterior, a decisão terá seu alcance restringido às partes. Essa decisão com efeito inter partes é dividida em:

a) direta: quando o provimento judicial vai ser imediatamente viabilizado o direito;

 b) intermediária: a decisão, reconhecendo a lacuna legislativa, abre prazo para que o legitimado inerte se manifeste para a elaboração da norma regulamentadora, em não o fazendo, o Poder Judiciário poderá implementar as condições necessárias para que o titular da demanda possa usufruir de seu direito.

II – Não concretista: ressalta que a sentença que concede a injunção é de natureza exclusivamente declaratória, tendo por objeto apenas o reconhecimento, por meio de sentença, da omissão legislativa na edição da norma complementar. É importante ressaltar que referida corrente, iguala os efeitos do mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

O Supremo Tribunal Federal apresentou, ao longo dos anos, uma evolução em seu posicionamento em relação aos efeitos da decisão proferida no mandado de injunção.

Com efeito, o STF possuía posicionamento jurisprudencial no sentido de que não podia “obrigar o legislador a legislar”, sob pena de violar o princípio da separação de poderes. Com isso, a decisão em mandado de injunção terminava por se tornar meramente declaratória: reconhecia-se a falta da lei (mora legislativa), mas nada se fazia para resolver essa situação. Caso extremo foi a norma que declara o direito de greve do servidor público (art. 37, VII), que passou mais de 20 anos sem ser regulamentada pelo Congresso Nacional.

Tribunal Federal considerou que o mandado de injunção seria uma declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser comunicada ao órgão legislativo inadimplente para que promova a integração normativa do dispositivo constitucional nela objetivado.

Essa posição foi muito criticada pela doutrina, uma vez que se equiparava a injunção à ação direita de inconstitucionalidade por omissão  e, além disso, esvaziava a garantia constitucionalmente nela prevista.

Pode-se ver que, a partir da colação dos julgados, recentemente, o Supremo Tribunal Federal apresentou uma significativa evolução no entendimento da matéria, o que demonstra uma real preocupação com a efetivação dos direitos e garantias constitucionalmente previstos.

e acordo com a nova jurisprudência do STF, a decisão em MI resolve o caso concreto, não mais se limitando a certificar a ausência da norma regulamentadora: supre-se a falta.

Adotou-se, portanto, a posição que Alexandre de Moraes denomina “concretista geral”, pois o STF passa a resolver o caso concreto – mas, perceba-se, não apenas dos impetrantes, mas de quem que se encontre na mesma situação fática.

REFERÊNCIAS

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MELO, Raimundo Simão de. A greve no direito brasileiro. São Paulo: LTR, 2006.



[1] Acadêmica do Curso Direito 10º período da Universidade Estadual de Montes Claros.

[2] Acadêmico do Curso Direito 9º período da Universidade Estadual de Montes Claros.